Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
4971/17.0T8LRA.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
DEVER DE INFORMAÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
ILICITUDE
PRESUNÇÃO DE CULPA
DANO
VALORES MOBILIÁRIOS
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
PRESSUPOSTOS
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 01/31/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
I - Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II - Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III - Provando-se que ao subscrever a Obrigação, “13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse; e

14. Caso lhe tivesse sido explicado, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.

Decisão Texto Integral:

AA e BB, instauraram contra BANCO BIC PORTUGUÊS S.A., ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum.

Pediram:

A condenação da ré no pagamento da quantia de €50.000,00 a título de capital, acrescida de juros vencidos reportados a 09 de abril de 2015, à taxa de Euribor a 6 meses reportada aos dois semestres em falta, acrescida de 1,50% até à data de vencimento da obrigação em 10 de maio de 2016, conforme contratada, acrescido dos juros de mora vencidos à taxa de 4% a contar desde essa data, até efetivo e integral pagamento.

Alegaram, em síntese:

- A ré é um Banco que atua no mercado financeiro, que anteriormente era designada por BPN, S.A. e, atualmente, por Banco BIC, S.A., sendo que os autores são seus clientes, com a conta aberta número ...01, na agência de ... - ..., onde movimentam dinheiro, efetuam pagamentos e aforram poupanças da sua vida.

- No mês de abril de 2006, através da então gerente de balcão Dr. CC, o aqui autor marido recebeu um telefonema a informar que a agência tinha um produto de boa rentabilidade, com capital garantido e nas seguintes condições: a aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, com remuneração no 1º semestre de 4,5%;   cupões seguintes da Euribor a 6 meses + 1,15% e nos restantes semestres da Euribor a 6 meses + 1,50%. Mais foi informado de que, não obstante a aplicação ser a 10 anos, o capital poderia ser resgatado a todo o tempo, apenas implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, e que o BPN, S.A. lhe colocaria na conta a quantia aplicada, assim que os autores o solicitassem.

- Convencido da sua veracidade e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balcão, decorrente da relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu uma obrigação de €50.000,00, SLNRM – SLN 2006.

- Os autores sempre receberam os juros semestrais conforme prometidos pela ré, à exceção dos dois últimos semestres, tendo sido o último período de juros recebidos em 08 de abril de 2015; após a data de vencimento da aplicação, o autor marido deslocou-se à agência bancária, no sentido de resgatar o capital e juros em dívida, o que, até ao presente, não conseguiu fazer.

- Os autores, conforme lhes foi comunicado no momento da aplicação, foram convencidos de que se tratava de um aplicação BPN segura, de boa rentabilidade e garantida, conforme transmitido pelo gerente do balcão no momento das negociações; nunca lhes foi transmitido que, ao subscreverem a aquisição das obrigações 2006, perdiam o controlo sobre o seu capital investido ou que corriam qualquer risco de perder o que quer que fosse.

- Foi, pelo contrário, transmitido ao autor que, após a aquisição, poderia movimentar, levantar a qualquer momento, desde que avisasse previamente o Banco com 2 a 3 dias de antecedência e que a aplicação era segura e de boa rentabilidade, tudo “conforme assente na base da confiança com a gerência do balcão, sendo certo que a mesma sabia e tinha conhecimento que os autores não têm qualificação, conhecimentos ou formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar os riscos.” “A não ser que lhe fossem devidamente explicados, o que, não foi o caso, nem tão pouco lhes foi entregue documentação.”

- “Os autores estavam convictos da aplicação das suas poupanças, com as características de um depósito a prazo, com boa rentabilidade e garantido pelo BPN – Banco soubessem que o mesmo não era garantido e que corria riscos, nunca os autores subscreveriam tal produto.”

Em sede de fundamentação de direito, chamaram à colação o estabelecido no artigo no artigo 236º do Código Civil e, ainda, nos artigos 762º, 798º, 799º e 817º todos do mesmo Código.

A ré contestou.

Excecionar a incompetência em razão do território do tribunal a quo.

Mais arguiu a exceção perentória da prescrição, por terem decorrido mais de dois anos a contar do conhecimento, pelos autores, da subscrição do produto em apreço.

Por impugnação motivada, alegou, em síntese:

- As obrigações SLN 2006 foram emitidas, como o próprio nome indica, pela SLN, SGPS, S.A., sociedade titular de 100% do capital social do Banco réu, participação esta que manteve até novembro de 2008, altura em que foi nacionalizada. Qualquer obrigação é tendencialmente um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente; no caso concreto, o facto de a entidade emitente ser “mãe” do Banco, sendo este necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, do que concluiu que “dificilmente haveria um produto financeiro tão seguro com a subscrição daquelas obrigações” e que o risco de um depósito a prazo seria, então, semelhante a uma tal subscrição por o risco da SLN ser indexado ao risco do próprio Banco, isto sem prejuízo do Fundo de Garantia de Depósitos, à data, garantindo o valor máximo de €25.000,00 por conta bancária.

- À data, mesmo uma situação de insolvência da SLN implicaria, necessariamente, uma prévia insolvência do próprio Banco, por ser um seu ativo, sendo, por isso, o risco da aplicação efetivamente semelhante ao de um depósito a prazo no próprio banco.

- Foi explicado aos autores que se tratava da sociedade-mãe do Banco, pelo que se tratava de um produto seguro e foram apresentadas as respetivas condições, nomeadamente, a sua remuneração (vantajosa relativamente aos depósitos a prazo), o seu prazo (de 10 anos) e as condições de reembolso, sendo que a obtenção de liquidez ao longo do prazo  de 10 anos apenas seria possível por via de endosso, o que era, à data, extremamente fácil e rápido, porquanto a procura superava inúmeras vezes a oferta.

- Nunca a ré disse aos autores que o Banco garantiria fosse o que fosse quanto ao cumprimento ou incumprimento das obrigações da SLN.

Pugnou, pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

Os autores responderam, pugnando pela improcedência de todas as exceções invocadas pela ré.

Prosseguiu o processo os seus termos  tendo, a final, sido proferida sentença na qual foi decidido:

«JULGA-SE A PRESENTE AÇÃO IMPROCEDENTE, ABSOLVENDO-SE A …RÉ DO PEDIDO…».

Inconformados recorreram os autores, sendo decidido o recurso de apelação nos seguintes termos:

“Deliberação.

Termos em que se acorda em julgar o recurso procedente, revoga-se a sentença e condena-se o réu a pagar aos autores a quantia de cinquenta mil euros, acrescida de juros remuneratórios desde 09 de abril de 2015, reportada a dois semestres até à data de vencimento da obrigação em 10 de maio de 2016, à taxa de Euribor a 6 meses, acrescida de 1,50% e, ainda, de juros de mora vencidos à taxa de 4%, a contar daquela data, até efetivo e integral pagamento.

Custas pelo réu.”


*


Agora inconformada, vem a ré apresentar recurso de revista, concluindo as alegações de recurso, nos seguintes termos:

“1. O douto acórdão da Relação de Coimbra violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7º, 290º nº 1 alínea a), 304º-A e 312º a 314º-D e 323º a 323º-D e 327º do CdVM e 4º, 12º, 17º e 19º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Directiva 2004/39/CE e 364º, 483º e ss., 563º, 628º e 798º e ss. do C.C.

2. A putativa desconformidade entre o comportamento exigido ao Réu e o seu comportamento verificado tem que ver com o facto do Tribunal considerar que, a circunstância do funcionário do Banco Réu ter assegurado aos Autores (conforme ele próprio estava convencido) que a aplicação financeira era uma produto sem risco e com capital garantido, não transmitindo a característica da subordinação ou a possibilidade de insolvência da emitente, configura a prestação de uma informação falsa.

3. Porém, tal realidade não configura qualquer violação do dever de informação por prestação de informação falsa.

4. Não adianta aliás o douto Acórdão qual o risco que associa às Obrigações SLN e que entende deveria ter sido informado aos AA, sendo que não podemos deixar de entender que se refere ao verificado incumprimento do reembolso…

5. O único risco que percebemos existir na emissão obrigacionista em causa é exactamente o relativo ao cumprimento da obrigação de reembolso.

6. Este risco corresponde ao incumprimento da prestação principal da entidade emitente! Ou seja, corresponde ao chamado RISCO GERAL DE INCUMPRIMENTO!

7. A possibilidade deste incumprimento não corresponde a qualquer especial risco inerente ao modo de funcionamento endógeno do instrumento financeiro... antes corresponde ao normal e universal risco comum a todos, repete-se... a todos, os contratos!

8. Do incumprimento da obrigação de reembolso da entidade emitente, em 2016, não podemos, sem mais, retirar que esse o risco dessa eventualidade fosse relevante – sequer concebível, à excepção de ser uma mera hipótese académica -, em 2006, dez anos antes!

9. A SLN era titular de 100% do capital social do Banco-R., exercendo, por isso o domínio total sobre este.

10. O risco associado ao reembolso das Obrigações correspondia, então ao risco de solvabilidade da SLN.

11. E sendo esta totalmente dominante do Banco-R., então este risco de solvência, corresponderia, grosso modo, ao risco de solvabilidade do próprio Banco!

12. A segurança da subscrição de Obrigações emitidas pela SLN seria correspondente à segurança de um Depósito a Prazo no BPN.

13. O risco BPN ou risco SLN, da perspectiva da insolvência era também equivalente!

14. A única diferença consistiu no facto do Banco ter sido resgatado através da sua nacionalização, numa decisão puramente política e alicerçada num regime aprovado propositadamente para atender a essa situação e não em qualquer quadro legal previamente estabelecido.

15. A menção do dito risco praticamente inexistente, como de resto do capital garantido, não pode senão ser entendida no contexto da atribuição de uma segurança acima da média ao produto, de confiança no normal cumprimento de todas as obrigações da emitente, sustentada em factos e juízo objectivamente razoáveis e previsíveis.

16. A menção à expressão capital garantido não tem por si só a virtualidade de atribuir qualquer desaparecimento de todo o risco de qualquer tipo de aplicação…

17. A expressão capital garantido mais não é do que a descrição de uma característica técnica do produto – corresponde à garantia de que o valor de reembolso, no vencimento, é feito pelo valor nominal do titulo e correspondente ao respectivo valor de subscrição! Ou seja, o valor do capital investido é garantido!

18. A este propósito o Plano de Formação Financeira em site do Conselho de Supervisores Portugueses – www.todoscontam.pt! descreve as características de produtos financeiros, entre os quais as Obrigações, e explica a garantia de capital, exactamente nos termos que vimos de expor.

19. Ainda que se entenda que esta expressão mereceria uma densificação ou explicação aos clientes, a fim de evitar qualquer confusão, o certo é que, transmitindo uma característica técnica, não se poderá afirmar que o banco, ou os seus colaboradores agiram com culpa, e muito menos grave!

20. O Banco limitou-se a informar esta característica do produto, não sendo seu obrigações assegurar-se de que o cliente compreendeu a afirmação.

21. A interpretação das menções “sem risco” ou de “capital garantido” não é susceptivel de ser feita apenas com recurso à impressão do destinatário, nos termos do previsto no artº 236º do CCiv. uma vez que esta disposição aplica-se, apenas e só, às declarações negociais.

22. A comercialização por intermediário financeiro de produto com a indicação de que o mesmo tem “capital garantido” não implica a corresponsabilização do referido intermediário pelo prejuízo decorrente da falta de reembolso por parte da entidade emitente.

23. O dever de informação ao cliente, não se trata de um direito absoluto do cliente à prestação de informações exactas, mas apenas de um dever de esforço sério de recolha de informações o mais fiáveis possível pelo banco.

24. O grau de exactidão em relação às informações será variável, consoante o tipo de informação em causa.

25. No caso dos presentes autos, ficou demonstrado, e foi assumido pelos Autores, que era do seu interesse e vontade investir em produtos de com boa rentabilidade e de elevada segurança.

26. Apesar de os autores não serem investidores com especiais conhecimentos técnicos na área financeira o risco do produto em causa nos presentes autos era, pelas razões já várias vezes repetidas, baixo uma vez que nada fazia antever qualquer dificuldade futura do emitente.

27. Assim, não pode o Banco Recorrente senão concluir que foram salvaguardados os legítimos interesses do cliente.

28. Resultou demonstrado que os funcionários, mais concretamente o funcionário que o colocou, sempre acreditaram - até praticamente ao momento do incumprimento - que se tratava de produto seguro e se preocupavam com os interesses dos clientes.

29. Dispunha sobre esta matéria o artigo 304º do CVM no sentido de que os intermediários financeiros estão obrigados a orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, devendo conformar a sua actividade aos ditames da boa-fé, agindo de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

30. E, quanto ao risco, há aqui que chamar à colação o art. 312º nº 1 alínea a) do CdVM, que obriga então o intermediário financeiro a informar o investidor sobre os “riscos especiais envolvidos nas operações a realizar”.

31. Tal redacção refere-se necessariamente ao negócio de intermediação financeira enquanto negócio de cobertura que, depois, proporcionará negócios de execução.

32. Tal menção não pode nunca equivaler ao dever de informação sobre o instrumento financeiro em si!

33. A informação quanto ao risco dos instrumentos financeiros propriamente dito apenas veio a ser exigida prestar aos intermediários financeiros com o D.L. 357-A/2007 de 31/10, que aditou o art. 312º-E nº 1, passando a obrigar o intermediário financeiro a informar o cliente sobre os riscos do tipo de instrumento financeiro em causa.

34. O legislador não deixou nada ao acaso e logo no número seguinte, afirmou claramente o que se devia entender por risco do tipo do instrumento financeiro em causa nas quatro alíneas do nº 2 do art. 312º-E.

35. São ESTES e APENAS ESTES os riscos do tipo do instrumento financeiro sobre os quais o Intermediário Financeiro tem que prestar informação, mesmo na actual redacção do CdVM.

36. A alusão que a lei faz quanto ao risco de perda da totalidade do investimento está afirmada em função das características do investimento.

37. Trata-se, portanto, de um risco que tem que ser endógeno e próprio do instrumento financeiro e não motivado por qualquer factor extrínseco ao mesmo.

38. O investimento em causa foi feito em Obrigações não estando sujeito a qualquer volatilidade, sendo o retorno do investimento certo no final do prazo, por reembolso do capital investido ao valor nominal do titulo (de “capital garantido”), acrescido da respectiva rentabilidade.

39. Logo, não há necessidade de que a advertência do risco de perda da totalidade do investimento seja feita, porque a mesma não é aplicável ao caso, pois que nunca resultaria do mecanismo interno do instrumento em causa!

40. A informação acerca do risco da perda do investimento tem que ser dada em função dos riscos próprios do Kpo de instrumento financeiro, o que deve ser feito SE E SÓ SE tais riscos de facto existirem!

41. Em lado algum da lei resulta estar o intermediário financeiro obrigado a analisar ou avaliar a robustez financeira do emitente na actividade de intermediação financeira de recepção e transmissão de ordens.

42. E também em lado nenhum da lei resulta a obrigação de prevenir o investidor acerca das hipóteses de incumprimento das obrigações assumidas pelo emitente do instrumento financeiro ou até da probabilidade de insolvência do mesmo!

43. Esse hipotético incumprimento tem que ver com as qualidades ou circunstâncias do emitente (ou obrigado) do instrumento financeiro e não com o tipo do instrumento financeiro, conforme referido no art. 312º-E nº 1 do CdVM, que é expressão que aponta claramente para uma objectivização do risco em função do próprio instrumento de investimento e não para uma subjectivação em função do emitente!

44. O artigo 312º, alínea e) do CdVM refere-se apenas aos riscos da actividade dos serviços de intermediação financeira. Os deveres de transparência, lealdade e defesa dos interesses do investidor que sobre o intermediário financeiro impendem, obrigam apenas à informação sobre os riscos endógenos ao mecanismo de funcionamento do concreto instrumento financeiro, não abrangendo o risco geral de incumprimento das obrigações. Neste sentido não estava o intermediário financeiro obrigado a informar especificamente sobre o risco de insolvência da entidade emitente de determinado produto.

45. Do elenco de factos provados não resultam factos provados suficientes que permitam estabelecer uma ligação entre a qualidade (ou falta dela) da informação fornecida aos AA. e o acto de subscrição.

46. A nossa lei consagra essa perfeita autonomia de cada um dos pressupostos ou requisitos da responsabilidade civil, apresentando-os e regulando-os de forma perfeitamente estanque.

47. No que toca à causalidade não conseguimos sequer vislumbrar como passar da presunção de culpa – juízo de censura ético-jurídico sobre o agente do ilícito, e expressamente prevista na lei – à causalidade – nexo factual de associação de causa-efeito, como se de uma inevitabilidade se tratasse!

48. Do texto do art. 799º nº 1 do C.C. não resulta qualquer presunção de causalidade.

49. E, de resto, nos termos do disposto no artº 344º do Código Civil, a inversão de ónus depende de presunção, ou outra previsão, expressa da lei!

50. Se em abstracto, e de jure condendo até se pode, porventura e em tese, perceber esta interpretação para uma obrigação principal de um contrato – tendo por critério o interesse contratual positivo do credor -, não se justifica já quando estão em causa prestações acessórias do mesmo contrato.

51. Analisado o fim principal pretendido pelo contrato aqui em apreço – contrato de execução da actividade de intermediação financeira, de recepção e transmissão de ordens por conta de outrem -, parece-nos evidente que o mesmo se circunscreve à recepção e retransmissão de ordens de clientes – no caso os AA. É este o único conteúdo tipico e essencial do contrato e que é, portanto, susceptivel de o caracterizar.

52. Não é por um dever de prestar ser mais ou menos relevante para qualquer parte, ou até para o comércio jurídico em geral, que será quantificável como prestação principal ou prestação acessória de um contrato. Releva outrossim se o papel de uma tal prestação na economia do contrato se revela como o núcleo tipico ou não do acordo contratual entre as partes.

53. A única prestação principal neste contrato será a de recepção e transmissão de ordens do cliente.

54. Sendo uma obrigação acessória, a prestação de informação não estaria nunca, nem no entender do Prof. Menezes Cordeiro, ao abrigo da proclamada presunção de causalidade.

55. Estamos perante uma situação em que e configuram dois contratos distintos e autónomos entre si: por um lado, (i) um contrato de execução de intermediação financeira, e por outro, (ii) a contratação de um empréstimo obrigacionista do cliente a entidade terceira ao primeiro contrato!

56. Neste caso, estaremos perante uma falta de resultado no âmbito da emissão obrigacionista e não do contrato de execução de intermediação financeira.

57. O contrato de intermediação financeira foi já cumprido no acto de subscrição, tendo-se esgotado nesse momento.

58. É esta uma óbvia dificuldade: como pode a falta do resultado normativamente prefigurado de um contrato desencadear uma presunção de ilicitude, culpa e causalidade no âmbito de um outro contrato?

59. O juízo de verificação de causalidade mecânica, aritmética ou hipotética tem inevitavelmente de se fundar em factos concretos que permitam avaliar da referida probabilidade, e não apenas em juízos abstratos ou meras impressões do julgador!

60. A causalidade resume-se a uma avaliação de um dano hipotético apenas em casos em que esse dano não seja efectivo, como é o caso do citado dano da perda da chance! Em todos os restantes casos, o juízo deverá ser feito, não numa perspectiva probabilidade, mas sim de adequação entre uma causa e um efeito.

61. No âmbito da responsabilidade contratual, presumindo-se a culpa, caberá a quem alega o direito demonstrar a ilicitude, o nexo causal e o dano, que em caso algum se presumem!

62. O nexo causal sujeito a prova será necessariamente entre um concreto ilícito - uma concreta omissão ou falta de explicação de uma determinada informação - e um concreto dano (que não hipotético)!

63. Não basta afirmar-se genericamente que eles não foram informados do risco de insolvência ou da falta de liquidez das obrigações e que é essa causa do seu dano!

64. Num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.

65. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.

66. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.

67. E nada disto foi feito!

68. Aliás, a origem do dano dos Recorrentes reside na incapacidade da SLN em solver as suas obrigações, circunstância a que o Banco Recorrido é alheio!

Termos em que se conclui pela admissão do presente recurso, e sua procedência, e, por via dele, pela revogação da douta decisão recorrida e sua substituição por outra que absolva o Banco-R. do pedido, assim se fazendo…... JUSTIÇA!

Não foi apresentada resposta.


*




O recurso de revista foi admitido.

Cumpre apreciar e decidir.


*


Nas Instâncias foram julgados como provados e não provados os seguintes factos:

“1. Os autores são clientes da aqui ré (à data BPN – Banco Português de Negócios, S.A.), na sua agência de ..., ..., com a conta aberta número ...01, onde movimentam dinheiro, efetuam pagamentos e aforram poupanças da sua vida.

2. No mês de abril de 2006, através da então gerente de balcão Dr. CC, que sabia que os autores ali tinham algumas poupanças, o aqui autor marido foi contactado telefonicamente e convidado a dirigir-se à agência, havendo-lhe sido por aquele dito que tinha um produto em que poderia estar interessado em investir.

3. Uma vez na agência, foi proposta ao autor a subscrição de obrigações SLN 2006, que lhe foi transmitido ser um produto de boa rentabilidade (superior a um mero depósito a prazo), cujo reembolso do capital era garantido e juros, porquanto não era produto de risco, e que tinha as seguintes características:

- A aplicação seria de 10 anos, com data de liquidação em 08 de Maio de 2006 e término em 09 de maio de 2016, com juros semestrais a colocar na conta à ordem, na seguinte remuneração:

- 1º Semestre: 4,5%;

- 9 cupões seguintes: Euribor a 6 meses + 1,15%

- Restantes semestres: Euribor a 6 meses + 1,50%

- Não obstante a aplicação a 10 anos, o autor poderia ver disponibilizado o capital a todo o tempo, apenas, implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral, pois era possível receber o seu capital através da garantia de recompra por parte do banco BPN, »

3.1. a) - Aquando da subscrição da referida obrigação SLN 2006, o autor  foi informado que o BPN garantia o capital investido e que seria o próprio Banco a colocar na conta dos autores a quantia aplicada, assim que o solicitassem.

 3.2. O autor  ficou convencido de que “se tratava de uma aplicação BPN”.

4. Convencido da veracidade daquelas informações – nomeadamente, da boa rentabilidade e da segurança do produto - e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balção pela relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu, junto da referida agência, uma obrigação SLN 2006, no montante de €50.000.00.

5. O autor marido tomou, então, conhecimento e assinou o boletim de subscrição respetivo.

6. Desse documento, assinado também por funcionário do Banco, na parte respeitante ao seu recebimento, referente a “SLN 2006 Boletim de Subscrição”, datado de 27 de abril de 2006, consta o seguinte:

«Natureza da Emissão

Emissão até 1.000 obrigações subordinadas, ao portador e sob a escritural, com o valor nominal de €50.000,00 cada uma, oferecidas diretamente ao público, ao preço unitário igual ao valor nominal.» (…)

«Prazo e reembolso

O prazo de emissão é de dez anos, sendo o reembolso do capital efectuado em 09 de maior de 2016. O reembolso antecipado da emissão só é possível por iniciativa da SLN  – Sociedade Lusa de Negócios, SGPS, S.A., a partir do 5º ano, e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal.

Remuneração

Juros pagos semestral e postecipadamente, às seguintes taxas:

Cupões Taxa anual nominal bruta

1º semestres 4,5%*

9 cupões seguintes Euribor a 6 meses + 1,15%

Restantes semestres Euribor a 6 meses + 1,50%

*Taxa anual efetiva líquida: 3,632%

7. As Obrigações SLN 2006 foram emitidas (como o próprio nome indica) pela SLN, SGPS, S.A., que era, à data, titular de 100% do capital social do Banco réu (então BPN), participação que deteve de forma permanente até novembro de 2008, altura em que foi legislada a nacionalização de todas as ações integradoras do capital social daquele.

8. A circunstância de a emitente do produto referido em 3. ser a empresa que detinha 100% do BPN, sendo este, necessariamente, um garante da solvibilidade daquela, por ser o principal ativo do seu património, aliada às características específicas das obrigação – que são, tendencialmente, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente – levavam a que o mencionado produto financeiro fosse, à data da sua emissão, considerado seguro, com um risco semelhante ao risco de um depósito a prazo no próprio Banco (isto sem prejuízo da diferença advinda da existência e regime jurídico do Fundo de Garantia de Depósitos) e facilmente transacionável (permitindo ao seu subscritor obter o reembolso antecipado do capital).

9. Os autores receberam sempre os juros semestrais previstos, com exceção dos dois últimos semestres.

10. Após a data de vencimento da aplicação, a 09 de maio de 2016, o autor não recebeu o capital investido.

11. Aquando da subscrição da mencionada obrigação, não foi configurada, nem transmitida ao autor, a possibilidade de este poder vir a não receber o seu dinheiro.

12. O autor não tinha formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer com precisão os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar cabalmente os respetivos riscos, a não ser que lhos explicassem.

13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse.

14. Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças.


*


Conhecendo:

São as questões suscitadas pelo recorrente e constantes das respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar – artigos 608, 635, nº 3 a 5 e 639, nº 1, do C.P.C. No caso em análise questiona-se:

-Se o Banco réu deu cabal cumprimento, em relação ao autor, dos deveres de informação que legalmente lhe eram impostos, no âmbito do contrato de intermediação financeira que celebraram em 2006.

-Consequências que advêm do cumprimento ou, incumprimento, desses deveres de informação.

-Do dever de informação:

A atividade de intermediação financeira (e há acordo nos autos que de contrato de intermediação financeira se trata) desenvolvida pelos bancos é legalmente regida por normas e princípios atinentes ao exercício e organização. Tendo em conta o tempo da celebração do contrato, 2006, é aplicável o preceituado nos artigos 73º e seg. do Dl 298/92, de 31/12 (RGICSF) e, em especial, o disposto nos artigos 7º, 304º, 309º, 312º e 314º do DL 486/99, de 13/11 (CVM), dos quais decorrem que a mesma é norteada por elevados padrões de exigência e pelos princípios, entre outros, da boa-fé (ou da probidade comercial) e do conhecimento e da proteção (e prevalência) dos interesses do cliente, designadamente em relação a qualquer interesse que o intermediário financeiro tenha no serviço a prestar.

Dessas normas releva o seguinte:

Artigo 7.º -Qualidade da informação

1 - Deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a atividades de intermediação e a emitentes que seja suscetível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários. (…)

Artigo 304.º -Princípios

1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.

2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.

3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objetivos que prosseguem através dos serviços a prestar. (…)

Artigo 309.º -Conflito de interesses

(…)

3 - O intermediário financeiro deve dar prevalência aos interesses dos clientes, tanto em relação aos seus próprios interesses ou de empresas com as quais se encontra em relação de domínio ou de grupo, como em relação aos interesses dos titulares dos seus órgãos sociais e dos seus trabalhadores. (…)

Artigo 312.º -Deveres de informação

1 - O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efetivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a:

a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; (…)

c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de proteção equivalente que abranja os serviços a prestar; (…)

2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente. (…)

Artigo 314.º -Responsabilidade civil

1 - Os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.

2 - A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.

É face ao normativo exposto e aos factos que em concreto resultarem apurados que se pode concluir se um intermediário financeiro “forneceu toda a informação que lhe era possível e exigível fornecer, face ao perfil do cliente e às suas necessidades informacionais” – cfr. Ac. deste STJ de 18-09-18, no Proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

A aplicação do Direito, que determina o resultado da ação, depende da fixação da matéria de facto.

E mesmo em casos concretos idênticos, relativos à matéria em análise, não se verificava uniformidade jurisprudencial, quer a nível das Instâncias, quer neste Supremo Tribunal de Justiça, havendo necessidade de uniformização, o que veio a acontecer através de AUJ proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A – [Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2022, in DR 1ª S, de 3 de novembro de 2022], com o seguinte segmento unificador: “1 — No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, n.º 1, 312.º n.º 1, alínea a), e 314.º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto -Lei n.º 357 -A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, n.º 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano. 2 — Se o Banco, intermediário financeiro — que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” — informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras 3 de novembro de 2022 Pág. 44 Diário da República, 1.ª série N.º 212 explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º 1, do CVM. 3 — O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir. 4 — Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.

No caso concreto e, tendo em conta os factos provados, nomeadamente:

-Através do gerente de balcão, que sabia que os autores ali tinham algumas poupanças, o aqui autor marido foi contactado telefonicamente e convidado a dirigir-se à agência, havendo-lhe sido por aquele dito que tinha um produto em que poderia estar interessado em investir.

-Foi proposta ao autor a subscrição de obrigações SLN 2006, que lhe foi transmitido ser um produto de boa rentabilidade (superior a um mero depósito a prazo), cujo reembolso do capital era garantido e juros, porquanto não era produto de risco.

- Não obstante a aplicação a 10 anos, o autor poderia ver disponibilizado o capital a todo o tempo, apenas, implicando perda de juros, caso resgatado antes do vencimento semestral.

- Convencido da veracidade daquelas informações – nomeadamente, da boa rentabilidade e da segurança do produto - e no pressuposto da confiança que tinha com o gerente de balção pela relação existente de longa data, o autor marido, em 27 de abril de 2006, subscreveu, junto da referida agência, uma obrigação SLN 2006, no montante de €50.000.00.

- Após a data de vencimento da aplicação, a 09 de maio de 2016, o autor não recebeu o capital investido.

- Aquando da subscrição da mencionada obrigação, não foi configurada, nem transmitida ao autor, a possibilidade de este poder vir a não receber o seu dinheiro.

- O autor não tinha formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer com precisão os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar cabalmente os respetivos riscos, a não ser que lhos explicassem.

-O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse.

 - Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças.


*


Desta matéria de facto pode concluir-se que o réu, através do seu funcionário, procedeu à intermediação financeira e não preencheu os critérios ético-normativos impostos pelo CMV, normas supratranscritas.

Resulta de tais factos que, em concreto o autor não sabia o que estava a subscrever. Não sabia o que são obrigações e, em concreto não sabia o que eram Obrigações SLN 2006, apenas se tendo apercebido (pela informação fornecida) que o capital estava sempre garantido e o risco era pouco, como o que existe num depósito a prazo. Só face a tal motivação informativa subscreveu o que lhe disseram que era para subscrever.

A consciência que o A. tinha reportava-se apenas ao conteúdo da informação que lhe fora fornecida.

O dever de informação respeita ao risco que pode advir da subscrição do instrumento financeiro e não a qualquer risco relativo ao contrato de intermediação financeira em si. Os riscos em causa, e que devem ser informados, respeitam ao instrumento financeiro (resultantes da subscrição da Obrigação SLN), sejam riscos endógenos ou exógenos porque, do contrato de intermediação, em si, não se vislumbra que possam ocorrer riscos significativos.

Há quem entenda que o dever de prestação de informação que recai sobre o intermediário financeiro não dispensa o investidor de adotar um comportamento diligente, visando o seu total esclarecimento. Concordamos, no entanto, é de salientar que não foi o investidor que apareceu perante o intermediário a querer subscrever determinada Obrigação, mas foi o funcionário do intermediário financeiro quem propõe ao cliente bancário a subscrição da Obrigação SLN 2006 (sem a identificar) e, a proposta deve ser acompanhada da informação que é obrigatório prestar, a qual deve ser completa, com verdade e com rigor.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

O investidor tem que ser informado dos riscos inerentes à aplicação financeira que lhe é apresentada, para que tenha liberdade de decisão e saiba quais os riscos que pode/quer correr.

Refere António Pedro Azevedo Ferreira e reportando-se à informação que deve ser fornecida pelo intermediário financeiro que, “Em síntese, pois, parece poder concluir-se que a relação negocial estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina, para aqueles e a favor destes, a configuração de uma obrigação de prestar informações segundo duas vertentes complementares:

Por um lado, o banco deve informar sempre que, no contexto negocial da relação estabelecida, tal comportamento se apresente como necessário ao desenvolvimento dessa relação, nomeadamente quando da informação prestada ao cliente possa depender uma correta execução das ordens recebidas ou um maior rigor técnico dos serviços prestados, tudo num quadro amplo de salvaguarda dos interesses do cliente.

Por outro lado, se e quando o banco informe, deverá fazê-lo com veracidade e rigor, por força da sua condição de profissional diligente que pauta a respetiva atuação, no âmbito daquela relação, pelos vetores derivados do princípio geral da boa-fé negocial, da confiança ínsita à relação e da salvaguarda dos interesses dos clientes” – in A Relação Negocial Bancária, Conceito e Estrutura, Quid Juris, 2005, págs 652 a 654.

O STJ proferiu acórdãos no sentido do que vimos expondo, em 07-02-2019, no proc. 31/17.1T8PVZ.P1.S1 e em 19-03-2019, no proc. 3922/16.3T8VIS.C2.S1, referindo este:

«I - É dever do intermediário financeiro prestar, quanto aos valores mobiliários que disponibiliza para subscrição junto de clientes, informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos, assim como é seu dever pautar-se de acordo com o vetor da boa-fé, nomeadamente em termos de lealdade.

II - Não cumpre esses deveres o intermediário financeiro, Banco, que faz crer ao cliente que o produto financeiro que propunha para subscrição tinha a garantia do próprio Banco, que tinha a mesma garantia de um depósito a prazo e que o Banco garantia o capital investido, quando afinal do que se tratava era de obrigações subordinadas emitidas por terceira entidade, que era a devedora do reembolso do capital e do pagamento dos juros, embora fosse a titular da totalidade do capital social do Banco”.

E no Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, desta secção se refere: “I- Considerando o âmbito funcional dos deveres de informação (completa, verdadeira, atual, clara e objetiva) que impendem sobre o intermediário financeiro, determinado pelo grau de conhecimentos e experiência do seu cliente – no caso, um investidor conservador e que, afinal, atuou convicto de que estava a colocar o seu dinheiro numa aplicação com as características de um depósito a prazo, sendo, portanto, não familiarizado com o produto financeiro (obrigação subordinada) em causa –, não cumpre tais deveres o banco que, naquela qualidade, fez crer a este que o capital que lhe propôs investir no produto poderia ser recuperado com rapidez e, sobretudo, que era garantido pelo próprio banco e como um depósito a prazo”.

Assim, entendemos que não foram cumpridos os deveres de informação legalmente impostos. Não houve uma informação completa, verdadeira e objetiva sobre o produto e seus riscos.

Ou, como refere o AUJ (que respeita a matéria idêntica à destes autos) proferido no Proc. nº 1479/16.4T8LRA.C2.S1-A, “… à luz do direito aplicável, resulta que o Banco prestou ao Autor uma informação, no mínimo, incompleta e obscura, não tendo atendido à qualidade de investidor dos Autores e aos seus conhecimentos”.

“(…) A informação foi incompleta porque não foi explicada ao Autor a característica da subordinação das obrigações, bem como não foi explicada a relação de dependência do Banco perante o emitente das obrigações”.

“(…) A informação foi obscura, porque nos termos em que foi dada, não permitia ao cliente (investidor) entender as especificidades do instrumento financeiro que adquiria: Os Autores não sabiam o que são obrigações e o Banco não explicou o que eram obrigações, nem explicou que BPN e SLN eram duas entidades distintas e que investir em SLN era diferente de aplicar dinheiro no BPN”.

Face aos factos provados resulta que houve violação do dever de informação que impendia sobre o Banco réu e, consequentemente, ilicitude da conduta.

E quanto ao dano não há dúvidas, porque o autor investidor perdeu o montante que havia investido na aquisição da Obrigação.

Em relação à culpa, e não estando provado que o Banco agiu sem culpa, esta presume-se nos termos do disposto nos arts, 799º, nº 1, do C. Civil e 304º, nº 2, do CVM.

Da responsabilidade civil do réu:

Resta analisar se há responsabilidade civil do réu, ou seja, se se verifica o nexo de causalidade entre o facto ilícito praticado pelo réu, e o dano sofrido pelos autores.

Já supra se transcreveu o que sobre esta matéria estatui o art. 314º do CVM.

Norma que deve ser complementada com as normas gerais do CC, nomeadamente, o art. 798º- responsabilidade contratual e os arts. 563º e segs. referentes à obrigação de indemnizar.

Uma vez que demonstrada ficou a falta ou insuficiência relevante, do dever de informação imputado normativamente ao intermediário financeiro, há que averiguar se foi em consequência dessa violação do dever de informação que os autores sofreram o dano que invocam e cuja reparação peticionam.

Se o intermediário financeiro cumprisse cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta?

O Ac. deste STJ de 26-03-2019, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1, já referido, concluiu: “II- Mostrando-se que o cliente nunca teria adquirido a obrigação referida se o intermediário financeiro o tivesse informado de forma completa e verdadeira, designadamente de que o reembolso do capital investido não era garantido pelo banco, mostra-se preenchida a conditio sine qua non do dano e, por outro lado, em função das circunstâncias conhecidas e cognoscíveis de todo o processo factual e segundo as regras da experiência comum e um critério de verosimilhança e de probabilidade, o facto de este ter violado o bem jurídico tutelado pelo dever de informação a que estava vinculado, não só não se mostra indiferente como foi apto a produzir o não reembolso do capital – a lesão verificada –, independentemente de este ter sido também condicionado pela superveniente insolvência da emitente da obrigação, sendo, pois, razoável impor ao intermediário a responsabilidade por esse resultado”.

E como é referido no AUJ citado (com orientação pertinente nos autos): “Conforme é orientação do STJ tem-se entendido que a causalidade tem uma vertente de facto e outra de direito: na sua vertente naturalística (de facto) averigua-se se o processo sequencial foi ou não facto desencadeador ou gerador do dano (…), sendo que, nessa perspectiva, o juízo de causalidade se insere no plano puramente factual insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos termos e com as ressalvas dos artigos 682.º, n.º 1 e 674.º, n.º 3 do Código de Processo Civil; só depois de assente esse nexo naturalístico (relação causa-efeito) pode o Supremo Tribunal de Justiça verificar da existência de nexo de causalidade que se prende com a interpretação e aplicação do artigo 563.º do Código Civil (cf. Ac. STJ, de 13/03/2008 (processo nº 08A369) e Ac. STJ, de 11/01/2011 (processo n.º 2226/07-7TJVNF.P1.S1). Dito de outro modo: “para além de fáctica ou naturalisticamente se ter de apurar se uma determinada actuação (acção ou omissão) provocou o dano (cf. Acórdão deste Supremo Tribunal, de 7 de julho de 2010, processo n.º 1399/06.0TVPRT.P1.S1), cumpre ainda averiguar, tendo em conta as regras da experiência, se era ou não provável que da acção ou omissão resultasse o prejuízo sofrido, ou seja, se aquela não realização é causa adequada do prejuízo verificado. É necessário que, em concreto, a acção (ou omissão) tenha sido condição do dano; e que, em abstracto, dele seja causa adequada (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 10ª ed., Coimbra, 2000, p. 900)” (cf. Ac. STJ, de 24/4/2013, processo nº 3379/05.4TBVCT.G1.S1).

Ou seja: o juízo de adequação normativa ínsito no artigo 563.º do Código Civil pressupõe a causalidade fáctica.

Daí que antes de indagar se a causa foi adequada à produção do dano, deve o intérprete verificar se a causa foi “conditio sine qua non” do referido dano. Não o tendo sido, falece logo a relação causal (Ac. STJ, de 22/10/2009, processo nº 409/09.4YFLSB)”.

(…) Para que tais deficiências pudessem funcionar como condição do dito prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva (como a que atrás se caracterizou), o Autor não teria subscrito as obrigações”.

No caso concreto, à questão de se saber se o intermediário financeiro se tivesse cumprido cabalmente a sua obrigação de informação, o autor não teria investido na aplicação financeira proposta, a resposta é positiva face aos pontos 12, 13 e 14, dos factos provados, de que o autor aplicou o dinheiro naquela Obrigação, “12. O autor não tinha formação técnica que lhe permitisse, à data, conhecer com precisão os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar cabalmente os respetivos riscos, a não ser que lhos explicassem.

13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse.

14. Caso lhe tivesse sido explicado ao autor, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças.”

A resposta é afirmativa face à matéria de facto apurada, ou seja, se a informação prestada, pelo funcionário do banco, fosse clara e precisa e não lhe fosse indicada a aplicação como semelhante a um depósito a prazo e os riscos inerentes iguais aos dos depósitos a prazo e, que o reembolso do capital estava sempre garantido, o autor não teria subscrito aquele produto financeiro.

E existe o nexo de causalidade entre a atuação do banco e o dano sofrido pelos autores, ou seja, a conduta do faltoso (falta ao dever de informação nos termos sobreditos) funcionou como conduta sine qua non da ocorrência do dano sofrido pelo autor.

É consensual o entendimento de que o nosso sistema jurídico, com a citada norma [art. 563 do CC], acolheu a doutrina segundo a qual, para que um facto seja causa de um dano, é necessário que, no plano naturalístico, ele seja uma condição sem a qual o dano não se teria verificado e, além disso, que, no plano geral e abstrato, ele seja causa adequada desse mesmo dano” – Ac. do STJ de 26-03-2019, 1ª secção, no Proc. nº 2259/17.5T8LRA.C1.S1.

A prova do nexo de causalidade resultou da observância das regras gerais em matéria de prova, previstas no art. 342º do CC e aplicando o direito aos factos.

E da não observância do dever de informação legalmente imposto ao intermediário financeiro resulta que a sua atuação foi ilícita. Violou o dever de informação previsto no art. 312º do CVM e que visa a proteção dos investidores financeiros, nomeadamente os não qualificados.

Como refere o Prof. Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, vol. I, pág. 94: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado” e referindo a pág. 894, “Desde que o devedor ou o lesante praticou um facto ilícito, e este atuou como condição de certo dano, (…) se justifica que o prejuízo (embora devido a caso furtuito ou, em certos termos, à conduta de terceiro) recaia, em princípio, não sobre o titular do interesse atingido, mas sobre quem, agindo ilicitamente, criou a condição do dano”.

E, “Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento [do dever de informação], e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude” – Ac. do STJ de 18-09-2018- 6ª secção, no proc. nº 20403/16.8T8SLB.L1.S1.

E não tendo o autor recebido o valor da subscrição das Obrigações SLN 2006, na data em que deveria ter acontecido (dez anos após a subscrição), o mesmo teve um prejuízo correspondente.

Face ao exposto resta-nos concluir, como no Ac. deste STJ no proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1, já referido, “Verificados os pressupostos da responsabilidade civil, emerge para o Reu a obrigação de indemnizar o Autor pelos danos sofridos, como resulta dos artigos 562 e 566 do CC”.

Assim, são julgadas improcedentes as conclusões do recurso, devendo ser negada a revista e mantido o acórdão da Relação.


*


Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC:

I- Resultando da matéria de facto provada que o réu, através do seu funcionário, ao proceder à intermediação financeira não prestou a informação que é obrigatório prestar, que deve ser completa, com verdade e com rigor, violou os deveres de informação legalmente impostos.

II- Para que a informação deficiente/incompleta pudesse funcionar como condição do prejuízo, seria necessário provar que, caso tivesse sido recebida informação completa, clara e objetiva, o autor/investidor não teria subscrito a obrigação.

III- Provando-se que ao subscrever a Obrigação, “13. O autor não pretendia aplicar o seu dinheiro em aplicações de risco, nomeadamente, em que não fosse visto como seguro o reembolso do capital que investisse; e

14. Caso lhe tivesse sido explicado, no momento da subscrição, que corria riscos de perder o seu capital, ele não tinha aplicado as suas poupanças”, fica demonstrado o nexo de causalidade entre o facto ilícito e o prejuízo daí resultante.


*


Decisão:

Pelos fundamentos expostos, acordam em julgar improcedente a revista e, consequentemente, mantem-se o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 31-01-2023


Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator

Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto

Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto