Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2246/22.1T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: LEONEL SERÔDIO
Descritores: REJEIÇÃO DE RECURSO
RECURSO DE REVISTA
EXTINÇÃO DO PODER JURISDICIONAL
DOCUMENTO SUPERVENIENTE
ADMISSIBILIDADE
TEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 01/31/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA (COMÉRCIO)
Decisão: RECLAMAÇÃO INDEFERIDA.
Sumário :

I- Não tendo sido admitido o recurso de revista, a instância de recurso extinguiu-se e, consequentemente, não pode ser conhecido requerimento do Recorrente, apresentado depois da alegação, em que pede se declare extinto o direito da recorrida.


II- Atento o disposto no artigo 680º do CPC , no recurso de revista os documentos supervenientes têm obrigatoriamente de ser juntos com as alegações e consequentemente não é admissível a junção do acórdão do STJ, em que o Reclamante baseia a sua pretensão, proferido depois da apresentação das alegações.

Decisão Texto Integral:

Processo: 2246/22.1T8LRA.C1


Acordam em conferência no Supremo Tribunal de Justiça


Relatório


O apelante AA veio interpor recurso de revista excecional para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido em 12.07.2023, no processo especial de revitalização, que confirmou a decisão da 1ª instância, que homologou o plano de recuperação invocando os fundamentos constantes das alíneas a), b) e c) do nº 1 do artigo 672º do CPC.


Nas suas contra-alegações, o Fundo de Reestruturação Empresarial, FCR (“FRE”) e A..., S.A. vieram pugnar pela inadmissibilidade do recurso, por o recurso da decisão da Relação para o STJ estar sujeita ao condicionalismo previsto no artigo 14º, nº 1 do CIRE, aplicável ao PER, por força do disposto no artigo 17º-A, nº 3 do CIRE, não sendo admissível recurso de revista excecional. Sustentam ainda não ser admissível recurso nos termos do art.º 14º n.º 1 2ª parte do CIRE, por inexistir oposição de entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento invocado pelo Recorrente.


Por despacho de 27.11.2023 por se entender não ser admissível o recurso de revista, pelas razões nele elencadas, foi, nos termos do artigo 655º n.º 1 do CPC, ordenado que o Recorrente, querendo, se pronunciasse.


Em 28.11. 2023 o Recorrente apresentou requerimento, com o seguinte teor:


« AA, recorrente nos autos à margem referenciados, vem, nos termos conjugados do disposto nos artigos 679.º 663.º, n.º 2 e 611.º, n.º 1, invocar facto extintivo ou, pelo menos, impeditivo do direito invocado pela requerente, ora recorrida.


Por douto acórdão deste Colendo Supremo Tribunal, de 16 de Novembro de 2023, relatado pelo Exmo. Senhor Juiz Conselheiro Ferreira Lopes, prolatado no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1.S1 da 7.ª Secção, foi definitivamente resolvida a pretensão da “C... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” em “ser reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 1.418.000 ações nominativas, representativas de 56,72% do capital social (…), de 304.476 ações nominativas representativas de 12,18% do capital social (…) e de 55.524 ações, representativas de 2,22% do capital social da A..., S,A, (…) condenando-se os RR. A reconhecer esse direito, com todas as legais consequências” – Doc. 1, certidão judicial que agora se junta.


Entre os réus nesse pleito figurava o aqui recorrente – Doc. 1.


Na 1.ª apenas foi reconhecida a posse e a propriedade da autora “C... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” sobre 77.000 ações correspondentes a pouco menos de 3,08% do capital social da sociedade A..., S.A., ora recorrida.


A sentença da 1.ª instância foi confirmada pelo Venerando Tribunal da Relação de Coimbra e também agora por este Colendo Supremo Tribunal.


No brilhante aresto, que agora se junta, se concluiu, confirmando as decisões da 1.ª e da 2.ª instância “E teremos de considerar que a invocação das ações por usucapião por parte da aqui autora visariam um resultado ilegítimo: permitir-se-ia, que, por um lado, o BB que, em primeiro lugar, de modo ilícito, se apropriou das ações da titularidade da herança por óbito de CC – apoiando-se numa alegada partilha verbal de tais ações e posterior doação do seu pai para si, para a seguir as transmitir para a C..., S.A., de quem era acionista quase único – viesse, depois, enquanto herdeiro da herança por óbito da CC, a obstaculizar o exercício do direito à titularidade de tais ações por parte da herança, com a qual mantinha um conflito de interesses;


e por outro, refugiando-se na separação de personalidades jurídicas, a aqui autora C..., S.A., pretende que a discussão judicial da titularidade das ações controvertidas não lhe é oponível, por ela própria não ter sido aí citada ou notificada enquanto tal – quando o BB (então seu presidente e acionista quase único) foi direto interveniente no processo de inventário e a A..., S.A., (também em situação de domínio pela autora), surge como ré nas demais ações.


Nestas circunstâncias, a invocação da aquisição por usucapião das ações controvertidas, por parte da C..., S.A., só se mostraria possível com o recurso ao estatuto da separação de personalidades e para contornar o facto de a titularidade de tais ações ter sido sujeita a discussão judicial, desde o início da posse de tais ações por parte da autora, em 18 de abril de 2011, até 26 de abril de 2017, data da propositura da presente ação (com exceção de uns meses, como é assinalado na decisão recorrida), se mostra perfeitamente abusivo e atentatório dos ditames da boa-fé.”


O excerto transcrito revela que a Relação respondeu de forma cabal e absolutamente convincente à posição defendida pela Recorrente, tornando desnecessário qualquer acrescento nosso.


Diremos apenas o seguinte:


Como refere Rita Canas da Silva, em anotação ao art.º. 323º do Código Civil Anotado, Almedina, “o facto interruptivo provém de acto do credor, por meio de citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercício do direito, ainda que praticado por um representante, legal ou voluntário. Por razões de certeza, a lei impõe que o ato revista determinada forma – apenas atos judiciais específicos interrompem a prescrição: a citação e a notificação judicial (v. art. 219º, nºs 1 e 2 do CPC).


A razão da interrupção resulta, nestes casos, de quebra da inércia do titular, que exerce ou manifesta intenção de exercício do direito.”


Por sua vez Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, V, pag. 197, esclarece:


A referência à intenção, directa ou indirecta de vir a exercer o direito (art. 323º/1), “traduz a regra de que bastará uma diligência judicial que seja incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição se trate.”


Desinteresse pelo direito que de modo algum pode ser assacado aos Recorridos.


Pelo contrário, as posições que assumiram nos processos supra referidos evidenciam claramente que consideravam as acções um bem da herança por óbito CC, mãe dos Réus, sendo a citação, ou notificação, do Réu naqueles processos apta a interromper o prazo prescricional, que por esse motivo, à data da propositura da acção não se tinha completado.


Ademais, como referiram as instâncias, a presente acção traduz um evidente abuso de direito, como bem se referiu a sentença:


Reafirma-se, como tal, que a presente acção se traduz num evidente abuso de direito da Autora BB. Não porque a mesma estivesse de má fé ou sem legitimação substantiva. Pois que a usucapião se pode afirmar mesmo com tais caracteres… Mas antes pela pura circunstância de pretender uma prescrição aquisitiva em face de quem tem, ad nauseam, exercido o seu direito. O que é [e sempre foi], ademais, da sua clara ciência! Pretendendo, como tal, accionar uma prescrição aquisitiva em termos que, manifestamente, extravasam os quadros e teleologia que lhe foram traçados pelo legislador.”


“Reafirma-se (…) que a presente ação traduz um evidente abuso de direito” concluíram os Colendos Juízes Conselheiros naquele iluminado acórdão.


O abuso do direito serve por regra para consubstanciar a fraude.


Logo no seu requerimento para a não homologação do plano de revitalização, de 14/11/2022 (referência CITIUS 9198630), o ora recorrente descreveu e comprovou a longa batalha judicial pela propriedade da grande maioria do capital social da requerente, ora recorrida, e fez referência à sentença da 1.ª Instância e ao douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra agora confirmados por este Colendo Supremo Tribunal (26.º a 33 do sobredito requerimento).


No mesmo requerimento, o ora requerente alegou e demonstrou que, no mesmo tribunal e Juízo de Comércio, se encontram pendentes, sob o n.º 1295/17.6..., uns autos de anulação de deliberações sociais, em que são autores o aqui recorrente e o seu irmão DD e ré a sociedade ora recorrida, onde se pede que o Tribunal declare a inexistência, a nulidade ou a anulabilidade da assembleia geral de 15/02/2017, onde foi deliberada a recondução dos órgãos sociais da devedora, bem como a declaração de inexistência, nulidade ou ineficácia do registo das ações no respetivo livro (34.º e 35.º do sobredito requerimento).


O recorrente ainda fez notar que tais autos de anulação de deliberações sociais se encontram suspensos desde 6 de fevereiro de 2018, até que transite em julgado a decisão proferida nos autos de processo comum n.º 1540/17.8T8PBL (31.º e 36.º do sobredito requerimento).


O ora recorrente concluiu no seu requerimento supracitado que o presente PER não passava de uma gigantesca fraude.


Desde o seu requerimento de não homologação do plano de recuperação, tem o recorrente vindo a insistir que, desde 2011, estão as assembleias gerais da recorrida inquinadas por ilegitimidade da estrutura acionista e que, por consequência, os órgãos sociais também são ilegítimos, porquanto têm vindo a ser nomeados por quem não tem suficiente quórum para obter vencimento na deliberação respetiva (cfr., a título meramente exemplificativo, as conclusões G, H, I, J, K, L, M, II, JJ, LL, MM e NN das nossas alegações de recurso).


O douto acórdão agora trazido a juízo traduz-se num facto novo, que determina inelutavelmente a extinção ou, pelo menos, o impedimento do direito invocado pela recorrida.


A questão que se coloca agora perante este facto novo (a confirmação por este colendo Tribunal, de que a grande maioria do capital social da A..., S.A. pertence, não à C...– Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.G.P.S., mas antes ao recorrente e à sua família) é apenas esta: a de saber se se vai continuar a contemporizar com o abuso do direito, com o uso anormal do processo, com a simulação processual e com a fraude, ou se, pelo contrário, se vai fazer valer a justiça material, como inequivocamente impõe o artigo 2.º do Código de Processo Civil.»


Sobre este requerimento recaiu o despacho proferido em 06.12.2023, com a seguinte fundamentação:


“O recorrente AA veio juntar aos autos certidão do acórdão do STJ proferido em 16.11.2023, no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1.S1 da 7.ª Secção, que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação e que tinha julgado improcedente a pretensão da “C... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” em “ser reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 1.418.000 ações nominativas, representativas de 56,72% do capital social (…), de 304.476 ações nominativas representativas de 12,18% do capital social (…) e de 55.524 ações, representativas de 2,22% do capital social da A..., S,A, (…) condenando-se os RR. ( entre eles o ora recorrente) a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências.


Refere que em consequência deste acórdão está definitivamente decidido que a autora nessa “C... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” sobre 77.000 ações correspondentes a pouco menos de 3,08% do capital social da sociedade A..., S.A., ora recorrida.


Transcreve parte da fundamentação deste acórdão de 16.11.2023, em que se refere que a ação em causa constituiu um abuso de direito por parte da autora.


Se bem se entende, pretende que se considere o decidido no referido acórdão como um facto extintivo do direito da recorrida, nos termos do artigo 611º n.º 1 do CPC, artigos 679º e 663º n.º 2 do mesmo diploma.


No entanto, esta pretensão do recorrente tem de ser liminarmente indeferida.


Em primeiro lugar, por não estar sequer transitado em julgado o acórdão do STJ proferido em 16.11.2023, no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1. S1 da 7.ª Secção.


Por outro lado, o STJ apenas podia conhecer a pretensão do recorrente na hipótese de o recurso que interpôs ser admissível e com a amplitude que pretende.


Ora, como se referiu, no despacho de 27.11.2023, entende-se que o recurso por ele interposto não é admissível, porque nos termos do artigo 14º do CIRE, como é entendimento uniforme não é legalmente admissível no presente processo especial de revitalização recurso de revisão excecional e, por outro lado, ao contrário do que invoca não há contradição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento do Tribunal da Relação do Porto, de 16/01/2021, no processo n.º 943/19.8T8OAZ.


De qualquer forma, ainda que os dois juízes adjuntos, caso o recorrente reclame para a conferência do despacho a não admitir o seu recurso, o admitam, a questão a conhecer estava limitada à alegada contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, ou seja, se a interpretação e aplicação do artigo 198º n.º 3 do CIRE e se o mesmo tinha sido violado pela sentença homologatória do plano de recuperação da devedora, confirmada pelo acórdão do Tribunal da Relação.


Ora, a eventual relevância do acórdão do STJ proferido em 16.11.2023, no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1. S1 da 7.ª Secção, reconduz-se à questão da falta de legitimidade do conselho de administração da devedora, para deliberar a submissão da requerente ao PER, que ainda que o recurso fosse admitido não podia ser objeto de apreciação e decisão neste recurso, sob pena de violação do artigo 14º n.º 1 do CIRE.


Pelo exposto, indefere-se o requerimento apresentado pelo recorrente.”


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Por requerimento de 13.12.2023, o Recorrente defendeu a admissibilidade do recurso de revista.


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Por despacho de 20.12.2023, foi proferido despacho a não admitir o recurso de revista.


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Em 27.12.2023, o Recorrente reclamou para a conferência, do despacho de 06.12.2023, que indeferiu o requerimento por ele apresentado em 28.11.2023, com a seguinte fundamentação:


“1. O recorrente não se pode conformar com o douto despacho de 06.12.2023, o qual, na sua perspetiva, e salvo o devido respeito, se traduz num completo alheamento da materialidade subjacente e da justiça material, em benefício de uma justiça meramente formal.


2. A pergunta que não podemos deixar de formular é a seguinte: depois deste mesmo colendo tribunal, confirmando as decisões da 1.ª e da 2.ª instância, ter já considerado que a C..., SGPS, S.A., “ao pretender exercer uma prescrição aquisitiva em face de quem tem, ad nauseam, exercido o seu direito”, “labora num evidente abuso de direito” e que, como tal, a grande maioria do capital da A..., S.A. pertence a EE e à herança aberta por óbito da sua falecida esposa, é aceitável que, por via de uma atuação abusiva e ilegal, os sobreditos EE e a herança aberta por óbito da sua esposa se vejam despojados das suas ações no capital social da recorrida?


3. Será que o n.º 2 do artigo 2.º e o artigo 612.º do CPC não são abrangidos pelo artigo 17.º do CIRE?


4.A resposta não pode deixar de ser positiva: efetivamente, o n.º 2 do artigo 2.º e o artigo 612.º do CPC funcionam como “válvulas de escape”, que permitem ao sistema prevenir a ocorrência de flagrantes injustiças.


5. O n.º 2 do artigo 2.º do CPC consagra um princípio fundamental de direito, que é o do acesso a uma justiça efetiva, tempestiva e adequada.


6. Ora, demonstrado se encontra nos autos que o presente PER foi deliberado por um Conselho de Administração, nomeado em Assembleia Geral (devidamente impugnada no momento e local próprios), inquinada por usurpação da C..., SGPS, S.A..


7. Demonstrado se encontra também que o presente PER mais não constituiu do que uma manobra ilegal e desesperada da C..., SGPS, S.A. para, de uma assentada, inutilizar os efeitos práticos das três decisões (a tripla conforme) prolatadas no Processo n.º 1540/17.8T8PBL.


8. E aqui caímos inelutavelmente no alcance do artigo 612.º do CPC e no uso anormal do processo: o recorrente, logo na sua primeira intervenção nestes autos, demonstrou, inequivocamente, que a recorrida não se encontrava, e não se encontra, em situação económica difícil e que o seu passivo tinha sido convenientemente subavaliado, de uma forma que apelidamos de perversa.


9.No local próprio fizemos questão de salientar que o Juiz do PER não se pode remeter à posição de mero escriva e que tem de, sobretudo numa situação de redução do capital a zero, averiguar, indagar e controlar a legalidade material e não apenas formal de todo o processo.


10. Como já escrevia o Prof. Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 88, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, “Este é que é o problema. Problema de direito substancial e não de direito processual. A lei processo só nos diz isto: o tribunal deve tomar em consideração o facto superveniente, desde que esteja verificado e apurado à data do encerramento da discussão. Isto equivale a dizer que à parte interessada é lícito alegar e provar o facto”.


11. Como ensina Miguel Teixeira de Sousa, in “Manual de Processo Civil”, Vol. I, AAFDL Editora, 2022, pág. 644, “Conforme resulta do disposto no art. 611.º, n.º 2, os factos supervenientes relevantes são todos aqueles que tenham influência sobre a existência ou o conteúdo da relação controvertida. Sendo assim, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos têm de ser entendidos num sentido amplo: são tanto aqueles que constituam, modifiquem ou extingam o pedido do autor, como aqueles que realizem uma mesma função quanto ao pedido de absolvição formulado pelo réu (e, portanto, quanto às exceções alegadas por esta parte). É, aliás, o que resulta da remissão realizada pelo art. 611.º, n.º 3, para o art. 536.º, n.º 1, já que este preceito manda atender para efeito de repartição de custas às circunstâncias supervenientes que afetam a demanda do autor ou a oposição do réu”.


12. Como se decidiu em douto Acórdão deste colendo tribunal, de 05.05.2015, in CPC Anotado, Tomo I, José António de França Pitão e Gustavo França Pitão, Quid Juris Editora, 2016, pág. 610, “I – Nos termos do n.º 1 do artigo 611.º do NCPC, a atendibilidade dos factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que se produzam posteriormente à proposição da ação, de modo que a decisão corresponda à situação existente no momento do encerramento, pressupõe que as partes tragam esses factos ao processo, através de articulados supervenientes, nos termos dos art.ºs 588.º e 589.º do NCPC, ou que esses factos sejam notórios ou conhecidos pelo tribunal no exercício das suas funções.


II – A inutilidade superveniente da lide ocorre quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou por encontrar satisfação fora do esquema da providência pretendida.


III – O abuso do direito, na modalidade de desequilíbrio no exercício traduz um tipo extenso de atuações inadmissíveis de direitos que compreende três sub-hipóteses de comportamentos inadmissíveis: o exercício inútil danoso, a conjugação de situações implicada no brocardo dolo agit qui petit quod statim redditurus est e a desproporcionalidade entre a vantagem auferida pelo titular e o sacrifício imposto pelo exercício a outrem”.


13. Entendemos, pois, que, salvo o devido respeito, não pode este colendo tribunal deixar de se pronunciar sobre os efeitos erga omnes das três decisões já proferidas no âmbito do Processo n.º 1540/17.8T8PBL, sob pena de dar cobertura a uma grave e irreparável injustiça.


14. O douto despacho recorrido violou o disposto nos artigos 2.º, n.º 2; 611.º; 612.º; 663.º, n.º 2 e 679.º do CPC.


Termos em que, deverá este colendo tribunal pronunciar-se, em acórdão, sobre os factos supervenientes (o douto acórdão deste mesmo colendo tribunal de 16.11.2023, proferido no Processo n.º 1540/17.8T8PBL), os quais, inequivocamente, têm consequências cataclísmicas sobre a sorte do presente PER.”


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A devedora A... SA respondeu, concluindo pelo indeferimento da reclamação.


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O Recorrente não apresentou reclamação do despacho de 20.12.2023, que não admitiu o recurso de revista.


Fundamentação


A questão a decidir é a de saber se deve ser decidida a pretensão do Recorrente de se declarar extinto o direito da recorrida com fundamento no acórdão do STJ proferido em 16.11.2023, no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1.S1 da 7.ª Secção..


A factualidade a atender é a referida no relatório.


A douta argumentação do Reclamante não incide sobre o fundamento do despacho reclamado para decidir que o STJ está impedido de conhecer a sua pretensão de se declarar extinto o direito da recorrida com fundamento no acórdão do STJ proferido em 16.11.2023, no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1.S1 da 7.ª Secção, que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação e que tinha julgado improcedente a pretensão da “C... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” em “ser reconhecida e declarada como legítima possuidora e proprietária de 1.418.000 ações nominativas, representativas de 56,72% do capital social (…), de 304.476 ações nominativas representativas de 12,18% do capital social (…) e de 55.524 ações, representativas de 2,22% do capital social da A..., S,A, (…) condenando-se os RR. ( entre eles o ora recorrente) a reconhecer esse direito, com todas as legais consequências.”


A possibilidade legal de o STJ se pronunciar sobre o requerimento do Recorrente, com as consequências por ele peticionadas, tinha por pressuposto necessário, que o recurso de revista por ele interposto fosse admitido.


Ora, como se decidiu, por despacho do relator, sem que o Recorrente dele tenha interposto reclamação, o recurso de revista por ele interposto não é admissível e assim sendo o STJ não pode conhecer das questões suscitadas nas conclusões de recurso e muito menos, de questão nova, com base em documento superveniente, acórdão proferido pelo STJ já depois de terem sido apresentadas as alegações de recurso de revista, não admitido.


Como refere o Reclamante o n.º 2 do artigo 2.º e o artigo 612.º do CPC são abrangidos pelo artigo 17.º do CIRE, mas existem normas processuais que impedem que o STJ reaprecie a decisão de um Tribunal da Relação sem ser através do meio próprio, ou seja, através do recurso ordinário de revista ou recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência ou de revisão ( cf. artigos 627º e 671º do CPC, estando no PER os recursos dos acórdãos das Relações sujeitos ao regime especifico do artigo 14º n.º 1 do CIRE).


Entendemos, por isso, que a questão suscitada pelo Reclamante não pode ser decidida pelo STJ, neste processo especial de revitalização por ser inadmissível recurso de revista do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra.


O Reclamante não pode lograr que o STJ se pronuncie sobre um acórdão da Relação que não admite recurso, recorrendo a um requerimento avulso, ainda que invocando acórdão do STJ, proferido depois de ter sido prolatado o acórdão da Relação.


O Reclamante invoca em defesa da sua posição o acórdão do STJ de 05.05.2015, que consultando a base de dados do IGFEJ, constatamos ter sido proferido no processo n.º 3820/07.1TV.SLB.L2.S1, relator Gregório Jesus, mas o nele decidido não tem qualquer similitude com a presente situação e nem suporta a posição dele.


Em primeiro lugar, porque o documento novo foi apresentado no recurso de revista que foi admitido. Por outro lado, nele foi decidido “não ter fundamento face às regras processuais em vigor, pretender que a instância seja extinta por inutilidade superveniente da lide, com base na invocação pela parte recorrente de factos novos e supervenientes, relativamente ao momento em que foi proferida a sentença na 1ª instância.”


Importa ainda referir que, mesmo que o recurso de revista tivesse sido admitido, o documento superveniente, acórdão do STJ proferido em 16.11.2023, no processo n.º 1540/17.8T8PNL.C1.S1 da 7.ª Secção, não podia ser admitido, atento o disposto no artigo 680º n.º 1 do CPC, donde resulta que no recurso de revista os documentos supervenientes apenas podem ser juntos com as alegações de recurso. A exceção prevista na 2ª parte do n.º1 artigo 680º, que remete para o n.º 3 do artigo 674º está reservado para as situações em que as instâncias tenham considerado provado um facto para que a lei exigia prova documental, em violação do direito probatório material, sustentando-se apenas em prova testemunhal ou confissão ( cf. neste sentido Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2ª edição, pág. 361, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em CPC Anotado, 2003, vol. 3º, pág. 133, em anotação ao artigo 727º n.º1 do CPC, que corresponde ao atual 680º n.º1 e Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3ª edição, pág. 245-246).


Este entendimento da não admissibilidade da junção de documento superveniente após as alegações é pacifica na jurisprudência, como são exemplo, os acórdãos do STJ de 23.06.2023, processo n.º 322/20.4T8BJA.E1.S1, relator Júlio Gomes, com o sumário: “No recurso de revista a junção de documentos supervenientes só é possível ocorrendo uma das situações excecionais previstas no n.º 3 do artigo 674.º do CPC que possa levar à modificação da matéria de facto e nunca após as alegações”; de 28.03.2023, proferido no processo 729/19.0T8CHV.G1.S,1, relator Isaías Pádua: “Sendo os documentos apresentados qualificáveis como supervenientes, necessário se torna ainda, para que a sua junção possa ser admitida com as alegações da revista, que se esteja perante uma situação que se enquadre no âmbito da previsão da 2ª parte do nº 3 do artigo 674.º do CPC, e mais concretamente que as instâncias tenham, no caso, dado como provado um facto, para o qual a lei exige prova documental, sustentando-o, em violação do direito probatório material, noutro tipo de prova (vg. testemunhal ou em confissão).” e de 30.06.2020, proferido no processo n.º 909/18.5T8PTG.E1.S1, relator Ricardo Costa: “A junção de documentos no recurso de revista é limitada e restrita a «documentos supervenientes» (referidos ao contexto recursivo do artigo 674.º, 3, 2ª parte, do CPC) mas, em qualquer caso, não é lícita se apresentados em momento posterior às alegações”.


Em resumo e conclusão:


Não tendo sido admitido o recurso de revista, a instância de recurso extinguiu-se e consequentemente não pode ser conhecido requerimento do Recorrente, apresentado depois da alegação, em que pede se declare extinto o direito da recorrida, o que se ia traduzir numa revogação do acórdão da Relação.


Atento o disposto no artigo 680º do CPC , no recurso de revista os documentos supervenientes têm obrigatoriamente de ser juntos com as alegações e, consequentemente, não é sequer admissível a junção do acórdão do STJ, em que o Reclamante baseia a sua pretensão, proferido depois da apresentação das alegações.

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Decisão:


Pelo exposto, indefere-se a reclamação e confirma-se o despacho reclamado, que indeferiu o requerimento do recorrente de 28.11.2023.


Custas pelo Recorrente fixando-se a taxa de justiça em 2UCS.


Lisboa, 31.01.2024


Os Juízes Conselheiros:


Relator – Leonel Serôdio;


1ª Adjunta – Graça Amaral;


2º Adjunto -Luís Correia de Mendonça.