Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
082409
Nº Convencional: JSTJ00024362
Relator: ARAUJO RIBEIRO
Descritores: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
SERVIDÃO NON AEDIFICANDI
AUTO-ESTRADA
INDEMNIZAÇÃO
EXPROPRIAÇÃO
Nº do Documento: SJ199406150824092
Data do Acordão: 06/15/1994
Votação: MAIORIA COM 10 DEC VOT E 11 VOT VEN
Referência de Publicação: ASSENTO 16/94 DR 242/94 IªA SERIE A DE 19-10-1994, PÁG. 6335 A 6339 - BMJ Nº 438 ANO 1994, PÁG. 39
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 9880
Data: 01/31/1991
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA O PLENO.
Decisão: UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Indicações Eventuais: A PEREIRA COSTA IN SERVIDÕES ADMINISTRATIVAS PAG22. J GABRIEL QUEIRÓS IN ENCICLOPÉDIA POLIS 2 PAG1343-1346. J MIRANDA MANUAL DIR.
Área Temática: DIR ADM.
DIR CONST - DIR FUND. DIR JUDIC - ORG COMP TRIB.
Legislação Nacional: CEXP76 ARTIGO 1 N1 ARTIGO 3 N1 N2 ARTIGO 27 N1 ARTIGO 35.
DL 13/71 DE 1971/01/23 ARTIGO 8 N5.
DL 341/87 DE 1987/10/07.
CONST76 ARTIGO 13 ARTIGO 18 ARTIGO 62 N2 ARTIGO 207 ARTIGO 281 N1 A N3.
DL 374/89 DE 1989/10/25 ARTIGO 11.
DL 152/94 DE 1994/05/26 ARTIGO 4.
DL 48051 DE 1967/11/21 ARTIGO 1 ARTIGO 9 N1.
DL 462/72 DE 1972/11/22.
DRGU 5/81 DE 1981/01/23 BIV BXX.
DL 458/85 DE 1985/10/30 BXXVI BXXXI.
DL 315/91 DE 1991/08/20.
DL 12/92 DE 1992/02/04.
DL 181/70 DE 1970/04/28.
DL 467/72 DE 1972/11/22 BXVII BXLII.
DL 458/85 DE 1985/10/30 BXXIX.
CPC67 ARTIGO 2 ARTIGO 763 N1 ARTIGO 768 N1 N3.
CEXP91 ARTIGO 7 N3.
L 82/77 DE 1977/11/15 ARTIGO 62 N1 ARTIGO 66 ARTIGO 70 N1 A B F.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃO RP DE 1991/02/28.
ACÓRDÃO RP DE 1991/01/31.
ACÓRDÃO TC PROC167/90 DE 1993/03/30 IN DR IIS 1993/07/21.
ACÓRDÃO TC 594/93 PROC397/92 DE 1993/10/28 IN DR IIS 1994/04/29.
Sumário :
Na vigência do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro, é devida indemnização, em sede de expropriação, pelo prejuízo que efectivamente resulte, na parte sobrante dos prédios expropriados, da servidão "non aedificandi" decorrente da implantação duma auto-estrada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em plenário, no Supremo Tribunal de Justiça:

I
B...-A...-E... de Portugal, S.A., interpôs recurso para o tribunal pleno, do acórdão de 28 de Fevereiro de 1991, do Tribunal da Relação do Porto, fotocopiado a folhas 101/106 e proferido no recurso de apelação, em que é recorrente, sendo recorridos A e mulher, invocando oposição com o acórdão de 31 de Janeiro de 1991, do mesmo Tribunal, fotocopiado a folhas 42/48. Naquele acórdão, confirmando a sentença recorrida, a Relação decidiu que a desvalorização dum prédio expropriado para a construção de uma auto-estrada, resultante da inerente criação duma zona non aedificandi, dá lugar a indemnização.


A folhas 76/77, a Secção reconheceu a existência de oposição e mandou prosseguir o recurso.


Alegando, a recorrente formula as seguintes conclusões:


1. A servidão non aedificandi que afecta a faixa sobrante dum terreno expropriado com potencialidades para construção, quando essa faixa fica afectada pela passagem duma auto-estrada, resulta de uma previsão geral e abstracta, portanto directamente da lei (Decretos-Leis 13/71 e 341/86) e não da própria lei.


2. Tanto mais que incide, do mesmo modo, sobre os prédios confinantes com a auto-estrada, independentemente de terem ou não sido expropriados.


3. Assim, o artigo 3, n. 2, do Código das Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de 11/12 (a designar adiante por C.E.76) tem aplicação ao caso das faixas sobrantes dum terreno expropriado, com potencialidades para construção, quando essa faixa fica afectada por servidão non aedificandi provocada pela passagem de uma auto-estrada.


4. Como tal, a eventual desvalorização de tal faixa, pela referida restrição, não dá direito a indemnização, em sede de expropriação por utilidade pública.


5. E isso porque tal restrição se insere na função social do direito de propriedade, não assegurado em termos absolutos, e que justifica, em sede de prevalência do interesse público, que a lei imponha limitações de índole diversa.


6. Destarte, o acórdão recorrido violou, por incorrecta interpretação, o art. 3, n. 2, do Código da Estrada 76, bem como o artigo 8, n. 5, do Decreto-Lei n. 13/71, de
23 de Janeiro e o Decreto-Lei n. 341/86, de 7 de
Outubro.


7. Deve ser provido o recurso, revogado-se o acórdão recorrido na parte em que concedeu indemnização pela desvalorização da parte sobrante, afectada por uma servidão non aedificandi de protecção à auto-estrada.
8. Em consequência, deve lavrar-se assento em que se fixe que: a) aquele artigo 3, n. 2, tem aplicação ao caso em apreço, por isso a servidão resulta directamente duma previsão legal genérica e abstracta, independentemente da expropriação; e b) a eventual desvalorização resultante de tal servidão não dá direito a indemnização, em sede de expropriação por utilidade pública.


Contra-alegando, os recorridos sustentam ser de negar provimento ao recurso, pelo seguinte:


1. A servidão non aedificandi que afecta a faixa sobrante dum terreno expropriado com potencialidades para construção resulta directamente do acto administrativo que expropria o terreno para nele fazer passar a auto-estrada e que a faz ficar na alçada da lei.


2. Os proprietários de prédios confinantes, não expropriados, que são afectados pela servidão, têm direito a ser indemnizados.
3. A desvalorização resultante duma servidão, non aedificandi criada por uma auto-estrada dá direito a indemnização em sede de expropriação.
4. O artigo 3, n. 2, do Código da Estrada 76 é inconstitucional.
Os recorridos formulam ainda uma conclusão acerca da actualização da indemnização, mas essa matéria está fora do âmbito do recurso, como resulta da leitura das conclusões da recorrente.


O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto neste
Tribunal emitiu o parecer de folhas 156/171, terminando as suas doutas considerações por propor a formulação de assento no sentido de que o sempre citado artigo 3, n.
2, se aplica à servidão non aedificandi imposta como zona de protecção de auto-estrada sobre a parcela sobrante de terreno expropriado.
Colhidos os vistos; porque nada temos a dizer contra o decidido pela Secção quanto à existência de oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, cumpre decidir.


II
A lei a ter em vista para a solução do problema do presente recurso é a que vigorava em 28 de Fevereiro de
1991, data do acórdão recorrido: o Código de Expropriações aprovado pelo Decreto-Lei n. 845/76, de
11 de Dezembro, já que o actual Código só foi aprovado pelo Decreto-Lei 438/91, de 9 de Novembro.


Naquele Código, o problema sub judice, sabido que, nos termos da Constituição (artigo 62, n. 2) e do próprio
Código (artigos 1, n. 1 e 27, n. 1) a expropriação por utilidade pública só pode ter lugar mediante o pagamento duma justa indemnização, traz à colação o artigo 3, que dispõe:


"1. Poderão constituir-se sobre imóveis as servidões necessárias à realização de fins de utilidade pública.


2. As servidões derivadas directamente da lei não dão direito a indemnização, salvo quando a própria lei determinar o contrário.
3. As servidões constituídas por acto administrativo dão direito a indemnização quando envolverem diminuição efectiva do valor dos prédios servientes."


E deriva, ainda, da regra do artigo 35, que transcreveremos na íntegra:
"No caso de expropriação parcial, calcular-se-ão separadamente o valor total do prédio e os valores da parte compreendida e da não compreendida na expropriação. Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou da expropriação resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo o custo de novas vedações, especificar-se-ão, também em separado essa depreciação e esses prejuízos ou encargos, correspondendo a indemnização ao valor da parte expropriada acrescida destas últimas verbas".


III
Como nota prévia, diremos que o desenvolvimento deste acórdão será sempre feito em função do princípio, que não é de modo nenhum posto em causa, de que a indemnização pela criação duma servidão non aedificandi só poderá admitir-se nos casos em que dela resulte uma efectiva diminuição do valor da parte sobrante: só isto se discute e só nesta hipótese pode pôr-se o problema.


E damos também como assente, por isso resultar do acórdão recorrido, que sobre uma certa área da parte sobrante do prédio de que é destacada a parcela expropriada impende a proibição legal de construção
(zona non aedificandi), o que a desvaloriza, dadas as suas potencialidades construtivas.


A lei de que resulta a incidência dessa proibição sobre o prédio expropriado é o Decreto-Lei 341/86, de 7/10.


Mas nem valeria a pena referi-la, não só porque aquilo que está em causa é a proibição legal de construir e não o seu exacto conteúdo, como porque, na parte em que considera essa incidência, o acórdão da Relação transitou em julgado.


IV
Discutiu-se já a verdadeira natureza da limitação do conteúdo do direito de propriedade de que nos ocupamos.


Para uns, tratar-se-ia duma verdadeira servidão; para outros, duma restrição que não merece aquele qualificativo. Mas pode hoje considerar-se pacífica a doutrina no sentido de que com o estabelecimento duma zona de proibição de edificar, se está a criar uma verdadeira servidão administrativa, tomada esta como um encargo imposto sobre um imóvel em benefício de uma coisa, por virtude da utilidade pública desta (Dr. António Pereira da Costa, em Servidões Administrativas, página 22), referindo-se o Professor Marcelo Caetano a esta limitação ao conteúdo do direito de propriedade como uma servidão administrativa (Manual de Direito Administrativo, sétima edição, página 628).


E que a sua constituição pode obrigar ao pagamento de indemnização, resulta da própria distinção que o legislador faz no Código, ao prever as expropriações no artigo 1, e as servidões no artigo 3, tendo a referência às servidões administrativas neste preceito
"uma dupla finalidade: determinar que, quando outro modo de constituição não esteja previsto, elas se constituam pelo processo de expropriação; dar mais relevância ao pricípio do mínimo sacrifício, no sentido de impor a servidão como mal menor em relação à expropriação, quando, com ela, o interesse público fique devidamente satisfeito" (primeira obra citada, página 25).


V
Passamos agora a analisar mais directamente o problema fulcral deste recurso, começando por salientar dois aspectos:


O primeiro é o de que inúmeros autores põem em causa a justiça da não indemnização pelos prejuízos inerentes
às servidões administrativas, sobretudo perante a dualidade, de que é reflexo o artigo 3, do Código da
Estrada 76, da servidão derivada da lei, por um lado, e da que é criada por um acto administrativo, por outro.


Assim, Freitas do Amaral (Opções Políticas Subjacentes
à Legislação Urbanística, em Direito do Urbanismo,
I.N.A., página 101), José Gabriel Queirós (Enciclopédia
Polis, segundo - cols. 1343 a 1346), Jorge Miranda
(Manual de Direito Constitucional, IV, página 436),
Oliveira Ascenção (Expropriações e Nacionalizações, página 64), todos citados por A. Pereira da Costa, op. cit., páginas 56 e seguintes...


O segundo aspecto é o carácter restritivo das limitações aos direitos fundamentais,expresso no artigo
18 da Constituição da República: Na dúvida, como salienta Jorge Miranda (op. cit., página 308) os direitos devem prevalecer sobre as restrições (in dubio pro libertate), devendo as leis restritivas ser interpretadas, se não restritivamente, pelo menos sem recurso à interpretação extensiva e à analogia.
No caso de a servidão em apreço resultar da implantação duma auto-estrada, a injustiça da não indemnização torna-se flagrante, por duas razões elementares.


A primeira é que se trata de uma via que ao expropriado não traz qualquer vantagem, porque não tem acesso a ela a partir do seu prédio (e, adicionalmente, é perturbadora, porque ruidosa).

A segunda tem a ver com os fins do próprio estabelecimento da servidão, que é, mais que a influência de construções sobre a via (que é vedada), a previsão de futura alteração das características da via: imaginemos que, dentro de alguns anos, se decide o alargamento das faixas de rodagem em mais uma via cada, ou a implantação duma área de serviço; nesse caso, o Estado (ou a concessionária) vão pagar como terreno inapto para construção aquilo que em tal converteram sem contrapartida. Ou seja: Com a expropriação, transformaram uma área edificável mais ou menos vasta em zona sem aptidão legal para tanto, desvalorizando-a sem compensarem o proprietário por isso; no futuro vão comprar como terreno agrícola ou florestal o que nisso mesmo converteram gratuitamente,por obra e graça do não ressarcimento de qualquer prejuízo decorrente do estabelecimento da servidão.
Note-se, a este respeito, que as hipóteses de construção de áreas de serviço e de alargamento da via estão previstas nos diplomas de concessão, o que significa que não lidamos com hipóteses meramente académicas, mas reais possibilidades: vejam-se, no Dec.
Reg. n. 5/81, de 23 de Janeiro, as Bases XIV e XX e no Decreto-Lei n. 458/85, de 30 de Outubro, as Bases XXVI e XXXI, sendo de notar que o aumento do número de vias é, em dadas condições, obrigação da concessionária; e que, como recentemente foi noticiado, ele vai efectivamente ser executado em breve num lanço da auto-estrada Porto-Braga.
Também não será inoportuno notar a diferença entre as servidões non aedificandi resultantes da construção duma auto-estrada e as relacionadas com a implantação dum oleoduto ou gasoduto, como resulta da leitura dos artigos 11, do Decreto-Lei n. 374/89, de 25 de Outubro e 4, do Decreto-Lei n. 152/94, de 26 de Maio.

VI
A servidão non aedificandi deve considerar-se como uma das que o legislador considera "derivada directamente da lei" (artigo 3, n. 2, do Código da Estrada 76), como se vê do Decreto-Lei n. 181/70, de 28 de Abril, em cujo relatório a servidão non aedificandi é referida como exemplo das servidões que resultam directamente da lei, em contraposição com aquelas outras "cuja constituição exige a prática de um acto da Administração, quer apenas pelo reconhecimento da utilidade pública justificativa da servidão, quer ainda pela definição de certos aspectos do respectivo regime,designadamente que se refere à área sujeita à servidão e aos encargos por ela impostos". Depois, os preceitos legais constantes do diploma estatuem em conformidade com a distinção conceitual expressa no relatório e que ficou referida.
É com este entendimento que o Tribunal Constitucional tem vindo a julgar inconstitucional a norma do n. 2, do preceito, "na medida em que não consente a indemnização do prejuízo resultante da imposição de uma servidão non aedificandi sobre parcela sobrante de terreno expropriado, por violação dos artigos 13 e 62, n. 2, da Constituição". São neste sentido o acórdão n. 262/93, de 30 de Março, proferido no processo n. 167/93 e o de
28 de Outubro de 1993, (n. 594/93, processo n. 397/92), publicado no Diário da República de (segunda série) de 29 de Abril de 1993.

VII
Passando agora directamente ao nosso problema, podemos recorrer ao Decreto-Lei n. 48051, de 21 de Novembro de 1967, que rege sobre a responsabilidade extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas, públicas e cujo artigo 9, n. 1, dispõe:
"O Estado e demais pessoas colectivas públicas indemnizarão os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais ou anormais".
Quando uma auto-estrada é construída em zona sem potencialidade urbanística, ou de pouco provável potencialidade, os proprietários de terrenos expropriados não ficam colocados em situação de sensível desigualdade em relação à generalidade dos proprietários de prédios rústicos, nem o sacrifício que para eles resulta da zona non aedificandi assume relevância. Mas não é assim quando essa zona abrange terrenos com potencialidade urbanística, principalmente se coincide com zona urbana, já que os respectivos proprietários ficam sujeitos a um prejuízo tão considerável quanto é certo existir normalmente grande diferença entre os terrenos com potencialidade urbanística e os que dela carecem.
Nestes casos, à incidência duma zona de proibição de edificar corresponde um real prejuízo, que, em tese geral, deverá ser compensado com a justa indemnização, por força daquele artigo 9, pois que é essa a solução que corresponde à letra e à razão de ser do preceito.
Dizemos em tese geral porque, no caso vertente, está em causa uma auto-estrada de que é concessionária uma empresa privada, uma sociedade comercial, pelo que o preceito não é directamente aplicável.
Mas, se as coisas são assim para as auto-estradas (e, de um modo geral, outras vias de comunicação) construídas pelo Estado, não o são menos em relação a uma auto-estrada concessionada, cuja utilização é remunerada, aliás em termos que para muitos são dissuasores dessa mesma utilização. Não faz sentido, com efeito, que se queira impor um sacrifício mais ou menos pesado (e pode mesmo ser muito pesado!) aos particulares, quando em última análise se tem em vista um fim lucrativo e quando nem o próprio Estado se arroga esse poder.
Importa de resto salientar que logo no primeiro diploma que concessionou a construção e exploração das auto-estradas (Decreto-Lei n. 467/72, de 22 de Novembro) se impôs à concessionária (a recorrente) a obrigação de suportar as indemnizações pelas expropriações, na Base XVII. Além disso (Base XLII) "serão da inteira responsabilidade da concessionária todas as indemnizações decorrentes da concessão que, por direito, sejam devidas a terceiros".
Os diplomas legais que vieram alterar ou substituir aquele não modificaram este regime. Vejam-se o Dec. Reg. n. 5/81, de 23 de Janeiro, o Decreto-Lei n. 458/85, de 30 de Outubro (neste, Base XXIX), o Decreto-Lei n. 315/91, de 20 de Agosto, e o Decreto-Lei n. 12/92, de 4 de Fevereiro.


Ora, sendo a compensação devida pela incidência da servidão non aedificandi, não a indemnização pela expropriação propriamente dita, mas uma parcela do respectivo montante global, correspondente à desvalorização da parte sobrante; e sendo este um dos prejuízos que advém aos expropriados, a obrigação da concessionária deriva até da mera aplicação da regra do já citado artigo 35.
Por outras palavras: A obrigação, assumida pelo Estado, de "indemnizar os particulares a quem, no interesse geral, mediante actos administrativos legais ou actos materiais lícitos, tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais ou anormais" é acessória do dever de indemnizar pela expropriação em sentido restrito e, como tal, transmite-se com esta.

VIII
Contra a solução propugnada, tem-se argumentado, como agora faz a recorrente, que ela coloca em situação de desigualdade os proprietários de terreno que, atingidos pela proibição de edificar resultante da implantação duma auto-estrada (ou simples estrada) nas imediações dos seus prédios, não são todavia atingidos pela expropriação.
Efectivamente, tais proprietários não podem ser indemnizados no processo expropriativo comum (regulado no Código); mas a situação de inferioridade em que ficam, sendo de índole meramente processual, só pode conduzir ao estudo da "acção que corresponde ao seu direito" (artigo 2, do Código de Processo Penal) e não a que, por causa dessa dificuldade, se negue aos onerados-expropriados o direito a serem compensados, como é de justiça.

IX
Sintetizando:
1: Para realização do princípio da justa indemnização, os proprietários expropriados devem ser indemnizados pelo prejuízo resultante, na parte sobrante do seu prédio, da incidência da servidão non aedificandi inerente à construção da estrada.
2: Essa indemnização decorre da obrigação, assumida pelo Estado e transmitida à concessionária das auto-estradas, de "indemnizar os particulares a quem tenham imposto encargos ou causado prejuízos especiais ou anormais".
3: E constitui uma das verbas que discriminadamente compõem a indemnização global a atribuir ao expropriado em processo expropriativo.

X
Decidido:
Confirma-se o acórdão recorrido e formula-se o seguinte:

ASSENTO:
Na vigência do Código das Expropriações aprovado pelo
Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro, é devida indemnização, em sede de expropriação, pelo prejuízo que efectivamente resulte, na parte sobrante dos prédios expropriados, da servidão non aedificandi decorrente da implantação duma auto-estrada.
Condena-se a recorrente nas custas.

Lisboa, 15 de Junho de 1994.

Araújo Ribeiro (vencido quanto à fundamentação, pois considero que é sustentável - e sustentava-o, no projecto inicial - que a servidão aqui em causa resulta dum acto administrativo concreto, que é o que faz nascer as servidões).
Gelásio Rocha.
Cura Mariano.
Silva Montenegro.
Ferreira de Sá.
Silva Caldas.
Fernando Fabião (com a declaração de voto do Excelentíssimo Relator).
Silva Reis (com a declaração de voto do Excelentíssimo
Relator).
Teixeira do Carmo (subscrevo a declaração do Excelentíssimo Relator).
Ferreira Dias, (subscrevo a declaração do Excelentíssimo Relator).
Sá Couto.
Cardona Ferreira.
Faria de Sousa.
Ferreira Vidigal.
Dias Simão.
Miranda Gusmão.
Henriques de Matos.
Costa Pereira, (subscrevo a declaração do Excelentíssimo Relator).
Sousa Guedes.
Gomes Noronha (com a declaração idêntica à do Excelentíssimo Relator).
Calixto Pires.
Roger Lopes (com a declaração do Excelentíssimo
Relator).
Ramos dos Santos.
Lopes de Melo (vencido quanto a um dos fundamentos, descordando assim com a posição do Excelentíssimo

Conselheiro Araújo Ribeiro).
Sá Ferreira.
Cardoso Bastos.
Machado Soares.
Sá Nogueira.
Correia de Sousa.
Sousa Inês.
Coelho Ventura.
Chichorro Rodrigues.
Amado Gomes (vencido quanto à fundamentação, os termos expressos pelo Excelentíssimo Relator).
Raúl Mateus.
Pereira Cardigos.
Pais de Sousa (vencido, considerando que a servidão
"non aedificandi" resulta directamente da lei, para proferir assento no caso "sub índice", haveria que conhecer da inconstitucionalidade do n. 2, do artigo 3, do Código das Expropriações de 1976).
Martins Fonseca (vencido de harmonia com a declaração do colega Pais de Sousa).
David Gomes e Sousa Macedo (conforme declaração de voto anterior, vencido).
Costa Raposo (conforme declaração de voto anterior, vencido).
César Marques (vencido, nos termos do voto do Excelentíssimo Conselheiro Pais de Sousa).
Mário Cancela (vencido de harmonia com a declaração do Excelentíssimo Conselheiro Pais de Sousa).
Martins da Silva (vencido, os termos da declaração do Excelentíssimo Conselheiro Pais de Sousa).
Castanheira da Costa (vencido nos termos da declaração de voto do Sr. Conselheiro Pais de Sousa).
Ramiro Vidigal (vencido nos termos da declaração do Excelentíssimo Conselheiro Pais de Sousa).
José Joaquim de Oliveira Branquinho vencido nos termos seguintes:
1. Como se reconhece no texto que fez vencimento a servidão de que se trata resulta directamente da lei, pelo que, nos termos do n. 2, do artigo 3, do
Decreto-Lei n. 845/76, de 11 de Dezembro, não é indemnizável.
Só será indemnizável se houvesse norma excepcional desta regra, como resulta da parte final da mesma disposição.
Com todo o respeito, não é possível sustentar a indemnizabilidade do apelo ao artigo 1, do Decreto-Lei n. 48051, de 21 de Novembro de 1967, pois esta norma refere-se ao instituto da responsabilidade por actos ilícitos, que se não confunde com o instituto da compropriedade por utilidade pública. De resto, ainda que assim não fosse, o que só na hipótese de argumentação se configura, sempre a lei especial posterior que seria o Decreto-Lei 845/76 - prevaleceria sobre a lei geral anterior - que seria o Decreto-Lei n.
48051, de 1967 - (artigo 7, n. 3, a contrário).
O assento que, em meu entender caberia tirar era precisamente no sentido contrário ao que fez vencimento.
2. A norma que caberia invocar e interpretar no assento, o n. 2 do artigo 3, do Decreto-Lei n. 845/76, é, certamente inconstitucional, pelas razões concluídas nos acórdãos do Tribunal Constitucional, tivemos essa fiscalização concreta, ns. 262/83 - Processo 167/90, de 30 de Março de 1993 C.D.Ref., II série, n. 169, de 21 de Julho de 1993, e 594/93 processo 397/92 C.D.Ref., II série, de 29 de Abril de 1994), de 28 de Outubro de 1993.
A inconstitucionalidade detectada, não originou meios e erradicação da norma do sistema jurídico, porque tal só poderá resultar de declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral da exclusiva competência do Tribunal Constitucional (cf. artigos 281, n. 1, alínea a) e n. 3 da Constituição da República, e 62, n. 1, 66, 70, n. 1, alíneas a), b) e f) da Lei n. 28/82, de 15 de Novembro.
Organização, vencimento e Processo do Tribunal Constitucional).
Por isso, porque a norma subsiste e sobre ela houve conflito a jurisprudência, sempre o Supremo Tribunal de Justiça devia tirar assento sobre ela. Como lhe cumpre nos termos dos artigos 763, n. 1 e 768, n. 1, do Código de Processo Civil.
3. Não podem, todavia, aplicá-lo ao caso concreto, se a decisão recorrida estiver em desconformidade com ele, visto que deva prevalecer sobre a norma do artigo 768, n. 3 do Código de Processo Civil, a norma do artigo
207 da Constituição segundo a qual, "nos factos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição e os princípios nela consignados".
Sendo assim, e revendo a posição que conclui no voto de vencido que emite o recurso para Tribunal Pleno n.74071 (segunda secção), de 17 de Fevereiro de 1994, a inaplicabilidade do assento que tiraria, decorrente da circunstância, realidade da norma, teria de deixar intocado o acórdão recorrido.
De contrário, o Supremo Tribunal de Justiça, aplicando as normas que considerasse conformes à Constituição, volver-se-ia num novo grau de recurso, e de recurso de constitucionalidade, que lhe não compete.