Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
184/06.4TBTND.C1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: EXCEPÇÃO DE NÃO CUMPRIMENTO
FALÊNCIA
EXCEPÇÃO MATERIAL DILATÓRIA
EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA
VENDA DE BENS DEFEITUOSOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 09/30/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Legislação Nacional: CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ARTIGO 493º, 496º, 673º
CÓDIGO CIVIL, ARTIGO 428º, 911º, 914º
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE 16 DE NOVEMBRO DE 2009, WWW.DGSI.PT, PROC. Nº 674/02.8TJVNF.S1)
Sumário : 1. A excepção de não cumprimento do contrato não é de conhecimento oficioso: tem de ser oportunamente alegada pelo interessado.
2. Provado um defeito relevante da coisa vendida, cabe ao comprador exercer os direitos que a lei lhe confere, não podendo o tribunal substituir-se-lhe.
3. A prova do defeito não extingue o dever de pagar o preço; e a circunstância de caber à ré optar pelos diversos remédios que a lei prevê, tendo em conta a sua hierarquia e a diferença de requisitos, impedem nomeadamente que se determine a redução do preço, em conformidade com os defeitos.
Decisão Texto Integral:
Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:



1. Massa Falida de AA – Construções Metáticas, Lda., instaurou uma acção contra BB – Compra e Venda de Imóveis, Lda., pedindo a sua condenação no pagamento de € 66.147,32, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos, até integral pagamento, e a imposição de uma sanção pecuniária compulsória, nos termos do artigo 829º-A do Código Civil.
Como fundamento, alegou que a sociedade AA, Lda., forneceu à ré os bens e serviços constantes das facturas que identificou, no valor total de € 44.095,44, que a ré aceitou mas não pagou, apesar de instada a fazê-lo. E que, à data da propositura da acção, 13 de Maio de 2006, os juros vencidos ascendiam a € 14.632,01.
A ré contestou, por impugnação e por excepção. Alegou, para o que agora especialmente interessa:
– que parte da mercadoria referida apresentava defeitos:
- “o contentor/escritório, referido na factura nº 6012, encomendado pela R., foi entregue pela A. sem frente em alumínio e sem soalho”; “mais grave ainda, sem a devida instalação eléctrica”; reclamara perante a AA, “para levantamento de tal contentor, com vista a eliminação de tais defeitos, o que não aconteceu”:
- “tendo encomendado um contentor/dormitório com casa de banho (factura nº 6030), veio a AA a entregar um contentor de arrumação de máquinas e ferramentas”, tendo reclamado;
- a AA não eliminou os defeitos, “vindo (…) a encerrar em início de Julho de 2003”, remetendo-se “a então gerência da A. (…) ao silêncio, bem sabendo que tal bem” [os referidos contentores] não tinha o valor pelo qual veio a ser facturado, mas bastante inferior ao contratado”,
– e que outra não tinha sido encomendada nem fornecida: os “bens/serviços referidos na factura nº 6039” e “os serviços referidos nas facturas nº 547 (…) e (…) nº 551 (…)” nunca foram solicitados à AA, nem prestados, tendo esta acordado na anulação das facturas “ou emissão de uma nota de crédito no montante de 36.000 €”.
Disse ainda que, em 30 de Junho de 2003, a AA lhe enviou uma nota de crédito de € 10.000,00, mas que encerrou sem lhe enviar “os restantes documentos, ou seja, as notas de créditos em falta ou anulação das facturas”; que ficou com vários créditos sobre a AA, que aliás reclamou no processo de falência, mas que “tendo a A. eventuais créditos dos produtos entregues (Facturas 6012 e 6030), repita-se com defeitos e com características bem diferentes das solicitadas pela R., esta só por uma questão legal (falência) não pode, por via da excepção de compensação, compensar tais créditos, no entanto por razões de justiça e equidade, a presente acção não terá provimento”.
E que, contrariamente ao afirmado pela autora, nunca lhe tinha sido exigido qualquer pagamento; que “o valor contabilístico aberto em extracto de conta é do montante de 39.095,44 € e nunca dos reclamados 44.095,44 €, que diga-se, sempre se contestou tal montante perante a A.”.
Concluiu que a acção devia ser julgada improcedente.
A autora replicou, nomeadamente impugnando grande parte dos factos alegados na contestação, sustentando que uma “eventual responsabilidade da empresa falida por incumprimento contratual (…) se resolveria com recurso a acção cíveis e que agora são questões perfeitamente irrelevantes, em relação à autora, Massa Falida, por lhe serem inoponíveis”, requerendo “que fique especificado por confissão: que a ré deve à autora a quantia de, pelo menos, € 39.095,33” e afirmando que a escrita da AA e da ré demonstram a existência do débito que reclama na acção.
Pela sentença de fls. 232, a acção foi julgada parcialmente procedente. A ré foi condenada a pagar à autora a quantia de € 17.469,20, correspondentes ao preço de mercadoria fornecida e de serviços prestados, acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento; e ainda, a título de sanção pecuniária compulsória, de juros à taxa de 5% ao ano, desde o trânsito em julgado até integral pagamento.
Em síntese, a sentença considerou que a autora não tinha feito prova de que a AA tinha fornecido algumas das referidas mercadorias, correspondentes às facturas nºs 6030, 6037 e 551; que, relativamente ao contentor escritório (factura nº 6012), fora entregue inacabado, o que conferia à ré o direito de recusar o pagamento enquanto não fosse reparado, nos termos da excepção de não cumprimento (artigo 428º do Código Civil); que não ficou demonstrado a que fornecimentoscorrespondia a nota de crédito de € 10.000,00 enviada à ré pela AA; que, portanto, havia que pagar “o preço dos portões para pintura/decapagem; soldar caminho da ponte, no valor de € 6.711,60 [factura nº 6039], e do reclamo publicitário outdoor, no valor de € 10.757,60, que ascendem na totalidade a 17.469,20 [factura nº 547].
A sentença foi confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de fls. 297.

2. A Massa Falida de AA recorreu para o Supremo Tribunal da Justiça; o recurso, ao qual não são aplicáveis as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, foi admitido como revista, com efeito devolutivo.
Nas alegações que apresentou, formulou as seguintes conclusões:

«1. Não existe matéria dada como provada, na sentença recorrida da 1ª instância e agora também confirmada pelo TRC, que permita concluir se o contentor encomendado pela ré à sociedade "AA, Lda." deveria ou não conter o que nas mesmas e doutas decisões recorridas aí vem qualificado como defeitos. Isto é a ré não alegou matéria sobre que tipo de contentor encomendou à AA e, agora, por inexistência de matéria já não se poderá saber. Se com aqueles elementos que diz faltarem (e na sentença dados como provados) se sem aqueles elementos.
2. O mesmo será dizer que não há matéria para concluir que a mesma sociedade "AA, Lda." tenha incumprido a encomenda que lhe foi feita daquele concreto contentor (se foi assim encomendado, naquelas condições, ou outras que se desconhecem, e se assim foi entregue, então, não poderá existir incumprimento).
3. Há indícios que assim tenha sido e as regras da experiência comum vão inevitavelmente no sentido de que assim tenha sido: que a ré tenha comprado apenas aquele contentor que lhe foi entregue pela AA e naquelas concretas condições considerando a diferença de preço para os restantes contentores constantes do facto n°.4 dado como provado e relativo às facturas nºs. 6030 e 551. Por outro lado,
4. A matéria dada como provada nestes autos não comporta a aplicação do instituto jurídico previsto no Art.428° do Código Civil. Primeiro, porque a autora, ora recorrente, é pessoa (material e juridicamente) diversa da sociedade "AA, Lda." que era quem estava obrigada à contra-prestação – cfr. factos dados como provados de 1 ° a 3° da douta sentença do T.J. de Tondela mostrando-se impossível exigir e pretender o cumprimento por parte da autora, ora recorrente (massa falida ) da contra-prestação que, no entendimento das anteriores instâncias, está em falta.
5. Mais não significa isto que, "in casu", se verifica uma claríssima impossibilidade objectiva e concreta de cumprir a eventual contra-prestação que estivesse em falta, por razões também processualmente objectivas: a liquidação do património da falida a tal impede e não se configura materialmente nestes autos nenhuma das situações previstas no Art. 151º e sgts. do CPEREF e do Art. 431º do Código Civil.
6. A aplicar o Art.428° ao caso concreto destes autos, as anteriores instâncias, na prática, "transformaram" o incumprimento de uma prestação ou o seu cumprimento defeituoso – que nos poderia levar à mora definitiva, perda do interesse, resolução e eventual indemnização – em incumprimento definitivo; configurando essa situação, nestes autos em concreto, uma autêntica e inadmissível extinção completa da obrigação relativamente a tal débito (por impossibilidade de cumprimento) e consequente enriquecimento sem causa da ré, no que a esta parte diz respeito (factura nº 6012, de 07/03/2003, no valor de € 2.737,00).
7. A atentar na situação concreta dos autos, "maxime", concede-se apenas por dever de patrocínio, verificar-se-ia apenas uma situação de incumprimento definitivo e já não de excepção de incumprimento – o que também é inviável verificar-se em concreto nestes autos, por absoluta falta de matéria de onde se possa retirar tal ilação ou consequência.
8. É jurisprudencial e doutrinalmente pacífico que só é possível a aplicação deste instituto aos casos em que a prestação em falta (dentro do feixe dos direitos e deveres contratuais em concreto) se mostre e emirja como essencial e já não como acessória. A sua importância, para o credor, deverá legitimar a sua invocação.
Ora, matéria nenhuma, nestes autos, nos permite qualificar de uma forma ou de outra os alegados defeitos e nem sequer está alegado pela ré que não queria o dito contentor caso ele não contivesse aqueles elementos. A ré apenas alegou que o dito contentor não possuía aqueles elementos: isto e só isto, nada mais. Ao invés, ficou demonstrado que a ré ficou com o mesmo contentor na sua posse e uso.
9. Por outro lado, e ainda que se verificasse incumprimento parcial, tal incumprimento apenas concederia à ré o direito e uso de tal excepção na proporção desse incumprimento e não em sentido total. À inexecução parcial apenas pode ser oposta uma parcial recusa de prestar e já não total (como entendido e concedido pelas anteriores instâncias). Assim,
10. A parte da recusa da prestação deverá ser proporcional à parte incumprida, podendo, "maxime", verificar-se redução do preço, caso haja perda total do interesse no cumprimento e resolução e, salvo o devido respeito, nenhuma matéria provada permite que se efectue tal subsunção jurídica.
11. O problema suscitado nas conclusões 9a e 10ª destas alegações não poderá ser qualificado como uma "Nova Questão", como o faz o TRC, uma vez que se trata da correcta aplicação do instituto jurídico que o próprio Tribunal Judicial de Tondela aplicou e que o Tribunal da Relação de Coimbra confirmou no douto acº agora em recurso;
12. Tratar-se-á, sim, quer da interpretação e aplicação do instituto em causa, quer da confirmação dos seus respectivos pressupostos fácticos e jurídicos, nenhuma razão existindo para que não possam ser discutidos e julgados em sede de recurso.
13. Por fim, dir-se-á ainda que é igualmente pacífica a doutrina e a jurisprudência no sentido de que a excepção prevista no Art.428° do C.C. só poderá operar se expressamente invocada e alegada. Ora, compulsados os autos, verifica-se que em momento algum a ré alegou e suscitou a aplicação deste instituto jurídico.
14. Razões que levam a recorrente a pugnar pela não aplicação do Art.428° do C.C. ao caso dos autos e na condenação da ré em conformidade com tal desaplicação, pela condenação no pagamento à autora do valor de € 2. 73 7 ,00.
15. Por fim, e salvo o devido respeito, será inadmissível que a contabilidade da própria ré, que espelha fielmente esses débitos, de todas estas facturas – cfr. fls. 61ª dos autos – seja qualificado pelo tribunal de 1ª instância como pouco rigorosa e que esse pouco rigor beneficie a própria ré, faltosa, e prejudique a autora: compensando assim o "crime" de não ter contabilidade transparente. E, ainda que concedendo, em tese geral, nesse argumento, não poderá agora e por causa de tal facto, ser a autora a penalizada pelo facto da contabilidade da ré poder ser considerada (e não sabemos se o é ou assim pode ser qualificado) como pouco rigorosa (sibi imputat), em clara violação do preceituado nos Arts.18°nº .2 e 4; 29° e 30° Código Comercial e no Código das Sociedades Comerciais – que, assim, se mostram violados.
16. O argumento usado para assim convencer, de que o sócio gerente das duas empresas, ré e AA, à data, era o mesmo, servirá nos dois sentidos e não apenas no sentido penalizante para a autora e nunca poderá sustentar qualquer convencimento do julgador, seja em que sentido for.
17. O que podemos saber com toda a certeza é apenas que a contabilidade da ré espelha esses fornecimentos e débitos e que, por isso, indicia sob fortes probabilidades e contra esta mesma ré, a existência desses fornecimentos e respectivas dividas – sob pena de descredibilização total de qualquer elemento contabilístico que haja de ser apreciado e que essa eventual falta de rigor prejudique quem dela não tem qualquer culpa ou responsabilidade, como é o caso da autora, nestes autos.
18. Razões que, e continuando a ressalvar o devido respeito, levam a que a recorrente entenda que, neste particular, as instâncias anteriores incorreram em claro erro de julgamento no que a este particular respeita, devendo ser proferida condenação da ré no pagamento à autora, nos exactos termos que foram considerados pela autora, ora recorrente, na presente acção.
19. Desta forma, e salvo o devido respeito, pela errada interpretação e aplicação dos Arts.428° e 431 ° do Código Civil, dos Arts.151 ° e sgts. do CPEREF e do Art.653° do CP Civil;
20. Deverá o douto acº recorrido ser inteiramente revogado e substituído por outro, a proferir por V. Exas., Mmos. Juízes Conselheiros, que concedendo nas conclusões agora formuladas, condene a ré no pagamento à autora das quantias de €2. 737,00 relativa à factura nº.6012; €12.614,00 relativa à factura n°.6030; €29,74 relativa à factura n°.6037; €10.757,60 relativa à factura nº .547, bem como ainda no valor de 5% sobre o montante global da condenação, a título de sanção pecuniária compulsória (seguindo o mesmo e douto critério que foi seguido para a parte da acção julgada procedente).»

Não houve contra-alegações.

3. Vem provada o seguinte:

1. Mediante sentença, já transitada em julgado, proferida nos autos de falência n°.8l2/03.3 TBTND que correm termos pelo 2°.Juízo do Tribunal Judicial de Tondela foi decretada a falência da sociedade comercial por quotas "AA ­– Construções Metálicas, Lda.", tendo sido nomeada liquidatária a Sra. Dra. CC.
2. A Ré é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada que se dedica à compra e venda de imóveis.
3. A AA – Construções Metálicas, Lda. era uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada e tinha por objecto social construções metálicas e serralharia civil em geral.
4. A sociedade AA, Lda. emitiu as facturas números:
- 6012 - contentor escritório, datada de 07/03/2003, no valor de 2. 737.00;
- 6030 - contentor dormitório com casa de banho datada de 04/04/2003, no valor de 12.614,00;
- 6037 - guia de remessa n° 477; e guia de remessa n° 469 datada de; 23/05/2003 no valor de 29,74;
- 6039 - portões para pintura/decapagem; soldar caminho da ponte datada de 23/05/2003, no valor de 6.711,60;
- 547 - reclamo publicitário outdoor datada de 24/06/2003 no valor de 10.757,60
- 551- contentor para ferramentas com WC datada de 30/06/2003, no valor de 11.245,50.
5. A ré encomendou à AA um contentor-escritório.
6. A ré encomendou à AA um contentor-dormitório.
7. A AA fabricou portões que aplicou nas instalações de que é arrendatária, sendo a ré proprietária.
8. No exercício da sua actividade comercial, na prossecução do seu objecto social e a pedido da R. a sociedade AA, Lda. forneceu aquela pelo menos os bens que constam das facturas Nºs 6012, 6039 e 547 referidas em 4.
9. A R. recebeu as facturas referidas em 4.
10. O contentor/escritório foi entregue sem frente em alumínio nem soalho, nem instalação eléctrica.
11. A R. alertou a AA, Lda. para o facto do contentor aludido em 10. se encontrar inacabado nos termos ali descritos e para proceder ao acabamento do mesmo.
12. Em 30/06/03 enviou a AA à R. uma Nota de Crédito n° 313 C, no montante de 10.0000€.
13. A AA, Lda. encerrou em Junho-Julho de 2003.
14. Nunca tendo procedido ao acabamento do contentor escritório aludido em 10.

4. Cumpre conhecer do recurso.
Nas conclusões das alegações, a recorrente pede a revogação do acórdão recorrido e a condenação da ré no pagamento “das quantias de €2. 737,00 relativa à factura nº.6012; €12.614,00 relativa à factura n°.6030; €29,74 relativa à factura n°.6037; €10.757,60 relativa à factura nº .547”
No entanto, no corpo das alegações, nada se refere que diga respeito à improcedência do pedido de condenação no pagamento das facturas nºs 6030 e 6037, por falta de prova. Não se apresenta nenhum argumento que a permita revogar. Há que ter em conta que, em qualquer caso, o Supremo Tribunal da Justiça não poderia alterar a decisão da matéria de facto fora dos limites previstos no nº 2 do artigo 729º do Código de Processo Civil, como seria indispensável para poder analisar a questão a que se refere a conclusão 15ª.
Quanto à factura nº 547, nada há a apreciar, porque a ré foi condenada no pagamento dos respectivos € 10.757,60.
Considerar-se-á assim, tão somente, o que respeita à factura 6012 – contentor escritório, no valor de € 2.737,00, que, segundo a ré alegou e provou, lhe foi entregue inacabado, “sem frente em alumínio nem soalho, nem instalação eléctrica” (pontos 8, 10, 11, 14 dos factos provados).

5. A questão fundamental a resolver traduz-se, como é manifesto, em saber se procede a excepção de não cumprimento do contrato, com base na qual as instâncias absolveram a ré do pedido de condenação no pagamento do preço, acrescido de juros.
Tal como a recorrente observa, não há qualquer dúvida de que a excepção de não cumprimento do contrato não é de conhecimento oficioso: tem de ser alegada pelo interessado, como meio de “paralisar temporariamente a pretensão da contraparte” (acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Novembro de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 674/02.8TJVNF.S1) – cfr. artigo 496º do Código de Processo Civil.
Na verdade, traduz-se na faculdade, em cujo exercício o juiz se não pode substituir à parte, de recusar o cumprimento de uma obrigação contratual invocando a não realização, pela contraparte, de prestações “correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra” (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I vol. anotação ao artigo 428º do Código Civil), para cuja realização não haja prazos diferentes. Se procedente, conduz à absolvição do pedido, mas não definitiva (cfr. o artigo 673º do Código de Processo Civil, quanto ao alcance do caso julgado formado), pois não extingue o direito exercido pela parte contrária; sendo por este motivo doutrinalmente qualificada como excepção material dilatória, como todos sabemos, mas funcionando, no contexto do Código de Processo Civil, como excepção peremptória (cfr. artigo 493º, nº 2).
Ora, na contestação (toma-se como referência a que consta de fls. 91, apresentada na sequência do convite para completar a que anteriormente apresentara), a ré BB não invocou a excepção de não cumprimento, nem expressa, nem implicitamente. Nada no respectivo texto indica que apenas pretendia paralisar temporariamente o direito de cobrar o preço do contentor fornecido e entregue (está provada a entrega, cfr. ponto 10 da matéria de facto provada e contestação).
Muito pelo contrário: a defesa ali deduzida é incompatível com esse efeito de suspensão temporária, como resulta da descrição feita. Basta lembrar o que a ré disse quanto à impossibilidade de opor a compensação de créditos, em consequência da falência, e à observação de que, por razões de justiça e tendo em conta essa impossibilidade, devia ser absolvida do pedido.
A Relação assentou a alegação da excepção de não cumprimento nos artigos 3º, 4º, 9º, 12º, 26º, 29º e 30º da contestação; mas em tais artigos a ré limita-se a descrever os defeitos do contentor (artigos 3º e 4º), a alegar que reclamou em certas datas (9º e 26º), mas que os defeitos não foram eliminados (artigo 12º), e a dizer que não pode opor a compensação entre “eventuais créditos [da autora] dos produtos entregues (facturas 6012 e 6030)” com créditos de que ela, BB, “era credora da A. de quantias avultadas”, por razões legais (artigos 29º e 30º. que têm de ser lidos em conjunto com o artigo 28º).
Não resulta desses artigos que a ré estivesse a pretender justificar o não pagamento do preço enquanto os defeitos não fossem corrigidos (não entrando agora em linha de conta com os demais requisitos de procedência da excepção em causa). Note-se que os créditos que a ré invocou como base para uma hipotética compensação são aqueles a que se refere o documento de fls. 60.
Para além do mais, ver na contestação a alegação, forçosamente implícita, da excepção de não cumprimento lesou significativamente o exercício do contraditório por parte da autora, que só em recurso teve a oportunidade de discutir a verificação dos respectivos requisitos.

6. Não tendo sido invocada, não pode o tribunal substituir-se à ré e julgar improcedente o pedido de pagamento do preço em consequência da procedência da excepção. E assim sendo, não há que analisar as objecções suscitadas pela recorrente, nomeadamente nas conclusões 4ª a 12ª.

7. Todavia, contrariamente ao que a recorrente afirma, há prova suficiente de que o contentor entregue estava inacabado, como o acórdão recorrido observou – pontos 10 e 14 da matéria de facto provada. Nem faria sentido desonerar a autora de provar as características do contentor encomendado, para o efeito de se dar como assente o contrato, impondo à ré a sua demonstração; sobre ela apenas incumbiria o ónus de provar a divergência em relação a tais características, nos termos exigidos pelo regime da venda de coisa defeituosa (artigos 913º e segs.).
Com efeito, embora a AA se dedicasse às “construções metálicas e serralharia civil em geral” (ponto 3 da matéria de facto), só está assente que forneceu à ré o contentor que agora interessa (ponto 8), e não que o fabricou. Na fundamentação do julgamento de facto (fls. 219 e segs.) afirma-se expressamente que não foi fabricado pela AA (fl. 221). São pois aplicáveis, sem qualquer hesitação, as regras da compra e venda de coisas defeituosas.
As instâncias deram como demonstrado que as falhas provadas no contentor encomendado para escritório implicavam que “é óbvio não estar o mesmo dotado das condições mínimas para funcionar como tal” (acórdão recorrido, fl. 304, verso), consistindo portanto num defeito relevante (nº 1 do citado artigo 913º).
Assim sendo, a ré dispunha dos direitos que os artigos 914º e segs. do Código Civil lhe conferem, bem como do regime do incumprimento contratual, em termos gerais. Todavia, não exerceu nenhum desses direitos na presente acção, limitando-se a pedir que a mesma fosse julgada improcedente.
Desta forma, não podendo o tribunal substituir-se à ré, o pedido de condenação procede. A prova do defeito não extingue o dever de pagar o preço; e a circunstância de caber à ré optar pelos diversos remédios que a lei prevê, tendo em conta a sua hierarquia e a diferença de requisitos, impedem nomeadamente que se determine a redução do preço, em conformidade com os defeitos (cfr. artigos 914º e 911º do Código Civil.

8. Há pois que conceder provimento parcial à revista, condenando a ré também no pagamento dos € 2.737,00 correspondentes à factura nº 6012, ou seja, no montante global de € 20.206,20, acrescido dos juros moratórios e da sanção pecuniária compulsória, nos termos decididos em 1ª Instância e confirmados pela Relação.

Assim, concede-se provimento parcial à revista, condenando a ré BB – Compra e Venda de Imóveis, Lda, a pagar à autora Massa Falida de AA – Construções Metálicas, Lda., a quantia global de € 20.206,20, acrescida de juros moratórios vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, à taxa prevista na Portaria nº 1105/2004, de 16 de Outubro de 2004, e, ainda, de juros à taxa de 5% ao ano, a partir do trânsito em julgado da sentença de condenação e até integral pagamento.

Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento.

Supremo Tribunal de Justiça, 30 de Setembro de 2010
Maria dos Prazeres Pizarro Beleza (Relatora)
Lopes do Rego
Barreto Nunes