Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | CÚMULO JURÍDICO CONHECIMENTO SUPERVENIENTE CONCURSO DE INFRACÇÕES CONCURSO DE INFRAÇÕES FALSIDADE DE DEPOIMENTO OU DECLARAÇÃO ANTECEDENTES CRIMINAIS DESCRIMINALIZAÇÃO REABERTURA DA AUDIÊNCIA OMISSÃO DE PRONÚNCIA ROUBO PENA ÚNICA PLURIOCASIONALIDADE CONDIÇÕES PESSOAIS | ||
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Data do Acordão: | 12/13/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
Área Temática: | DIREITO PROCESSUAL PENAL – JULGAMENTO / SENTENÇA. DIREITO PENAL – LEI CRIMINAL / CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / LIBERDADE CONDICIONAL / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES – CRIMES EM ESPECIAL / CRIMES CONTRA O ESTADO / CRIMES CONTRA A REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA. | ||
Doutrina: | -JORGE DE FIGEIREDO DIAS, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime – 4.ª Reimpressão, Coimbra Editora, p. 291 e 295; -M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, Código Penal – Parte geral e especial, 2015 – 2.ª Edição, Almedina, p. 35; -OLIVEIRA MENDES, Código de Processo Penal Comentado, 2016 – 2.ª Edição Revista, Almedina, p. 1132; -TIAGO CAIADO MILHEIRO, Cúmulo Jurídico Superveniente – Noções Fundamentais, Almedina, p. 86. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 371.º-A. CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 2.º, N.ºS 2 E 4, 61.º, N.º 3, ALÍNEA B), 77.º, 78.º E 359.º, N.º 2. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 29.º, N.º 4. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 30-11-2005, PROCESSO N.º 2237/05; - DE 21-12-2005, PROCESSO N.º 4642/02; - DE 27-04-2006, PROCESSO N.º 1287/06; - DE 20-12-2006, PROCESSO N.º 06P3379; - DE 09-04-2008, PROCESSO N.º 08P814; - DE 23-06-2010, PROCESSO N.º 666/06.8TABGC-K.S1; - DE 02-05-2012, PROCESSO N.º 218/03.4JASTB.S1; - DE 27-06-2012, PROCESSO N.º 70/07.0JBLSB-D.S1; - DE 17-10-2012, PROCESSO N.º 39/10.8PFBRG.S1, IN WWW.DGSI.PT; - DE 16-10-2013, PROCESSO N.º 19/09.6JBLSB.L1.S1; - DE 15-01-2014, PROCESSO N.º 73/10.8PAVFC.L2.S1; - DE 16-01-2014, PROCESSO N.º 22/09.6JALRA.C1.S1; - DE 06-02-2014, PROCESSO N.º 627/07.0PAESP.P2.S1; - DE 07-05-2014, PROCESSO N.º 2064/09.2PHMTS-A.S1; - DE 10-12-2014, PROCESSO N.º 659/12.6JDLSB.L1.S1, IN SJSTJ – SECÇÕES CRIMINAIS – ANO DE 2014; - DE 26-03-2015, PROCESSO N.º 226/08.9PJLSB.S1; - DE 22-04-2015, PROCESSO N.º 558/12.1PCLRS.L2.S1; - DE 04-11-2015, PROCESSO N.º 1259/14.1T8VFR.S1; - DE 09-03-2016, PROCESSO N.º 26/14.7GAAMR.S1, IN SASTJ – SECÇÕES CRIMINAIS, ANO DE 2016; - DE 23-11-2016, PROCESSO N.º 663/16.5T8AVR.S1, IN SASTJ - SECÇÕES CRIMINAIS, BOLETIM ANUAL 2016 - ASSESSORIA CRIMINAL; - DE 01-02-2017, PROCESSO N.º 13847/10.0TDPRT.1.S1, IN SASTJ - SECÇÕES CRIMINAIS, NÚMERO 230 – FEVEREIRO DE 2017; - ACÓRDÃO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 9 /2016, IN DR, I SÉRIE, N.º 111, DE 9 DE JUNHO DE 2016. | ||
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Sumário : |
I - O cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo de que se trata – o da última condenação transitada em julgado – se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes – cfr arts. 77.º e 78.º do CP. Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles. II -A partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito. Havendo lugar à elaboração de um cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (art. 78.º do CP), são desfeitos os cúmulos anteriores que hajam sido realizados, e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo todas elas ser ponderadas na determinação da pena única conjunta. III - O acórdão cumulatório recorrido englobou no cúmulo jurídico efectuado a pena de 7 meses de prisão aplicada no proc. X, pela prática em 2011, do crime de falsidade de depoimento, então p. e p. pelo art. 359.º, n.º 2, do CP. O art. 359.º, n.º 2, do CP sofreu uma alteração introduzida pela Lei 19/2013, de 21-02 - do mesmo modo, foi igualmente alterado o art. 61.º, n.º 3, al. b), deixando o arguido de ser obrigado a responder com verdade às perguntas feitas sobre os seus antecedentes criminais - sendo que a partir do momento da sua entrada em vigor, o arguido apenas pode ser condenado pela prática do crime de falsidade de depoimento se não falar com verdade relativamente às declarações sobre a sua identidade. IV - O tribunal a quo, ao não ter em atenção a alteração legislativa que eliminou a criminalização do falso depoimento prestado pelo arguido sobre os seus antecedentes criminais, violou o art. 29.º, n.º 4, da CRP e o art. 2.º, n.º 2, do CP. A inclusão dessa pena por facto descriminalizado não consubstancia uma omissão de pronúncia, mas, verdadeiramente, um erro de julgamento que pode e deve ser corrigida no âmbito do recurso. V - A descriminalização da falsidade de depoimento quanto aos antecedentes criminais do arguido opera ope legis não se encontrando dependente de reabertura da audiência de julgamento (art. 371.º-A, do CPP) no processo em que foi aplicada a correspondente pena. A reabertura da audiência está vocacionada para os casos previstos no art. 2.º, n.º4 do CP mas já não para as situações da previsão do art. 2.º, n.º 2, do CP. Assim sendo, decide-se pela exclusão do cúmulo jurídico das penas em concurso da pena de 7 meses de prisão aplicada ao arguido no proc. X. VI - A determinação da pena única do concurso exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados e a personalidade do seu autor. No caso, as penas em concurso a englobar no cúmulo jurídico partem do limite inferior de 7 anos de prisão (pena parcelar mais elevada), e do limite máximo de 18 anos e 10 meses de prisão, correspondente à soma de todas as penas parcelares consideradas e abrangem 2 crimes de tráfico de estupefacientes e 2 crimes de roubo, na forma tentada. VII - Não se observa uma relação de conexão entre os crimes em concurso, a não ser a repetição ocasional da actividade de tráfico de estupefacientes. São elevadas as exigências de prevenção geral que se prendem com as exigências comunitárias de contenção deste tipo de criminalidade. A actividade delituosa do arguido não indicia uma tendência desvaliosa da personalidade. Em termos favoráveis para o recorrente há a considerar o facto de se encontrar laboralmente activo no EP, como faxina de ala e ainda o investimento feito na sua formação escolar, concluindo com sucesso o 12.º ano de escolaridade. O arguido não voltou, após a detenção, a consumir drogas, tendo abandonado a sua dependência. Justifica-se uma diminuição da pena única, fixada na 1.ª instância, para 10 anos de prisão (em vez de 14 anos e 6 meses).
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I - RELATÓRIO
1. O Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 2 – do Tribunal Judicial da Comarca de Faro proferiu acórdão em 24 de Março de 2017 no qual procedeu à realização do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos 43/11.9MAPTM, 1936/11.9PAPTM e neste processo 321/12.0GBSLV, tendo o arguido AA sido condenado na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Inconformado, o arguido interpôs este recurso, rematando a respectiva motivação com as seguintes (transcrição):
«CONCLUSÕES
a) O tribunal a quo deveria ter considerado extinta a pena de prisão aplicada no processo 1936/11.9PAPTM relativa à prática de um crime de falsidade de depoimento, em virtude da alteração legislativa ao artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal, que introduziu uma redacção ao tipo de crime mais favorável ao arguido. b) O tribunal a quo, ao não ter em consideração a aplicabilidade retroactiva da lei penal mais favorável ao arguido violou o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, bem como violou o disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal, pelo que a correta aplicação do direito não deverá ter em consideração essa pena para a determinação do cúmulo jurídico. c) O tribunal a quo ao proceder ao cúmulo jurídico superveniente não considerou convenientemente a idade, a personalidade do arguido, nem o seu percurso criminoso, violando, assim, o disposto no artigo 71.º, do Código Penal, existindo erro de julgamento quanto à determinação da medida concreta da pena. d) Daqui subsiste a necessidade de alterar a pena aplicada ao arguido, em cúmulo jurídico, devendo ser determinada numa medida bastante abaixo da pena de catorze anos e seis meses de prisão.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve dar-se provimento ao recurso, revogando-se o acórdão recorrido na parte em que contabiliza para a determinação do cúmulo jurídico a pena de sete meses de prisão aplicada à prática de um crime de falsidade de depoimento, bem como revogando-se o acórdão na pena única de catorze anos e seis meses de prisão, devendo corresponder uma pena de prisão inferior atentas as circunstâncias do caso, nomeadamente a personalidade do arguido e a medida da culpa.»
3. Na sua resposta, formula o Ministério Público as seguintes:
«CONCLUSÕES:
1- O âmbito do recurso retira-se das respectivas conclusões as quais por seu turno são extraídas da motivação da referida peça legal, veja-se por favor a título de exemplo o sumário do douto Acórdão do STJ de 15-4-2010, in www.dgsi/pt, Proc.18/05.7IDSTR.E1.S1. 2- "Como decorre do artigo 412.° do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito o recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, exceptuadas as questões de conhecimento oficioso", 3- São as conclusões, que fixam o objecto do recurso, artigo 417°, nº 3, do Código de Processo Penal. 4- Não contém o Douto Acórdão impugnado qualquer erro de julgamento ou outro vício que o inquine. 5- Assiste razão ao arguido quando diz que deveria ter sido declarada extinta a pena que lhe foi aplicada no Processo nº 1936/11.9PAPTM, relativa à prática de um crime de falsidade de depoimento, em virtude da alteração legislativa ao artigo 359°, nº 2, do Código Penal, que introduziu uma nova redacção e que é mais favorável ao arguido", Lei nº 29/2013, de 21/2 e artigo 2°, nº4, do Código Penal. 6- Devendo tal decisão ter lugar no processo 1936/11.9PAPTM e não nos presentes autos. 7 - O Douto Acórdão de cúmulo jurídico não violou o disposto no artigo 71°, nº 1, do Código Penal, ou qualquer outro preceito ou princípio de direito criminal, constitucional ou europeu. 8- Foram consideradas no Douto Acórdão de que recorreu o arguido, as condições de vida e a personalidade do AA, como se infere de fls. e seguintes, onde se descrevem as suas circunstâncias da vida, as quais influenciaram a medida da pena, negativa e positivamente. 9- O arguido tem um considerável passado criminal, como se retira do CRC e igualmente se refere no Douto Acórdão. 10- Porém, partilha-se da ideia de que salvo em raras excepções, as pessoas são recuperáveis, devendo o aparelho preventivo-repressivo e reintegrador da Justiça e da Sociedade em geral, continuar a investir no arguido de molde a torná-lo uma pessoa mais participativa no bom sentido, respeitando os outros, a propriedade alheia e as leis em geral, não mais do que se pede a qualquer cidadão ... 11- O arguido questiona a medida da pena e diz a propósito da medida da pena: o Prof. Germano Marques da Silva [Direito Penal Português, 3, pág. 130], que a pena será estabelecida com base na intensidade ou grau de culpabilidade (...). Mas, para além da função repressiva medida pela culpabilidade, a pena deverá também cumprir finalidades preventivas de protecção do bem jurídico e de integração do agente na sociedade. Vale dizer que a pena deverá desencorajar ou intimidar aqueles que pretendem iniciar-se na prática delituosa e deverá ressocializar o delinquente". 12- Ou ainda como se diz no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:" II - Culpa e prevenção constituem o binómio que preside à determinação da medida da pena, art. 71.°, n.º 1, do CP. A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto, fundada na existência de liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável - art. 40.°, n.º 2, do CP. III - Dentro deste limite, a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, in www.dgsi.pt,Proc.nº 315/11.2JELSS.E1.S1, 1-7-2015. empenho a sua persistência, mas, sendo também importante que a sociedade, a justiça ajudem. 18- Deve o Douto Acórdão recorrido manter-se, com a excepção de se diminuir a pena de prisão para limites não inferiores a 13 anos de prisão. Concedendo provimento parcial ao recurso.»
4. A Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal emitiu o proficiente parecer que se transcreve:
«1. O Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Portimão, Juiz 2, da Comarca de Faro, procedeu a sessão de audiência de julgamento de AA, para elaboração do cúmulo jurídico de penas parcelares de prisão, que lhe haviam sido aplicadas, condenando-o, por Acórdão de 24/3/2017, nos seguintes termos: “Pelo exposto, procedendo ao cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas nos processos 43/11.9MAPTM, 1936/11.9PAPTM e neste processo 321712.0GBSLV acordam as Juíza que compõem o Colectivo em condenar o arguido na pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão.”
2. Inconformado, recorreu o arguido para este Venerando Tribunal, em tempo e com legitimidade. O recurso foi admitido com o efeito e modo de subida devidos. O MºPº respondeu tempestivamente e com legitimidade.
3. As questões jurídicas suscitadas pelo recorrente são atinentes à não declaração de extinção da pena de prisão aplicada no p. 1936/11.9PAPTM, pela prática de um crime de falsidade de depoimento, “em virtude da alteração legislativa do art. 359.º, n.º 2, do Código Penal, que introduziu uma redacção ao tipo de crime mais favorável ao arguido” e à aplicação da pena única de prisão, que não considerou, convenientemente, a idade, a personalidade do arguido, nem o seu percurso criminoso, devendo diminuir e fixar-se em quantum “bastante abaixo da pena de catorze anos e seis meses de prisão”.
4. O MºPº, na sua resposta, defende a manutenção do julgado, embora concorde com o recorrente na questão relativa à declaração de extinção da pena aplicada pelo crime de falsidade de depoimento, devendo, porém, tal matéria ser decidida no processo 1936/11.9PAPTM.
5. O recurso do arguido merece parcial provimento.
5.1. Crime da falsidade de depoimento P.º 1936/11.0GBSLV. Tem o arguido e o MºPº razão quanto à actual inexistência de crime por falsas declarações prestadas pelo arguido em resposta à pergunta sobre os seus antecedentes criminais feita pelo Juiz de Instrução Criminal no seu primeiro interrogatório judicial. A pergunta ao arguido pelos seus antecedentes criminais feita, quer na audiência de julgamento, quer na pendência do inquérito, pelo MºPº ou OPC, quer pelo Juiz de Instrução Criminal no primeiro interrogatório judicial, não pode, nem deve ser colocada ao arguido, pelo que este não comete qualquer crime se não responder ou não responder com verdade. Com a alteração legislativa, introduzida pela Lei 19/2013, ao art. 359.º, do C.P., eliminou-se a criminalização do falso depoimento prestado pelo arguido sobre os seus antecedentes criminais. Em conjugação, a alteração legislativa introduzida pela Lei 20/2013, de 21/2, fez cessar a obrigação do arguido responder sobre os bens antecedentes criminais, eliminando-se a pergunta do articulado dos arts. 141.º, n.º 3 e 342.º, n.º 1, ambos do C.P.P. (cfr. ainda, art. 143.º, n.º 2, do mesmo C.P.P.).
5.2. O Acórdão recorrido não tomou posição sobre a questão, que devia conhecer, inteirando-se, previamente, da eventual decisão proferido no proc. 1936/11.0GBLSB, pelo que padece de nulidade, por omissão de pronúncia, atento o disposto nos artos. 410.º, n.º 3 e 379.º, n.º 2, al. d), ambos do CPP. Na verdade, a extinção da pena de 7 meses de prisão, que lhe foi aplicada, por facto agora não punível criminalmente, atento o disposto nas Leis 19/2013 e 20/2013, de 20/2, vai repercutir-se na pena única de prisão de 14 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo Acórdão ora sub judice. 5.3. Para não omitir um grau de recurso, constitucionalmente consagrado no art. 32.º, n.º 1, da CRP, não pode este Venerando Tribunal substituir-se ao Tribunal a quo, pelo que devem baixar os autos à 1ª instância para suprimento da nulidade detectada e, em nova decisão, fixar nova pena única de prisão, subtraída do cúmulo a pena de 7 meses de prisão que lhe fora aplicada pelo crime de falso depoimento, p. e p. pelo art. 259.º, n.º 2, do C. Penal, no art. 1936/11.0GBSLV.
6. Emite-se parecer no sentido de ser proferida decisão declarando a nulidade do Acórdão recorrido, por omissão de pronúncia, e determinando a baixa dos autos para prolação de nova sentença que sane tal nulidade e aplique nova pena única de prisão, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus.»
5. Foi cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, nada mais tendo sido dito.
6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
II - FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos
O acórdão recorrido considerou provados os seguintes factos:
«1. O arguido foi condenado nos seguintes termos:
a) neste processo comum colectivo 321/12.0GBSLV data dos factos: 1/5/2012 data da condenação: 26/2/2015 data do trânsito: 27/9/2016 crime: um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, dos arts. 21º nº1 e 24º-h) do DL 15/93 de 22/1, pena: 7 anos de prisão, factos: Cerca das 15h00m, no interior do Estabelecimento Prisional de ..., o arguido detinha na sua posse 2 pedaços de haxixe (canábis resina) com o peso líquido de 5,856gramas. O arguido executava tarefas de faxina no interior do referido Estabelecimento Prisional com acesso às instalações sanitárias destinadas às visitas dos reclusos, e ali se apoderou do mencionado produto com o propósito de o levar para o interior da ala prisional.
b) no processo comum colectivo 43/11.9MAPTM data dos factos: 22/8/2011 data da condenação: 3/12/2013 data do trânsito: 15/1/2014 crimes: dois crimes de roubo, na forma tentada, dos arts. 210º/1 e 22º/1 do Código Penal, penas: 3 anos de prisão e 3 anos de prisão, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão; factos: entre as 6 h e as 6 h e 30 m, o arguido, outro indivíduo de nome BB, e mais dois indivíduos, cuja identidade não foi possível apurar, um deles do sexo feminino, abordaram CC e DD que se encontravam sentados num banco no túnel que dá acesso às embarcações, junto ao parque de estacionamento da Marina de Portimão, aos quais o indivíduo de nome BB ordenou que lhe entregassem os relógios e dinheiro, o que aqueles se recusaram a fazer. Perante a recusa, o outro indivíduo não identificado arremessou na direcção de DD uma pedra, embora não lhe tenha acertado, enquanto, em acto contínuo, o indivíduo de nome BB colou o seu corpo ao de DD e, munido de uma pedra da calçada, desferiu diversos golpes que o atingiram na cabeça e no corpo, tendo o arguido AA desferido diversos golpes, com o auxílio de uma pedra, sobre CC. Quando se aperceberam de que CC se encontrava inconsciente, o arguido, o indivíduo BB e os outros dois indivíduos não identificados abandonaram o local. CC teve necessidade de receber tratamento médico, e foi assistido no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, para onde foi de ambulância, tendo sido transferido para o Hospital de Faro e, posteriormente, para o Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental (Hospital de São Francisco Xavier e Hospital Egas Moniz). Do evento resultaram para André Santos fortes dores nas regiões atingidas, e as seguintes lesões: - traumatismo crânio-facial com perda transitória de consciência; - traumatismo no joelho e mão direita; - no couro cabeludo, na região parietal esquerda, apresenta duas feridas incisas dispostas verticalmente com cerca de 4 cm de comprimento cada, lado a lado, tendo a mais posterior dois pontos de sutura cirúrgica; - no lóbulo esquerdo da orelha, do mesmo lado, pequena escoriação de cor avermelhada, com cerca de 0,5 cm de comprimento sem ferida; - derrame conjuntival no olho direito com edema peri-orbitário deste lado; - escoriações supra-orbitárias à direita e da região malar do mesmo lado, com cerca de 0,5 cm de comprimento cada e com crostas de cicatrização; - edema de toda a hemiface direita com tumefacção visível correspondente à cirurgia malar por via endo-bucal; - na face externa do joelho direito apresenta contusão com crosta de cicatrização com cerca de 2x3 cm de diâmetro sem perda de substância de cor acastanhada; - na face dorsal da mão esquerda a nível da base do 1.º e 2.º dedo apresenta três escoriações de cor acastanhada em cicatrização com cerca de 0,5 cm de diâmetro cada, mas sem perda de substância e localizadas lado a lado, Lesões que lhe causaram trinta e cinco dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral, e cicatrizes permanentes no crânio e face; DD teve necessidade de receber tratamento médico, foi assistido no Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio, Do evento resultaram para DD fortes dores nas regiões atingidas, e as seguintes lesões: - crânio: na linha mediana da região parieto-occipital, ferimento irregular, suturado, medindo 4 cm de comprimento; na região parietal, equimose avermelhada (mediana e paramediana esquerda), medindo 10 cm x 4 cm; no pavilhão auricular esquerdo, duas escoriações medindo cada uma 5 mm de diâmetro; - face: recobrindo o terço externo da metade direita da região frontal, penso de gaze e adesivo; na linha média da região frontal (junto à inserção do couro cabeludo), equimose avermelhada, medindo 3 cm de diâmetro; equimose bipalpebral esquerda, arroxeada, medindo 6 cm x 4 cm, com edema subjacente; edema de hemiface direita; - membro superior esquerdo: no terço superior da face posterior do antebraço, escoriação medindo 3 cm x 1 cm; - membro inferior esquerdo: na face anterior do joelho, escoriação medindo 5 cm x 3 cm, Lesões que lhe causaram sete dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral, e uma cicatriz na cabeça.
c) no processo comum colectivo 1936/11.0GBSLV data dos factos: 4/11/2011 e 5/11/2011 data da condenação: 24/4/2012 data do trânsito: 22/10/2012 crimes: um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, nos termos dos arts. 21º nº 1 do DL 15/93 de 22/1, e 71º nº 1 e 2 e 75º do Código Penal, e um crime de falsidade de depoimento do art. 359º nº2 do Código Penal, penas: 5 anos e 10 meses de prisão e 7 meses de prisão, respectivamente, e em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos de prisão, factos: no dia 4/11/2011, cerca das 21h00m, depois de transpor as linhas de caixa do hipermercado ..., no centro comercial ..., em Portimão, o arguido tinha no bolso do casaco que trajava 14 tiras e um pedaço de canábis (resina) com o peso líquido de 42,720 gr,. e 3 embalagens de plástico contendo cocaína, com o peso líquido de 0, 115gr., €265,00 em notas de €50, €20, €10 e €5,00, provenientes da actividade de venda de estupefacientes e um telemóvel Samsung GT-E1080i Nesse mesmo dia, entre as 22h e as 22h45m, no interior da sua residência, o arguido tinha nos bolsos de casacos pendurados no roupeiro do seu quarto, 3 sabonetes e 2 metades de sabonete de canábis (resina) com o peso líquido de 920,720 gr., 2 placas de pólen de haxixe (canábis resina) com o peso líquido de 147,970 gr., na gaveta da mesa de cabeceira do seu quarto, pequenos fragmentos de canábis (resina) com o peso líquido de 0,114gr., e 45 saquetas plásticas próprias para acondicionar pequenas quantidades de estupefaciente, estupefaciente que o arguido destinava na maior parte à venda a terceiros, com o que obtinha proventos financeiros. No dia seguinte à detenção, ouvido em 1º interrogatório judicial de arguido detido e advertido da obrigação de responder com verdade quanto aos seus antecedentes criminais o arguido respondeu ter estado preso apenas 6 meses por crime de tráfico de estupefacientes, quando tinha sido condenado em pena de 4 anos e 5 meses efectiva, e também tinha sido já antes condenado pelos crimes de falsidade de depoimento e de injúria agravada.
2. Por acórdão de 18/9/2015, transitado em julgado a 19/10/2015 no processo 43/11.9MAPTM as penas aplicadas ao arguido nos processos 43/11.9MAPTM e 1936/11.9PAPTM foram cumuladas, tendo o arguido sido condenado na pena única de 9 anos de prisão.
3. A pena única aplicada no processo 43/11.9MAPTM ainda não se encontra cumprida e da respectiva liquidação resulta que o respectivo termo ocorrerá a 4/11/2020.
4. O arguido foi antes condenado nos seguintes processos: - no proc. comum singular 851/03.4TAPTM do 1º juízo criminal do Tribunal de Portimão, em 22/4/2005, pela prática em 1/7/2003, de um crime de falsidade de depoimento, em 80 dias de multa: - no proc. comum colectivo 1092/05.1PAPTM do 1º Juízo criminal do Tribunal de Portimão, em 17/10/2006, de um crime de injúria agravada, praticado em 23/7/2005, em 90 dias de multa; - no proc. comum colectivo 272/05.4JAPTM do 1º Juízo criminal do Tribunal de Portimão, em 12/1/2007, pela prática em 25/10/2005, de um crime de tráfico de estupefacientes do art. 21º/1 na pena de 4 anos e 5 meses de prisão efectiva;
5. O arguido/condenado encontra-se recluso no EP de Pinheiro da Cruz, e está laboralmente activo como faxina do pátio a meio tempo desde 26/8/2016, não tendo iniciado antes tal actividade por estar a frequentar a formação escolar, tendo completado o nível do ensino secundário.
6. Do seu percurso disciplinar constam registadas seis infracções duas das quais praticadas no EP de Pinheiro da Cruz, das quais a última ocorreu a 15 de Fevereiro de 2014, desde então apresentando um bom comportamento e conduta.
7. O arguido tem agora 33 anos, é natural de Guimarães, embora o seu crescimento tenha decorrido maioritariamente na zona do Algarve, junto da progenitora e companheiro desta, considerando o padrasto como um pai, numa situação económica acima da média, decorrente dos rendimentos que o padrasto auferia. Apenas aos 13 anos de idade conheceu o progenitor, mas nunca manteve com este qualquer laço afectivo. Também com esta idade ocorreu a ruptura do relacionamento afectivo que a progenitora mantinha, tendo esta entretanto, restabelecido relacionamento com novo companheiro. Integrou o sistema de ensino em colégio particular, que manteve até aos 13 anos de idade, passando a frequentar o ensino público, mudança relacionada com a alteração da situação económica, decorrente do rompimento do relacionamento afectivo da progenitora. Concluiu o 9º ano de escolaridade, tendo frequentado durante três anos o 10º ano sem o concluir. Com cerca de 16 anos, iniciou o consumo de haxixe e passou a adoptar comportamentos desajustados, integrado em grupo de pares com comportamentos desviantes. Desde muito jovem praticou desporto, nomeadamente futebol, modalidade em que foi federado, tendo também praticado surf, tendo abandonado todas estas práticas, bem como o sistema de ensino, com cerca de 18 anos para cumprir o serviço militar obrigatório, experiência que destaca como muito positiva. Após o seu regresso ao meio, a um contexto educacional pautado pela ausência de regras e incentivo à desresponsabilização, AA desenvolveu um modo de vida ocioso, ligado ao consumo de drogas, dependendo economicamente da progenitora e do então companheiro desta. Aos 22 anos iniciou actividade laboral na área da restauração, que passou a exercer essencialmente nos meses de verão e em épocas festivas, permanecendo o restante tempo desocupado. Foi nesta fase que iniciou relacionamento afectivo, com ex-companheira co-arguida em anterior processo, na sequência do qual sofreu a sua primeira pena de prisão, permanecendo em situação de detenção por um período de seis meses, colocado em liberdade com OPHVE. Posteriormente iniciou novo relacionamento afectivo, tendo integrado a companheira e a filha desta no agregado familiar da sua progenitora, situação que se mantinha à data da detenção em 4/11/2011. Decorridos dois meses após iniciar o cumprimento da pena de prisão, esta relação terminou, mas mantém um bom relacionamento com a ex-companheira e enteada, por quem revela fortes sentimentos de afecto, encontrando-se as mesmas na actualidade a residir na .... Após a relação terminar, a ex-companheira abandonou a casa da sua progenitora, ficando esta a residir sozinha, situação que lhe provocou um grande sentimento de ansiedade, sem condições de saúde suficientes para permanecer sozinha… e ficando sem qualquer meio de subsistência. Após ter sido internada para tratamento, a progenitora regressou a casa e iniciou nova relação afectiva, estando actualmente numa situação de saúde mais equilibrada… Presentemente e ao longo da reclusão o arguido tem vindo a contar com o apoio da mãe e padrasto que lhe enviam dinheiro e outros bens, não o visitando com regularidade devido ao estado de saúde da mãe. …Detido desde 05/11/2011…presentemente está laboralmente inserido como faxina de ala, tendo investido na sua formação escolar, concluindo com sucesso o 12º ano de escolaridade. Também concluiu com sucesso formação musical e educação física. Reconhece a sua dependência das drogas, nomeadamente haxixe e cocaína, mas afirma que após a detenção não voltou a consumir, tendo abandonado esta dependência sem recurso a tratamento ou acompanhamento nesse sentido, verbalizando motivação para abandonar definitivamente o consumo. Apresenta um tipo de comunicação assertiva, mas assume claramente uma postura de desculpabilização, demarcando-se da prática dos factos de que é acusado. De um modo geral demonstra uma personalidade que evidencia dificuldade na contenção dos impulsos e imaturidade na tomada de decisão, potenciada pela necessidade de manutenção de consumos de produtos estupefacientes, sendo esta uma das causas apresentadas para o seu envolvimento com o sistema de justiça.» 2. A decisão cumulatória O cúmulo jurídico por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo de que se trata – o da última condenação transitada em julgado – se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes. Neste caso de conhecimento superveniente, são aplicáveis as regras contidas nos artigos 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do Código Penal.
De acordo com tais disposições, o agente do concurso de crimes, ou seja, aquele que tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
Como repetidamente vem afirmando este Supremo Tribunal, como, entre muitos outros, no acórdão de 17-10-2012, proferido no proc. n.º 39/10.8PFBRG.S1 – 3.ª Secção[1], que convocámos no acórdão de 23-11-2016 (Proc. n.º 663/16.5T8AVR.S1 – 3.ª Secção[2]:
«É pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado obsta a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funciona como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite.
A partir da condenação transitada, havendo novos crimes cometidos desde tal data, que estejam em relação de concurso, tem de ser elaborado um outro cúmulo e assim sucessivamente. Como fica afastada a unificação, os subsequentes crimes devem integrar outros cúmulos, formando-se outras penas conjuntas autónomas de execução sucessiva.»
Nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, o regime enunciado aplica-se também àquelas situações em que, depois de uma condenação ter transitado em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Na verdade, o conhecimento do concurso depende da existência da prática de um crime antes do trânsito em julgado da decisão relativa a um dos crimes em concurso.
Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles. A partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma primeira fase, em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes por deficiências do sistema de justiça, ganhando assim, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado, abrindo-se um ciclo novo, autónomo, em que o figurino não será já o de acumulação de crimes, mas de sucessão, em sentido amplo.» Tem sido este, como já foi dito, o entendimento seguido maioritariamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, acolhido, nomeadamente, também nos acórdãos de 15-01-2014 (Proc. n.º 73/10.8PAVFC.L2.S1 - 3.ª Secção), de 16-01-2014, (Proc. n.º 22/09.6JALRA.C1.S1 - 5.ª Secção), de 06-02-2014 (Proc. n.º 627/07.0PAESP.P2.S1 - 5.ª Secção), de 07-05-2014 (Proc. n.º 2064/09.2PHMTS-A.S1 - 3.ª Secção, 226/08.9PJLSB.S1), de 26-03-2015 (Proc. n.º 226/08.9PJLSB.S1 – 5.ª Secção), e de 04-11-2015 (Proc. n.º 1259/14.1T8VFR.S1 – 3.ª Secção), relatado pelo ora relator. Entendimento que, por fim, veio a obter acolhimento no acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9 /2016, publicado no Diário da República, I Série, n.º 111, de 9 de Junho de 2016, segundo o qual:
No caso aqui em apreço, verificamos que o acórdão recorrido, tendo como referência a decisão condenatória proferida em 24-04-2012, no processo n.º 1936/11.9PAPTM, a primeira que transitou em julgado (em 22-10-2012), englobando no cúmulo jurídico realizado as penas aí aplicadas, bem como as aplicadas nos processos n.os 43/11.9MAPTM e 321/12.0GBSLV (presentes autos).
Importa, então, determinar se foi correcta a decisão do Tribunal Colectivo quanto ao concurso das penas aplicadas nos mencionados processos.
- No processo n.º 1936/11.9PAPTM foram aplicadas as penas parcelares de 5 anos e 10 meses de prisão e de 7 meses de prisão, por decisão transitada em julgado em 22-10-2012. Os factos integradores dos crimes que mereceram tais penas foram praticados em 4 e 5 de Novembro de 2011.
- No processo n.º 43/11.9MAPTM foram aplicadas duas penas parcelares de 3 anos de prisão por decisão transitada em julgado em 15 de Janeiro de 2014. Os factos foram praticados em 22 de Agosto de 2011.
- Finalmente, no processo n.º 321/12.0GBSLV foi aplicada a pena de 7 anos de prisão por decisão transitada em julgado em 27 de Setembro de 2016 e por factos praticados em 1 de Maio de 2012.
Perante o disposto no artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal, estas penas encontram-se em relação de concurso entre si já que se observa que o arguido praticou antes do trânsito em julgado da condenação proferida no processo n.º 1936/11.9PAPTM os crimes que determinaram a sua aplicação, sem prejuízo do que, de seguida, se dirá quanto à inclusão da pena de 7 meses de prisão pela prática do crime de falsidade de depoimento aplicada no processo n.º 1936/11.9PAPTM.
Observa-se ainda que no processo n.º 43/11.9MAPTM foi realizado o cúmulo jurídico de duas penas de prisão, de 3 anos cada uma, tendo sido fixada a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão.
Também no processo n.º 1936/11.9PAPTM foi fixada uma pena única de 6 anos de prisão, englobando a pena de 5 anos e 10 meses de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes, em reincidência, e a pena de 7 meses de prisão pela pática do crime de falsidade de depoimento.
Verifica-se, consequentemente, a necessidade de «desmembrar» o cúmulo jurídico realizado no mencionado processo n.º 43/11.9MAPTM, sendo que a pena de 7 meses de prisão englobada no cúmulo efectuado no processo n.º 1936/11.9PAPTM irá ser desconsiderada nos termos adiante referidos.
Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça vem sistematicamente decidindo que, no caso de as anteriores condenações, transitadas em julgado, conformarem um concurso de crimes e terem, por isso, sido objecto de realização de um cúmulo jurídico de penas, o tribunal deve «desfazer» esse anterior cúmulo e realizar um novo cúmulo jurídico de penas em que atenderá às penas englobadas em anterior concurso e às penas dos crimes novos que passam a integrar o novo concurso. Como salienta JORGE DE FIGEIREDO DIAS, «Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida a crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso»[3]. Convocando, a este propósito, o que se expende no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2-05-2012 (Proc. n.º 218/03.4JASTB.S1 – 3.ª Secção), «é linear o entendimento, uniforme na doutrina e na jurisprudência, de que o pressuposto básico da efectivação do cúmulo superveniente é a anulação do cúmulo anteriormente realizado. No novo cúmulo entram todas as penas, as do primeiro cúmulo e as novas, singularmente consideradas», pelo que «não se forma caso julgado sobre a primeira pena conjunta, readquirindo plena autonomia as respectivas penas parcelares. Na reelaboração do cúmulo não se atende à medida da pena única anterior, não se procede à “acumulação”, ainda que jurídica, das penas novas com o cúmulo anterior. O novo cúmulo não é o cúmulo entre a pena conjunta anterior e as novas penas parcelares; a nova pena única resulta do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, individualmente consideradas. As penas conjuntas aplicadas em anteriores cúmulos jurídicos de penas perdem, pois, a sua subsistência, devendo desaparecer, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas. Na verdade, na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas. «É que – considera-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 16-10-2013 (Proc. n.º 19/09.6JBLSB.L1.S1 – 3.ª Secção) – no sistema da pena conjunta, consagrado na nossa lei, e contrariamente ao que sucede com o sistema da pena unitária, as penas parcelares não perdem a sua autonomia, não se “dissolvem” no cúmulo. Assim, em caso de conhecimento superveniente de concurso, sendo a pena anterior uma pena conjunta, há que anulá-la, “desmembrá-la” nas respectivas penas parcelares, e são estas, individualmente consideradas, que vão “entrar” no novo cúmulo». O trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no artigo 77.º do Código Penal. Havendo lugar à elaboração de um cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (artigo 78.º do Código Penal), é (são) desfeito(s) o(s) cúmulo(s) anterior(es) que haja(m) sido realizado(s), e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo todas elas ser ponderadas na determinação da pena única conjunta, a qual, como já se referiu, se move numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave e pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem que possa ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos, conforme artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, preceito que, importa sublinhar, fala de «penas concretamente aplicadas aos vários crimes» e nunca em penas únicas conjuntas [vide, de entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-04-2008 (Proc. n.º 08P814), de 23-06-2010 (Proc. n.º 666/06.8TABGC-K.S1 – 3.ª Secção), e de 22-04-2015 (Proc. n.º 558/12.1PCLRS.L2.S1 – 3.ª Secção)[4]. Como já foi dito, o acórdão recorrido englobou no cúmulo jurídico efectuado a pena de 7 meses de prisão aplicada no processo n.º 1936/11.9PAPTM pela prática, em 5 de Novembro de 2011, do crime de falsidade de depoimento então p. e p. no artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal. O recorrente insurge-se contra a inclusão dessa pena no cúmulo efectuado, alegando que: «(…) o tribunal a quo deveria ter considerado extinta a pena de prisão aplicada no processo 1936/11.9PAPTM relativa à prática de um crime de falsidade de depoimento. O artigo 359.º, n.º 2, do Código Penal sofreu uma alteração introduzida pela Lei n.º 19/2013, de 21/02, – do mesmo modo, foi igualmente alterado o artigo 61.º, n.º 3, al. b), deixando o arguido de ser obrigado a responder com verdade às perguntas feitas sobre os seus antecedentes criminais – sendo que a partir do momento da sua entrada em vigor, o arguido apenas pode ser condenado pela prática do crime de falsidade de depoimento se não falar com verdade relativamente às declarações sobre a sua identidade. No respeito pelo n.º 4, do artigo 29.º, da Constituição da República Portuguesa, aplicam-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido, como é o caso. Assim, o tribunal a quo, ao não ter em atenção este princípio e a sua aplicabilidade neste caso concreto, violou o artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa, bem como violou o disposto no artigo 2.º, n.º 4, do Código Penal». Também o Ministério Público, na resposta ao recurso, considera que «[a]ssiste razão ao arguido quando diz que deveria ter sido declarada extinta a pena que lhe foi aplicada no Processo nº 1936/11.9PAPTM, relativa à prática de um crime de falsidade de depoimento, em virtude da alteração legislativa ao artigo 359°, nº2, do Código Penal, que introduziu uma nova redacção e que é mais favorável ao arguido", Lei nº 29/2013, de 21/2 e artigo 2°, nº4, do Código Penal». Expressa ainda o entendimento de que «tal decisão [deve] ter lugar no processo 1936/11.9PAPTM e não nos presentes autos». Igualmente a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no douto parecer que emitiu se exprime no sentido de que: «Tem o arguido e o MºPº razão quanto à actual inexistência de crime por falsas declarações prestadas pelo arguido em resposta à pergunta sobre os seus antecedentes criminais feita pelo Juiz de Instrução Criminal no seu primeiro interrogatório judicial. A pergunta ao arguido pelos seus antecedentes criminais feita, quer na audiência de julgamento, quer na pendência do inquérito, pelo MºPº ou OPC, quer pelo Juiz de Instrução Criminal no primeiro interrogatório judicial, não pode, nem deve ser colocada ao arguido, pelo que este não comete qualquer crime se não responder ou não responder com verdade. Com a alteração legislativa, introduzida pela Lei 19/2013, ao art. 359.º, do C.P., eliminou-se a criminalização do falso depoimento prestado pelo arguido sobre os seus antecedentes criminais. Em conjugação, a alteração legislativa introduzida pela Lei 20/2013, de 21/2, fez cessar a obrigação do arguido responder sobre os bens antecedentes criminais, eliminando-se a pergunta do articulado dos arts. 141.º, n.º 3 e 342.º, n.º 1, ambos do C.P.P. (cfr. ainda, art. 143.º, n.º 2, do mesmo C.P.P.).» Concorda-se com o entendimento que vem de se expressar. Efectivamente, com a alteração do artigo 359.º do Código Penal, conferida pela Lei 19/2013, foi eliminada a criminalização do falso depoimento prestado pelo arguido sobre os seus antecedentes criminais. De acordo com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal: Como anotam M. MIGUEZ GARCIA e J. M. CASTELA RIO, «Se o comportamento deixou de relevar como crime, não faz sentido manter os efeitos de uma concepção anterior, entretanto ultrapassada»[5]. Ora, como sublinha a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, «o acórdão recorrido não tomou posição sobre a questão, que devia conhecer, inteirando-se, previamente, da eventual decisão proferido no proc. 1936/11.0GBLSB, pelo que padece de nulidade, por omissão de pronúncia, atento o disposto nos arts. 410.º, n.º 3 e 379.º, n.º 2, al. d), ambos do CPP», sendo que «a extinção da pena de 7 meses de prisão, que lhe [ao arguido] foi aplicada, por facto agora não punível criminalmente, atento o disposto nas Leis 19/2013 e 20/2013, de 20/2, vai repercutir-se na pena única de prisão de 14 anos e 6 meses de prisão aplicada pelo Acórdão ora sub judice». Acompanhando o acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379): «A omissão de pronúncia significa, na essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa (a “pronúncia”) sobre questões que lhe sejam submetidas. As questões que o juiz deve apreciar são todas aquelas que os sujeitos processuais interessados submetam à apreciação do tribunal (artigo 660, nº 2 do CPC), e as que sejam de conhecimento oficioso, isto é, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual. As questões que são submetidas ao tribunal constituem o thema decidendum, como complexo de problemas concretos sobre que é chamado a pronunciar-se. Os problemas concretos que integram o thema decidendum sobre os quais o tribunal deve pronunciar-se e decidir, devem constituir questões específicas que o tribunal deve, como tal, abordar e resolver, e não razões, no sentido de argumentos, opiniões e doutrinas expostas pelos interessados na apresentação das respectivas posições (cfr., v. g., os acórdãos do Supremo Tribunal, de 30/11/05, proc. 2237/05; de 21/12/05, proc. 4642/02 e de 27/04/06, proc. 1287/06). A “pronúncia” cuja “omissão” determina a consequência prevista no artigo 379º, nº 1, alínea c) CPP – a nulidade da sentença – deve, pois, incidir sobre problemas e não sobre motivos ou argumentos; é referida ao concreto objecto que é submetido á cognição do tribunal e não aos motivos ou as razões alegadas». Também OLIVEIRA MENDES considera que «[a] nulidade resultante de omissão de pronúncia verifica-se quando o tribunal deixe de se pronunciar sobre questão ou questões que a lei impõe que o tribunal conheça, ou seja, questões de conhecimento oficioso e questões cuja apreciação é solicitada pelos sujeitos processuais e sobre as quais o tribunal não está impedido de se pronunciar»[6]. No caso em apreço, verificamos que no acórdão recorrido foi incluída uma pena de prisão que não deveria sê-lo já que respeitante ao crime de falsidade de depoimento que deixou de constituir crime pela Lei n.º 19/2013. Ou seja, a falsidade cometida pelo arguido quanto aos seus antecedentes criminais foi descriminalizada. Ora, a inclusão no cúmulo jurídico realizado de uma pena aplicada a um crime que, entretanto, foi objecto de descriminalização, traduz, como acentua TIAGO CAIADO MILHEIRO, situação «similar às situações em que na pena única tenha sido incluída indevidamente uma pena parcelar (v.g. não estava em concurso), havendo necessidade de uma reformulação»[7]. Nesta perspectiva, que se aceita, a inclusão dessa pena por facto descriminalizado não consubstancia uma omissão de pronúncia, mas, verdadeiramente, um erro de julgamento que pode (e deve) ser corrigido no âmbito deste recurso. Não se ignora a existência de situações em que há necessidade de aferir se as condutas que determinaram condenação em pena englobada no cúmulo jurídico superveniente se encontram descriminalizadas. O autor que vem de se citar alude a tais situações a propósito dos crimes tributários no âmbito dos quais «[d]evem ser enumerados todos os factos relevantes para a apreciação da questão da descriminalização (-) sob pena de nulidade por insuficiência da matéria de facto (-)», sendo que, refere o mesmo autor, «se o tribunal da última condenação não apreciar essa questão na decisão cumulatória esta fica inquinada de nulidade por omissão de pronúncia»[8]. Cita o autor, a propósito, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 12-01-2011 (282/01.0TAMCN.P1 – 1.ª Secção), onde se lê: «impunha-se que o tribunal recorrido ao efectuar o conhecimento superveniente do concurso de crimes, tivesse tido em atenção se a conduta integradora desses ilícitos criminais ainda se mantinha ou não criminalizada. É que não tem mesmo qualquer sentido e fundamentação, seja constitucional, seja legal, efectuar a ponderação num cúmulo jurídico de uma condenação … que diz respeito a uma conduta que … já foi descriminalizada, com o argumento apenas “formalista” que isso diz respeito ao processo primitivo, porque isso, ao fim e ao cabo, é condenar um indivíduo sem que ele tenha cometido qualquer crime, de acordo com as actuais opções político-criminais. Nesta conformidade, as questões suscitadas em recurso pelo arguido são deveras pertinentes, porquanto a tipificação dos crimes de fraude fiscal do art. 103.º e de abuso de confiança fiscal do art. 105.º, ambos do RGIT, sofreram alterações legislativas relevantes, de tal modo que algumas condutas foram descriminalizadas. E isto porque passou a estabelecer-se para o crime de fraude fiscal o patamar de uma vantagem patrimonial ilegítima igual ou superior a € 15.000 [103.º, n.º 2, na redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30/Dez.], quando antes era de € 7.500, e para o segundo uma apropriação de valor superior a € 7.500 [105.º, n.º 1, na redacção dada pela Lei n.º 64-A/2008, 31/Dez.]. Os valores a considerar para o efeito são “os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária” [103.º, n.º 3; 105.º, n.º 7, ambos do RGIT] e não ao valor global das condutas respeitantes a cada processo. A sentença recorrida ao não pronunciar-se sobre estas questões, cujo conhecimento até é oficioso, incorreu em nulidade [374.º, n.º 2; 397.º, n.º 1, al. a) e c) e n.º 2, ambos do C. P. Penal] …». A descriminalização da falsidade de depoimento quanto aos antecedentes criminais do arguido opera ope legis não se encontrando dependente da reabertura da audiência de julgamento no processo em que foi aplicada a correspondente pena. Nos termos do artigo 371.º-A do CPP, «Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime». Conforme jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão n.º 15/2009, «A aplicação do n.º 5 do artigo 50º do Código Penal, na redacção da Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, a condenado em pena de suspensão da execução da prisão, por sentença transitada em julgado antes da entrada em vigor daquele diploma legal, opera-se através de reabertura da audiência, a requerimento do condenado, nos termos do artigo 371º-A, do Código de Processo Penal»[9]. Mas, como se considera no acórdão da Relação do Porto, supra citado, «a reabertura da audiência está exclusivamente vocacionada para os casos previstos no art. 2.º, n.º 4, como sejam os casos de modificação da moldura penal, dos pressupostos da suspensão da execução da pena, o período desta ou o regime de concessão da liberdade condicional. Mas já não para as situações da previsão do art. 2.º, n.º 2 do Código Penal, que dizem respeito aos casos de descriminalização das condutas, cuja aplicação é “ope legis”, sem a necessidade de mediação de qualquer juízo de culpa ou de prevenção, seja especial ou geral». Entendemos também que não tem fundamento a reabertura da audiência, para se aplicar a lei descriminalizadora da falsidade de depoimento. Impunha-se que o tribunal recorrido, ao efectuar o cúmulo jurídico superveniente, tivesse em atenção que a conduta do arguido, ora recorrente, integradora do crime de falsidade de depoimento e pela qual foi condenado em 7 meses de prisão no processo n.º 1936/11.0GBLSB, por decisão transitada em julgado, deixou de constituir crime, cessando a execução e os seus efeitos penais em conformidade com o disposto no artigo 2.º, n.º 2, do Código Penal. Em face do exposto, decide-se pela exclusão do cúmulo jurídico das penas em concurso da pena de 7 meses de prisão aplicada ao arguido no processo n.º 1936/11.0GBLSB pela prática do crime de falsidade de depoimento, atenta a sua descriminalização. Consequentemente, o cúmulo jurídico realizado no acórdão recorrido é reformulado, passando a englobar as seguintes penas:
4. A medida da pena única
A pena única do concurso de crimes, assente no sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes (princípio da acumulação), deve ser fixada dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente. Na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global, devendo ter-se em conta a possível conexão existente entre os factos em concurso. Na consideração da personalidade do agente, tal como se manifesta na globalidade dos factos, devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente.
A determinação da pena do concurso exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados, acentua-se, todos os factos, e a personalidade do seu autor.
Impõe-se, portanto, que se proceda a uma nova reflexão sobre os factos, em conjunto com a personalidade do condenado, em ordem a adequar a medida da pena à personalidade que se revelou em toda a factualidade.
Neste domínio, o Supremo Tribunal tem entendido pacificamente, em abundante jurisprudência, conforme se afirma no acórdão de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3ª Secção, retomando o acórdão de 12-09-2012, proferido no processo n.º 605/09.4PBMTA.L1.S1 – 3.ª Secção que, «com a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[10].
À luz do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal, para escolha da medida da pena única, importará, pois, ter em conta «em conjunto, os factos e a personalidade do agente».
O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[11].
A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Convocando considerações já tecidas no acórdão de 09-03-2016 (Proc. n.º 26/14.7GAAMR.S1 – 3.ª Secção)[12], a pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente.
Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso».
Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente».
Sendo que, tem considerado este Supremo Tribunal, na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso - acórdão de 10-12-2014, proferido no processo n.º 659/12.6JDLSB.L1.S1- 3.ª Secção[13], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que «[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber (…) se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido», sem esquecer, que, sublinha-se no acórdão de 27-06-2012, proferido no processo n.º 70/07.0JBLSB-D.S1 – 3.ª Secção, «[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)».
É neste enquadramento teórico que se deverá determinar a medida da pena conjunta.
Perante as penas em concurso a englobar no cúmulo jurídico, supra referidas, verificamos que a moldura do cúmulo parte do limite inferior de 7 anos de prisão (pena parcelar mais elevada), tendo como limite máximo 18 anos e 10 meses de prisão, correspondente à soma de todas as penas parcelares consideradas.
O acórdão recorrido fundamenta assim a medida da pena única aplicada:
«No caso dos presentes autos, considerados os critérios legais da determinação da moldura penal abstracta do concurso referidos supra e as penas parcelares aplicadas nos crimes em concurso - enunciadas em II.1 dos factos supra - a moldura abstracta da pena única aplicável é de 7 anos de prisão (a pena de prisão mais elevada) a 19 anos e 5 meses de prisão (a soma das penas parcelares de prisão aplicadas)[14]. É dentro desta moldura penal que se determinará a pena concreta, em função das necessidades de prevenção geral e da culpa do agente, tomando como referentes os factos e a personalidade do arguido. Assim, Quanto aos factos, considerada a natureza dos crimes em concurso neste cúmulo - dois de roubo, na forma tentada, e dois de tráfico de estupefacientes, um dos quais agravado por reincidência e outro agravado por ter sido praticado em estabelecimento prisional, e outro de falsidade de depoimento, tendo todos sido praticados entre Agosto de 2011 e Maio de 2012 – e o grau de culpa que evola das penas em concurso, patente nas respectivas medidas, e quanto à personalidade do arguido, considerando o padrão persistente de crimes de tráfico de estupefacientes, patente no processo 272/05.4JAPTM, em que o arguido foi condenado em 2007, por factos de 2005, em 4 anos e 5 meses de prisão efectiva que cumpriu, no processo 1936/11.9PAPTM, em que o arguido foi condenado, como reincidente, em Abril de 2012 por facto de Novembro de 2011, neste processo, em que o arguido voltou a praticar outro crime de tráfico, em maio de 2012, desta vez no Estabelecimento Prisional, mas considerando também, o percurso favorável que vem desenvolvendo no EP desde a última infracção disciplinar registada em 2014, e com a conclusão do 12º ano, conjugados os factos determinantes das condenações das penas em concurso, com aqueles apurados respeitantes à sua personalidade e percurso de vida, tudo evidencia uma imagem global da conduta delituosa do arguido/condenado, que, por ora, mais do que para uma tendência desvaliosa da sua personalidade, ainda aponta para uma pluriocasionalidade de circunstâncias, que deve ser ponderada “tendo na devida consideração as exigências de prevenção geral e, especialmente na pena do concurso, os efeitos previsíveis da pena única sobre o comportamento futuro do agente ”, pelo que, ponderados os referidos critérios e a moldura encontrada, se entende adequado aplicar ao arguido/condenado a pena única de 14 (catorze) anos e 6 (seis) meses de prisão, pena que se considera ser a adequada e proporcional à gravidade global dos comportamentos delituosos apurados e ao peso relativo das penas parcelares, e às necessidades de ressocialização do arguido/condenado, limitadas pela culpa.»
As penas a englobar neste cúmulo jurídico foram aplicadas ao arguido:
a) pela prática, em 15 de Maio de 2012, de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado (7 anos de prisão). Nessa data, no interior do Estabelecimento Prisional de Silves, o arguido detinha na sua posse 2 pedaços de haxixe (canábis resina) com o peso líquido de 5,856gramas, de que se apoderara nas instalações sanitárias destinadas às visitas dos reclusos, com o propósito de o levar para o interior da ala prisional.
b) Pela prática, em 22 de Agosto de 2011, de dois crimes de roubo tentado, tendo sido fixadas duas penas de 3 anos de prisão. Actuando com mais três indivíduos, a intervenção do arguido não é pormenorizada no roubo em que foi ofendido André Godinho. No entanto, já assumiu alguma gravidade a actuação do arguido relativamente às ofensas de que foi vítima André Santos. Efectivamente, o arguido desferiu-lhe diversos golpes com o auxílio de uma pedra.
c) Pela prática, em 4 de Novembro de 2011, de um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente (5 anos e 10 meses de prisão). O arguido detinha no bolso do casaco que trajava 14 tiras e um pedaço de canábis (resina) com o peso líquido de 42,720 gr,. e 3 embalagens de plástico contendo cocaína, com o peso liquido de 0, 115gr. No interior da sua residência, o arguido tinha nos bolsos de casacos pendurados no roupeiro do seu quarto, 3 sabonetes e 2 metades de sabonete de canábis (resina) com o peso líquido de 920,720 gr., 2 placas de pólen de haxixe (canábis resina) com o peso líquido de 147,970 gr., na gaveta da mesa de cabeceira do seu quarto, pequenos fragmentos de canábis (resina) com o peso líquido de 0,114gr., e 45 saquetas plásticas próprias para acondicionar pequenas quantidades de estupefaciente, estupefaciente que o arguido destinava na maior parte à venda a terceiros, com o que obtinha proventos financeiros.
Não se observa uma relação de conexão entre os crimes em concurso, a não ser a repetição ocasional da actividade de tráfico de estupefacientes. Numa das situações, evidencia-se um a quantidade diminuta de haxixe (dois pedaços com 2,856 gr), resultando a agravação da ilicitude da circunstância de o crime ter sido executado em estabelecimento prisional. Na outra situação de tráfico as quantidades já assumem algum relevo relativamente ao produto canábis. A quantidade de cocaína detida era bem diminuta (3 embalagens com o peso de 0,115). Já os crimes de roubo, ainda que na forma de tentativa, em que o arguido comparticipou revelam, principalmente um deles, acentuada gravidade. A actuação do arguido neste episódio surge-nos desgarrada, afastando-se do seu perfil criminal que os autos documentam. Nos seus antecedentes criminais não consta o registo da prática pelo arguido de crimes contra a integridade física, surgindo uma condenação pelo crime de injúria agravada, cometido em 23 de Julho de 2005, e um crime de tráfico de estupefacientes, praticado em 25 de Outubro de 2005.
Como bem se pondera no acórdão recorrido, «conjugados os factos determinantes das condenações das penas em concurso, com aqueles apurados respeitantes à sua personalidade e percurso de vida, tudo evidencia uma imagem global da conduta delituosa do arguido/condenado, que, por ora, mais do que para uma tendência desvaliosa da sua personalidade, ainda aponta para uma pluriocasionalidade de circunstâncias».
Também nós entendemos que a actividade delituosa do arguido aqui presente não indicia uma tendência desvaliosa da sua personalidade.
É elevada a ilicitude global manifestada nos crimes em concurso, fazendo-se sentir prementes necessidades de prevenção geral. O tráfico e a disseminação de estupefacientes causam alarme nas comunidades. O crime de roubo, pela sua vertente pluriofensiva, é particularmente temido pelas pelas pessoas.
Neste contexto, não podemos deixar de considerar elevadas as exigências de prevenção geral que se prendem com as exigências comunitárias de contenção deste tipo de criminalidade. Tais exigências impõem-se pela forte ressonância negativa na sociedade das actividades em que se consubstanciam.
As penas singulares aplicadas ao quatro crimes em concurso são de média dimensão, o que permite convocar, como tem sucedido em contextos semelhantes, uma ideia de proporcionalidade, desde logo de proporcionalidade entre o peso relativo de cada parcelar no conjunto de todas elas.
Daí que, convocando a ideia de proporcionalidade e de compressão das penas em concurso, se justifique que a pena única fixada na decisão recorrida sofra uma correcção no sentido da sua diminuição.
Acresce, em termos favoráveis para o recorrente, as circunstâncias relacionadas com as suas condições familiares que lhe oferecem apoio, e, como elemento particularmente positivo, o facto de se encontrar laboralmente activo no estabelecimento prisional, onde se encontra desde 5 de Novembro de 2011, como faxina de ala, e ainda o investimento feito na sua formação escolar, concluindo com sucesso o 12.º ano de escolaridade. Concluiu também com sucesso formação musical e educação física. Consta ainda que o arguido não voltou, após a detenção, a consumir drogas, tendo abandonado a sua dependência, que reconhece, «sem recurso a tratamento ou acompanhamento nesse sentido, verbalizando motivação para abandonar definitivamente o consumo».
Tudo visto, julga-se adequada e proporcionada e, por isso, justa, a pena de 10 (dez) anos de prisão a aplicar ao arguido-recorrente, em cúmulo jurídico das penas singulares fixadas no processo n.º 321/12.0GBSLV, no processo n.º 43/11.9MAPTM e da pena de 5 anos e 10 meses fixada no processo n.º 1936/11.0GBLSB.
III – DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes da 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em:
Conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, fixando-se a pena única de 10 (dez) anos de prisão em cúmulo jurídico das seguintes penas singulares:
a) A pena de 7 anos de prisão, aplicada no processo n.º 321/12.0GBSLV pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado; b) As penas de 3 anos de prisão e de 3 anos de prisão, aplicadas no processo n.º 43/11.9MAPTM, pela prática de dois crimes de roubo, na forma tentada; e c) A pena de 5 anos e 10 meses fixada no processo n.º 1936/11.0GBLSB, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, excluindo-se deste cúmulo a pena de 7 meses de prisão aí aplicada pela prática do crime de falsidade de depoimento, entretanto descriminalizado.
Sem custas – artigo 513.º, n.º 1, do CPP.
SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 13 de Dezembro de 2017 (Processado e revisto pelo relator – artigo 94.º, n.º 2, do CPP)
Manuel Augusto de Matos (relator) Lopes da Mota
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