Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1155
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PINTO HESPANHOL
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RECURSO DE AGRAVO
FUNDAMENTOS
RECONVENÇÃO
PROCESSO DE TRABALHO
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: SJ200709120011554
Data do Acordão: 09/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. Se o recurso de agravo foi interposto e admitido com fundamento na violação das regras da competência internacional, no indeferimento do pedido reconvencional e na oposição de acórdãos, apenas estas questões têm de ser apreciadas, sendo vedado conhecer de outras estranhas a esses temas.
2. A primeira parte do artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho consagra o princípio da coincidência entre a competência internacional dos tribunais do trabalho e a competência territorial estabelecida nos subsequentes artigos 13.º a 19.º, devendo ter-se em conta, por expressa determinação do citado artigo 10.º, tão-somente as regras de competência territorial estabelecidas no próprio Código de Processo do Trabalho, sendo vedado, para esse efeito, atender-se ao preceituado nos n.os 2 e 3 do artigo 85.º do Código de Processo Civil.
3. Tendo sido celebrado em Portugal o contrato de trabalho, bem como os aditamentos e acordos posteriores que o passaram a integrar, nomeadamente o «Acordo de Rescisão Parcial de Contrato», nos termos do qual as partes aceitaram revogar parcialmente o contrato primitivo «quanto ao período de 1 de Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2004», tendo o réu prestado à autora a sua actividade de jogador profissional de futebol em Portugal e aqui se localizando o lugar estabelecido para o réu retomar o cumprimento da prestação do trabalho, após a sua cedência temporária ao Clube Atlético Mineiro, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da presente acção, em conformidade com o disposto na segunda parte do artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho, já que ocorreram em território português os factos que integram a causa de pedir.
4. Nos termos do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, a reconvenção é admissível: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a acção por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
5. Tendo a empregadora fundamentado a acção no abandono do trabalho por parte do trabalhador, não é admissível a reconvenção deduzida por este último, cuja causa de pedir assenta no não cumprimento, por parte da autora, do contrato de trabalho celebrado entre as partes, concretamente, no não pagamento pontual das retribuições e demais valores acordados.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I

1. Em 9 de Maio de 2005, no Tribunal do Trabalho do Porto, Empresa-A, intentou a presente acção, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho contra AA, com domicílio conhecido na sua última morada, sita na Rua Pedro Hispano, n.º ..., ....o, Porto, nessa data ao serviço da Associação Desportiva ..., com sede na Rua Eduardo Prado, n.º..., .., São Caetano no Brasil, pedindo que se declarasse que o contrato de trabalho celebrado entre eles foi denunciado ilicitamente pelo réu, por abandono do trabalho e, por via disso, que este fosse condenado a pagar-lhe a indemnização de € 754.511,04, correspondente ao valor das retribuições salariais previstas no contrato de trabalho e seu aditamento, vincendas a partir de 1 de Janeiro de 2005, data do início do abandono do trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento.

O réu contestou, arguindo a incompetência internacional do tribunal por entender que os tribunais portugueses não são territorialmente competentes, bem como a incompetência territorial do tribunal uma vez que a residência habitual do réu, em cujo domicílio a acção deve ser proposta, é no Brasil e por as partes terem estabelecido um pacto privativo de jurisdição, nos termos do qual, acordaram que, com exclusão dos demais tribunais portugueses, os tribunais competentes são os tribunais judiciais da comarca do Porto, salvo recurso às instâncias jurisdicionais desportivas ou comissões arbitrais especializadas.

Invocou, também, a excepção de litispendência, por ter intentado na FIFA uma acção pedindo que se conhecesse do litígio emergente do contrato em causa.

O réu deduziu, ainda, pedido reconvencional, pretendendo que a autora seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 979.573,84 relativa a prémios por assinatura, salários, prémios de jogo e de classificação, rendas e indemnização por diferenças salariais decorrentes da rescisão parcial, vencidos e não pagos, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos.

A autora respondeu às excepções, sustentando a sua improcedência, e à reconvenção, entendendo que a mesma não é admissível e impugnando os factos que lhe servem de fundamento.

Realizada audiência preliminar, foi proferido despacho saneador que, além de não ter admitido o pedido reconvencional, julgou improcedentes as excepções arguidas, fixou a matéria de facto considerada assente e elaborou a base instrutória.

2. Inconformado, o réu agravou para a Relação, defendendo (i) a nulidade do despacho recorrido, na parte relativa à não admissão do pedido reconvencional, por falta de fundamentação de facto, (ii) a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer da presente acção, (iii) que se verificava a excepção dilatória da litispendência e, enfim, (iv) que o pedido reconvencional era admissível.

A Relação não conheceu da aludida nulidade, por não ter sido invocada no requerimento de interposição do recurso, e quanto às demais questões suscitadas negou provimento ao recurso, remetendo para os fundamentos da decisão recorrida, ao abrigo do preceituado no n.º 5 do artigo 713.º do Código de Processo Civil.

É contra esta decisão da Relação que o réu se insurge, mediante agravo de 2.ª instância, em que formula as seguintes conclusões:
«1. O acórdão recorrido aprecia, entre outras, a questão da competência absoluta do tribunal;
2. O artigo 101.º do CPC, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, al. a), do CPT, estabelece que “[a] infracção das regras de competência em razão da matéria e da hierarquia e das regras de competência internacional (...) determina a incompetência absoluta do tribunal”;
3. O ora Recorrente, alegou a incompetência internacional do tribunal, invocando a violação do artigo 10.º do CPT, que tem como epígrafe “Incompetência internacional dos tribunais do trabalho”;
4. O acórdão recorrido confirmou a decisão que conheceu daquela questão e que considerou que “[o] réu arguiu a incompetência internacional do tribunal por entender que os tribunais portugueses não são territorialmente competentes (…)”, concluindo, “[a]ssim, face ao que dispõe o artigo 10.º do C.P.T., o tribunal é competente em função da nacionalidade, improcedendo a excepção invocada”;
5. Os tribunais portugueses são internacionalmente incompetentes para julgar a presente acção, pois, não estão preenchidos in casu os requisitos do artigo 10.º do CPT;
6. De acordo com este preceito legal, são internacionalmente competentes os tribunais portugueses quando a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho;
7. O artigo 13.º do CPT é a norma legal daquele Código que estabelece a competência territorial dos tribunais portugueses e dispõe que “[a]s acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu”;
8. De acordo com o n.º 1 do artigo 82.º do Código Civil, “[a] pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual”;
9. A residência habitual do R. é no Brasil, onde foi citado para os presentes autos — na morada indicada pela A. —, país onde sempre teve residência habitual e ao qual regressou em Janeiro de 2004 para jogar no Clube Atlético Mineiro, conforme Acordo de Rescisão Parcial de contrato, celebrado, entre o ora Recorrente e a própria A., em 8 de Janeiro de 2004 (cfr. doc. n.º 1 junto com contestação);
10. À data em que deu entrada a presente acção no Tribunal do Trabalho do Porto — momento em que se afere qual o tribunal competente — o Recorrente tinha o seu domicílio no Brasil, pelo que este tribunal é internacionalmente incompetente para julgar a presente lide de acordo com o primeiro critério fixado pelo artigo 10.º do CPT;
11. E não se diga ex adverso, como faz o acórdão recorrido, que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes porque são territorialmente competentes para o efeito;
12. É que, para chegar a essa conclusão, o acórdão recorrido estribou-se na decisão da 1ª Instância, que por sua vez fez aplicação das regras constantes do artigo 85.º, n.os 2 e 3, do CPC, fazendo tábua rasa do artigo 10.º do CPT que é peremptório ao afirmar que são internacionalmente competentes os tribunais portugueses quando a acção pode ser proposta em Portugal segundo as regras de competência territorial estabelecidas no Código de Processo do Trabalho;
13. Além do mais, nunca poderíamos sufragar aquele entendimento perfilhado pelo acórdão recorrido, pois, de acordo com o mesmo, os tribunais portugueses seriam sempre internacionalmente competentes e o segundo critério estabelecido no artigo 10.º do CPT para determinar a competência internacional dos tribunais portugueses não passaria de letra morta;
14. Considera ainda o acórdão recorrido ainda que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para julgar a presente acção pelo segundo critério fixado no artigo 10.º do CPT;
15. No entanto, também aqui se queda sem razão, pois, por convenção das partes, a A. e o Recorrente estipularam na cláusula 4.ª do aditamento ao Contrato de Trabalho Desportivo, que “Em caso de litígio emergente do Contrato de Trabalho, ou de qualquer seu Aditamento, e salvo recurso às Instâncias Jurisdicionais Desportivas ou Comissões Arbitrais especializadas (sublinhado nosso), ambas as partes declaram competentes os Tribunais Judiciais da Comarca do Porto, com exclusão de todos os demais” (cfr. Doc. 2 junto com a p. i.);
16. As partes convencionaram que, para dirimir quaisquer litígios resultantes do contrato de trabalho e respectivos aditamentos são competentes as Instâncias Jurisdicionais Desportivas (leia-se FIFA) ou as Comissões Arbitrais especializadas; caso as partes não recorressem previamente àquelas instâncias jurisdicionais desportivas, e apenas nesta hipótese, seriam competentes para conhecer de qualquer litígio entre as partes os Tribunais Judiciais da Comarca do Porto;
17. A qualificar-se tal cláusula como sendo um pacto atributivo de jurisdição, este atribuiu a competência a vários tribunais (i) às Instâncias Jurisdicionais Desportivas ou Comissões Arbitrais (ii) se assim não fosse, então seria competente o Tribunal Judicial da Comarca do Porto;
18. O alegado pacto atributivo de jurisdição estipulado pelas partes não pode servir para justificar a competência exclusiva do Tribunal do Trabalho do Porto, pois, isso é contrário ao estabelecido pelas partes;
19. Mesmo que se entendesse, como faz a decisão recorrida, que a cláusula 4.ª do aditamento ao contrato de trabalho seria uma convenção expressa relativa à competência territorial prevista no artigo l00.º do CPC, da qual resultaria a determinação territorial dos tribunais portugueses, nunca se poderia esquecer que a mesma só funcionaria caso as partes não tivessem recorrido previamente às Instâncias Jurisdicionais Desportivas;
20. Não tendo as partes estabelecido um pacto privativo de jurisdição, como defende o acórdão recorrido, não caímos no âmbito do artigo 11.º do CPT, pelo que tal cláusula é eficaz, não podendo os tribunais portugueses ser considerados internacionalmente competentes para dirimir o litígio dos presentes autos;
21. Assim, o acórdão recorrido, tal como a decisão de 1ª Instância, volta a violar o disposto nos artigos 10.°, 11.° e 13.°, todos do CPT, artigo 82.°, n.º 1, do C.C., artigo 497.°, al. a), do CPC;
22. O acórdão recorrido é ainda passível de censura na parte em que confirma o indeferimento da excepção de litispendência invocada pelo Recorrente, pois, quer na acção que pende na FIFA, quer nesta acção, há identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir tal como vem previsto no artigo 498.° do CPC;
23. Desde logo refira-se que a FIFA (“Fédération Internationale de Football Association”) constitui uma instância arbitral nos termos previstos e regulados no Decreto-Lei n.º 31/86, de 29 de Agosto;
24. Não sendo embora um tribunal estadual, a FIFA, através dos seus órgãos jurisdicionais, constitui, pelo menos, um tribunal arbitral instituído pela vontade das partes para dirimir o litígio que decidam submeter à sua apreciação;
25. Não procede assim o entendimento sufragado pelo acórdão recorrido de que a F1FA não constitui um tribunal na acepção prevista na lei, não podendo com tal argumento ser negado provimento à excepção de litispendência invocada pelo Recorrente;
26. Os sujeitos são os mesmos numa e noutra acção, bem como a causa de pedir que consiste no facto jurídico concreto donde emerge o direito que se pretende fazer valer;
27. O artigo 498.°, n.º 4, do CPC dá-nos a definição legal de causa de pedir ao estatuir que “há identidade de causa de pedir quanto a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico (...)”;
28. Nas acções baseadas em contratos, “o núcleo essencial da causa de pedir é constituído pela celebração de certo contrato gerador de direitos” (ANTÓNIO SANTOS ABRANTES GERALDES, in Temas da Reforma do Processo Civil, Vol. I, 2.ª Ed. Almedina, pág. 200);
29. No caso concreto, a causa de pedir é exactamente a mesma daquela que pende no tribunal que é a FIFA, ou seja, o contrato de trabalho desportivo celebrado entre Recorrente e a A., donde emergem os direitos e obrigações que ambos pretendem fazer valer;
30. É patente a identidade do pedido formulado nesta acção e na que pende pela FIFA, pois, não é pelo facto da cessação daquele contrato ser invocada, ora pelo Recorrente, ora pela Recorrida, com base em incumprimento quer de um quer do outro, que se pode considerar serem distintos os pedidos nos dois processos;
31. Ao não ser julgada procedente a excepção de litispendência invocada, existe o risco de duas instâncias jurisdicionais virem a decidir de maneira oposta sobre a mesma questão;
32. A FIFA, assumindo a natureza de tribunal arbitral voluntário, tem natureza supranacional, não podendo ser reconduzido ao estatuto de jurisdição estrangeira na acepção prevista no n.º 3 do artigo 497.° do CPC;
33. A litispendência foi deduzida na presente acção, nos termos do disposto no artigo 499.º do CPC, pois, a acção que pende pela FIFA deu ali entrada em 18 de Janeiro de 2005 e só posteriormente intentou a A. a acção dos presentes autos;
34. Ao confirmar como improcedente a excepção de litispendência, o acórdão recorrido voltou a fazer uma má interpretação e aplicação das normas legais contidas nos artigos 498.°, n.os 1, 3 e 4, 497.°, n.os 2 e 3, e ainda do artigo 499.°, todos do CPC;
35. Considerou ainda o acórdão recorrido que o pedido reconvencional não deveria ser admitido, porquanto não há identidade de causa de pedir entre o pedido formulado na acção e o pedido reconvencional;
36. De acordo com o disposto no artigo 30.° do CPT, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na al. p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal;
37. Quer o pedido da A., quer o pedido reconvencional do Recorrente, têm por base um e o mesmo facto: a celebração de um contrato de trabalho desportivo, em virtude do qual este passou a prestar àquela o seu trabalho, sob a sua autoridade e direcção, e mediante retribuição;
38. Mas mesmo que não se entenda conforme o exposto, não se duvidará que, em termos mais restritos, é o incumprimento do contrato o traço comum caracterizador quer da acção, quer da reconvenção;
E se optarmos por restringir ainda mais a causa de pedir, forçoso é reconhecer que a A. sustenta que o contrato de trabalho foi denunciado ilicitamente pelo Recorrente, enquanto este, por sua vez, invoca que a rescisão do contrato por si operada foi feita com justa causa, pelo que é lícita tal denúncia e tem direito ao pagamento de todas as retribuições devidas e não pagas pela A.;
39. E tanto basta para ser admitido o pedido reconvencional deduzido pelo Recorrente, improcedendo in totum a tese sufragada pela Meritíssima Juíza do Tribunal a quo;
40. Por fim, quando não se entenda como procedente o acima exposto, ainda e relativamente à admissibilidade do pedido reconvencional ex vi do disposto no corpo do artigo 30.° CPT, importa salientar que o referido pedido sempre deverá ser procedente, sob pena de desvirtuação, e, in limine, total desadequação da aplicação da norma em relação ao escopo para ela pretendido pelo legislador;
41. O Direito do Trabalho (substantivo e adjectivo) tem como princípio estruturante o do “tratamento mais favorável ao trabalhador”;
42. Assim sendo, e atento o espírito de protecção do trabalhador, imanente a toda a construção do direito laboral, resulta claro que o escopo da norma do [artigo] 30.º [do] CPT seria proteger o ora Recorrente (o trabalhador);
43. Assim sendo, e de forma a não inverter a finalidade visada com a norma, deveria ter o acórdão ora recorrido admitido o pedido reconvencional do ora Recorrente, por forma a não desvirtuar o propósito com que a norma foi criada e por forma a não permitir que dela se prevaleça a ora Recorrida, que, atento o escopo da norma, nunca por ela devia ser protegida em sacrifício do Recorrente;
44. Quando não assim não se entenda, o pedido reconvencional deduzido pelo Recorrente sempre será admissível por verificação da relação de conexão prevista pela alínea o), por remissão da alínea p), ambas do artigo 85.º da Lei 3/99, uma vez que:
45. O acórdão recorrido sustenta ainda não haver fundamento para dedução daquele pedido reconvencional em virtude de o Recorrente não pedir a compensação de créditos, nem aquele pedido ter qualquer relação de assessoriedade, complementaridade ou dependência com a acção, tudo nos termos da al. p) do artigo 85.° da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro;
46. Não restam dúvidas que a questão suscitada emerge entre os sujeitos de uma relação jurídica de trabalho: a A. (entidade empregadora) e o Recorrente (trabalhador);
47. E também resulta claro que existe uma relação de dependência entre o pedido reconvencional e a causa principal, na medida em que a reconvenção reporta-se directamente à (im)procedência da acção principal;
48. Pelo exposto, mal andou novamente o acórdão recorrido ao não admitir o pedido reconvencional deduzido pelo Recorrente, tendo feito uma má interpretação e aplicação do disposto no artigo 30.º do CPT e do artigo 85.º, alíneas p) e o), da Lei n.º 3/99;
49. A decisão recorrida, estribando-se no acórdão do STJ, de 3/05/2006, in www.dgsi.pt, revela-se contrária a anterior Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão do STJ, de 26/01/2006, in www.dgsi.pt) no domínio da mesma legislação, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência sobre a mesma questão com ele conforme (artigo 754.° do C.P.C.);
50. Enquanto no acórdão do STJ de 3/05/2006 o autor pediu que fosse “declarada a ilicitude do seu despedimento e a condenação da ré a reintegrá-lo no seu quadro de pessoal e a pagar-lhe as retribuições devidas em consequência do despedimento”, no acórdão do STJ de 26/01/2006 a autora pediu “a reintegração no seu posto de trabalho e o pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento, fundando tais pedidos na ilicitude do despedimento”;
51. Enquanto no acórdão do STJ de 3/05/2006 a ré contestou e “na reconvenção atribui-se conduta ao autor que terá originado a eclosão de danos na esfera jurídica da reconvinte”, no acórdão do STJ de 26/01/2006 a ré contestou e deduziu pedido reconvencional alegando que “a R. incorreu em inúmeros prejuízos originados pelo comportamento grave, ilícito e culposo da autora”;
52. Tanto basta para que possamos concluir que o pedido reconvencional emerge, em ambos os casos, do facto jurídico que serve de fundamento à acção e que há contradição de julgados;
53. E tanto basta para que possamos concluir que o pedido reconvencional devia ter sido admitido, à semelhança do que aconteceu no douto acórdão do STJ de 2[6]/01/2006;
54. Como tal, deverá ao abrigo do disposto no artigo 732.º-A e 732.º-B, aplicáveis por força do artigo 762.° n.º 3 do C.P.C., ser objecto de julgamento alargado a fim de obter a uniformidade da jurisprudência, sob pena de violação das referidas disposições legais.»

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido, que sejam julgadas procedentes as excepções invocadas e admitido o pedido reconvencional deduzido.

O recorrido contra-alegou, defendendo a confirmação do julgado.

Neste Supremo Tribunal, por despacho do relator (fls. 623), entendeu-se que não se podia conhecer dos fundamentos do recurso atinentes à invocada excepção de litispendência, tendo sido determinada a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a questão prévia suscitada, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil.

As partes não apresentaram resposta sobre a questão prévia enunciada.

Já quanto ao julgamento ampliado requerido, o relator elaborou parecer, no qual explicitou a fundamentação que se passa a transcrever:

«1. O recorrente AA veio requerer o julgamento ampliado do agravo, ao abrigo dos artigos 732.º-A, 732.º-B e 762.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, para assegurar a uniformidade da jurisprudência no que respeita à questão concreta de saber se é ou não admissível a reconvenção.
Alega, para tanto, que “a decisão recorrida, estribando-se no acórdão do STJ de 3/05/2006, in www.dgsi.pt, revela-se contrária a anterior Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão do STJ de 26/01/2006, in www.dgsi.pt) no domínio da mesma legislação, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal, nos termos do disposto nos artigos 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência sobre a mesma questão com ele conforme (artigo 754.º do CPC)”.
A recorrida obtemperou, na respectiva contra-alegação, que, ao contrário do alegado pelo recorrente, o decidido no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Maio de 2006 não revela orientação jurisprudencial contrária ao citado acórdão deste Supremo Tribunal de 26 de Janeiro de 2006 e, por outro lado, a decisão recorrida não acolhe entendimento contrário a anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, pelo que não se acham verificados os pressupostos invocados para o julgamento alargado.
2. De harmonia com o artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, “[o] Presidente do Supremo Tribunal de Justiça determina, até à prolação do acórdão, que o julgamento do recurso se faça com intervenção do plenário das secções cíveis, quando tal se revele necessário ou conveniente para assegurar a uniformidade da jurisprudência” (n.º 1), podendo aquele julgamento alargado “ser requerido por qualquer das partes ou pelo Ministério Público e deve ser sugerido pelo relator, por qualquer dos adjuntos, ou pelos presidentes das secções cíveis, designadamente, quando verifiquem a possibilidade de vencimento de solução jurídica que esteja em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito” (n.º 2).
Por sua vez, dispõe o n.º 3 do artigo 762.º do Código de Processo Civil, que “[é] aplicável ao julgamento do agravo o disposto no n.º 1 do artigo 731.º e nos artigos 732.º-A e 732.º-B”.
As normas enunciadas aplicam-se ao julgamento dos recursos no âmbito do processo do trabalho, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho, segundo o qual o regime do julgamento daqueles recursos é o que resulta, com as necessárias adaptações, das disposições do Código de Processo Civil, que regulamentam o julgamento do recurso de agravo, quer interposto na 1.ª instância, quer na 2.ª instância, conforme os casos.
3. No acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 2006, Processo n.º 1175/05 (Agravo) – 4.ª Secção, estava apenas em causa saber se a reconvenção era ou não admissível.
No caso sujeito, a autora cumulara diversos pedidos contra a ré, sendo diferentes os factos jurídicos em que alicerçava essas suas pretensões.
Assim, no que respeitava aos pedidos de reintegração da autora no seu posto de trabalho e de pagamento dos salários e subsídios que se vencerem desde a data do despedimento até à reintegração, a causa de pedir reconduzia-se à alegada ilicitude do despedimento, ilicitude essa que advinha da imputada falta de justa causa para o despedimento promovido pela empregadora e que gerava os efeitos estipulados no n.º 1 do artigo 13.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, adiante designado por LCCT.
Já quanto ao pedido de pagamento da quantia global de 85.737,30 euros, a título de remunerações vencidas e outros créditos salariais que discriminou, a causa de pedir assentava no não cumprimento ou no defeituoso cumprimento do próprio contrato de trabalho celebrado entre as partes, que investia o trabalhador e a entidade empregadora num complexo de direitos e obrigações, que a lei lhes reconhece e impõe (cf. artigos 1.º e 19.º a 21.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, anexo ao Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, adiante designado por LCT).
Com o pedido reconvencional, a ré pretendia obter o pagamento da quantia global de 10.409,55 euros, a título de indemnização pelos prejuízos originados pelo comportamento ilícito e culposo da autora, “quer se tenha apoderado e feitas suas as importâncias em falta, quer tenha permitido o seu furto por terceiros”.
Portanto, os factos ilícitos e culposos que teriam dado causa aos prejuízos cuja indemnização se pedia eram, precisamente, os mesmos que integravam a justa causa de despedimento, fundando-se esse pedido indemnizatório na violação grave e culposa dos deveres decorrentes do contrato de trabalho [deveres de lealdade, honestidade, respeito, zelo e diligência previstos nas alíneas a), b), e e) do n.º 1 do artigo 20.º da LCT], susceptível de integrar justa causa de despedimento [artigo 9.º, n.º 1 e n.º 2, alíneas a), d) e e), da LCCT].
Em suma: a autora formulara pedidos assentes na ilicitude do despedimento, por considerar que os factos constantes da nota de culpa que a entidade empregadora contra ela deduziu eram insubsistentes, e eram [esses] mesmos factos, embora numa perspectiva oposta, que suportavam o pedido reconvencional.
O acórdão em causa entendeu que o pedido reconvencional, tal como se encontrava formulado pela ré, era admissível com base no disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho.
4. Por sua vez, no acórdão deste Supremo Tribunal, de 3 de Maio de 2006, Processo n.º 251/06 (Agravo) – 4.ª Secção, a única questão reconduzia-se, também, a saber se a reconvenção era ou não admissível.
No caso, o autor cumulara diversos pedidos contra a ré, tendo alicerçado essas suas pretensões na alegada ilicitude do despedimento promovido pela entidade empregadora sem a precedência de processo disciplinar, o que gerava os efeitos estipulados no n.º 1 do artigo 13.º da LCCT.
Já quanto ao pedido reconvencional, a causa de pedir assentava no não cumprimento ou no cumprimento defeituoso, por parte do autor, do contrato de trabalho celebrado entre as partes, ajuste contratual que investia o trabalhador e a empregadora num complexo de direitos e obrigações, que a lei lhes reconhece e impõe (artigos 1.º e 19.º a 21.º da LCT).
Ora, tal como se sublinhou no acórdão em exame, “o pedido reconvencional nada tem a ver com o fundamento da acção — o despedimento. E apesar de ambos os pedidos — da acção e da reconvenção — terem um ponto comum, a celebração de um contrato de trabalho, o certo é que o fundamento da acção não é a celebração do contrato de trabalho mas antes a cessação ilícita do mesmo por parte da Ré (despedimento ilícito).”
O acórdão em referência entendeu, por isso, que a reconvenção, tal como se encontrava formulada pela ré, não era admissível face ao disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o estipulado nas alíneas o) e p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
Refira-se que, na respectiva fundamentação, o acórdão em causa ponderou, expressamente, a doutrina sufragada no anterior acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 2006, não tendo enunciado, a seu respeito, qualquer divergência.
5. A explanação precedente logrou revelar que as soluções jurídicas gizadas nos citados acórdãos deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 2006 e de 3 de Maio de 2006, não se acham em contradição.
Por outro lado, não se vislumbra a possibilidade de vencimento de solução jurídica em oposição com jurisprudência anteriormente firmada, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.
Nos termos e para os efeitos do artigo 732.º-A do Código de Processo Civil, abra-se conclusão ao Ex.mo Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com o parecer de que, a nosso ver, não se justifica o requerido julgamento ampliado.»

O Ex.mo Presidente deste Supremo Tribunal, sufragando o parecer elaborado pelo relator, indeferiu o requerido julgamento ampliado do agravo.

Continuados os autos com vista, o Ex.mo Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido do não provimento do recurso, parecer que, notificado às partes, não suscitou qualquer resposta.

3. No caso vertente, as questões suscitadas são as que se passam a enunciar:

Incompetência absoluta do tribunal [conclusões 1) a 21) da alegação do recurso];
Verificação de litispendência [conclusões 22) a 34) da alegação do recurso];
Admissibilidade do pedido reconvencional [conclusões 35) a 54) da alegação do recurso].

Corridos os vistos, cumpre decidir.

II
1. Com relevo para a apreciação do recurso, para além do acervo factual enunciado no ponto 1. do relatório que antecede, há que tomar em consideração a factualidade que se passa a discriminar:

a) Em 4 de Julho de 2001, na cidade do Porto, a autora Empresa-A, com sede na rua Primeiro de Janeiro, Estádio do ..., Porto, e o réu AA, de nacionalidade brasileira, dado como residente na mesma rua e cidade, outorgaram um designado «Contrato de Trabalho entre Clube e Jogador Profissional», nos termos do qual o réu se obrigou a prestar a sua actividade de futebolista à Empresa-A, em representação e sob a autoridade desta, mediante retribuição (Cláusula Primeira), pelo prazo de quatro épocas desportivas (2001/2002, 2002/2003, 2003/2004 e 2004/2005), com início em 1 de Julho de 2001 e termo em 30 de Junho de 2005 (Cláusula Quinta), consignando-se que «[p]ara definir os conflitos entre si emergentes, as partes acordam em submeter a respectiva solução à Comissão Arbitral Paritária constituída nos termos do artigo 48.º do contrato colectivo para os profissionais de futebol» (Cláusula Décima) - documento de fls. 12 a 14;
b) O referido contrato foi objecto dos seguintes aditamentos e acordos: (i) «Aditamento a Contrato de Trabalho» celebrado, em 4 de Julho de 2001, na cidade do Porto, consignando-se na respectiva parte introdutória que «[c]onstitui o presente documento Aditamento e parte integrante do Contrato de Trabalho celebrado em 04/07/2001 entre a Empresa-A, e o jogador AA», e, na Cláusula 4.ª, que, «[e]m caso de litígio emergente do Contrato de Trabalho, ou de qualquer seu aditamento, e salvo recurso às Instâncias Jurisdicionais Desportivas ou Comissões Arbitrais especializadas, ambas as partes declaram competentes os Tribunais Judiciais da Comarca do Porto, com exclusão de todos os demais» - documento de fls. 15 a 17; (ii) «Acordo», de 4 de Julho de 2001, celebrado, na cidade do Porto, entre Empresa-A, e AA, jogador profissional de futebol, constando do mesmo uma Cláusula Única respeitante à taxa cambial a atender quanto aos prémios de assinatura - documento de fls. 18; (iii) «Aditamento a Contrato de Trabalho» firmado, em 12 de Agosto de 2002, na cidade do Porto, entre a Empresa-A, e AA, respeitante ao pagamento de quantias a título de cedência dos direitos de imagem e à revisão da taxa de câmbio a atender - documento de fls. 19; (iv) «Aditamento ao Contrato de Trabalho Desportivo» celebrado, em 6 de Agosto de 2003, na cidade do Porto, entre a Empresa-A, e AA, respeitante ao pagamento em prestações mensais de quantias já vencidas - documento de fls. 20 a 21; (v) «Acordo de Rescisão Parcial de Contrato» celebrado, em 8 de Janeiro de 2004, na cidade do Porto, entre a Empresa-A, e AA, pelo qual as partes aceitaram revogar parcialmente o contrato referido em a) «quanto ao período de 1 de Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2004, o qual fica, assim, reduzido ao período de 1 de Janeiro de 2005 a 30 de Junho de 2005», tendo o referido jogador profissional de futebol aceite «o seu regresso na época desportiva 2004/2005, caso a Empresa-A o entenda» (n.os 1 e 2 da Cláusula Segunda), referindo-se no n.º 3 da respectiva Cláusula Terceira que «[e]ste acordo de rescisão não prejudica o acordado em 4 de Julho de 2001 e os aditamentos outorgados a 12 de Agosto de 2002 e 6 de Agosto de 2003, respectivamente, sem prejuízo das quantias já pagas ao jogador» - documento de fls. 22 a 23;
c) O «Acordo de Rescisão Parcial de Contrato» foi celebrado na sequência de um outro alcançado entre a autora, o réu e o Clube Atlético Mineiro, que previa a cedência temporária do réu ao este Clube, de 1 de Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2004, sendo estipulado que «o Empresa-A poderá reaver o jogador, para si ou outro clube europeu, no prazo de seis meses (em 30/Jun/04), avisando o Clube Atlético Mineiro com antecedência de 20 dias» e que «o Clube Atlético Mineiro não poderá emprestar ou ceder o jogador a outro clube sem a autorização expressa e por escrito do Empresa-A» - documento de fls. 24;
d) Com data de 5 de Janeiro de 2005, BB, invocando a qualidade de representante legal do réu, subscreveu o documento de fls. 86 a 89, em que solicitava à autora o pagamento de quantias em dívida no âmbito do acordado entre as partes, bem como a remessa de passagens aéreas para que o réu se pudesse apresentar na autora para terminar a temporada até 30 de Julho de 2005, concedendo um prazo de cinco dias para que a autora lhe pagasse os montantes em dívida e para que enviasse as passagens aéreas, salientando que, «caso não haja o pagamento integral dos valores apontados, no prazo alhures estabelecido, o atleta AA ingressará com um pleito perante a FIFA, postulando a satisfação do seu crédito e a rescisão de seu contrato de trabalho»;
e) A autora não enviou ao réu as passagens aéreas para que este se apresentasse no Empresa-A, em 1 de Janeiro de 2005;
f) Com data de 25 de Janeiro de 2005, a autora subscreveu o documento de fls. 25 e 26, pelo qual informava o réu que considerava o contrato de trabalho cessado, naquela data, por abandono injustificado do trabalho, desde 1 de Janeiro de 2005;
g) Em 25 de Janeiro de 2005, a autora enviou ao réu para a Rua Pedro Hispano, n.º ...., ...,..., Porto, um sobrescrito registado com aviso de recepção, o qual foi devolvido com a indicação dos CTT de «não reclamado» (fls. 27 a 30);
h) Pelo menos entre 4 de Julho de 2001 e 31 de Dezembro de 2003, o réu residiu na Rua Pedro Hispano, n.º ..., ..., ...o, Porto;
i) Entre 1 de Janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2004, o réu residiu no Brasil, estando ao serviço do Clube Atlético Mineiro.

Será, pois, com base no acervo factual enunciado que hão-de ser resolvidas as questões suscitadas no presente recurso.

2. Antes de mais, há que decidir a questão prévia suscitada quanto ao não conhecimento do objecto do recurso no tocante à alegada excepção de litispendência, devendo recordar-se que as partes, notificadas para se pronunciarem, querendo, sobre aquela questão prévia, nos termos do n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, não apresentaram qualquer resposta.

O agravo continuado interposto na 2.ª instância apenas é admissível no condicionalismo definido no n.º 2 do artigo 754.º do Código de Processo Civil, o qual não tem aplicação nos agravos referidos nos n.os 2 e 3 do artigo 678.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º, ambos do Código de Processo Civil, por força do n.º 3 do artigo 754.º citado.

Ora, o recorrente AA fundamenta o recurso de agravo continuado interposto na 2.ª instância na violação das regras da competência internacional dos tribunais portugueses (artigo 678.º, n.º 2, do Código de Processo Civil) e da admissibilidade da reconvenção em processo laboral [artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho e artigos 754.º, n.º 3, e alínea a) do n.º 1 do artigo 734.º do Código de Processo Civil], bem como na oposição do acórdão sob recurso com anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal (artigo 754.º, n.º 2, citado).

Como é evidente, a admissibilidade do recurso de agravo por efeito dos invocados fundamentos não permite que os poderes de cognição deste Supremo Tribunal se estendam a outras questões que manifestamente extravasam esse âmbito, como é o caso da alegada procedência da excepção de litispendência.

Se o recurso de agravo na 2.ª instância foi interposto e admitido com fundamento na violação das regras da competência internacional, no indeferimento do pedido reconvencional e na oposição de acórdãos, apenas estas questões têm de ser apreciadas, sendo vedado conhecer de outras estranhas a esses temas.

Assim, o presente recurso é inadmissível no que refere à invocada excepção de litispendência, termos em que se decide não conhecer dos fundamentos do recurso enunciados nas conclusões 22.ª a 34.ª da alegação do recurso de agravo.

3. Importa, agora, ajuizar se ocorre ou não a pretendida violação das regras da competência internacional dos tribunais portugueses.

Nos termos do disposto no artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho «[n]a competência internacional dos tribunais do trabalho estão incluídos os casos em que a acção pode ser proposta em Portugal, segundo as regras de competência territorial estabelecidas neste Código, ou de terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção».

Relativamente às regras em matéria de competência internacional, o preâmbulo do Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, diploma que aprovou o Código de Processo do Trabalho vigente, esclarece que as modificações introduzidas neste domínio visaram «a adaptação das normas do Código de Processo do Trabalho às regras dimanadas de diversos instrumentos de direito internacional vinculantes para o Estado Português, designadamente ao nível da União Europeia, mantendo-se, no entanto, o princípio básico de definição dessa competência segundo as regras da competência territorial no próprio Código estabelecidas».

Assim, a primeira parte do referido artigo 10.º consagra o princípio da coincidência entre a competência internacional dos tribunais do trabalho e a competência territorial estabelecida nos artigos 13.º a 19.º do Código de Processo do Trabalho, em termos similares aos acolhidos na alínea b) do n.º 1 do artigo 65.º do Código de Processo Civil.

Por sua vez, a segunda parte do mesmo preceito, tal como a alínea c) do n.º 1 do antedito artigo 65.º, sanciona o princípio da causalidade, de uma forma alargada, acolhendo como factor de atribuição da competência internacional aos tribunais portugueses a circunstância de «terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção».

3.1. As regras da competência territorial no Código de Processo do Trabalho constam dos artigos 13.º a 19.º inseridos na Secção II (Competência territorial) do Capítulo II (Competência interna) do Título II (Competência) do Livro I (Do processo civil).

O artigo 13.º estabelece a regra geral da competência territorial, estipulando que «[a]s acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu, sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes» (n.º 1), e consigna que «[a]s entidades patronais ou seguradoras, bem como as instituições de previdência, consideram-se também domiciliadas no lugar onde tenham sucursal, agência, filial, delegação ou representação» (n.º 2).

O artigo 14.º refere-se à competência territorial nas acções emergentes de contrato de trabalho intentadas pelo trabalhador contra a empregadora, o artigo 15.º rege sobre as acções emergentes de acidentes de trabalho e de doença profissional e o artigo 16.º fixa a dita competência nas acções emergentes de despedimento colectivo.

Já o artigo 17.º regula a competência territorial respeitante às acções a que se referem as alíneas d) e e) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, as quais se reportam, pela ordem enunciada, às «questões de enfermagem ou hospitalares, de fornecimento de medicamentos emergentes da prestação de serviços clínicos, de aparelhos de prótese e ortopedia ou de quaisquer outros serviços ou prestações efectuados ou pagos em benefício de vítimas de acidentes de trabalho ou doenças profissionais» e às «acções destinadas a anular os actos e contratos celebrados por quaisquer entidades responsáveis com o fim de se eximirem ao cumprimento de obrigações resultantes da aplicação da legislação sindical ou do trabalho», enquanto que o artigo 18.º se ocupa da competência territorial relativa às acções de liquidação e partilha de bens de instituições de previdência e associações sindicais e outras em que sejam requeridas essas instituições ou associações.

Por último, o artigo 19.º considera nulos «os pactos ou cláusulas pelos quais se pretenda excluir a competência territorial atribuída pelos artigos anteriores».

No caso, está apenas em causa a aplicação da regra geral da competência territorial prescrita no n.º 1 do artigo 13.º citado, nos termos da qual «[a]s acções devem ser propostas no tribunal do domicílio do réu», sendo certo que, de harmonia com o previsto no artigo 22.º da Lei n.º 3/99 (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), «[a] competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente», e que, conforme dispõe o artigo 82.º do Código Civil, «[a] pessoa tem domicílio no lugar da sua residência habitual» (n.º 1) e, na falta de residência habitual, «considera--se domiciliada no lugar da sua residência ocasional ou, se esta não puder ser determinada, no lugar onde se encontrar» (n.º 2).

Ora, se é verdade que o réu, entre 4 de Julho de 2001 e 31 de Dezembro de 2003, residiu na Rua Pedro Hispano, n.º ...,...,..., Porto [alínea h) dos factos assentes], e passou a residir no Brasil, entre 1 de Janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2004, «estando ao serviço do Clube Atlético Mineiro» [alínea i) dos factos assentes], à data da propositura da acção, tal como a autora refere na petição inicial, o réu encontrava-se ao serviço da Associação Desportiva São Caetano, com sede na Rua Eduardo Prado, n.º ..., Bairro ...., São Caetano no Brasil, pelo que, na data em que foi proposta a acção, o domicílio do réu não se situava em Portugal.

Devendo ter-se em conta, por expressa determinação do citado artigo 10.º, tão-somente as regras de competência territorial estabelecidas no próprio Código de Processo do Trabalho, e não se verificando, no caso, qualquer das situações previstas nos artigos 13.º a 19.º daquele Código, conclui-se que os tribunais portugueses não são internacionalmente competentes para conhecer da presente acção à luz do critério acolhido na primeira parte daquele artigo 10.º, sendo vedado, para esse efeito, atender-se ao preceituado nos n.os 2 e 3 do artigo 85.º do Código de Processo Civil.

Naturalmente que essa aplicação subsidiária será de operar caso se conclua que os tribunais portugueses são competentes internacionalmente para conhecer da presente acção, mas, então, só para definir o tribunal territorialmente competente.

3.2. Resta examinar se os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da acção por «terem sido praticados em território português, no todo ou em parte, os factos que integram a causa de pedir na acção».

Nos termos do n.º 4 do artigo 498.º do Código de Processo Civil, a causa de pedir é o facto jurídico concreto, simples ou complexo, do qual emerge a pretensão deduzida na acção — «nas acções reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas acções constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido».

Como salienta ALBERTO DOS REIS (Código de Processo Civil Anotado, vol. III, 4.ª edição, reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, p. 127), «a causa de pedir nada tem que ver com a qualificação jurídica do facto ou factos submetidos à apreciação do tribunal; a causa de pedir está no facto oferecido pela parte, e não na valoração jurídica que ela entenda atribuir-lhe. Essa valoração é simples apreciação ou ponto de vista mental; se a parte ou o tribunal modificar a qualificação ou valoração, nem por isso se dirá que houve mudança da causa de pedir.»

Assim, para se saber qual a causa de pedir, o que importa é avaliar os factos que como tais são indicados pelo autor e não a qualificação jurídica que ele lhes dá.

No caso, como bem resulta da petição inicial, a causa de pedir consiste no abandono do trabalho por parte do réu, que estaria obrigado a apresentar-se ao serviço da autora, no Estádio do Bessa, no dia 1 de Janeiro de 2005, para completar época desportiva 2004/2005, e que, entretanto, não retomou o trabalho.

Ora, tendo sido celebrado em Portugal o contrato de trabalho em causa, bem como os respectivos aditamentos e acordos posteriores que o passaram a integrar, nomeadamente o «Acordo de Rescisão Parcial de Contrato», nos termos do qual as partes aceitaram revogar parcialmente o contrato primitivo «quanto ao período de 1 de Janeiro de 2004 a 31 de Dezembro de 2004», tendo o réu prestado à autora a sua actividade de jogador profissional de futebol em Portugal e aqui se localizando o lugar estabelecido para o réu retomar o cumprimento da prestação do trabalho, após a sua cedência temporária ao Clube Atlético Mineiro, os tribunais portugueses são internacionalmente competentes para conhecer da presente acção, em conformidade com o disposto na segunda parte do artigo 10.º do Código de Processo do Trabalho, já que ocorreram em território português os factos que integram a causa de pedir na acção.

3.3. E não se diga, como propugna o recorrente, que mediante o acordado na cláusula 4.ª do «Aditamento a Contrato de Trabalho», de 4 de Julho de 2001, «as partes quiseram atribuir às Instâncias Jurisdicionais Desportivas a competência para dirimir os litígios resultantes do contrato de trabalho desportivo sub judice, pelo que a sua preterição consubstancia uma excepção dilatória, nos termos do disposto no artigo 494.º, alínea a), do CPC, que dá lugar à absolvição da instância».

É certo que na cláusula décima do contrato de trabalho primitivo se consignou que «[p]ara definir os conflitos entre si emergentes, as partes acordam em submeter a respectiva solução à Comissão Arbitral Paritária constituída nos termos do artigo 48.º do contrato colectivo para os profissionais de futebol» [alínea a) dos factos assentes].

Todavia, no «Aditamento a Contrato de Trabalho» celebrado, em 4 de Julho de 2001, afirma-se na parte introdutória que «[c]onstitui o presente documento Aditamento e parte integrante do Contrato de Trabalho celebrado em 04/07/2001 entre a Empresa-A, e o jogador AA», e refere-se na cláusula 4.ª, que, «[e]m caso de litígio emergente do Contrato de Trabalho, ou de qualquer seu aditamento, e salvo recurso às Instâncias Jurisdicionais Desportivas ou Comissões Arbitrais especializadas, ambas as partes declaram competentes os Tribunais Judiciais da Comarca do Porto, com exclusão de todos os demais» [alínea b), (i), dos factos assentes].

Por conseguinte, a cláusula décima do contrato de trabalho primitivo foi ab-rogada, porque incompatível no seu todo com o acordado na cláusula 4.ª transcrita.
Na interpretação da declaração negocial deve observar-se a disciplina contida nos artigos 236.º a 238.º do Código Civil, que consagram, de forma mitigada, o princípio da impressão do destinatário.

Assim, nos termos daquele artigo 236.º, «[a] declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele» (n.º 1).

Ora, através da sobredita cláusula 4.ª, como bem se acentua na decisão proferida em primeira instância, «as partes limitam-se a eleger os tribunais do Porto como os territorialmente competentes para dirimir os conflitos emergentes do contrato de trabalho e seus aditamentos, no caso de as partes recorrerem aos tribunais e não a instâncias jurisdicionais desportivas ou comissões arbitrais especializadas, não resultando da tal cláusula qualquer modificação das regras de competência internacional, em que se traduz o pacto privativo de jurisdição», donde essa cláusula «não constitui um pacto privativo ou atributivo de jurisdição tal como se encontra definido no artigo 99.º do C.P.C., mas antes uma convenção expressa relativa à competência territorial prevista no artigo 100.º do C.P.C.».

Aliás, como também é salientado na mesma decisão, «resulta do artigo 11.º do Código de Processo do Trabalho que não podem ser invocados perante tribunais portugueses os pactos ou cláusulas que lhes retirem competência internacional atribuída ou reconhecida pela lei portuguesa, salvo se outra for a solução estabelecida em convenções internacionais, cuja existência nem sequer foi invocada».

Tanto basta para que se possa concluir que não se verifica a pretendida violação das regras da competência internacional dos tribunais portugueses, nem a excepção dilatória prevista no artigo 494.º, alínea a), do Código de Processo Civil.

4. O recorrente sustenta, ainda, que o pedido reconvencional deveria ter sido admitido, porquanto «[q]uer o pedido da A., quer o pedido reconvencional do Recorrente, têm por base um e o mesmo facto: a celebração de um contrato de trabalho desportivo, em virtude do qual este passou a prestar àquela o seu trabalho, sob a sua autoridade e direcção, e mediante retribuição; [m]as mesmo que não se entenda conforme o exposto, não se duvidará que, em termos mais restritos, é o incumprimento do contrato o traço comum caracterizador quer da acção, quer da reconvenção; [e] se optarmos por restringir ainda mais a causa de pedir, forçoso é reconhecer que a A. sustenta que o contrato de trabalho foi denunciado ilicitamente pelo Recorrente, enquanto este, por sua vez, invoca que a rescisão do contrato por si operada foi feita com justa causa, pelo que é lícita tal denúncia e tem direito ao pagamento de todas as retribuições devidas e não pagas pela A.».

De todo o modo, prossegue o recorrente, o pedido reconvencional deveria ter sido admitido para «não desvirtuar o propósito com que a norma foi criada e por forma a não permitir que dela se prevaleça a ora Recorrida, que, atento o escopo da norma, nunca por ela devia ser protegida em sacrifício do Recorrente», e, também, «por verificação da relação de conexão prevista pela alínea o), por remissão da alínea p), ambas do artigo 85.º da Lei 3/99».

Este Supremo Tribunal examinou questão similar, nos acórdãos proferidos, em 26 de Janeiro de 2006, no Processo n.º 1175/05, e em 3 de Maio de 2006, no Processo n.º 251/06, ambos da 4.ª Secção e relatados pelo aqui relator, sendo que o segundo acórdão indicado foi também subscrito pelo aqui primeiro adjunto, donde, na explanação subsequente, seguir-se-á muito de perto a respectiva fundamentação.

Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas em causa.

4.1. O artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho estipula:

«Artigo 30.º
(Reconvenção)
1 – A reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.
2 – Não é admissível reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor.»

Por seu turno, dispõe a alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro (Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais), que cabe aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, «[d]as questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão»; enfim, «a alínea anterior», ou seja, a alínea o) do mesmo artigo 85.º, confere aos tribunais do trabalho competência para conhecer, em matéria cível, «[d]as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

A admissibilidade da reconvenção está, assim, dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, que se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros, agora de carácter processual ou adjectivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.

O acórdão recorrido não põe em causa a falta de qualquer requisito de cariz processual, pelo que deles não há que conhecer.

Note-se que, enquanto a alínea a) do n.º 2 do artigo 274.º do Código de Processo Civil, admite a reconvenção «[q]uando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa», o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, restringe essa admissibilidade à situação em que o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, pelo que, no domínio do processo laboral, não é admissível reconvenção com base no facto jurídico que serve de fundamento à defesa.

Segundo LEITE FERREIRA (Código de Processo do Trabalho Anotado, 4.ª edição, p. 167, in fine), esta restrição da admissibilidade da reconvenção no domínio do processo laboral visa claramente «evitar que o réu, normalmente a entidade patronal, se servisse da acção contra si proposta, em regra, por um trabalhador, para, fora do campo da defesa directa ou propriamente dita, passar a atacar este com uma contra-acção […]».

Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação das normas conjugadas dos artigos 30.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, e 85.º, alíneas o) e p), da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

Justificam-se, pois, as considerações genéricas que se seguem.

4.2. A interpretação jurídica tem por objecto descobrir, de entre os sentidos possíveis da lei, o seu sentido prevalente ou decisivo, sendo o artigo 9.º do Código Civil a norma fundamental a proporcionar uma orientação legislativa para tal tarefa.

A apreensão literal do texto, ponto de partida de toda a interpretação, é já interpretação, embora incompleta, pois será sempre necessária uma «tarefa de interligação e valoração, que excede o domínio literal» (cf. JOSÉ OLIVEIRA ASCENSÃO, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 11.ª edição, revista, Almedina, 2001, p. 392).

Nesta tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal, intervêm elementos lógicos, apontando a doutrina elementos de ordem sistemática, histórica e racional ou teleológica (sobre este tema, cf. KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, 3.ª edição, tradução, pp. 439-489; BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, 12.ª reimpressão, Coimbra, 2000, pp. 175-192; FRANCESCO FERRARA, Interpretação e Aplicação das Leis, tradução de MANUEL ANDRADE, 3.ª edição, 1978, pp. 138 e seguintes).

O elemento sistemático compreende a consideração de outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretada, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim, como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos). Compreende ainda o lugar sistemático que compete à norma interpretanda no ordenamento global, assim como a sua consonância com o espírito ou unidade intrínseca de todo o ordenamento jurídico.

O elemento histórico abrange todas as matérias relacionadas com a história do preceito, as fontes da lei e os trabalhos preparatórios.

O elemento racional ou teleológico consiste na razão de ser da norma (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao editar a norma, nas soluções que tem em vista e que pretende realizar.

Segundo a doutrina tradicional, o intérprete, socorrendo-se dos elementos interpretativos acabados de referir, acabará por chegar a um dos seguintes resultados ou modalidades de interpretação: interpretação declarativa, interpretação extensiva, interpretação restritiva, interpretação revogatória e interpretação enunciativa.
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

4.3. O n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho estabelece a admissibilidade da reconvenção «quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção e no caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro».

Ora, o sentido da expressão «facto jurídico que serve de fundamento à acção» empregue no primeiro segmento do preceito em exame, pelo seu exacto teor literal e pela sua inserção sistemática em capítulo intitulado «Instância», em que é regulada a cumulação sucessiva de pedidos e de causas de pedir (artigo 28.º), só pode ser entendido como referindo-se, precisamente, à causa de pedir, isto é, «ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão» (cf. n.º 4 do artigo 498.º do Código de Processo Civil; também, VAZ SERRA, Revista de Legislação e Jurisprudência, 109.º, p. 313), no caso, o alegado abandono do trabalho por parte do réu, e não, como pretende o recorrente, «a celebração de um contrato de trabalho desportivo» ou, «em termos mais restritos, […] o incumprimento do contrato».

O segundo segmento da norma em exame remete para o caso referido na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99.

A remissão supõe uma regulação per relationem a outra regulação: a norma de remissão refere-se a outra ou outras disposições de forma tal que o conteúdo destas deve considerar-se parte integrante da normação que inclui a norma remissiva; o conteúdo do objecto da remissão incorpora-se ou estende a sua aplicabilidade ao âmbito de vigência da norma remissiva.

Como já se referiu, a alínea p) do citado artigo 85.º reporta-se às «questões reconvencionais que com a acção tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão».

Por sua vez, a sobredita alínea anterior, ou seja, a alínea o) do mesmo artigo 85.º, alude às «questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

Deste modo, por remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, o antedito artigo 30.º prevê a admissibilidade da reconvenção, quando intercedam as relações de conexão aludidas na alínea o) do mesmo artigo 85.º entre o pedido reconvencional e a acção, e quando o réu invoca a compensação de créditos.

Que relações de conexão estão previstas nas referidas alíneas do artigo 85.º?

Em primeira linha, essas relações de conexão, pelo próprio teor literal da alínea p) do antedito artigo 85.º, devem estabelecer-se entre as enunciadas questões reconvencionais e a acção.

Doutro passo, a história dos preceitos vertidos nas alíneas em apreço revela que as mesmas reproduzem as alíneas o) e p) do artigo 66.º da Lei n.º 82/77, de 6 de Dezembro (Lei Orgânica dos Tribunais Judiciais), embora, mais impressivamente, a redacção adoptada na alínea o) daquele artigo 66.º fizesse anteceder cada um dos tipos de conexão pela preposição «por», referindo competir aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível, «[d]as questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».

Assim, o que se extrai do texto das conjugadas alíneas o) e p) do antedito artigo 85.º é que as relações de conexão aí em causa são as que emergem entre as questões reconvencionais e a acção, por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Tudo para concluir que o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, com a remissão para a alínea p) do citado artigo 85.º, prevê três situações de admissibilidade da reconvenção: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção; (ii) quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.

E não se diga, como faz o recorrente, que o pedido reconvencional deveria ter sido admitido para «não desvirtuar o propósito com que a norma foi criada e por forma a não permitir que dela se prevaleça a ora Recorrida, que, atento o escopo da norma, nunca por ela devia ser protegida em sacrifício do Recorrente».

É que o elemento racional ou teleológico é apenas um dos aspectos a ter em conta na tarefa de interligação e valoração que acompanha a apreensão do sentido literal da norma, sendo certo que, em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil comanda que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2) e, além disso, «[n]a fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).

4.4. No caso em apreço, a autora pede que se declare que o contrato de trabalho celebrado foi denunciado ilicitamente pelo réu e que este seja condenado a pagar-lhe a indemnização de € 754.511,04, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação e até integral pagamento, tendo alicerçado essas suas pretensões no abandono do trabalho pelo réu, que estaria obrigado a apresentar-se ao serviço da autora, no Estádio do Bessa, no dia 1 de Janeiro de 2005, para completar época desportiva 2004/2005, e que, entretanto, não retomou o trabalho.

A causa de pedir que serve de fundamento à acção é, pois, o abandono do trabalho por parte do réu.

Já quanto ao pedido reconvencional, a causa de pedir assenta no não cumprimento, por parte da autora, do contrato de trabalho celebrado entre as partes, em concreto, a respectiva causa de pedir consiste no não pagamento pontual das retribuições e demais valores acordados contratualmente, que perfazem a quantia de € 979.573,84 e respeitam a prémios por assinatura, salários, prémios de jogo e de classificação, rendas e indemnização por diferenças salariais decorrentes da rescisão parcial, vencidos e não pagos, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos.

Ora, o pedido reconvencional deduzido pelo recorrente nada tem a ver com o fundamento da acção - o abandono do trabalho por parte do réu. E apesar de ambos os pedidos - da acção e da reconvenção - terem um ponto comum, a celebração de um contrato de trabalho, o certo é que o fundamento da acção não é a celebração do contrato de trabalho mas antes o invocado abandono do trabalho.

Portanto, o pedido reconvencional não emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, como se exige na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho.

E, por outro lado, entre o pedido reconvencional e a acção não se verifica qualquer interligação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.

Na verdade, a haver qualquer relação de conexão ela é apenas indirecta, porque derivam ambas da existência de um contrato de trabalho. Mas ambas as violações contratuais, quer a imputada ao réu, quer a imputada à autora, têm um conteúdo próprio e independente na medida em que qualquer dessas violações pode ocorrer sem o concurso da outra.

Apenas se acrescentará, face ao afirmado pelo recorrente na segunda parte da conclusão 38.ª da alegação do recurso de agravo, que no pedido reconvencional não se «invoca que a rescisão do contrato por si operada foi feita com justa causa, pelo que é lícita tal denúncia», mas apenas o não cumprimento, por parte da autora, do contrato de trabalho celebrado entre as partes, por falta de pagamento de diversas quantias contratualmente estipuladas, designadamente, retribuições vencidas.

Não tendo o réu manifestado intenção de compensação de créditos e não se verificando conexão directa entre o pedido reconvencional e a acção, não se verifica qualquer das situações previstas na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99 citada.

Face a todas as precedentes considerações, a reconvenção, tal como se encontra formulada pelo réu, não é admissível face ao disposto no n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho, conjugado com o estipulado nas alíneas o) e p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.

5. Finalmente, o recorrente alega que a decisão recorrida, «estribando-se no acórdão do STJ, de 3/05/2006, in www.dgsi.pt, revela-se contrária a anterior Jurisprudência proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (Acórdão do STJ, de 26/01/2006, in www.dgsi.pt) no domínio da mesma legislação, não tendo sido fixada pelo Supremo Tribunal, nos termos do disposto no artigo 732.º-A e 732.º-B, jurisprudência sobre a mesma questão com ele conforme (artigo 754.° do C.P.C.)», havendo contradição de julgados, e que o pedido reconvencional devia ser admitido, à semelhança do que aconteceu no antedito acórdão de 26 de Janeiro de 2006.

Conforme se evidenciou no parecer elaborado sobre o pedido de julgamento ampliado do agravo, que se transcreveu supra, «as soluções jurídicas gizadas nos citados acórdãos deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 2006 e de 3 de Maio de 2006, não se acham em contradição».

E à mesma conclusão se chega quando cotejado o decidido no acórdão recorrido, quanto à reclamada admissibilidade do pedido reconvencional deduzido pelo recorrente, e a solução jurídica acolhida no acórdão deste Supremo Tribunal, de 26 de Janeiro de 2006, proferido no Processo n.º 1175/05, da 4.ª Secção.

Com efeito, no caso apreciado no referido acórdão, de 26 de Janeiro de 2006, a autora cumulara diversos pedidos contra a ré, sendo diferentes os factos jurídicos em que alicerçava essas suas pretensões.

Assim, no que respeitava aos pedidos de reintegração da autora no seu posto de trabalho e de pagamento dos salários e subsídios que se vencerem desde a data do despedimento até à reintegração, a causa de pedir reconduzia-se à alegada ilicitude do despedimento, ilicitude essa que advinha da imputada falta de justa causa para o despedimento promovido pela empregadora e que gerava os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 13.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-/89, de 27 de Fevereiro (LCCT).

Já quanto ao pedido de pagamento da quantia global de 85.737,30 euros, a título de remunerações vencidas e outros créditos salariais que discriminou, a causa de pedir assentava no não cumprimento ou no defeituoso cumprimento do próprio contrato de trabalho celebrado entre as partes.

Com o pedido reconvencional, a ré pretendia obter o pagamento da quantia global de 10.409,55 euros, a título de indemnização pelos prejuízos originados pelo comportamento ilícito e culposo da autora.

Portanto, os factos ilícitos e culposos que teriam dado causa aos prejuízos cuja indemnização se pedia eram, precisamente, os mesmos que integravam a justa causa de despedimento, fundando-se esse pedido indemnizatório na violação grave e culposa dos deveres decorrentes do contrato de trabalho.

Em suma: a autora formulara pedidos assentes na ilicitude do despedimento, por considerar que os factos constantes da nota de culpa que a entidade empregadora contra ela deduziu eram insubsistentes, e eram esses mesmos factos, embora numa perspectiva oposta, que suportavam o pedido reconvencional.

O acórdão deste Supremo Tribunal entendeu que o pedido reconvencional, tal como se encontrava formulado pela ré, era admissível com base no disposto na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho.

Ora, no acórdão recorrido a causa de pedir que serve de fundamento à acção é o abandono do trabalho pelo réu, fundando-se o pedido reconvencional no não pagamento pontual das retribuições e demais valores acordados contratualmente.

Isto é, o pedido reconvencional nada tem a ver com o fundamento da acção (o abandono do trabalho por parte do réu), nem emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção, como se exige na primeira parte do n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo do Trabalho.

Nesta conformidade, não se descortina a mínima similitude entre os casos apreciados nos acórdãos em exame, nem qualquer contradição nas soluções jurídicas nos mesmos adoptadas.

Não há, pois, motivo para alterar o julgado.

III
Pelos fundamentos expostos, decide-se não conhecer da questão versada nas conclusões 22.ª a 34.ª da alegação do recurso de agravo, negar provimento ao agravo e confirmar o acórdão recorrido, embora, em parte, com diversa fundamentação.
Custas pelo recorrente.

Lisboa, 12 de Setembro de 2007
Pinto Hespanhol (relator)
Vasques Dinis
Bravo Serra