Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
048826
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: AUGUSTO ALVES
Descritores: FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 10/10/1996
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Referência de Publicação: AC 8/96 DR IS-A DE 02-11-1996
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Decisão: FIXADA JURISPRUDÊNCIA
Sumário : Acórdão n.º 8/96 SUMÁRIO: A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado. A tolerância de ponto não reúne, pois, os pressupostos para, por integração analógica, poder ser subsumida na previsão do artigo 144., nos 1 e 3, do Código de Processo Civil. Porém, se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do acto, considera-se existir justo impedimento, nos termos do artigo 146., nº 2, do Código de Processo Civil, para que o acto possa ser praticado no dia imediato.
Decisão Texto Integral:
Acordam no plenário das secções do Supremo Tribunal de Justiça:

1 - Relatório
O Ministério Público vem interpor recurso para fixação de jurisprudência do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10 de Maio de 1995, proferido no processo n.º 9440372, transitado em julgado em 24 de Maio de 1995, e que não admitia recurso ordinário por ter sido sobre decisão da 1. instância.
Aduz que a decisão pronunciada em tal acórdão está em oposição com a decisão tomada no acórdão da mesma Relação de 30 de Novembro de 1994, proferida no processo n.º 9440456, que por sua vez também transitou em julgado.
Ambos esses acórdãos se pronunciaram sobre a mesma questão de direito: a relevância na contagem do prazo para a interposição do recurso em processo penal do dia 15 de Fevereiro de 1994, que foi dia de Carnaval e foi declarado dia de tolerância de ponto por despacho do Sr. Primeiro-Ministro de 8 de Fevereiro de 1994, publicado no Diário da República, 2. série, 1. suplemento, de 10 de Fevereiro de 1994.
E chegaram a soluções opostas. Assim, enquanto o acórdão recorrido decidiu que esse dia, embora não sendo o último dia do prazo, não é de considerar dia útil para efeito da contagem do tempo de interposição do recurso da sentença final, no acórdão fundamento diz-se, ao contrário, que, não tendo o dia 15 de Fevereiro de 1994 sido o último dia do prazo para a interposição do recurso, o prazo não se suspendeu nesse dia.
Daí que, enquanto o primeiro julgou improcedente a questão da extemporaneidade do recurso, o segundo julgou idêntica questão procedente.
E isto no domínio da mesma legislação, o Decreto-Lei n.º 333/77, de 13 de Agosto.
Parece, assim, evidente ao recorrente existir oposição entre os dois acórdãos, dentro do condicionalismo apontado.
Por essa razão pretende-se a intervenção deste Supremo Tribunal, no âmbito da sua função uniformizadora de jurisprudência, para se solucionar o problema resultante da invocada oposição de acórdãos.
Foi o recurso recebido pela forma legal, corridos os vistos legais e decidido por Acórdão deste Supremo Tribunal de 6 de Dezembro de 1995 que da simples indicação das matérias decididas por cada um dos mencionados acórdãos se podia concluir que a solução a que cada um dos acórdãos chegou sobre a mesma questão de direito e no domínio da mesma legislação eram contraditórias e substancialmente opostas entre si.
Tendo transitado em julgado um dos arestos e sendo o outro insusceptível de recurso ordinário, considerou-se estarem reunidas as condições para o prosseguimento do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 442., n.º 1, do Código de Processo Penal e, na sequência, foram apresentadas alegações pela ilustre procuradora-geral-adjunta, cujas conclusões se passam a equacionar:
Propõe-se que o conflito de jurisprudência existente entre os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 30 de Novembro de 1994, proferido no processo n.º 456/94, e de 10 de Maio de 1995, lavrado no processo n.º 372/94, seja resolvido, uniformizando-se a jurisprudência nos seguintes termos:
A tolerância de ponto trata-se não de um feriado mas, tão-só, de um benefício concedido aos funcionários públicos e equiparados que, traduzindo-se na dispensa da sua comparência ao serviço, não implica obrigatória e necessariamente o encerramento dos serviços e repartições públicas, nem tão-pouco impede que os mesmos estejam abertos, pelo que não se verificam os pressupostos da integração analógica, sendo-lhe inaplicável o disposto nos n.os 1 e 3 do artigo 144. do Código de Processo Civil.
Tal não impede, porém, que, se a tolerância de ponto coincidir com o último dia de prazo para a prática do acto e a repartição ou secretaria do tribunal estiver encerrada, se verifique fundamento de justo impedimento, nos termos do n.º 2 do artigo 146. do Código de Processo Civil.
2 - A questão tal como resulta das decisões em oposição.
2.1 - No acórdão recorrido No tribunal de São João da Madeira, em processo comum, foi julgado A por um crime de emissão de cheque sem provisão, vindo a ser condenado na pena de 8 meses de prisão, cuja execução foi declarada suspensa por 3 anos, com a condição de em 60 dias pagar a indemnização arbitrada ao ofendido B.
Inconformado, o arguido deduziu recurso.
Subindo os autos ao Tribunal da Relação do Porto, o Ministério Público junto desta levantou a questão prévia de o recurso haver sido deduzido fora de prazo.
A Relação, conhecendo de tal questão, considerou: a decisão foi proferida em 3 de Fevereiro de 1994; o recurso foi apresentado em 18 de Fevereiro de 1995, todavia, o dia 15 de Fevereiro de 1994 foi dia de Carnaval e foi considerado dia de tolerância de ponto pelo Governo - despacho de 8 de Fevereiro de 1994, in Diário da República, 2. série, 1. suplemento, de 8 de Fevereiro de 1994.
Tal dia não deve contar como dia útil no prazo para interposição do recurso da decisão judicial.
Sendo assim, o recurso é atempado.
2.2 - A questão tal como resulta do acórdão fundamento:
No processo sumário n.º 30/94, C, por infracção do artigo 2. do Decreto-Lei n.º 124/90, foi condenado na pena de 120 dias de multa à taxa diária de 1000 escudos, com a alternativa de 80 dias de prisão, e na inibição da faculdade de conduzir pelo período de 15 meses.
Inconformado, deduziu recurso para o Tribunal da Relação do Porto, onde o Ex. Procurador-Geral-Adjunto suscitou a questão prévia de extemporaneidade do recurso, pois que, havendo a sentença sido proferida em 5 de Fevereiro de 1994, o recurso só foi interposto em 21 de Fevereiro de 1994, dia útil seguinte ao último dia do prazo para o recurso.
Notificado o recorrente, veio dizer que o dia 21 de Fevereiro de 1994 era o último dia para o prazo para o recurso, uma vez que o dia 15 de Fevereiro de 1994 era dia de Carnaval e, sendo dia de tolerância de ponto, não foi dia útil.
Conhecendo da questão, o Tribunal da Relação, analisando ter sido o dia 15 de Fevereiro de 1994 dia de tolerância de ponto, entendeu que o mesmo não era o último dia do prazo, e como não foi dia de férias, sábado, domingo ou feriado, não suspende a contagem do prazo.
Em conformidade, considerou esse dia 15 integrado na contagem do prazo e considerou que o último dia para o recurso não era o dia 21 de Fevereiro de 1994, pois julgou ser tal dia o primeiro dia útil seguinte ao termo do prazo.
De harmonia com esse entendimento, julgou procedente a questão prévia e decidiu não tomar conhecimento do recurso.
3 - Fundamentos:
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
Sendo certo que a decisão da conferência não vincula o plenário, é certo também que se verifica oposição entre os dois acórdãos referidos do Tribunal da Relação do Porto e têm-se como verificados os demais requisitos exigidos pelos artigos 437. e 438. do Código de Processo Penal.
3.1 - Normativos que interessam à solução da questão suscitada:
a) Artigo 411., n.º 1, do Código de Processo Penal (1987). - O prazo para a interposição do recurso é de 10 dias e conta-se a partir da notificação da decisão ou do depósito da sentença na secretaria ou, tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, da data em que terá sida proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
b) Artigo 104., n.º 1, do Código de Processo Penal. - Aplica-se à contagem dos prazos para a prática de actos processuais as disposições do processo civil.
c) Artigo 144. do Código de Processo Civil:
N. 2. - O prazo judicial é contínuo;
N. 3. - O prazo judicial suspende-se, no entanto, durante as férias, sábados, domingos e feriados.
d) Artigo 143., n.º 1, do Código de Processo Civil. - Os actos judiciais não podem ser praticados nos domingos, nem em dias feriados, nem durante as férias. Exceptuam-se as citações, notificações, arrematações e actos que se destinem a evitar dano irreparável.
e) Artigo 145. do Código de Processo Civil:
N. 3. - O decurso do prazo peremptório extingue o direito de praticar o acto;
N. 4. - O acto poderá, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.
f) Artigo 146. do Código de Processo Civil. - Considera-se justo impedimento o evento, normalmente imprevisível, estranho à vontade da parte, que a impossibilite de praticar o acto por si ou por mandatário.
3.2 - Generalidades:
A - Recuando ao regime do Decreto n.º 19478, de 18 de Março de 1931 - Diário do Governo, 1. série, n.º 64, de 18 de Março de 1931 -, pode observar-se o que este preconizava relativamente à tolerância de ponto:
«Os ministérios só poderão dispensar a comparência dos funcionários nos serviços públicos na terça-feira de Entrudo e sexta-feira de Paixão e reduzir as horas de trabalho, mandando encerrar as repartições às 14 horas, na Quinta-Feira Santa e no dia 24 de Dezembro.» [Artigo 32.] E fixava no artigo 31 os dias feriados.
B - O Decreto n.º 38596, de 4 de Janeiro de 1952 - Diário do Governo, 1. série, n.º 1, de 4 de Janeiro de 1952 -, revogando aqueles artigos 31. e 32., passou a enumerar nos artigos 1. e 2. os feriados oficiais e outros que eram considerados também oficiais.
E previa no artigo 4. a possibilidade de o Governo, por decreto dos Ministros do Interior ou do Ultramar, autorizar que as câmaras municipais considerassem feriado o dia especialmente consagrado a alguma festa tradicional e característica que se realizasse no respectivo concelho.
E estatuía no artigo 5.:
«Os funcionários públicos são dispensados de comparecer ao serviço na véspera de Natal, e em Quinta-Feira Santa o número de horas de trabalho é limitado ao primeiro período.»
Reviu desta forma o estatuído quanto à tolerância de ponto.
C - Veio depois o Decreto-Lei n.º 335/77, de 18 de Março, a estabelecer o regime jurídico de feriados no sector público, regime que vigora ainda.
Este, no n.º 1 do seu artigo único, indica os feriados obrigatórios. No seu n.º 2 o mesmo artigo dispõe:
«Para além daqueles apenas poderão ser observados o feriado municipal da localidade ou, quando este não existir, o feriado distrital e a terça-feira de Carnaval.»
D - Conquanto não conste da lista de feriados obrigatórios, o certo e que o dia de Carnaval tem vindo a poder ser considerado feriado ou dia de tolerância de ponto.
Daí que, relativamente ao de 1994, o Primeiro-Ministro haja concedido na terça-feira de Carnaval tolerância de ponto aos funcionários e agentes do Estado, dos institutos públicos e dos serviços desconcentrados da administração central - dia 15 de Fevereiro.
3.3 - Abordagem conclusiva:
A - Convém neste ponto assinalar a diferenciação do feriado em relação à tolerância de ponto.
Tratando-se de feriado, todas as repartições públicas situadas no espaço geográfico a que o mesmo se aplica estão obrigatoriamente encerradas. Daí que está impedida a apresentação ou registo de documentos.
Tratando-se de tolerância de ponto, este constitui um benefício concedido aos funcionários públicos e equiparados que se traduz na dispensa da sua comparência ao serviço, que passa a não ser obrigatória.
Daí que possa suceder uma de duas situações:
Ou o funcionário comparece e executa o serviço normal;
Ou aproveita a referida dispensa, não comparece ao serviço e não sofre qualquer sanção.
De tal consideração decorre uma outra. Decretado determinado dia como tolerância de ponto, porque isso não implica o encerramento dos serviços, a menos que todos os funcionários não compareçam, nada impede que nos dias tidos como de tolerância de ponto as repartições e serviços públicos estejam abertos e, se abertos, neles se pratiquem actos da sua normal competência.
B - Chegados a este ponto, é altura de equacionar que tratamento deve dar-se ao dia de tolerância de ponto na contagem do prazo peremptório que a lei manda contar continuamente e só suspende nas férias, nos sábados, domingos e feriados.
Será tal dia útil ou dia feriado?
Face à consideração do artigo 143., n.º 1, do Código de Processo Civil, se o considerarmos feriado, defrontamo-nos com o obstáculo de não poderem nesse dia ser praticados actos judiciais. Tal brigaria, porém, com a conclusão a que chegámos de, podendo os funcionários comparecer, mantendo as repartições abertas, poderem praticar os actos da sua competência.
Entendemos, em razão disso, que o dia de tolerância de ponto não pode ser considerado dia feriado.
Em consequência, defendemos que na contagem do prazo peremptório o dia de tolerância de ponto tem de considerar-se dia útil.
É claro que poderia suceder que, por falta ao serviço de todos funcionários em virtude da faculdade de tolerância de ponto, as repartições em que os actos deviam ser praticados se apresentem encerradas.
Isso, não sendo o dia de tolerância de ponto o último dia do prazo, em nada restringe a hipótese de o acto ser praticado posteriormente.
E sendo o dia de tolerância de ponto o último dia do prazo, tudo indica que a situação tem de considerar-se de justo impedimento por o evento ser estranho à vontade da parte - artigo 145., n.º 3, do Código de Processo Civil.
C - O caso do recurso, porém, não situa o último dia do prazo no dia de Carnaval - dia 15 de Fevereiro de 1994 -, já que o que se infere é que o dia último do recurso em discussão ou é o dia 18 ou o dia 21 de Fevereiro do ano de 1994.
Afastada, pois, esta hipótese, concluímos que o dia 15 de Fevereiro de 1994 se considera como dia útil na contagem do prazo para o recurso. Daí que o último dia do prazo era o dia 18 e não o dia 21 de Fevereiro. Por isso há-de considerar-se que a interposição do recurso foi extemporânea.
4 - Decisão:
Em face do exposto, acordam os juízes que constituem as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso e revogam a decisão recorrida, julgando extemporânea a interposição do mesmo recurso.
E resolve-se o conflito uniformizando-se a jurisprudência nos termos seguintes:
«A tolerância de ponto não se integra no conceito de feriado.
A tolerância de ponto não reúne, pois, os pressupostos para, por integração analógica, poder ser subsumida na previsão do artigo 144., n.os 1 e 3, do Código de Processo Civil.
Porém, se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia do prazo para a prática do acto, considera-se existir justo impedimento, nos termos do artigo 146., n.º 2, do Código de Processo Civil, para que o acto possa ser praticado no dia imediato.»
Sem custas.

Lisboa, 10 de Outubro de 1996

Augusto Alves - Manuel António Lopes Rocha - Emanuel Leonardo Dias - Virgílio António da Fonseca Oliveira - Luís Flores Ribeiro - Norberto José Araújo de Brito Câmara - Manuel de Andrade Saraiva - Joaquim Dias - Florindo Pires Salpico - José Damião Mariano Pereira - João Augusto de Moura Ribeiro Coelho - Sebastião Duarte Vasconcelos da Costa Pereira - António de Sousa Guedes - Joaquim Eugénio Sousa Correia de Lima - Armando Castro Tomé de Carvalho - Joaquim Lúcio Faria Teixeira (vencido por entender que a tolerância de ponto é equiparável ao feriado) - José da Silva Paixão - Manuel Fernando Bessa Pacheco - Vítor Manuel Ferreira da Rocha - José Moura da Cruz (vencido quanto à proposição de que «se o dia de tolerância de ponto coincidir com o último dia de prazo para a prática do acto, considera-se existir justo impedimento, nos termos do artigo 146., n.º 2, do Código de Processo Civil, para que o acto possa ser praticado no dia imediato», isto por duas ordens de razões: por um lado, afigura-se-me que se ultrapassa claramente o âmbito e limites da questão relativamente à qual se impunha a fixação de jurisprudência; por outro lado, e decisivamente, com tal proposição está a criar-se lei nova, estabelecendo-se jurisprudencialmente uma presunção legal, o que constitucionalmente está vedado aos tribunais judiciais. Na verdade nem de presunção natural se poderá falar, porquanto nem em todos os casos é lícito presumir, na prática, a existência de uma situação de facto susceptível de equiparação a justo impedimento) - Bernardo Guimarães Fisher de Sá Nogueira (vencido, pelas razões indicadas pelo Ex. Conselheiro Nunes da Cruz, relativamente à última proposição do acórdão).