Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
54/02.5EACBR
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: HENRIQUES GASPAR
Descritores: USURPAÇÃO DE OBRA
PROGRAMA INFORMÁTICO
ANALOGIA
PROPRIEDADE INTELECTUAL
DANO
MATÉRIA DE DIREITO
INDEMNIZAÇÃO
DANO EMERGENTE
LUCRO CESSANTE
PROVA
NEXO DE CAUSALIDADE
DIRECTIVA COMUNITÁRIA
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Legislação Nacional:
LEI Nº 16/2008, DE 1 DE ABRIL
CDADC, ARTIGO 195º, Nº1, ARTIGO 197º, Nº2, ARTIGO 211º (DL Nº 63/85, DE 14-03)
Legislação Comunitária: DIRECTIVA Nº 2004/48/CE DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 29-04-2004
Sumário :
I - A violação das normas relativas à protecção dos direitos inerentes à titularidade ou domínio de programas de computador pode constituir, e por regra constituirá, ofensa ao direito de outrem, nomeadamente quando a violação integrou também uma infracção de natureza criminal – o crime de usurpação de obra, p. e p. nos arts. 195.º, n.º 1, e 197.º, n.º 2, do CDADC, aprovado pelo DL 63/85, de 14-03.
II - A protecção dos programas de computador tem, por expressa remissão da lei, «protecção análoga» aos direitos de autor de obra literária. A analogia da protecção – analogia material – significa que, para além das regras sobre o regime geral da responsabilidade civil, valerão algumas especialidades de reparação que sejam típicas da protecção do direito de autor, quer nos respectivos pressupostos, quer, nomeadamente, quanto à previsão da natureza dos danos e ao estabelecimento de critérios de determinação do dano.
III - A determinação da existência e quantificação do dano constitui matéria de facto subtraída à cognição do STJ, limitada que está «exclusivamente ao reexame da matéria de direito» – art. 434.º do CPP.
IV - As formulações do regime legal do direito de autor sobre responsabilidade civil, vigentes ao tempo dos factos (antes e até 19-06-2002) eram escassas na previsão de especificidades, aplicando-se o regime geral.
V - E o regime geral – há que reconhecer – sobretudo no que se refere à determinação do dano e à avaliação quantificada do prejuízo, deixava marcas de dificuldade e adaptação sentidas na jurisprudência.
VI - Na violação do direito de propriedade intelectual – e também na protecção dos programas de computador – a determinação do dano emergente ou do lucro cessante pelos critérios da obrigação de indemnizar pode não se revelar inteiramente consistente, pela especificidade da violação, das consequências ou da quantificação do prejuízo e, particularmente, pela necessária demonstração no campo e segundo as regras da prova.
VII - Reconhecendo esta circunstância e as disparidades das regulações internas, também no que respeita ao cálculo da indemnização por perdas e danos, a Directiva n.º 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29-04-2004, estabeleceu regras com o objectivo de aproximar as legislações dos Estados membros, «a fim de assegurar um nível elevado de protecção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno». A Directiva fixa princípios e critérios para determinar as indemnizações por perdas e danos.
VIII - Para reparar o prejuízo sofrido em virtude de uma violação, o montante das indemnizações «deverá ter em conta todos os aspectos adequados, como os lucros cessantes para o titular, ou os lucros indevidamente obtidos pelo infractor, bem como, se for caso disso, os eventuais danos morais causados ao titular», «em alternativa», «quando
seja difícil determinar o montante do prejuízo realmente sofrido, o montante dos danos poderá ser determinado a partir de elementos como as remunerações ou direitos que teriam sido auferidos se o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual». No entanto, a Directiva afasta expressamente qualquer intenção de, assim, «introduzir a obrigação de prever indemnizações punitivas», mas de permitir um ressarcimento fundado num critério objectivo.
IX - A Directiva foi transposta para a ordem jurídica interna pela Lei 16/2008, de 01-04, sendo que na nova redacção do art. 211.º do CDADC se estabelecem critérios para determinação do montante de indemnização por perdas e danos, «patrimoniais e não patrimoniais»; contudo, a disciplina harmonizada relativa à determinação do montante da indemnização não é aplicável no caso, só valendo, como é da aplicação das leis no tempo (art. 12.º do CC), para os casos cujos pressupostos ocorram no futuro.
X - E, no caso concreto, as decisões das instâncias consideraram que não se verificava relação entre o facto e os danos, isto é, «que [o dano] possa ser considerado consequência do comportamento do indivíduo», não se tendo apurado a ocorrência de danos e que os mesmos sejam decorrentes da actuação dos recorridos com a prática do crime de usurpação, não se alcançando «que não fora a actuação dos demandados e as demandantes venderiam as cópias dos programas instalados, deixando de receber os quantitativos correspondentes ao seu valor comercial, pelo que não havendo aplicação da lei na sua versão actual, é de negar provimento ao recurso.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal






1. "... - Formação Tecnológica e Gás, Lda. ", pessoa colectiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.°... em ....

AA, ..., nascido a 29 de Março de 1968. natural de ..., filho de BB e de CC, residente na Rua ..., Lote ... -apartamento 1.1, em ... e

DD, ..., assistente administrativo, nascido ..., filho de EE e de FF, residente na Av. ..., n.º ... — ...., em ...,

foram submetidos a julgamento por factos que integrariam a prática, pelos segundo e terceiro arguidos, em co-autoria e concurso efectivo, um crime de reprodução ilegítima de programa protegido e um crime de usurpação, ambos na forma continuada, p. e p., respectivamente, pelos art.ºs 9° n.º 1 da Lei nº 109/91 de 17.08, 14º n.ºs 1 e 2 do D.L. n.º 252/94 e n.° 2 do Cód. Penal e, quanto à usurpação, p. e p. pelos art.ºs 195° n.° 1 e 197° n.º1, ambos do Código do Direito de Autor e Direitos Conexos, aprovado pelo D.L. n.º63/85 de 14.03, alterado pelas Leis n.º 45/85 de 1 7.09 e 114/91, de 03.09.

"A..., Inc.", com sede nos Estados Unidos da América, constituiu-se assistente e deduziu pedido de indemnização civil, peticionando a condenação dos demandados no pagamento da quantia de € 48.230,00, acrescida de juros, a título de reparação por danos de natureza patrimonial.

Posteriormente, com rectificação após instrução, a M...C...", com sede nos Estados Unidos da América, deduziu também pedido de indemnização civil, pedindo a condenação dos demandados no pagamento da quantia de€ 8.869.18 e juros.

Na sequência do julgamento, o arguido AA, foi condenado pela prática, em co-autoria, de um crime de usurpação negligente, p. e p. pelos art.°s 195° n.° 1 e 197° n.° 2 do CDADC, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 15,00 (quinze euros), perfazendo € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) ou, subsidiariamente, 66 (sessenta e seis) dias de prisão; e o arguido DD, pela prática, em co-autoria, de um crime de usurpação negligente, p. e p. pelos art.°s 195° n.° 1 e 197° n.° 2 do CDADC, na pena de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo € 1.000,00 (mil euros) ou, subsidiariamente, 66 (sessenta e seis) dias de prisão.

Os arguidos foram absolvidos da prática do crime de reprodução ilegítima de programa protegido, p. e p. pelos art.° 9° n.° 1 da Lei n.° 109/91 e, no caso da sociedade, com referência aos art.°s 3° n.° 1 e 10° n.°s 1 e 4.

Os pedidos de indemnização civil foram julgados improcedentes, e consequentemente, os demandados absolvidos dos pedidos.


2. As demandantes civis, A..., Inc." e M...C...",


recorreram para o tribunal da Relação, que, todavia, negou provimento aos recursos,


mantendo a decisão recorrida.


3. Não se conformando, a demandante cível A..., Inc. recorreu para


o Supremo Tribunal, com os fundamentos da motivação que apresentou e que termina com a formulação das seguintes conclusões:
1 Na apreciação dos pedidos de indemnização civil, feita pelo acórdão recorrido, subsiste uma errada aplicação do direito aos factos.
2 ª Nos termos da sentença recorrida praticaram os recorridos um crime em que infringiram de forma culposa, norma tuteladora de interesses alheios, norma essa constituída pelo conjunto pelo Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos e a "lei especial" que é o DL n° 252/94, de 20 de Outubro, a lei de protecção jurídica dos programas de computador.

3ª A sentença recorrida deveria ter indagado com que direito, com que título foram realizadas as cópias de programas de computador pelas quais o tribunal condenou os arguidos pela prática do crime de usurpação.

4ª Decorre da sentença e do acórdão recorrido que tais cópias foram feitas sem qualquer direito, contra a vontade dos titulares de direitos sobre aqueles concretos programas de computador.

5ª Também decorre das duas decisões que, a cada carregamento de um concreto programa de computador tem de corresponder uma licença de utilização concedida pelo titular de direitos de autor sobre aquele concreto programa, ou seja, aquilo a que o douto acórdão recorrido alude quando se refere à norma tuteladora de interesse alheios.

6ª É precisamente a essas cópias não autorizadas, referidas e reconhecidas como existentes que correspondem outras tantas licenças que os recorridos pura e simplesmente não adquiriram.

T Ou seja, a recorrente não "vendeu" as licenças que suportariam o carregamento desses mesmos programas em computador, pelo que não recebeu esses mesmos quantitativos correspondentes ao seu valor comercial.

8ª Para que qualquer pessoa aceda ou utilize uma obra protegida pelo Direito de Autor, no caso um programa de computador, uma de duas, ou dispõe de uma licença, como muito bem se diz na douta sentença, ou se acolhe a uma excepção prevista na lei. Não há "terceiras vias", "licenças obrigatórias" ou normas ad hoc que permitam outras formas de utilização de bens protegidos pelo Direito de Autor.

9ª No caso em apreço, e nos termos da lei aplicável, o utilizador de um programa de computador tem de ter obrigatoriamente uma licença para o poder carregar num qualquer computador.

IOª As cópias dos programas do recorrente, não suportadas por uma licença em vigor, são ilegítimas, não se estando aqui a julgar o que é que os recorridos fariam ou deixariam de fazer, mas o que efectivamente fizeram, ou seja, utilizaram, ou permitiram a utilização, sem título, de programas de computador cujos direitos pertencem ao recorrente.

11ª Por tudo isto, em sede de fixação da indemnização, deve o tribunal, no uso do seu poder soberano de avaliação do prejuízo efectivamente sofrido, regressar ao momento em que os titulares de direitos lesados, como o ora recorrente, teriam outorgado uma licença aos lesante, ora recorridos, É nesse momento que se iniciam as actividades lesivas.

12ª Daí que os recorridos, para utilizarem licitamente tais programas, teriam que ter adquirido as respectivas licenças o que, como assevera a douta sentença, não aconteceu.

13ª O tribunal deve fixar assim e nos termos da lei aplicável, a indemnização com base no preço das licenças que os recorridos deveriam ter pago ao recorrente antes de começarem a utilizar tais programas de computador pelo que, no caso em apreço, o quantum indemnizatório deve basear-se, como mínimo, no preço das licenças de utilização dos programas de computador em causa;

14ª O Direito de Autor é um direito absoluto, exclusivo, sendo que as obras que tutela só podem ser usadas ou sob autorização, sob forma de licença, do seu titular, ou com base numa excepção legal, de entre o critério fixo e inalterável da nossa lei;

15ª Os programas de computador, a sua tutela, constitui direito comunitário unificado, no caso uma directiva, onde é bem clara a sua vinculação ao Direito de Autor, ta! como definido nas convenções internacionais;

16ª No caso vertente, os recorridos foram condenados pela prática de crime, contra o Direito de Autor, de usurpação negligente;

17ª Nos termos da lei civil, é devida indemnização ao titular de um direito que o lesante violou ilicitamente com dolo ou mera culpa;

18ª Os recorridos usaram ou permitiram a utilização de obras tuteladas, pelo Direito de Autor, sem autorização, pelo que se impõe, claramente, a fixação de uma indemnização, atenta a especial natureza e o quadro normativo do direito em causa;

19ª Os tribunais nacionais são tribunais de primeira linha de Direito Comunitário;

20ª No caso vertente, cabe ao tribunal nacional interpretar a sua lei jusautoral à luz do espírito e do texto do direito comunitário em vigor;

Termina pedindo o provimento ao recurso revogando-se o acórdão recorrido na parte que absolve os demandados do pedido de indemnização cível formulado pela recorrente A..., condenando-os no pagamento dos pedidos de indemnização cível à demandante ora recorrente, conforme peticionado.


4. As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1. A arguida 'F... - Formação Tecnológica e Gás, Lda." é uma sociedade por quotas, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Coimbra (matrícula 8 050/00.0 1.26), sedeada em Coimbra, na Rua ..., onde dispõe de, pelo menos, quatro salas, e que tem por objecto a promoção e organização de formação profissional, prestação de serviços a empresas e particulares, recrutamento e selecção de

pessoal e formação profissional para a indústria do gás;

2. — Os arguidos AA e DD são gerentes da F... desde 12 de Dezembro de 2001;

3. — Em circunstâncias não apuradas foram instalados em 15 dos 25

computadores que a sociedade tinha à sua disposição nas suas salas (8 que lhe pertenciam e 7 pertencentes à sociedade F... - Formação Profissional, Lda., actualmente designada Y... — Formação Profissional, Lda.) diversos programas informáticos;

4. - Assim, aquando da acção de fiscalização às instalações da arguida efectuada no dia 19 de Junho de 2002 encontravam-se instalados, além de outros sem relevância para os autos, os seguintes programas:

A — Em 2 computadores — PCI e PC3 da sala 2 — o sistema operativo Windows 2000 Professional Português, versão QEM concebido e editado por M...C... e distribuído em Portugal pela Microsoft Portugal, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização, utilizando nos dois a mesma chave única do produto;

B — Em 2 computadores — PCI e PC3 da sala 2 — a aplicação Office 2000 Professional Português CEM, concebido e editado por M...C... e distribuído em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização:

C — Em 2 computadores - PC3 e PC6 da sala 1 — o programa Autocad Land Desktop 3, com o n.º de série 400-12345678, concebido, editado e distribuído por A... Portugal, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

D - Num computador - PC4 da sala 1 - o programa Autocad 2002 Versão de Educação, concebido, editado e distribuído por A... Portugal, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

E — Em 4 computadores — PCI, PC3, PC4 e PC6 da sala 2 — o programa Autocad 2000, concebido e distribuído por A... Portugal, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização:

F — Num computador — PC3 da sala 2— o programa Winzip 8.1, concebido e editado por Winzip Computing e distribuído em Portugal por Sector Zero, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

G — Num computador — PC4 da sala 1 — o programa Winzip 7.0, concebido e editado por Winzip Computing e distribuído em Portugal por Sector Zero, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

H — Num computador - PC6 da sala 1 — o programa Winzip 8.0, concebido e editado por Winzip Computing e distribuído em Portugal por Sector Zero, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

— Num computador — PC4 da sala 2 — o programa Arcview Gis 3.2 A, concebido e editado por Esri e distribuído em Portugal por Esri Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

J — Num computador — PC4 da sala 2 — o programa Panda Antivírus Titanium 2.01.03, concebido e editado por Panda Software e distribuído em Portugal por Panda Software Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

L — Num computador — PC3 da sala 2 - o programa Quake 2, concebido e editado por ID Software, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

M — Em 4 computadores — PC2, PC3, PC4 da sala 3 e PC4 da sala 6 — o sistema operativo Windows 2000 Professional Português CEM, concebido e editado por M...C... e distribuído em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detém os respectivos direitos de comercialização, sendo que em três deles foi feita cópia integral do disco rígido;

N — Em 3 computadores — PC3, PC5 e PC6 da sala 6 — o sistema operativo Windows 98 — 20 Ed. em Português CEM, concebido e editado por M...C... e distribuído em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detêm os direitos de comercialização, fazendo uma cópia integral do disco rígido;

O — Em 3 computadores — PC2, PC3 e PC4 da sala 3 — a aplicação Office 2000 Professional Português, concebida e editada por M...C... e distribuída em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

P — Num computador - PC3 da sala 6 - a aplicação Office 2000 Premium Português, concebida e editada por M...C... e distribuída em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

Q — Num computador — PC4 da sala 6 — a aplicação Office 2000 Haíl Business Edition CEM, concebida e editada por M...C... e distribuída em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

R - Em 3 computadores - PC2, PC3 e PC4 da sala 3-a aplicação Frontpage 2000 SR-1, concebida e editada por M...C... e distribuída em Portugal por Microsoft Portugal, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

S — Em 3 computadores — PC2, PC3 e PC4 da sala 3— o programa Wingate Pro V.4.4.2 + Serial, concebido e editado por Deerfíeld e distribuído em Portugal por Sector Zero, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

T — Em 4 computadores — PC3, PC4, PC5 e PC6 da sala 6 — o programa Flash 5.0 e respectivo ficheiro de instalação com Serial, concebido e editado por Macromedia e distribuído em Portugal por Minitel, empresas que detêm os respectivos direitos de comercialização;

U — Em 2 computadores — PC3 e PC5 da sala 6 - o programa Internet Neighbourhood 4.5. editado por Deerfíeld, empresa que detém os respectivos direitos de comercialização;

5. — De 12 de Dezembro de 2001 até 19 de Junho de 2002 a F... ministrou

as seguintes acções de formação;
- Are View Gis 3.2, 1 Acção;
- Autocad 2002, 1 Acção;
- Are View Gis 3.2,20 Acção;
- Autocad 2002, 20 Acção;
- Assistentes Técnicos à Construção;
- Estudos de ImpacTe Ambiental, 1 Acção;
- Projectistas de Rede de Gás;
- Regime Jurídico de Empreitadas, 1 Acção;

6.— Além disso cedeu as salas, computadores e programas neles instalados a outras entidades para aí ministrarem, entre outras, as seguintes acções de formação:

Curso de Técnicos de Comércio Electrónico, organizado pelo Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Telecomunicações e Correios e ministrado por Competir - Formação de Serviços, Lda.;

Curso de Técnico de Informática, organizado pelo Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Telecomunicações e Correios e ministrado por Competir — Formação de Serviços, Lda.

Excel, organizado pela Fundação Bissaya Barreto;

Especialista em Web Design, organizada pela M... - Marketing e Estratégias, Lda. e ministrada por Significado — Consultoria, Formação e Informática, Lda.;

Curso de Franchising, organizado pela Companhia Nacional de Serviços, S.A.;

Curso de Assistentes Comerciais, organizado pela Companhia Nacional de Serviços, S.A.;

Curso de Técnicos Administrativos, organizado pela Companhia Nacional de Serviços, S.A.;

7. Em 19 de Junho de 2002, quando as instalações da F... foram fiscalizadas, os programas atrás identificados encontravam-se ainda instalados nos computadores, sendo que alguns deles sistemas operativos Windows 2000 Professional Português OEM;

sistemas operativos Windows 98. 20 Edição, em Português, OEM;

as aplicações Office 2000 Professional Português, OEM,

o programa Autocad 2002 Versão Educação e,

o programa Arcview Gis 3.2 a, vinham a ser utilizados nas acções de formação organizadas pela F... e nas acções de formação organizadas pelos Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Telecomunicações e Correios e CNS - Aveiro, Lda.;
8. Acresce que, de 12 de Dezembro de 2001 a 19 de Junho de 2002, os arguidos AA e DD usaram, ou permitiram que outras entidades usassem, em acções de formação ministradas nas salas 1 e 2 da F..., os computadores onde, em datas anteriores e por pessoa(s) não indentificada(s), haviam sido instalados os sistemas operativos Windows 2000 Professional Português OEM (PCI, PC2, PC3, PC4 e PC6 da sala 2) e outras aplicações ou programas;
9. Fizeram-no sem que a F... ou eles próprios estivessem, em todas as situações, autorizados pelos seus criadores/editores/distribuidores mercê de instalações com o mesmo product key ou duplicação de discos ou mesmo, no caso do Norton Anti-Vírus, sem que fossem titulares das respectivas licenças, designadamente:

A) Em Dezembro de 2001, permitiram que a Fundação Bissaya Barreto utilizasse nas acções de formação em "Excel'

A.l — os cinco computadores, identificados por PCI, PC2, PC3, PC4 e PC6 da sala 2, onde estavam instalados sistemas operativos Windows 2000 Professional, Português, versão OEM;

A.2 — os programas Office 2000 Professional, Português, versão OEM, instalados nos PC l, PC3, PC4, PC5 e PC7 da sala 1;

A.3 — o programa Office 2000 Professional, Português, instalado no PC6 da sala 1;

A.4 — os programas Office 2000 Professional, Português, versão OEM, instalados nos PC2, PC4, PC6 e PC7 da sala 2, por Symantec e distribuído em Portugal por Minitel, instalado nos PC5, PC6 e PC7 da sala 1 e PC7 da sala 2;

B) Entre Maio e Junho de 2002 permitiram que a firma Marc —Marketing e Estratégias, Lda., na acção de formação denominada "Especialização em Web Design' utilizasse:

B.l - os cinco computadores, identificados por PCI, PC2, PC3, PC4 e PC6 da sala 2, onde estavam instalados os sistemas operativos Windows 2000 Professional Português, CEM;

B.2 — os programas Office 2000 Professional Português, OEM, instalados nos PC2, PC4, PC6 e PC7 da sala 2;

B.3— o programa Norton Antivírus 2001 7.0, concebido e editado por Symantec e distribuído em Portugal por Minitel, instalado no PC7 da sala 2;

C) Entre 19 de Abril de 2002 e 15 de Maio de 2002 permitiram que a Companhia Nacional de Serviços, S.A. utilizasse no "Curso de Franchising", "Curso de Técnicos Administrativos" e "Curso de Assistentes Comerciais":

Cl— os cinco computadores, identificados por PCI, PC2, PC3, PC4 e PC6 da sala 2, onde estavam instalados os sistemas operativos Windows 2000 Professional Português, versão OEM;

C.2— os programas Office 2000 Professional Português, versão OEM, instalados nos PC2, PC4, PC6 e PC7 da sala 2;

C.3— o programa Norton Antivírus 2001 7.0, concebido e editado por Symantec e distribuído em Portugal por Minitel, instalado no PC7 da sala 2;

C.4 — entre Março e Junho de 2002 utilizaram nas acções de formação designadas por "Projectistas de Rede de Gás", "Aut. Acção". "Regime Jurídico de Empreitadas Acção" os cinco computadores da sala 2, já supra referidos, com os sistemas operativos Windows 2000 Professional Português CEM, assim como o programa Norton Antivírus 2001 7.0, concebido e editado por Symantec e distribuído em Portugal por Minitel, instalados nos PC5, PC6 e PC7 da sala 1 e PC7 da sala 2;
10. Sabiam os arguidos que existiam programas e sistemas operativos instalados, que utilizavam ou permitiam a utilização, que se encontravam protegidos, por direito reconhecido, a favor de outrem;
11. Estavam cientes de que para esse efeito necessitavam de deter as respectivas licenças ou autorizações;

12. Os arguidos, ao não verificarem se as instalações efectuadas

correspondiam às licenças detidas e ao não controlarem, após as acções formativas,

eventuais instalações não autorizadas, não agiram com o cuidado e atenção que lhes era

exigido e eram capazes, assim lesando os direitos dos editores/autores;

Do pedido de indemnização formulado por "A..., Inc."

13. Entre os programas detectados e relativamente à demandante "A...,inc." encontravam-se instalados:
A) — duas cópias do programa Autocad Desktop 3 existente em cada um dos computadores descritos como PC3 e PC6 da sala 1;
B) - uma cópia do programa Autocad 2002 versão de educação, existente no computador descritos como PC4 (sala 1);
C) — quatro cópias do programa Autocad 2000 existente em cada um dos computadores descritos como PC 1, PC3, PC4 e PC6 (sala 2);

14. Pelo menos o programa Autocad 2002 esteve sempre a ser usado;
15. O custo de cada programa original é de:

A) — Autocad Land Desktop 3 - (5.950,00;

B) —Autocad 2002-(4.510,00;

C) — Autocad 2000- (4.510,00;

16. Para qualquer produto A... e para que este possa funcionar em

condições é necessário efectuar upgrades (actualizações) anuais para cada programa, sendo que o custo de cada actualização anual é de 10% sobre o preço de custo de cada produto, sendo que até à data da dedução do pedido os demandados deveriam já ter efectuado 4 upgrades dos referidos programas;


Do pedido de ináemnização formulado por "M...C... ":
17. Os programas iam sendo reproduzidos à medida que a arguida sociedade e os arguidos iam efectuando sessões e cursos de formação, e que os organizavam, assim como às empresas a quem a demandada foi cedendo salas e material informático;
18. Entre os programas detectados e relativamente à demandante 'M...C..." encontravam-se instalaaos:

A) — seis cópias do programa Windows 2000 Professional Português existentes em cada um dos computadores descritos como PCI e PC3 (sala 2) e PC2, PC3 e PC4 (sala3)ePC4(sala6);
B) — cinco cópias do programa Office 2000 Professional Português, existentes em cada um dos computadores descritos como PCI e PC3 (sala 2) e PC2, PC3 e PC4 (sala 3);
C) — três cópias do programa Windows 98 existentes em cada um dos computadores descritos como PC3, PC4, PC5 e PC6 (sala 6);
D) — uma cópia do programa Office 2000 Premium existente no computador descrito como PC3 (sala 6);

E) — uma cópia do programa Office 2000 Small Business existente no

computador descrito como PC4 (sala 6);

F) — três cópias do programa Frontpage 2000 existentes nos computadores

descritos como PC2, PC3 e PC4 (sala 3);

19. Os programas referidos em 21. — à excepção do Frontpage 2000 - estiveram

sempre a ser usados e não se limitaram a serem usados exclusivamente pelos demandados

e dentro da empresa 10 demandada, mas foram inclusive utilizados em acções de

formação organizadas pela sociedade P demandada, assim como nas acções de formação

organizadas pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, Sindicato

Democrático dos Trabalhadores das Telecomunicações e Correios e CNC —Aveiro, Lda.,

entre outros;

20. O custo de cada programa original referido em 18. é de:

A)— Windows 2000 Professional Português - € 335,65;

B) — Office 2000 Professional Portu

C)— Windows 98 - € 21 7,76;

D)— Office 2000 Premium - € 778,00;

E)— Office 2000 Small Business Português - € 700,00;

F)— Frontpage 2000- (818,00;

Mais se provou:
21. O arguido AA aufere, no exercício da sua actividade, quantia não inferior a (3.000,00 mensais;
22. O arguido AA vive com uma companheira, que se encontra desempregada, e com uma filha deste relacionamento com 4 meses, habitando o agregado em casa arrendada e pagando a título de renda € 600,00;
23. O arguido AA tem 2 filhos do seu casamento, com 12 e 8 anos de idade, que vivem com a ex-mulher, pagando o arguido, a título de alimentos, €750,00 a cada;
24. O arguido AA tem, como habilitações literárias, a licenciatura em Direito;
25. O arguido DD aufere, na sua actividade profissional, quantia não inferior a €l.100,00 líquidos;
26. A esposa do arguido DD é funcionária administrativa, auferindo mensalmente quantia não inferior a 6 700,00 líquidos;

27.0 arguido DD e a esposa vivem em casa própria, pagando € 700 mensais a título de prestação do crédito bancário contraído para a sua aquisição;

28. O arguido DD tem um filho com 4 anos, estando a esposa no

termo de prazo de nova gravidez;

29. Não são conhecidos antecedentes criminais aos arguidos;

30. Os arguidos são pessoas consideradas no meio social envolvente.

Factos não provados

AA e DD actuaram movidos pelo êxito que sucessivamente foram obtendo, em conjugação de esforços e intenções, de forma livre, voluntária e consciente, por si, em representação e no interesse da arguida F..., da qual eram gerentes, sabendo que utilizavam ou permitiam a utilização de programas para os quais não estavam autorizados pelos seus criadores/editores ou representantes/distribuidores e sem licenças ou autorização para o efeito;

Sabiam os arguidos que, para as acções ministradas pela F... ou por entes terceiros, estavam a ser utilizados ou poderiam sê-lo programas para os quais não detinham licença:

Relativamente à demandante A..., sabiam os arguidos que os programas iam sendo reproduzidos à medida que a arguida sociedade e os arguidos iam efectuando sessões e cursos de formação, e que os organizavam, assim como às empresas a quem a demandada foi cedendo salas e material informático, de forma a não terem mais custos;

Todos os programas referidos em 13, foram usados nas acções de formação da demandada ou promovidas por outras entidades, sendo que o Autocad 2002 ou os restantes referidos em 13 foram utilizados nas acções de formação organizadas pelo Sindicato Nacional dos Trabalhadores do Sector Ferroviário, Sindicato Democrático dos Trabalhadores das Telecomunicações e Correios e CNC — Aveiro, Lda., entre outros;

Os demandados, ao reproduzirem e utilizarem cada programa de computador sem para tanto estarem autorizados, deixou a demandante de emitir as respectivas licenças, frustrando assim as suas expectativas comerciais, pelo menos equivalentes ao custo de mercado de cada um dos programas;

Os demandados tinham programas Microsoft incorrectamente instalados ou sem licença de forma a não terem mais custos;

- Os demandados, ao reproduzirem e utilizarem cada programa de computador sem para tanto estarem autorizados, deixou a demandante Microsoft de emitir as respectivas licenças, frustrando assim as suas expectativas comerciais, pelo menos equivalentes ao custo de mercado de cada um dos programas.


5. A recorrente submete como objecto do recurso ao conhecimento do Supremo Tribunal, a responsabilidade dos demandados pela utilização ilegítima (sem licença) de programas de computador e a consequente reparação que entende ser devida por aquela .utilização.

O Decreto-Lei 252/94, de 20 de Outubro, estabelece o regime legal de protecção dos programas de computador, transpondo para a ordem jurídica interna a Directiva n" 91/250/CE, do Conselho, de 14 de Maio.

Aos programas de computador aplica-se, nos termos do disposto no artigo lº, n°2 , o regime de protecção do direito de autor: aos programas de computador «que tiverem carácter criativo» é «atribuída protecção análoga à conferida às obras literárias».

A remissão constitui, na expressão de JOSÉ ALBERTO C. VIEIRA ("A Protecção dos Programas de Computador pelo Direito de Autor", ed. Lex., 2005, p. 571, ss.), «uma das chaves para a interpretação da natureza jurídica dos programas de computador no direito português».

Por esta expressão na lei, o legislador não acolheu «uma transposição automática e integral do regime jurídico das obras literárias tradicionais» para os programas de computador, mas uma protecção que tem como modelo de compreensão a analogia com o regime do direito de autor, impondo que, «caso a caso», se verifique «se as normas jurídicas de protecção das obras literárias podem igualmente ser aplicadas aos programas de computador» (cf. "A Protecção", cit., p. 573).

A específica natureza dos programas de computador e os problemas particulares implicados pela protecção justificam, segundo autores (cf. GARCIA MARQUES e LOURENÇO MARTINS, "Direito da Informática", 2ª edição, 2006. 7. 570 ss.) a existência de um diploma autónomo que condense as normas específicas em relação à regulação dos direitos de autor de obras literárias.

A «protecção análoga» constitui, assim, a referência essencial e o elemento central de interpretação e do enquadramento das conexões e remissões entre o regime de protecção específico do Decreto-Lei n° 252/94, e os princípios, enquadramento, regras e soluções do direito de autor de obras literárias.

A remissão expressa da lei no artigo 1°, n° 2 do diploma, e a semântica da expressão («protecção análoga») configuram uma chamada de regime - analogia legis -dos direitos de autor, em tudo quanto não estiver condensado em normas específicas, designadamente a duração (artigo 4°), as condições de reprodução e transformação (artigo 5°), os direitos do utente (artigo 6°), os limites - condições de compatibilidade com os limites estabelecidos para o direito de autor (artigo 10°) ou a tutela penal e o nível e enquadramento da tutela penal dos programas de computador (artigo 14°).

Tudo, porém, são questões específicas, que na medida em que poderiam ter sido suscitadas (p. ex., a tutele penal), estão resolvidas nas decisões das instâncias, as quais, nessa dimensão constituem decisões definitivas por não poderem ser, pelas regras da admissibilidade, objecto de recurso.


6. A tutela de reparação pode ser concretizada através do regime próprio da responsabilidade civil.

A violação das normas relativas á protecção dos direitos inerentes à titularidade ou domínio de programas de computador pode constituir, e por regra constituirá, ofensa ao direito de outrem, nomeadamente quando a violação integrou também uma infracção de natureza criminal - o crime de usurpação de obra p. nos artigos 195°, n° 1 e 197°, n 2 do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), aprovado pelo Decreto-Lei n'' 63/85, de 14 de Março.




É a circunstância do caso sob recurso.

Com efeito, não vem discutida a prática de um acto ilícito imputável aos recorridos - nem poderia sê-lo uma vez que existe condenação penal transitada - nem que violaram normas que se destinavam a proteger interesses alheios.

A questão está apenas na existência, recte, na prova de danos.

As decisões das instâncias consideraram que se não verificava relação de causalidade entre o facto e os danos, isto é, «que [o dano] possa ser considerado consequência do comportamento do indivíduo», como se refere na sentença da P instância, aceite e assumida pela Relação.

Não se apurou, como foi decidido nas instâncias, a ocorrência de danos e que os mesmos sejam decorrentes da actuação dos recorridos com a prática do crime de usurpação, não se alcançando «que não fora a actuação dos demandados e as demandantes venderiam as cópias dos programas instalados, deixando de receber os quantitativos correspondentes ao seu valor comercial».

Isto porque «só existiria prejuízo se, decorrente das instalações e utilização dos programas emergisse a desnecessidade de proceder à sua compra e, na óptica das editoras, na não venda dos produtos».

Saliente-se que foi, aliás, por esta perspectiva e por este método de abordagem que a demandante e recorrente orientou e definiu os fundamentos do pedido de indemnização e os elementos de determinação do valor dos danos.

Nos artigos 15° a 19° do respectivo requerimento (fls. 1162 ss.), a demandante e recorrente A..., enunciando os «prejuízos» que a actuação dos demandados «lhe causou», alega especificamente que estes [pelo facto de estes] «ao reproduzir e utilizar ilegalmente cada programa de computador sem para tanto estar autorizados», «deixou de emitir as respectivas licenças, frustrando, assim, as suas expectativas comerciais», sendo, por isso, o prejuízo causado «não inferior ao custo no mercado de cada um dos programas» - artigo 15° do requerimento para indemnização civil.

Deste modo, na perspectiva da recorrente, esta «deixou de auferir os respectivos lucros», que «correspondem aos ganhos [...] que se frustraram», com os consequentes prejuízos «por não ter aumentado, em consequência, o seu património» - artigo 16° do requerimento.

A recorrente coloca, assim, os fundamentos na responsabilidade por facto ilícito, e o dano na frustração da venda das licenças pelo preço do mercado e por, desse modo, não ter aumentado, em consequência, o seu património. Isto é, em lucros cessantes.

A protecção dos programas de computador tem, como se salientou, por expressa remissão da lei, «protecção análoga» aos direitos de autor de obra literária.

A analogia da protecção - analogia material - significa que, para além das regras sobre o regime geral da responsabilidade civil, valerão algumas especialidades de reparação que sejam típicas da protecção do direito de autor, quer nos respectivos pressupostos, quer, nomeadamente, quanto à previsão da natureza dos danos e ao estabelecimento de critérios de determinação do dano.

O CDADC contém algumas disposições específicas sobre reparação e danos indemnizáveis - os artigos 210° e 211°, aquele dispondo sobre o uso ilegítimo do nome literário ou artístico, e este, na redacção vigente ao tempo dos factos, a prever um critério objectivo para cálculo da indemnização devida ao «autor lesado», mas apenas no caso de direitos artísticos, dada a limitação e a especialidade do critério: «importância da receita resultante do espectáculo ou espectáculos ilicitamente realizados».

O caso sub juducio não cabe em qualquer destas hipóteses.

Há, por isso, que chamar as regras gerais relativas aos pressupostos da responsabilidade civil e os critérios de determinação do dano como conteúdo da obrigação de indemnizar - artigos 562° e segs. do Código Civil.

A natureza do direito de autor, e consequentemente dos direitos de protecção análoga, pode envolver, por regra, dimensão não patrimonial pela afectação (do espaço de criatividade) da personalidade do autor, traduzida na usurpação ou utilização ilegítima da obra - e por isso, para o nome literário ou artístico, o artigo 210° do CDADC.

Porém, este lado das coisas está fora do âmbito de análise e de apreciação do recurso, porque a demandante o não considerou nos limites do pedido, dispensando a abordagem sobre a especificidade que, nesta perspectiva, possa ter a protecção dos programas de computador.

A discussão sobre os danos ficou limitada aos danos patrimoniais, e assim foi considerada e objecto de decisão nas instâncias.

Decisão negativa - e em termos de apreciação sobre os factos, ou seja, de pura decisão em matéria da facto.

Com efeito, perante os termos em que a demandante cível e recorrente colocou a questão e fundamentou o pedido de indemnização, a decisão sobre a existência de dano -no sentido, complexo, de ofensa de bens ou interesses alheios que tenha uma expressão pecuniária do prejuízo - constitui, antes de mais, uma decisão dependente da apreciação sobre factos com a finalidade de determinar, material e quantificada, se em que medida, em consequência da lesão, a recorrente deixou de receber benefícios, com a frustração de algum acréscimo patrimonial.

A determinação da existência e da quantificação do dano constitui matéria de facto subtraída á cognição do Supremo Tribunal, limitada que está «exclusivamente ao reexame da matéria de direito» - artigo 434° do CPP.

As instâncias, colocadas neste quadro delimitado de fundamentos, apreciando e decidindo sobre o material probatório que lhes foi apresentado, não decidiram positivamente, considerando, como consta dos factos não provados, não se ter provado que a demandante «deixou de emitir as respectivas licenças», «frustrando as suas expectativas comerciais, pelo menos equivalentes ao custo de mercado de cada programa».

E a decisão sobre a matéria de facto está isenta de qualquer dos vícios do artigo 410°, n° 2 do CPP - que, a existir, seria de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 434° do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência n° 7/95, de 19 de Outubro (DR, I série-A, de 28 de Dezembro de 1995); o julgamento não é contraditório, nem afecta as regras da experiência, considerando os factos provados sobre a actividade desenvolvida pelos demandados e a ordenação possível dos factos e a sua conjugação com a vontade. A utilização dos programas sem licença afectou interesses e foi sancionada criminalmente, mas esta circunstância não é, no domínio dos factos, incompatível com a formulação do juízo de facto das instâncias no sentido de não se demonstrar que os demandados teriam adquirido as licenças e que a recorrente as teria vendido. E só nessa medida é que se verificaria a frustração de acréscimo patrimonial, que constitui o fundamento de facto alegado pela recorrente para integrar e quantificar os danos que invoca.

Esta decisão em matéria de facto não integra os poderes de reapreciação do Supremo Tribunal.

7. As formulações do regime legal do direito de autor sobre responsabilidade civil, vigentes ao tempo dos factos (antes e até 19 de Junho de 2002) eram, como se referiu, escassas na previsão de especificidades, aplicando-se o regime geral.

E o regime geral - há que reconhecer - sobretudo no que se refere à determinação do dano e á avaliação quantificada do prejuízo, deixava marcas de dificuldade e adaptação sentidas na jurisprudência.

Na violação do direito de propriedade intelectual - e também na protecção dos programas de computador - a determinação do dano emergente ou do lucro cessante pelos critérios da obrigação de indemnizar pode não se revelar inteiramente consistente, pela especificidade da violação, das consequências ou da quantificação do prejuízo e, particularmente, pela necessária demonstração no campo e segundo as regras da prova.

Reconhecendo esta circunstância e as disparidades das regulações internas, também no que respeita ao cálculo da indemnização por perdas e danos, a Directiva n° 2004/48/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, estabeleceu regras com o objectivo de aproximar as legislações dos Estados membros, «a fim de assegurar um nível elevado de protecção da propriedade intelectual equivalente e homogéneo no mercado interno» - "Considerando" 10.

A Directiva fixa princípios e critérios para determinar as indemnizações por perdas e danos - "Considerando" 26 e artigo 13°.

Para reparar o prejuízo sofrido em virtude de uma violação, o montante das indemnizações «deverá ter em conta todos os aspectos adequados, como os lucros cessantes para o titular, ou os lucros indevidamente obtidos pelo infractor, bem como, se for caso disso, os eventuais danos morais causados ao titular», «Em alternativa», «quando seja difícil determinar o montante do prejuízo realmente sofrido, o montante dos danos poderá ser determinado a partir de elementos como as remunerações ou direitos que teriam sido auferidos se o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar o direito de propriedade intelectual». Mas, a Directiva afasta expressamente qualquer intenção de, assim, «introduzir a obrigação de prever indemnizações punitivas», mas de permitir um ressarcimento fundado num critério objectivo.

O artigo 13° fixa em norma a disciplina que concretiza esta intenção.

A Directiva foi transposta para a ordem jurídica interna pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril.

Na nova redacção do artigo 211° do CDADC, estabelecem-se critérios para determinação do montante da indemnização por perdas e danos, «patrimoniais e não patrimoniais». Na fixação desse montante, dispõe o nº 2, o tribunal deve atender «ao lucro obtido pelo infractor, aos lucros cessantes e danos emergentes sofridos pela parte lesada e aos encargos por esta suportados com a protecção do direito [...], bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito».

O tribunal deve atender também o aos danos não patrimoniais - nº 4.

E, «na impossibilidade de se fixar», nestes termos, «o montante do prejuízo efectivamente sofrido pela parte lesada», se não houver oposição desta, pode o tribunal, «em alternativa», estabelecer uma quantia fixa com recurso á equidade, que «tenha por base, no mínimo, as remunerações que teriam sido auferidas caso o infractor tivesse solicitado autorização para utilizar os direitos em questão» e os «encargos suportados» pela parte lesada com a protecção do direito, bem como com a investigação e cessação da conduta lesiva do seu direito - n° 5.

A disciplina harmonizada relativa à determinação do montante da indemnização não é, contudo, aplicável no caso, só valendo, como é da aplicação das leis no tempo (artigo 12º do Código Civil), para os casos cujos pressupostos ocorram no futuro. Quer se refira à entrada em vigor das alterações introduzidas no CDADC pela Lei n° 16/2008, quer mesmo se pudesse ser considerado efeito directo da Directiva após a expiração da obrigação de transposição - 29 de Abril de 2006.


8. Nestes termos, nega-se provimento ao recurso, confirmando o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.

Supremo Tribunal de Justiça, 13 de Janeiro de 2010

Henriques Gaspar (Relator)

Armindo Monteiro