Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
514/05.6TTCBR.C1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: SOUSA PEIXOTO
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
FORMA ESCRITA
Data do Acordão: 03/17/2010
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: CJASTJ, ANO XVIII, TOMO I/2010, P. 256
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Sumário : 1. O contrato de trabalho temporário está sujeito a forma escrita e esta constitui uma formalidade ad substantiam.
2. A sanção para a inobservância daquela formalidade não é a nulidade do contrato, mas a sua conversão em contrato de trabalho sem termo com a empresa de trabalho temporário.
3. O trabalhador que seja cedido a um utilizador sem estar vinculado à empresa de trabalho temporário por contrato celebrado nos termos do n.º 2 do art.º 17.º do D.L. n.º 358/89, de 17/10, ou por contrato de trabalho temporário considera-se vinculado à empresa de trabalho temporário mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1. Relatório
AA propôs, no Tribunal do Trabalho de Coimbra, a presente acção contra as rés BB, Serviços Administrativos e de Gestão Partilhados, S. A., CC – Telemarketing e Serviços de Informações, S. A. e DD – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, L.da, pedindo que a 1.ª ou a 2.ª ré fossem condenadas a:
“1) - Reconhecer que o A. foi contratado, verbalmente e por tempo indeterminado[,] para a categoria de Técnico Administrativo de Apoio à Gestão, ao serviço de uma delas.
2) - Reconhecer que[,] ao ser vedado ao A., o acesso ao seu local de trabalho, por ordem emanada pelo Senhor EE, a partir de 21/03/2005, esta ordem demonstra uma vontade séria e inequívoca de despedir o A..
3) - Consequentemente deve o autor ser reintegrado ao serviço de uma destas rés, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, ou[,] caso opte, ao pagamento da indemnização por antiguidade, segundo o critério do art.º 439 do C.T.
4) - Ao pagamento das retribuições que o A. deixou de auferir desde trinta dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, a qual deverá ser computada em 597,50 euros, acrescida de um subsídio de refeição diária de 10,64 euros.
5) - Ao pagamento de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.”

E, subsidiariamente, o autor pediu:
“1) - Caso seja julgado improcedente o pedido formulado contras as duas primeiras R.R., no que não se concede, deverá ser a terceira R. condenada a:
a) - Reconhecer-se que a relação laboral entre A. e R. deve ser qualificada como contrato de trabalho sem termo.
b) - Reconhecer que despediu ilicitamente o A., através da comunicação que lhe enviou e junta sob o doc. n.º 10, e por ausência de procedimento disciplinar:
c) - Consequentemente, reintegrar o A. ao seu serviço sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, ou[,] caso opte, ao pagamento da indemnização por antiguidade, segundo o critério do art.º 439 do C.T.
d) - A pagar ao A. as retribuições que deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até ao trânsito em julgado da sentença, as quais deverão ser computadas em 597,50 euros, acrescida do subsídio de alimentação de 10,64 euros diários.
e) - A pagar ao A. a título de diferenças salariais a quantia de 880,00 euros:
f) Pagamento de juros de mora à taxa legal desde a data da citação até integral e efectivo pagamento.”

Em resumo, o autor alegou o seguinte:
- as duas primeiras rés são empresas do Grupo FF;
- a primeira tem por objecto a prestação de serviços nas áreas de suporte ao negócio a todas as empresas do Grupo localizadas em território nacional;
- a segunda tem por objecto a gestão, implementação e optimização de “Contact Centers”, serviços de atendimento e telemarkting, fornecendo suporte técnico avançado, recursos humanos com elevado grau de especialização e competência, formação e infra-estruturas;
- a terceira ré dedica-se à actividade de cedência temporária, a terceiros, de trabalhadores que admite e remunera;
- na semana de 15 a 21 de Novembro de 2004, em dia que não sabe precisar, mas que está convencido terá sido no dia 16 ou 17, foi contactado telefonicamente pelo Sr. GG, assessor da CC, para saber da sua disponibilidade para prestar trabalho no Edifício da FF Comunicações, S. A., sito na Rua …, em Coimbra;
- nessa mesma semana, também foi contactado telefonicamente pelo Sr. EE, Director da CC, que lhe enunciou o conteúdo funcional que iria desempenhar ao serviço desta empresa, o montante da retribuição e a duração do contrato;
- na parte da manhã do dia 19 de Novembro de 2004, o autor foi recebido e entrevistado pelo Sr. HH, chefe de departamento onde o autor trabalhou, tendo iniciado as suas funções nesse mesmo dia, na parte da tarde, no 3.º piso, no departamento GFA1-Gestão de Facturação de Clientes, onde, além do autor, prestavam trabalho 41 trabalhadores pertencentes aos quadros da FF Comunicações, S. A., cedidas por um prazo de 6 anos à BB, desempenhando o mesmo trabalho que estes e cuja categoria profissional é denominada de técnico administrativo de apoio à gestão (TAG) e está prevista no Acordo de Empresa publicado no BTE, n.º 11, 1.ª Série, de 22.3.2001;
- o autor prestava funções de segunda a sexta-feira, das 9.00 às 13.00 horas e das 14.00 às 18.00 horas, fazendo marcação na folha de ponto, com o logótipo da CC, no período da manhã e da tarde, perfazendo semanalmente um horário de 40 horas, enquanto que os demais trabalhadores daquele departamento perfaziam apenas 36 horas;
- o autor recebia ordens e instruções diárias dos Srs. HH, chefe de centro, e do Sr. II, supervisor, trabalhadores da FF Comunicações, S.A., cedidos à BB;
- durante o telefonema acima referido, o Sr. GG, trabalhador da CC, propôs ao autor e este aceitou o pagamento de um salário de € 365,60, acrescido de um subsídio de alimentação de € 5.56 e de um prémio mensal de € 178,50;
- no dia 30.12.2004, foi realizado o primeiro pagamento de salário, através de transferência bancária, no montante de € 679.04, tendo o respectivo recibo sido enviado para o autor, por carta, em 31.12.2004, emitido pela terceira ré (a DD – Empresa de Trabalho Temporário, Unipessoal, L.da);
- no dia 28.1.2005, o autor foi chamado ao gabinete do Sr. HH e do Sr. II, os quais entregaram ao autor os documentos que se juntam com o n.º 8;
- no dia 2.2.2005, o Sr. II entregou ao autor os documentos que ora se juntam com o n.º 9;
- o autor nunca assinou os contratos juntos sob os documentos n.os 8 e 9;
- por transferência bancária, em 27.1.2005 a 3.ª ré pagou ao autor € 195,93 e € 526,97 e, em 25.2.2005, pagou-lhe € 498,86;
- com data de 2.3.2005, a 3.ª ré enviou ao autor, por carta registada com aviso de recepção, que o autor recebeu no dia 4 seguinte, a comunicação que se junta sob o doc. n.º 10;
- no dia 21.3.2005, o autor deslocou-se às instalações onde até então tinha trabalhado, mas foi impedido de entrar pelo segurança de serviço;
- apesar de ter sido contactado por elementos vinculados à 2.ª ré, resulta cronologicamente do exposto que o autor sempre trabalhou para a 1.ª ré, na unidade operativa desta, sita em Coimbra, sob as ordens e instruções dos superiores hierárquicos a esta vinculados, sob o horário de trabalho fixado por ela ou por seus mandantes, verificando-se, assim, todos os elementos constitutivos do contrato de trabalho entre a 1.ª ré e o autor;
- o facto do autor ter sido impedido de entrar nas instalações da 1.ª ré pelo segurança de serviço, de acordo com as ordens emanadas pelo Sr. Director EE, consubstancia um despedimento ilícito;
- porém e sem conceder, caso se entenda que não havia nenhuma relação laboral entre o autor e a 1.ª ré, então deverá considerar-se, no quadro da geometria variável implementada pela empresa dominante, a FF Comunicações, S. A., através das suas dominadas 1.ª e 2.ª rés, que o autor tinha um vínculo laboral sem termo com a 2.ª ré, a CC, uma vez que foi contactado por quadros superiores desta ré, para exercer funções ao serviço do utilizador (a 1.ª ré), nas suas instalações em Coimbra;
- com efeito e como já foi alegado, foi com esses mandantes, ou, no mínimo, meros núncios, que a retribuição foi acordada, tendo-lhe sido fixado horário de trabalho e recebendo ordens dos superiores hierárquicos, quer da 1.ª quer da 2.ª ré, sendo que o facto da 2.ª ré prestar serviços à 1.ª ré, num quadro de gestão empresarial de outsourcing, não exclui a possibilidade de ela contratar de trabalhadores, a termo ou sem termo, podendo recorrer, como é óbvio, a mão de obra arregimentada a empresas de trabalho temporário;
- no caso em apreço, porém, o autor não foi contratado nem cedido pela 3.ª ré, pois, como já se deixou dito, foi contratado pelos mandantes de 2.ª ré;
- por outro lado, a relação laboral existente entre o autor e a 2.ª ré não pode ser descaracterizada com os argumentos dos expedientes utilizados (o envio do recibo do salário pela 3.ª ré e a entrega dos contratos de trabalho temporário feita pessoalmente por superiores da 2.ª ré), uma vez que nessa datas, há muito que se tinha constituído um verdadeiro contrato de trabalho com a 2.ª ré;
- para além disso, em quaisquer das situações (isto é, quer se considere o autor vinculado à 1.ª ou à 2.ª ré), verifica-se a consequência prevista no n.º 4 do art.º 11.º do D.L. n.º 358/89, de 17/10, na redacção que lhe foi dada pelo D.L. n.º 146/99, de 1/9, nos termos do qual na falta de documento escrito ou no caso da menção exigida pela alínea b) do n.º 1, considera-se que o trabalho é prestado ao utilizador com base no contrato de trabalho sem termo celebrado entre este e o empregador;
- e também não se pode invocar que existiu cedência do autor por parte da 3.ª ré, dado que à data em que começou a prestar serviço às duas primeiras rés, a 3.ª ré não tinha celebrado com o autor qualquer contrato de trabalho temporário nem o tinha admitido por contrato de trabalho sem termo;
- também neste enquadramento não pode invocar-se a tese de alguns autores no que respeita à consequência prevista no n.º 5 do art.º 18.º do D.L. n.º 358/89, na redacção dada pelo D.L. n.º 146/99m qual seja a consequência de o trabalhador se considerar vinculado à empresa de trabalho temporário mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado;
- assim, deverá o autor ser considerado trabalhador da 2.ª ré, vinculado por contrato de trabalho sem termo;
- atento o conteúdo do documento junto com o n.º 11, que incorpora a ordem de interditar o acesso do autor ao seu local de trabalho, deve entender-se que o autor foi despedido;
- subsidiariamente, no caso de entender que o autor não esteve vinculado por contrato de trabalho sem termo nem à 1.ª nem à 2.ª ré, então a relação laboral existente com a 3.ª ré o autor deve ser caracterizada como contrato de trabalho por tempo indeterminado;
-porquanto, o autor não celebrou, por escrito, com a 3.ª ré contrato de utilização de trabalho temporário, conforme decorre do disposto no art.º 11.º do D.L. n.º 358/89, na redacção dada pelo D.L. n.º 146/99, acarretando a inobservância da forma escrita a conversão do contrato em contrato de trabalho por tempo indeterminado, como resulta do disposto no art.º 19.º, n.º 2, do diploma citado;
- a declaração enviada pela 3.ª ré ao autor, junta sob o doc. n.º 10, configura um despedimento ilícito por ausência de processo disciplinar.

A 1.ª ré (BB) contestou, alegando que entre ela e o autor nunca existiu qualquer relação de trabalho, não se vislumbrando, aliás, na petição inicial, um único facto que permitisse concluir nesse sentido.

Por sua vez, a 2.ª ré (CC) contestou, alegando, em resumo, o seguinte:
- a CC dedica-se à prestação de serviços nas áreas das telecomunicações, serviços e sistemas de informação e integra o grupo económico da FF;
- na sequência de negociações mantidas entre si, a BB adjudicou à CC a responsabilidade pela execução de determinados serviços, pelo período de dois meses, com início em 1 de Novembro de 2004 e termo em 31 de Dezembro de 2004, renovando-se essa prestação de serviços por períodos de um mês até ao limite de 31 de Outubro de 2005;
- foi nesse contexto que, mediante escrito datado de 1 de Novembro de 2004, ao abrigo do regime jurídico do trabalho temporário, a CC, na qualidade de empresa utilizadora, celebrou com a 3.ª ré (DD), esta na qualidade de empresa de trabalho temporário, um contrato de utilização de trabalho temporário;
- por força deste contrato, a ré DD cedeu à CC um conjunto de trabalhadores temporários por si contratados, entre os quais o autor;
- desde final de Abril até ao início de Agosto de 2004, o autor prestou serviço à CC como trabalhador temporário a esta cedido por uma empresa de trabalho temporário do Grupo JJ (a KK, L.da);
-por isso, o autor era pessoa conhecida dos Srs. EE e GG, quadros da CC que são referidos na petição inicial;
- os serviços ajustados entre a CC e a BB eram similares aos que o autor já executara anteriormente, entre Abril e Agosto de 2004;
- Nesse enquadramento, os Srs. EE e GG, em data indeterminada de Novembro de 2004, contactaram telefonicamente o autor a dar-lhe conta da nova oportunidade de emprego e nesses contactos informaram-no de que a CC estava a prestar temporariamente à BB serviços similares aos que o autor já anteriormente executara;
- foi ainda então o autor informado de que o recrutamento do pessoal estava a ser feito pela DD, em regime de trabalho temporário e em condições idênticas às que o autor tinha tido como trabalhador temporário ao serviço da KK, L.da;
- e, nessa ocasião, também foi confirmada ao autor a prática salarial que então vigorava na empresa utilizadora (a CC);
- nesses contactos, o autor manifestou expressamente disponibilidade, interesse e plena adesão à perspectiva de trabalho que assim lhe foi dada a conhecer;
- em particular, na ocasião, o autor sabia e aceitou vir a ser admitido e contratado pela DD, enquanto trabalhador temporário desta, e cedido à CC;
- foi então dito ao autor que deveria contactar a DD com vista à formalização por escrito do respectivo contrato temporário e que, de qualquer modo, se daria notícia à DD da disponibilidade e interesse por ele manifestados;
- e, do mesmo passo, o Sr. EE informou a DD do interesse e disponibilidade do autor, sugerindo a respectiva contratação em regime de trabalho temporário e as sua cedência à CC no âmbito do contrato de utilização de trabalho temporário (CUTT) celebrado com a BB em 1.11.2004;
- em nenhuma circunstância foi referido ao autor sequer a hipótese de alguma vez vir a ser contratado pela CC;
- nem os Srs. EE e GG tinham quaisquer poderes ou delegações de competência que lhes permitissem contratar o autor como trabalhador subordinado efectivo da CC;
- a CC desconhece o percurso negocial da contratação do autor pela DD e não sabe, nem tem de saber, se o autor assinou ou não o contrato de trabalho temporário e sua renovação que constituem os documentos 8 e 9 juntos com a p. i., ou quaisquer outros contratos de trabalho que a ré DD lhe tenha eventualmente apresentado para o efeito;
- a ré CC sabe apenas que, em determinado momento, o autor questionou a categoria profissional de Técnico Operador Informático (TOI) que a sua entidade empregadora, a ré DD, lhe atribuíra ao abrigo do CUTT ajustado com a ré CC em 1 de Novembro de 2004;
- de facto, por e-mail dirigido ao Sr. EE, o autor solicitou textualmente que fosse “comunicado à empresa de trabalho temporário (DD) que a categoria profissional que eu, AA e os meus colegas: LL e MM, é a de Técnico Administrativo de Apoio à Gestão (T.A.G.)”;
- nessa sua mensagem, o autor evidencia e reconhece claramente que foi a ré DD e não a ré CC quem procedeu à sua contratação e quem o admitiu como trabalhador seu;
- o autor, enquanto trabalhador temporário contratado pela ré DD e por esta cedido à CC, iniciou funções na manhã do dia 19 de Novembro de 2004;
- enquanto trabalhador temporário cedido pela DD à CC, o autor ficou sujeito às ordenes e direcção da CC, uma vez que nos termos do art.º 20.º do D.L. n.º 358/89, o poder de direcção exercido sobre os trabalhadores cedidos por empresas de trabalho temporário é da exclusiva responsabilidade da empresa utilizadora;
- quem pagou ao autor as retribuições que lhe eram devidas e a compensação pela caducidade do contrato de trabalho temporário foi sempre e apenas a ré DD;
- a DD entregou ao autor, que a recebeu, a declaração de situação de desemprego (o chamado modelo 346);´
- o autor trabalhou sempre ao serviço da CC ao abrigo e durante a vigência de um contrato de utilização validamente celebrado, não sendo, por isso, de aplicar, ao contrario do que o autor invoca, a disciplina do art.º 11.º, n.º 4, do DL. n.º 358/89;
- acresce, por outro lado, como resulta da letra do art.º 18.º, n.º 5, do D.L. n.º 358/89, e ao contrário da opinião que o autor veicula, que a empresa utilizadora, na medida em que tenha cumprido as determinações legais que lhe são impostas, não pode ser penalizada por vícios que lhe não são imputáveis, nomeadamente ao nível do contrato de trabalho temporário de que não é parte contratante;
- trata-se, de resto, de uma posição doutrinalmente consolidada: “(…) o trabalhador que seja cedido a um utilizador sem estar vinculado à ETT por contrato de trabalho para cedência temporária ou por contrato temporário se considera vinculado à ETT por contrato de trabalho por tempo indeterminado (…) É esta, de facto, a solução mais justa e acertada: se a relação de trabalho temporário está viciada por razões imputáveis à ETT, que não podem ser fiscalizadas pelo utilizador, deverá ser aquela, como tal, a assumir a responsabilidade de tais anomalias” (cfr. Guilherme Dray “Trabalho Temporário”, in Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, vol. IV, Almedina, 2005, p. 129, e Célia Afonso Reis, citado no referido artigo doutrinário);
- no caso presente e num dos segmentos das pretensões que formula, o autor baseia a respectiva causa de pedir não em qualquer vício do contrato de utilização de trabalho temporário firmado entre as rés CC e DD, mas tão só na falta de forma legal do contrato de trabalho temporário que, confessadamente, lhe foi apresentado pela DD para assinatura e que o autor, no seu dizer, se terá recusado a assinar;
- nesse domínio, a ré CC é completamente alheia às consequências resultantes da alegada conversão do contrato de trabalho temporário em contrato por tempo indeterminado;
- no caso vertente, a CC assegurou-se de que a ré DD era uma empresa de trabalho temporário legalmente constituída e com alvará para o exercício dessa actividade; de que o contrato de utilização que com ela celebrou respeitava todos os requisitos legais e de que a DD subscrevera seguro contra acidentes de trabalho dos trabalhadores que lhe foram cedidos, entre os quais o autor;
- nada mais pode ou podia ser exigido á CC, ainda que se entendesse (e sem conceder) que o contrato de trabalho temporário celebrado entre o autor e a DD era ilícito;
- a ré CC nunca despediu o autor nem nunca lhe comunicou sequer a intenção de não renovação e/ou caducidade de nenhum dos respectivos contratos de trabalho temporário;
- foi a DD que, por escrito expedido por via postal em 3 de Março de 2005, comunicou ao autor a intenção de não renovação e a caducidade, em 18 de Março de 2005, do respectivo contrato de trabalho temporário, sendo a CC, enquanto empresa utilizadora, alheia às consequências decorrentes da eventual nulidade desse contrato e da eventual ineficácia dessa comunicação);
- feita ciente pela ré DD de que esta pusera termo ao contrato de trabalho temporário por ela firmado com o autor, a partir de 18.3.2005, a CC cancelou, a partir dessa data, a autorização de acesso do autor às instalações onde este prestava a sua actividade profissional, pois que. Cessando o vínculo laboral entre o autor e a DD, a CC não podia consentir que o autor continuasse a prestar qualquer serviço;
- o AE mencionado no art.º 10.º da p. i. não é aplicável à CC, mas apenas à FF Comunicações, S. A.;
- o autor aufere actualmente e desde há algum tempo rendimentos do seu trabalho, devendo tais proventos ser deduzidos aos créditos que possam a vir a ser-lhe reconhecidos na presente acção.

A ré DD também contestou, alegando, em síntese, o seguinte:
- no âmbito da sua actividade (cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores) celebrou com a ré CC um contrato de utilização de trabalho temporário, tendo o autor sido um dos trabalhadores contratados para ser cedido à CC, ao abrigo do referido contrato de utilização de trabalho temporário;
- em Novembro de 2004, data em que a CC elaborou um pedido à DD para a cedência de um trabalhador para exercer as funções de Comunicador, foi, por um colaborador daquela, indicado o nome do autor, como sendo uma pessoa que estaria interessada em ser contratada;
- o autor foi, então, contactado nesse sentido, tendo o mesmo demonstrado o seu interesse e concordância, fornecendo, de imediato, os seus dados pessoais necessários ao preenchimento do modelo RV1009 e para elaboração do contrato de trabalho temporário, contrato esse que lhe foi entregue passados dois a três dias;
- acontece que o autor, ao invés de devolver de imediato o contrato de trabalho temporário devidamente assinado, conforme se tinha comprometido e era sua obrigação, apresentava desculpas e histórias para justificar o que se mais tarde se veio a perceber;
- quando confrontado pelos colaboradores da DD para assinar o contrato, o autor dizia que ainda o não tinha assinado, mas que o assinaria, pois andava em conversações com a empresa utilizadora com vista à alteração da sua categoria profissional;
- por via desse comportamento, o autor criou a inequívoca convicção de que nunca teve dúvidas que as funções por ele desempenhadas o eram no âmbito de um contrato de trabalho temporário;
- porém, a recusa do autor fazia parte de um plano por ele gizado no sentido de, aproveitando-se da confiança que os consultores da ré DD nele depositavam, de ganhar tempo para, com os seus estratagemas, obter benefícios ilícitos;
- não tem, pois, o autor o direito de vir invocar quaisquer consequências pela falta de assinatura do contrato, quando foi ele próprio que deu origem a tal facto;
- aliás, a prova é feita pelo próprio autor quando junta aos presentes autos o contrato de trabalho temporário devidamente preenchido e assinado pela entidade empregadora;
- o autor actua manifestamente com abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium.

Proferido o despacho saneador, com dispensa da selecção dos factos assentes e da elaboração da base instrutória, procedeu-se a julgamento, com gravação da prova, e, decidida que foi a matéria de facto, foi, posteriormente, proferida sentença, julgando a acção totalmente improcedente, com a consequente absolvição de todas as rés.

E tal decisão assentou, resumidamente, na seguinte fundamentação:
- da factualidade dada como provada não resulta minimamente que o autor tivesse sido contratado pela 1.ª ré (BB);
- o que da factualidade referida resultava era que o autor era trabalhador da 3.ª ré (a empresa de trabalho temporário, DD) e que a prestação da sua actividade à 2.ª ré (CC) se tinha processado ao abrigo de um contrato de trabalho temporário celebrado com a 3.ª ré;
- a cedência de um trabalhador ao utilizador pela empresa de trabalho temporário, sem a celebração do respectivo contrato de trabalho temporário, implica que o contrato se considere celebrado sem termo com a empresa de trabalho temporário e não com o utilizador;
- qualquer invalidade que transforme o contrato de trabalho temporário num contrato sem termo não tem repercussões no utilizador;
- o facto do autor não ter assinado o contrato de trabalho temporário acarreta a nulidade desse contrato, nos termos do art.º 220.º do C.C., uma vez que a LTT (Lei do Trabalho Temporário) não especifica outra sanção, mas o contrato produziu os seus efeitos enquanto de manteve em execução;
- o referido contrato cessou por caducidade, nos termos da comunicação enviada pela 3.ª ré, e não por despedimento;

- tendo cessado por caducidade e não havendo créditos que se tenham constituído na sua vigência, não pode falar-se em despedimento nem em direitos subsequentes, nascidos com a cessação do contrato;
- o abuso de direito só se colocaria se da nulidade do contrato resultasse algum direito para o autor, depois da cessação do contrato.

O autor recorreu da sentença, mas sem questionar a absolvição da 1.ª ré (BB), como inequivocamente decorre do que afirmou logo no início do corpo das respectivas alegações:
“O recorrente pretende no presente recurso ver apreciadas as seguintes questões:
a) Saber se o recorrente deve ser considerado trabalhador contratado sem termo ao serviço da empresa utilizadora, sociedade CC – Telemarkting e Serviços de informação, S. A.
b) Ou se[-] a relação vinculística se firmou com a ETT – DD – Empresa de trabalho Temporário.
c) Em qualquer dos casos, aferir-se qual o tipo de relação laboral existente à data em que ao recorrente lhe foi entregue o contrato de trabalho temporário escrito pela ETT e ainda se a não assinatura deste por parte do recorrente enferma de vício de nulidade e qual a consequência.”

Deste modo, transitou em julgado o que decidido foi na 1.ª instância relativamente à 1.ª ré (BB).

Conhecendo do recurso, o Tribunal da Relação de Coimbra julgou-o improcedente, pelas razões que foram aduzidas na sentença da 1.ª instância.

Mantendo a sua irresignação, o autor interpôs recurso de revista, tendo concluído as respectivas alegações da seguinte forma:
1. No dia 19 de Novembro de 2004, o Recorrente passou a dar o seu trabalho traduzido em fazer correcções de facturação, no edifício da FF – Comunicações, em Coimbra, no Departamento de Gestão de Facturação de Clientes, trabalhando de 2.ª a 6.ª feira, 8 horas por dia e cumprindo 40 horas semanais e procedendo à marcação de folha de ponto que remetia para a CC.
2. Esta relação laboral deveu-se aos contactos telefónicos realizados, em data anterior mas não apurada, pelo Sr. GG, administrativo da CC e pelo Sr. EE, Director de Serviços da CC, os quais, nomeadamente este último, lhe referiu o montante mensal retributivo e outros complementos salariais, bem como lhe comunicou que quem o contratava era a empresa de trabalho temporário DD.
3. Quer prévia, quer na data em que iniciou a sua prestação de trabalho, nunca o Recorrente foi contactado por qualquer elemento estatutário ou representante da Ré DD.
4. Nem lhe foi apresentado qualquer documento, nomeadamente o contrato de trabalho temporário na forma escrita, com essa empresa nesse período.
5. Só de forma indirecta, ou seja, só existiu o primeiro contacto com a Ré DD no dia 30 de Dezembro de 2004, quando esta ETT lhe transferiu para a sua conta bancária a retribuição referente aos dias de trabalho de Novembro e ao mês de Dezembro.
6. O Recorrente continuou a trabalhar para a CC como até aí o tinha feito.
7. A exigência da forma escrita tutela a posição do trabalhador.
8. A admissão de um trabalhador através de contrato de trabalho temporário obedece à forma escrita e o respectivo contrato deve ser assinado antes do início da prestação de trabalho.
9. Caso não se verifique a obrigação vertida na conclusão anterior, esse contrato considera-se sem termo.
10. A apresentação da redução a escrito do contrato de trabalho temporário passado mais de um mês e meio sobre o início da prestação de trabalho não tem a virtualidade de sanar aquela omissão.
11. Desde 19 de Novembro até 30 de Dezembro de 2004, o Recorrente deu o seu trabalho à CC, dentro de horário pré-fixado, mediante retribuição mensal, e com marcação de folha de ponto, como se trabalhador desta empresa se tratasse.
12. O decurso do tempo que decorreu entre o início da prestação e o primeiro contacto por parte da Ré DD, no circunstancialismo atrás descrito, demonstra que existia uma relação de trabalho subordinada sem termo entre o Recorrente e a Ré CC.
13. Tendo sido impedido de entrar nas instalações, por ordem do Sr. EE da CC, no dia 21 de Março de 2005, este facto configura um despedimento ilícito, por ausência de processo disciplinar, com as respectivas consequências desse despedimento, nomeadamente o conhecimento da existência de um contrato verbal e devendo esta Ré ser condenada a reintegrar o Recorrente conforme o pedido e ao pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença, conforme decorria do art. 13° do DL 64-A/89 e o n.º l do art. do 437° do actual C.T.
14. Mas mesmo que se entenda que o Recorrente, em face das mensagens núncias efectuadas pelo Director de Serviço da CC, o Sr. EE, no tocante à admissão do Autor se realizar para a Ré DD, também relativamente a esta empresa se verifica a conversão da relação laboral em contrato de trabalho sem termo.
15. Porquanto, a ter existido contrato de trabalho temporário com esta Ré, este não foi reduzido a escrito.
16. As declarações negociais transmitidas verbalmente só eram ratificadas e incorporavam o contrato escrito com a assinatura deste.
17. Só em Janeiro de 2005, foi entregue ao Recorrente um envelope que continha esse contrato escrito assinado por esta Ré, embora datado do início da execução do contrato, nada resulta da matéria dada como assente que tivesse sido elaborado e assinado nessa data.
18. Com este contrato vinha junto, entre outros documentos, uma comunicação que fazia operar a caducidade dele em 31 de Dezembro de 2004.
19. Este contrato deveria ter sido presente ao Recorrente previamente ou na data do início da execução, o que não se verificou.
20. A inobservância da forma escrita acarretou a conversão em contrato sem termo, conforme decorre dos arts. 18.º n.º 2, conjugado com o n.º 2 do art. 19.º, ambos do D.L. n.º 358/89, de 17 de Outubro, com as alterações produzidas pela L. n.º 39/96, de 31 de Agosto e L. nº 146/99, de 1 de Setembro.
21. A comunicação enviada por esta Ré, datada de 2 de Março de 2005, que lhe comunicou a não renovação do contrato e consequente caducidade a partir de 18 de Março de 2005, configura um despedimento ilícito com as consequências já elencadas no ponto 13 destas conclusões.
22. O facto de o Recorrente ter interpelado esta Ré, em 1 de Fevereiro de 2005, quanto à sua categoria, quer quanto ao prémio, nem o facto desta Ré ter enviado a partir dessa data contrato de trabalho temporário corrigido com essas menções e ainda o documento escrito da renovação, têm a virtual idade de sanar a falta de redução a escrito do contrato de trabalho temporário.
23. Violou, assim, a sentença recorrida, as normas jurídicas constantes dos arts. 10.º, 12.º, 429.º e 436.º do C.T. no que concerne às Rés e arts. 18.º, n.º 2, conjugado com o n.º 2 do art. 19.º, ambos do D.L. n.º 358/89, de 17 de Outubro, com as alterações produzidas pela L. n.º 39/96, de 31 de Agosto e Lei n.º 146/99, de 1 de Setembro, e art. 42.º, n.º 3, do DL 64-A/89 ou art. 131.º, n.º 4, do actual C.T. relativamente à segunda Ré.

O recorrente rematou as suas alegações pedindo que o acórdão recorrido fosse revogado e que fosse reconhecido que ele tinha celebrado com a 1.ª ré (como das conclusões e do corpo das alegações decorre, o autor pretendia dizer 2.ª ré) um contrato de trabalho sem termo e que por ela tinha sido ilicitamente despedido, devendo esta ré ser condenada a reintegrá-lo ao seu serviço e a pagar-lhe as retribuições que ele deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão; e, caso assim não se entenda, que seja reconhecido que o contrato de trabalho temporário celebrado com a 2.ª ré (como das conclusões e do corpo das alegações decorre, o autor pretendia dizer 3.ª ré) se converteu em contrato de trabalho sem termo, por inobservância da forma escrita, sendo esta ré condenada a reintegrá--lo ao seu serviço e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção até ao trânsito em julgado da decisão.

Só a 1.ª (BB) e a 2.ª rés (CC) contra-alegaram, sustentando a improcedência do recurso.

Por sua vez, a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, em parecer a que só a CC reagiu, pronunciou-se no sentido de que o autor devia ser considerado vinculado à empresa utilizadora (a 2.ª ré ‘CC’), por tempo indeterminado, com o fundamento de que, quando foi cedido pela 3.ª ré (DD) à 2.ª ré, ainda não existia qualquer contrato, muito menos escrito, de trabalho temporário, entre ele e a 3.ª ré, o que implicava que a “cedência” tivesse as consequências previstas no art.º 18.º, n.º 5, do Decreto-Lei n.º 358/88, de 17/10, tal como já fora decidido por este Supremo Tribunal no acórdão de 19.5.2005, proferido no processo n.º 2163/04, da 4.ª secção.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

2. Os factos
Os factos dados como provados na 1.ª instância foram os seguintes:
1 – As rés ‘BB’ e ‘CC’ são duas empresas instrumentais do Grupo FF.
2 – A ré ‘BB’, Empresa de Recursos Partilhados do Grupo FF, tem por objecto a prestação de serviços nas áreas de suporte ao negócio, a todas as empresas do Grupo FF localizadas no território nacional e concomitantemente os serviços inerentes ao “back-office” administrativo, garantindo o atendimento dos clientes, residenciais ou empresariais, da FF Comunicações.
3 – A ré ‘CC’ dedica-se à prestação de serviços nas áreas das telecomunicações, serviços e sistemas de informação, designadamente consultadoria, exploração e gestão de “contact centers”, “telemarkting”, tecnologias de informação, produtos de “hardware” e “software”, “outsourcing” e formação.
4 – Sem prejuízo de outras actividades conexas, complementares ou sucedâneas, no âmbito da “sociedade de informação”.
5 – Integrando o Grupo FF, a ré ‘CC’ tem autonomia jurídica, administrativa e comercial.
6 – A ré ‘DD’ é uma empresa que tem por objecto a actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros.
7 – Em data não concretamente apurada de Novembro de 2004, o autor foi contactado telefonicamente pelo Sr. GG, administrativo da ‘CC’, indagando da sua disponibilidade para prestar trabalho.
8 – Na mesma ocasião temporal e de seguida, o autor foi contactado pelo Sr. EE, Director de serviços da ‘CC’, que lhe enunciou o conteúdo funcional e montante da retribuição.
9 – Na sequência dos contactos antes referidos, o autor, no dia 19 de Novembro de 2004, dirigiu--se ao Edifício da FF Comunicações, sito na Rua …, em Coimbra, onde se apresentou ao Sr. HH.
10 – Perante a apresentação do autor, o Sr. HH, Coordenador do Departamento de Gestão e Facturação de Clientes, recebeu-o com uma curta entrevista, explicando-lhe o que tratava aquele serviço.
11 – A partir da data em que se apresentou, o autor passou a exercer actividade no 3.º piso do Edifício, no aludido Departamento de Gestão de Facturação de Clientes.
12 – Primeiro em regime de formação, junto de trabalhadores do Departamento.
13 – A partir de data indeterminada de Janeiro de 2005, quando chegaram computadores suficientes para todos, exercendo-a com autonomia.
14 – Actividade que se traduziu em fazer correcções de facturação de serviços telefónicos, resultantes de reclamações de utentes.
15 – E depois de analisadas num outro sector do mesmo Departamento.
16 – Departamento onde, além do autor, prestava trabalho cerca de uma dúzia de trabalhadores dos quadros da FF Comunicações, cedidos por esta à ré ‘BB’.
17 - O autor prestava as suas funções no Departamento GFA1 – Gestão de Facturação de Clientes – de segunda-feira a sexta-feira, das 9H00 às 13H00 e das 14H00 às 18H00, com intervalo para almoço das 13H00 às 14H00.
18 – Perfazendo semanalmente um horário de quarenta horas.
19 – Enquanto os trabalhadores do Departamento trabalhavam trinta e seis horas semanais.
20 – O autor fez a marcação de ponto em folhas de ponto como as que constam dos autos a fls. 19, 22, 25, 28 e 30.
21 – Folhas que ele mesmo enviava à ré ‘CC’.
22 – Remetendo-as a ré ‘CC’, posteriormente, à ré ‘DD’, para processamento da retribuição.
23 – Além do referido supra no ponto 8, no contacto havido entre o autor e o Sr. EE foi aquele informado de que a retribuição a auferir seria o salário mínimo nacional, acrescido de subsídio de alimentação e ainda um prémio profissional variável entre zero e um máximo de € 178,50.
24 – No dia 30 de Dezembro de 2004, o autor recebeu a sua primeira retribuição, através de transferência bancária, no valor (líquido) de € 679,04.
25 – Tendo recepcionado, dois ou três dias depois, o recibo de retribuição.
26 – Que constitui o documento junto aos autos a fls. 31 (emitido pela ‘DD’) e que ora se dá como integralmente reproduzido.
27 – Em data não apurada, mas anterior a 19 de Janeiro de 2005, o autor foi chamado ao gabinete dos senhores HH e II, que lhe entregaram um envelope com os documentos juntos a fls. 33 e 34 dos autos.
28 – Trata-se de dois documentos de igual teor, chamados “contrato de trabalho temporário” e onde se identifica a categoria profissional do autor como “comunicador”.
29 – Cujo teor se dá expressa e integralmente como reproduzido.
30 – Bem como os documentos, daqueles dependentes, juntos aos autos a fls. 35 a 47.
31 – Que ora, igualmente, se dão por reproduzidos.
32 – Algum tempo depois, em data não apurada, o autor recebeu em mão os documentos juntos aos autos, a fls. 48 e 49.
33 – Trata-se de dois documentos de igual teor, chamados “contrato de trabalho temporário” e onde se identifica a categoria profissional do autor como “Téc. Op. Informático”.
34 – Cujo teor se dá expressa e integralmente por reproduzido.
35 - Bem como os documentos daqueles dependentes, juntos aos autos a fls. 50 a 57.
36 - Que ora, igualmente, se dão por reproduzidos.
37 – O autor não assinou qualquer dos documentos (“contratos de trabalho temporário”) antes referidos.
38 – Primeiro, por discordar da categoria de “comunicador”, aposta no primeiro contrato e, depois, por entender que o prémio profissional devia constar do contrato.
39 – Na sequência da segunda divergência, a ré ‘DD’ elaborou o aditamento ao contrato que consta de fls. 58/59 e que ora se dá como reproduzido.
40 – Não obstante, o autor decidiu não assinar o “contrato de trabalho temporário”.
41 – Além do primeiro pagamento (Dezembro de 2004), a ré ‘DD’, por transferência bancária, pagou ainda ao autor as quantias de € 195,93 e de € 526,97, em 27.01.2005, a quantia de € 652,07 em 25.02.2005 e a quantia de € 498,86 em 28.03.2005.
42 – Datada de 2 de Março de 2005, a ré ‘DD’ enviou ao autor a comunicação junta aos autos a fls. 60, comunicando a não renovação do contrato e a sua caducidade a partir do dia 18 de Março de 2005.
43 – No dia útil seguinte, 21 de Março, o autor deslocou-se às instalações onde exercera a sua actividade e foi impedido de entrar pelo segurança de serviço, a quem havia sido transmitida uma ordem de cessação de autorização de acesso.
44 – Ordem com origem no Sr. EE, da ‘CC’.
45 – Aquando da sua apresentação, a ‘BB’, na pessoa do coordenador HH, limitou--se a receber o autor e a fornecer-lhe informações relativas à prestação de actividade, nomeadamente informações úteis como indicação do posto de trabalho, ferramentas ou outros ensinamentos.
46 – Os Srs. HH e II entregaram ao autor os documentos referidos no ponto 27, por tal lhes ter sido pedido pela ré ‘DD’, não dando qualquer esclarecimento sobre o conteúdo dos mesmos documentos.
47 – Quando questionados pelo autor relativamente ao facto da categoria aposta no contrato não estar correcta, os senhores HH e II responderam que lhes não cabia resolver esse assunto.
48 – A ré ‘DD’, no âmbito da sua actividade, celebrou com a ré ‘CC’ um contrato de utilização de trabalho temporário, pelo qual se obrigava a ceder temporariamente trabalhadores a esta.
49 - O autor foi um dos trabalhadores indicados, em Novembro de 2004, pela ré ‘CC’ à ré ‘DD’, quando aquela pediu a esta a cedência de trabalhadores.
50 – A ré ‘DD’ comunicou a admissão do autor à Segurança Social; elaborou o contrato de trabalho temporário de acordo com as indicações da empresa utilizadora; entregou ao autor o contrato de trabalho; comunicou-lhe a caducidade do contrato de trabalho temporário e pagou-lhe os valores supra referidos (factos hjjk e jkl).
51 – A ré ‘BB’, em 29 de Outubro de 2004, adjudicou à ré ‘CC’ a execução de determinados serviços de tratamentos de pedidos e reclamações com natureza de ‘back–office’ comercial, pelo período de dois meses, com início em 1 de Novembro de 2004 e até 31 de Dezembro de 2004, com renovações mensais, até ao limite de 31 de Outubro de 2005.
52 – Conforme documento junto a fls. 132 e que se dá como reproduzido.
53 – Na sequência da adjudicação, a ré ‘CC’ outorgou com a ré ‘DD’ o “contrato de utilização de trabalho temporário”, datado de 1 de Novembro de 2004, que constitui o documento junto aos autos a fls. 133 a fls. 138 e que ora se dá como reproduzido.
54 – Nos termos desse documento, a ré ‘DD’ cedeu à ré ‘CC’ um conjunto de trabalhadores temporários por si contratados, que ficaram afectos à prestação de serviços adjudicada à ‘CC’ pela ré ‘BB’, tendo-se declarado que “o motivo subjacente à outorga do presente contrato resulta da celebração de um contrato de prestação de serviços de duração limitada entre a sociedade ‘BB’ e a ‘CC’, com início em 1 de Novembro de 2004 e termo em 31/12/2004, podendo ser denunciado a qualquer momento com trinta dias de antecedência, nos termos do qual a ‘CC’ se obrigou a prestar, em regime de “outsourcing”, os serviços de “back-office” administrativo, melhor identificado no ponto 3, circunstância que determina um acréscimo temporário e um significativo aumento da actividade da ‘CC’.
55 – Na cláusula 3.ª daquele ajuste consignou-se que “os trabalhadores desempenharão, sob as ordens e direcção da CC, funções inerentes à categoria profissional de TOI – Técnico Operador Informático, competindo-lhe designadamente o exercício das funções descritas no número três da cláusula anterior, sem prejuízo desta empresa lhe poder exigir, ao abrigo dos institutos jurídicos da “polivalência” e do “jus variandi” e dentro dos respectivos condicionalismos legais, o exercício de outras funções para além das que constam da presente cláusula”, contendo o referido número três da cláusula segunda o elenco dos serviços e actividades (criação e actualização de bases de dados de clientes através de registo informático de dados com recurso a sistemas informáticos – Access, Excel, Office, CLIP, etc.; recepção, separação, classificação, ordenação, digitalização e arquivo de documentos; tratamento de reclamações de clientes – facturação e outras, abertura de requisições referentes a pedidos de clientes).
56 – Conforme documento junto a fls. 187/188 dos autos, em 31 de Dezembro de 2004, de forma escrita, a ré ‘CC’ e a ré ‘DD‘ declararam prorrogar até 31 de Outubro de 2005 a duração do contrato de utilização de trabalho temporário, iniciado a 1 de Novembro de 2004.
57 – Desde final de Abril até ao início de Agosto de 2004, o autor prestou serviço à ‘CC’ como trabalhador temporário, cedido a esta pela Empresa de Trabalho Temporário ‘KK, L.da’, do Grupo JJ, procedendo à execução de serviços de “back-office” de atendimento a clientes empresariais e particulares da FF Comunicações.
58 – Em razão do antes referido, o autor era conhecido dos Srs. EE e GG (quadros da CC).
59 – Os serviços ajustados entre a ‘CC’ e a ‘BB’ – iniciados a 1 de Novembro de 2004 – tinham semelhanças com os que o autor já antes executara, estes os referidos antes no ponto 53.
60 – Atendo o conhecimento do autor e a semelhança dos serviços, os Srs. EE e GG contactaram telefonicamente o autor (em data não apurada do mês de Novembro de 2004) a dar-lhe conta de nova oportunidade de trabalho.
61 – Além do referido supra no ponto 7, o Sr. GG indagou da disponibilidade do autor, dizendo-lhe que as funções seriam idênticas, as condições salariais, que era através de uma Empresa de Trabalho Temporário e, em princípio, por três meses.
62 – O Sr. EE, além do referido supra nos pontos 8 e 23, depois do autor ter manifestado a sua disponibilidade ao Sr. GG, informou telefonicamente este onde era o serviço, em que consistia, qual a remuneração e que era a Empresa de Trabalho temporário ‘DD’ que o contratava.
63 – Na ocasião, o autor perguntou o porquê da contratação não ser pela ‘KK’, onde já tinha todo o processo.
64 – Tendo sido informado pelo Sr. EE que seria pela ‘DD’.
65 – Em acto seguinte, o Sr. EE informou a ‘DD’ da disponibilidade e do interesse do autor em ser contactado e contratado.
66 – Bem como do interesse da ‘CC’ nessa contratação, para cedência a si.
67 – Por e-mail dirigido ao Sr. EE, o autor questionou a categoria profissional que lhe fora atribuída.
68 – Trata-se do documento de fls. 190, onde o autor, em 1 de Fevereiro de 2005, por si e em nome dos colegas LL e MM diz: “conforme a nossa conversa telefónica, venho solicitar que seja comunicado à empresa de trabalho temporário (DD) que a categoria profissional que eu, AA e os meus colegas: LL e MM é a Técnico Administrativo de Apoio à Gestão. Solicitamos este pedido por uma questão de curriculum vitae, possível progressão de carreira e por uma questão de rigor funcional. Conforme solicitado abaixo indico o conteúdo funcional da função que desempenhamos!”.
69 – A ‘DD’ enviou ao autor, que a recebeu, a declaração de situação de desemprego (“modelo 346”).
70 – Depois da cessação da relação laboral invocada nos Autos, o autor recebeu da Segurança Social, de Maio de 2005 a Fevereiro de 2006 e a título de subsídio social de desemprego, os valores constantes de fls. 240, para onde se remete.
71 – Posteriormente, em 17 de Março de 2006, recebeu a quantia de € 290,70, ao mesmo título.
72 – Conforme documento junto a fls. 398 dos autos, além dos valores antes indicados, o autor recebeu, ainda ao mesmo título, a quantia de € 174,42 – correspondente a dezoito dias – em Abril de 2006.
73 – Não se lhe conhecendo outros rendimentos, retribuições ou subsídios, auferidos depois da cessação invocada, além dos antes referidos.
74 – O autor optou expressamente pela reintegração.
75 – Instaurou a presente acção em 29 de Abril de 2005.

A factualidade referida não foi objecto de impugnação no recurso de apelação nem foi oficiosamente alterada pela Relação e, no recurso de revista, também não foi questionada.

Por outro lado, também não se vislumbra que a matéria de facto tenha ou deva ser ampliada por não constituir base suficiente para a decisão de direito ou que a mesma enferme de contradições que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, casos em que o Supremo, oficiosamente, teria de ordenar a remessa do processo para supressão dos apontados vícios, nos termos do art.º 729.º, n.º 3, do CPC.

Há-de ser, por isso, com base na aludida factualidade que o recurso terá de ser apreciado.

3. O direito
Como decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, o objecto do recurso restringe-se às seguintes questões:
- saber se a entidade empregadora do autor era a ré “CC” (2.ª ré) ou a ré DD (3.ª ré);
- saber se o seu contrato de trabalho do autor cessou por despedimento ilícito.

3.1 Da entidade empregadora
Conforme resulta da matéria de facto, no dia 19 de Novembro de 2004, o autor começou a prestar a sua actividade, no Departamento de Gestão e Facturação de Clientes, sito no 3.º edifício da FF Comunicações, S. A., sito em Coimbra, na Rua ….

E, como da matéria de facto também decorre, e o recorrente e as recorridas reconhecem, essa actividade era prestada em benefício da ré “CC – Telemarkting e Serviços de Informação, S. A.” (que, abreviadamente, passaremos a designar por “CC”), a quem a 1.ª ré (a BB – Serviços Administrativos e de Gestão Partilhados, S. A. (abreviadamente denominada por “BB”) tinha adjudicado, em 29 de Outubro de 2004, a execução de prestação de serviços relacionados com o tratamento de pedidos e reclamações com natureza de “back-office” comercial, pelo período de dois meses, com início em 1 de Novembro de 2004 e com renovações mensais até 31 de Outubro de 2005, sendo que aquelas duas empresas integram o Grupo FF.

Provado está também que a 3.ª ré, a DD – Empresa de Trabalho Temporário Unipessoal, L.da (que abreviadamente denominaremos de “DD”) é uma empresa que tem por objecto a actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização por terceiros; que, na sequência do contrato de prestação de serviços celebrado entre a “BB” e a “CC”, a “DD” outorgou com a “CC” um contrato de utilização de trabalho temporário, junto a fls. 133 a 138 dos autos, datado de 1 de Novembro de 2004, que, em 31 de Dezembro de 2004, os outorgantes prorrogaram até 31 de Dezembro de 2005, e que, nos termos desse contrato, a “DD” cedeu à “CC” um conjunto de trabalhadores temporários por si contratados, que ficaram afectos à prestação dos serviços que a “BB” tinha adjudicado à `“CC”, tendo ficado convencionado na cláusula 3.ª do aludido contrato de utilização de trabalho temporário que os trabalhadores temporariamente cedidos desempenhariam, sob as ordens e direcção da “CC”, funções inerentes à categoria profissional de TOI – Técnico Operador Informático.

Embora o nome do autor conste do documento de fls. 184 que, supostamente, integraria a lista dos trabalhadores a ceder pela “DD” à “CC”, a verdade é que, em sede da matéria de facto, não foi dado como provado quais foram os trabalhadores que efectivamente foram cedidos pela ré “DD” à ré “CC”, ao abrigo do contrato de utilização de trabalho temporário entre elas celebrado.

Apesar disso, as instâncias entenderam que o autor tinha sido contratado pela “DD” – ao abrigo de um contrato de trabalho temporário que, apesar de não ter sido assinado pelo autor, consideraram ter existido, sendo embora nulo –, e que por aquela tinha sido cedido à “CC”, ao abrigo do referido contrato de utilização de trabalho temporário.

E, para decidir dessa forma, a Relação aduziu, com relevância para a questão agora em apreço, a seguinte argumentação:
«O caso sujeito tem as suas particularidades, convindo relembrar o seu contexto e enquadramento para que melhor se perceba a actuação/motivação do A. e a bondade da solução eleita.
Como se consignou em sede de facto, o A. já antes, (entre finais de Abril e Agosto de 2004), tinha prestado serviço à co-R. ‘CC’, como trabalhador temporário, cedido a esta por uma outra ETT, a ‘Kk, Ld.ª, do grupo JJ, procedendo à execução de serviços idênticos, serviços de ‘back-office’, razão por que era conhecido dos Srs. EE e GG, quadros da R. ‘CC’.
Foi por conhecer o A., e por a necessidade do serviço a realizar ser semelhante à já antes por si realizada, que estes (EE e GG) o contactaram telefonicamente, em data não apurada do mês de Novembro de 2004, dando-lhe conta de uma nova oportunidade de trabalho – itens n.ºs 57 a 60.
O Sr. GG indagou da disponibilidade do A. em prestar trabalho e disse-lhe que as funções seriam idênticas, quais as condições salariais e que seria contratado através de uma Empresa de Trabalho Temporário e, em princípio, por três meses, sendo que o Sr. EE, depois de saber da declarada disponibilidade do A., o informou do local de trabalho, em que consistia este concretamente, qual a remuneração e que era a ETT ‘DD’ que o contratava…
… Tendo mesmo o A. perguntado, na ocasião, o porquê da contratação não ser através da ‘KK’, empresa de trabalho temporário onde já tinha todo o processo…acabando informado que ora seria contratado pela ‘DD’.
Acto contínuo, o Sr. EE informou a ‘DD’ da disponibilidade e interesse do A. em ser contactado e contratado e do interesse da ‘CC’ nessa contratação, para lhe ser cedido – pontos 61 a 66.
É certo que o contrato não lhe foi prévia/imediatamente apresentado para assinar… e que, quando o foi, mais tarde – e depois de ter pretextado não o fazer por discordar da categoria de ‘comunicador’ nele aposta, primeiro, e, depois, por entender que o prémio profissional deveria também constar do documento – o A. se recusou a fazê-lo, não obstante a R ‘DD’, na sequência da segunda divergência manifestada, ter elaborado um aditamento ao contrato, como consta de fls. 58/59.
Em 30.12.2004 o A. recebeu a 1.ª retribuição, através de transferência bancária, tendo recepcionado dois ou três dias depois o respectivo recibo, emitido pela R. ‘DD’, que lhe pagou as demais quantias discriminadas no item 41...
…E que comunicou oportunamente à Segurança Social a admissão do A., elaborou o contrato de trabalho temporário de acordo com as indicações da empresa utilizadora … e que o entregou depois ao A., que foi um dos trabalhadores indicados pela R. ‘CC’ à R. ‘DD’, em Novembro de 2004, quando aquela pediu a esta a cedência de trabalhadores – cfr. itens n.ºs 24 a 42, 49 e 50.
(…)
Conhecendo necessariamente este quadro de facto, em que foi protagonista directo, será expectável que se venha a considerar, com fundada motivação axiológica e jurídica, como tendo sido contratado, sem termo, ao serviço da empresa utilizadora, a ‘CC. S.A.’?
(…)
Ora o contrato, embora não tendo sido assinado, cumpriu-se, na verdade: o A prestou a sua actividade e a R. ETT pagou-lhe uma retribuição por tal prestação.
Do ponto de vista substantivo houve, pois, convergência de vontades entre as partes.
(O A. soube, desde o primeiro momento, que seria contratado pela co-R. ETT ‘DD’ e que só por essa via iria prestar actividade na ‘CC’.
Anuiu/aceitou, começando a sua prestação nas condições que lhe foram adiantadas e não pondo em crise que o EE, ao falar em representação da ETT, não tivesse poderes para o efeito.
Essa sua postura resulta pois vinculativa, em termos obrigacionais, como decorre do disposto nos arts. 217.º/1, 260.º/1 e 268.º/1, todos do Cód. Civil.
A manifestação da sua vontade resultou tacitamente feita, deduzindo-se sem dúvida da circunstância de ter aceite a declaração de terceiro, que lhe foi veiculada pelo tal EE, iniciando funções em conformidade.
Se alguma reserva tivesse sobre os poderes deste, poderia/deveria, dentro de prazo razoável, ter exigido que o representante fizesse prova dos seus poderes, como se previne naquela referida norma (art. 260.º) do Cód. Civil.
A representação sem poderes nesse negócio, em nome da R. ETT ‘DD’, foi por esta ratificada, subsequentemente, tornando-se assim eficaz).»

O autor discorda de tal decisão e, estribando-se na matéria de facto dada como provada, alegou, em síntese, o seguinte:
- resulta da matéria de facto assente que o recorrente iniciou a sua prestação laboral, no dia 19 de Novembro de 2004, no 3.º piso do edifício da FF Comunicações, sito na Rua …, em Coimbra, no Departamento de Gestão de Facturação de Clientes, traduzindo-se a sua actividade em fazer correcções de facturação resultantes de reclamações de utentes, se segunda a sexta-feira, das 9 às 13 horas e das 14 às 18 horas (factos 9, 11, 14 e 17), cumprindo 40 horas de trabalho por semana e fazendo marcação de ponto em folhas; (factos 18 e 20);
- é, assim, claro que, naquela data, o recorrente iniciou uma relação de trabalho dependente;
- essa relação laboral iniciou-se em virtude dos contactos telefónicos realizados, em datas não concretamente apuradas de Novembro de 2004, pelo Sr.. GG, administrativo da “CC” e pelo Sr. EE, Director de Serviço, da referida empresa (factos 7 e 8), tendo este último informado o recorrente da retribuição que iria auferir (facto 23) e de que era a empresa de trabalho temporário “DD” que o contratava (facto 62);
- da matéria de facto dada como assente infere-se, com segurança, que o primeiro contacto havido entre o recorrente e a aludida empresa de trabalho temporário ocorreu com a transferência bancária do salário em 30 de Dezembro de 2004 (facto 24);
- pese embora o facto dado como assente sob o n.º 62 (O Sr. EE, além do referido supra nos pontos 8 e 23, depois do autor ter manifestado a sua disponibilidade ao Sr. GG, informou telefonicamente este onde era o serviço, em que consistia, qual a remuneração e que era a Empresa de Trabalho temporário ‘DD’ que o contratava.), a verdade é que, quer nas negociações preliminares, quer na apresentação ao serviço, quer no período que decorre até 30 de Dezembro de 2004, nenhum dos representantes ou elemento estatutário da ré “DD” estabeleceu qualquer contacto com o recorrente;
- mesmo que toda a actuação do Sr. EE, Director de Serviço da “CC”, se conforme com a qualidade de mero núncio, não restam dúvidas de que o trabalho do autor foi prestado à “CC”, sem que entre esta empresa e o autor se tivesse celebrado contrato escrito;
- da mesma forma que, em 30 de Dezembro de 2004, o autor e a ré “DD” também não tinham celebrado qualquer contrato reduzido a escrito;
- como se deu como provado no n.º 27 da matéria de facto, em data não apurada, mas anterior a 19 de Janeiro de 2005, o autor foi chamado aos gabinetes dos Srs. HH e II, que lhe entregaram um envelope com os documentos juntos a fls. 33 e 24 dos autos e só com a abertura do envelope é que o autor tomou conhecimento desse documentos chamados contrato de trabalho temporário (facto n.º 28);
- ou seja, só dois meses depois do autor estar a trabalhar para a “CC” é que a ré “DD” lhe enviou, por aquele meio, o contrato de trabalho temporário, para que o autor procedesse à sua assinatura;
- da matéria de facto dada como assente não resulta que o autor se tenha vinculado contratualmente a assinar o contrato de trabalho temporário após o início da sua prestação e também não resulta que a não redução a escrito daquele contrato seja imputável ao autor;
- com efeito, à data do início da execução do contrato de trabalho, ao recorrente não foi presente qualquer contrato reduzido a escrito e só passados alguns meses tomou contacto com o teor dos mesmos, desconhecendo se foram redigidos logo no início da execução ou posteriormente;
- daí que todos os elementos de conexão da relação laboral eram efectivamente com a “CC”, pelo menos até 30 de Dezembro de 2004, até porque o recorrente desconhecia, e não tinha obrigação de conhecer, os negócios ou contratos celebrados entre as duas rés;
- não pode pretender-se destruir ou convolar essa relação laboral, com o expediente da assinatura do contrato a termo, passados sensivelmente dois meses, de forma a apagá-la ou a dar-lhe um cunho de legalidade através desse expediente, com uma empresa de trabalho temporário que não teve o mínimo contacto com o recorrente nem negociou os termos da sua admissão no serviço em questão;
- pelas razões aduzidas, o recorrente deveria ser considerado trabalhador sem termo da “CC”.

Pese embora toda a factualidade referida pelo recorrente tenha sido, grosso modo, dada como provada, a verdade é que a mesma não é suficiente para nos levar a concluir que a relação jurídico laboral iniciada pelo autor em 19 de Novembro de 2004 tenha sido estabelecida com a “CC”.

Com efeito, como bem se diz no transcrito excerto do acórdão recorrido – que no essencial inteiramente subscrevemos –, o autor soube, desde o primeiro momento, que o contrato de trabalho não seria celebrado com a “CC”, mas sim com a empresa de trabalho temporário “DD”, tendo o Sr. EE actuado apenas como mero intermediário, núncio, daquela empresa. É essa, sem dúvida, a conclusão que resulta do conjunto da factualidade dada como provada, mormente dos factos que são referidos pela Relação.

E, se dúvidas houvessem acerca disso, bastaria atentar no teor do e-mail que, em seu nome e em nome de outros dois colegas, o autor enviou ao Sr. EE, em 1 de Fevereiro de 2005, solicitando-lhe que “(…) seja comunicado à empresa de trabalho temporário (DD) que a categoria profissional que eu, AA e os meus colegas LL e MM é a [de] Técnico Administrativo de Apoio à Gestão (…)” (factos 67 e 68).

Com efeito, naquele e-mail o autor acaba por reconhecer, implicitamente, que o seu vínculo laboral era com a “DD” e não com a “CC”.

É de manter, pois, a decisão da Relação na parte em que reconheceu que o vínculo laboral do autor tinha sido estabelecido com a ré “DD”.
Entendemos, porém, que o mesmo já não acontece no que toca ao decidido relativamente à natureza do contrato, que a Relação considerou sendo um contrato de trabalho temporário nulo.

Nesta matéria tem razão o recorrente quando alega que a relação laboral estabelecida com a “DD” deve ser considerada de contrato de trabalho sem termo, uma vez que o contrato de trabalho temporário está sujeito à forma escrita.

Com efeito, estipulando o art.º 18.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 358/89, de 17 de Outubro, que “[o] contrato de trabalho temporário é celebrado por escrito, em duplicado, devendo ser assinado pelo trabalhador e pela empresa de trabalho temporário”; preceituando o art.º 19.º, n.º 3, do citado Decreto-Lei, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 146/99, de 1 de Setembro, que “[a] falta da menção exigida na alínea b) do número anterior ou a inobservância dessa forma têm a consequência prevista no n.º 3 do art.º 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro” (LCCT), e dispondo o n.º 3 do citado art.º 42.º da LCCT, referindo-se aos contrato a termo, certo ou incerto, que “[c]onsidera-se contrato sem termo aquele em que falte a redução a escrito (…)”, é obvio que a cominação prevista na lei para um contrato de trabalho temporário que não tenha sido reduzido a escrito não é a da sua nulidade, com a consequente produção de efeitos como se válido fosse enquanto se manteve em execução, mas sim a sua conversão em contrato de trabalho sem termo.

O disposto no art.º 220.º do Código Civil não deixa margem para dúvidas a esse respeito, uma vez que nele se estabelece que “[a] declaração negocial que careça da forma legalmente prescrita é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei” (sublinhado nosso), como no caso do n.º 2 do art.º 19.º do Decreto-Lei n.º 358/89 acontece.

Ora, não havendo contrato escrito enquanto o respectivo documento não tiver sido devidamente assinado pelos outorgantes e não tendo o autor assinado os documentos intitulados “Contrato de trabalho temporário” que lhe foram enviados pela ré “DD” e que se encontram juntos a fls. 33-34 e 48-49 dos autos e em que figuram como outorgantes a “DD” e o autor, torna-se evidente que a relação jurídica de trabalho temporário que a ré “DD” pretendia estabelecer com o autor não pode ser qualificada de contrato de trabalho temporário, mas sim de contrato de trabalho por tempo indeterminado.
Só assim não seria se os factos dados como provados permitissem concluir que a recusa do autor em assinar o contrato de trabalho temporário que lhe foi apresentado consubstanciava um caso de abuso do direito por parte do autor, na modalidade de venire contra factum proprium, como a ré “DD” alegou na sua contestação.

Como supra já se deixou dito, as instâncias não chegaram a debruçar-se sobre o invocado abuso do direito, por razões de prejudicialidade, uma vez que julgaram a acção improcedente, mas tendo nós concluído que o autor estava vinculado à ré “DD” por um contrato de trabalho por tempo indeterminado, importa que a questão referente ao abuso de direito seja apreciada, não só porque obriga o disposto no art.º 726.º, conjugado com o art.º 715.º, n.º 2, ambos do CPC, mas também porque se trata de uma questão de conhecimento oficioso.

Segundo o disposto no art.º 334.º do Código Civil “[é] ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.

Como da literalidade daquele normativo decorre, não basta que o exercício do direito exceda os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social e económico do direito. É indispensável que o excesso seja manifesto, ou seja, que os referidos limites sejam excedidos de tal forma que o exercício do direito se apresente como uma clamorosa, intolerável, ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante.

A proibição do venire contra factum proprium, invocada pela ré “DD”, é uma das modalidades que o abuso do direito pode revestir e pressupõe, segundo Baptista Machado (Tutela da Confiança e “Venire contra factum proprium”, in Obra Dispersa, Vol. I, p. 417-419) que seguiremos de muito perto, a verificação dos seguintes pressupostos:
a) Uma situação objectiva de confiança;
b) Investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento;
c) Boa-fé da contraparte que confiou.

O primeiro daqueles pressupostos (situação objectiva de confiança) explica-se pelo facto da confiança digna de tutela ter de radicar em algo de objectivo, cujo ponto de partida é “uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira”, podendo “tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico”, sendo indispensável, porém, para que a conduta em causa se possa causal em relação à criação da confiança, “que ela directa ou indirectamente revele a intenção do agente de se considerar vinculado a determinada atitude no futuro”, podendo essa intenção “manifestar-se mediante a entrada em negociações, através da recepção (ou recepção e utilização) de uma prestação, confiando determinadas tarefas a um empregado, etc.”, podendo a simples passividade bastar, em certos casos, para criar uma situação de confiança.

O segundo pressuposto (investimento na confiança e irreversibilidade desse investimento) decorre do facto de o conflito de interesses e a necessidade de tutela jurídica apenas surgirem quando uma contraparte, com base na situação de confiança criada, toma disposições ou organiza planos de vida de que surgirão danos, se a sua confiança legítima vier a ser frustrada, sendo necessário, por um lado, para que se verifique uma relação da causalidade entre o facto gerador da sua confiança e o «investimento» dessa contraparte, “que esse «investimento» haja sido feito apenas com base na dita confiança”, pois se esta não influenciou as decisões da contraparte, porque esta por outros motivos as teria igualmente tomado, não se verifica a necessidade de fazer intervir o princípio da protecção da confiança, e indispensável, por outro lado, que o investimento feito seja em certo sentido «irreversível», isto é, “importa que o dano que provocaria a conduta violadora da fides não seja removível através de outro meio jurídico capaz de conduzir a uma solução satisfatória”, pois, “[s]e esta solução satisfatória pode ser alcançada mediante um direito de indemnização, ou mediante o recurso aos preceitos sobre a gestão de negócio ou sobre o enriquecimento sem causa, não tem de intervir a proibição da contrária à fides”, o que significa que o recurso à proibição do venire contra factum proprium é sempre um último recurso.

O terceiro pressuposto (boa-fé da contraparte que confiou) é de exigir nos casos em que a base da confiança é uma aparência, ou seja, nos casos em que a intenção aparente do responsável pela confiança diverge da sua intenção real (tais as hipóteses de dissenso oculto e de procuração aparente), pois nestes casos a confiança do terceiro ou da contraparte só merecerá protecção jurídica quando esteja de boa-fé, por desconhecer aquela divergência e tenha agido com cuidado e precauções usuais no tráfego jurídico, a sendo que o cuidado e as precauções a exigir da contraparte que reivindica a protecção da sua boa-fé, sendo que “o cuidado e as precauções a exigir dessa contraparte que reivindica a protecção da sua boa-fé serão tanto maiores quanto mais vultosos forem os «investimentos» (iniciativas, actos de disposição, decisões) feitos com base na confiança, sobretudo quando circunstâncias particulares façam suscitar dúvidas sobre a verdade da situação aparente”.

Revertendo ao caso dos autos, importa chamar à colação o que a ré “DD” alegou na contestação, para sustentar a tese do abuso do direito por parte do autor relativamente aos efeitos jurídicos que este pretendia obter da não redução a escrito do contrato de trabalho temporário.

Alegou a referida ré:
- “A R. DD é uma empresa que tem por objecto a actividade de cedência temporária de trabalhadores para utilização de terceiros utilizadores.” - art.º 1.º.
- “A R. DD, no âmbito da actividade supra referida, celebrou com a R. CC um contrato de utilização de trabalho temporário pelo qual se obrigava a ceder temporariamente trabalhadores a esta, conforme doc, que se protesta juntar.” - art.º 2.º.
- “O A. foi um dos trabalhadores contratados pela R. DD para ser cedido à R. CC, ao abrigo do supra referido contrato de utilização de trabalho temporário.” - art.º 3.º.
- “Em Novembro de 2004, data em que a R. CC elaborou um pedido à R. DD para cedência de um trabalhador para exercer as funções de Comunicador, foi, por um colaborador daquela indicado o nome do A. como sendo uma pessoa que estaria interessada em ser contratada.” - art.º 4.º.
- “Foi então o A. contactado neste sentido, tendo o mesmo demonstrado o seu interesse e concordância, fornecendo, de imediato, os seus dados pessoais necessários ao preenchimento do modelo RV 1009 – Comunicação da Entidade Empregadora de Admissão de Novos Trabalhadores, doc. junto pelo A. com a sua PI, e para elaboração do contrato de trabalho temporário, contrato esse que lhe foi entregue passados dois ou três dias.” - art.º 5.º.
- “Aconteceu que o A., ao invés de devolver de imediato o contrato temporário devidamente assinado conforme se tinha comprometido e era sua obrigação, apresentava desculpas e histórias para justificar o que se mais tarde se veio a perceber.” - art.º 6.º.
- “Quando confrontado pelos Colaboradores da R. DD para assinar o contrato o A. dizia que ainda não o tinha assinado, mas que o assinaria, pois andava em conversações com a empresa utilizadora com vista á alteração da sua categoria profissional.” - art.º 7.º.
- “Por via deste comportamento, o A. criou a inequívoca convicção de que nunca teve dúvidas que as funções por ele desempenhada o eram no âmbito de um contrato de trabalho temporário. Porém,” - art.º 8.º.
- “A recusa do A. fazia parte de um plano por ele gizado no sentido de, aproveitando-se da confiança que os consultores da R. DD nele depositavam, de ganhar tempo para, com os seus estratagemas, obter benefícios ilegítimos.” - art.º 9.º.
- “Não tem, pois, o A. o direito de vir invocar quaisquer consequências pela falta de assinatura do contrato, quando foi ele próprio que deu origem a tal facto.” - art.º 10.º.
- “Aliás, a prova é feita pelo próprio A. quando junta aos presentes [autos] o contrato de trabalho temporário, devidamente preenchido e assinado pela sua Entidade Empregadora.” - art.º 11.º.
- “O A. actua manifestamente com abuso de direito.” - art.º 12.
- “A invocação do direito que o A. pretende fazer valer nesta acção configura só por si um manifesto abuso de direito na vertente de venire contra factum proprium.” - art.º 13.º.

Confrontando os factos assim alegados com a factualidade que veio a ser dada como provada, verifica-se que a ré não logrou provar que tinha entregue ao autor o contrato de trabalho para este assinar, dois ou três dias depois de ele ter demonstrado o seu interesse em ser contratado, pois, como dos factos 27 e 28 se constata, o contrato de trabalho temporário só foi entregue ao autor em data não apurada, mas anterior a 19 de Janeiro de 2005, tendo essa entrega sido feita pelos Srs. HH (Coordenador do Departamento de Gestão e Facturação de Clientes onde o autor trabalhava) e II, no gabinete destes.

E constata-se também que a ré não logrou provar que a recusa do autor em assinar o contrato fazia parte de um plano para obter benefícios ilegítimos, nem conseguiu provar que o autor sempre tinha afirmado que assinaria o contrato, facto este que seria fundamental para que na ré se tivesse gerado a confiança de que, no futuro, o autor não invocaria a inobservância da forma escrita para daí retirar vantagens jurídicas, causando, com isso, danos à ré.

Provou-se, é certo, que o autor não assinou a primeira versão do contrato por discordar da categoria de “comunicador”que dele constava e que não assinou a segunda versão por entender que a prestação auferida a título de “prémio profissional” também devia constar do contrato e que continuou a não assinar o contrato após a ré “DD” ter elaborado um aditamento ao contrato (junto a fls. 58 dos autos) declarando que o autor auferia o dito prémio (factos 37, 38, 39 e 40), mas tal factualidade não se mostra suficiente para gerar a situação objectiva de confiança merecedora de tutela jurídica.

Acresce que a invocação da proibição do venire contra factum proprium, para obstar à invalidade da declaração negocial por inobservância da forma legalmente prescrita, quando esta constitua uma formalidade ad substanciam, como sucede no contrato de trabalho temporário, deve ser feita com mais parcimónia, por razões de segurança jurídica, devendo entender-se que tal só é admissível quando a situação criada puder “ser imputada à contraparte, por esta ter culposamente contribuído para a inobservância da forma exigida, ou então ter o contrato sido executado e ter-se a situação prolongado por largo período de tempo, sem que hajam surgido quaisquer dificuldades” (Baptista Machado, ob. cit., página 394).

Ora, como se nos afigura evidente, os factos provados não permitem concluir que a não redução a escrito do contrato de trabalho temporário possa ser imputável a conduta culposa do autor.

Não se verifica, pois, uma situação de abuso do direito por parte do autor.

O que se poderia perguntar, ainda, era se o autor não deve ser considerado trabalhador da empresa utilizadora (a “CC”) a quem foi cedido pela “DD”, pelo facto da cedência não se mostrar suportada em contrato de trabalho temporário ou no contrato referido no art.º 17.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 358/89, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 146/99, como defende a Ex.ma Procuradora-Geral-Adjunta, no seu douto parecer, invocando, em abono da sua tese, a interpretação perfilhada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 19.5.2005, proferido no processo n.º 2163/04, da 4.ª Secção, acerca do disposto no n.º 5 do art.º 18.º do Decreto-Lei n.º 358/89 (redacção da Lei n.º 146/99).

O n.º 5 do citado art.º 18.º estabelece que “[o] trabalhador que seja cedido a um utilizador sem estar vinculado à empresa de trabalho temporário por contrato celebrado nos termos do n.º 2 do art.º 17.º ou por contrato de trabalho temporário considera-se vinculado àquela empresa mediante contrato de trabalho por tempo indeterminado”.

Discutiu-se na doutrina e na jurisprudência se a expressão “àquela empresa” se referia à empresa de trabalho temporário ou a empresa utilizadora.
No acórdão invocado pela magistrada do Ministério Público e também no acórdão de 13.7.2005, proferido no processo 1173/05, entendeu-se que tal expressão se referia à empresa utilizadora, mas esse entendimento foi posteriormente abandonado pelo Supremo, como se pode ver dos acórdãos de 7.12.2005 e de 17.10.2007, proferidos, respectivamente nos processos n.º 2950/04 e 2096/07, da 4.ª Secção, sendo que tal entendimento também é claramente minoritário na doutrina, conforme disso nos dá conta a sentença da 1.ª instância (1).
Sendo o autor, como já ficou dito, um trabalhador vinculado à empresa de trabalho temporário (“DD”), por um contrato de trabalho sem termo, a sua vinculação à empresa utilizadora (“CC”) só podia resultar do disposto no art.º 10.º do D.L. n.º 358/89 (nos termos do qual o trabalho prestado pelo trabalhador passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhador, no caso do trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário), do disposto no n.º 4 do art.º 11.º do D.L. n.º 358/89 (nos termos do qual se considera que o trabalho é prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, quando o contrato de utilização de trabalho temporário, sendo celebrado com empresas, como no caso sub judice sucedeu, não é reduzido a escrito ou dele não conste a indicação dos motivos do recurso ao trabalho temporário por parte do utilizador) ou do disposto no art.º 16.º, n.º 3, do citado D.L. (nos termos do qual o trabalho se considera prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo celebrado entre o trabalhador e o utilizador, quando o contrato de utilização é celebrado com uma empresa de trabalho temporário não autorizada nos termos legais).

Sucede, porém, que, no decurso do processo, o autor nada alegou nesse sentido, sendo que da matéria de facto provada também nada consta que permita concluir pela nulidade do contrato de utilização, o qual se encontra junto aos autos (fls. 133-138), não se vislumbrando que ele padeça que qualquer vício susceptível que conduzir à conclusão de que o autor deve ser considerado trabalhador da empresa utilizadora, a “CC”.


3.2 Do despedimento
Decidido que o autor estava vinculado à ré “DD” por contrato de trabalho sem termo e estando provado que aquela ré enviou ao autor a comunicação junta a fls. 60 dos autos, datada de 2 de Março de 2005, informando-o de que o contrato a termo certo com ela celebrado em 19 de Novembro de 2004, não seria renovado, pelo que o mesmo caducaria em 18 de Março de 2005 (facto 42), é óbvio que tal comunicação se traduz num despedimento ilícito, decorrendo tal ilicitude de não estar provado (ónus que competia, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C.C.) que o tivesse decretado com justa causa apurada em processo disciplinar (artigos 411.º e 429.º do Código do Trabalho/2003, ao caso aplicável).

E a ilicitude do despedimento confere ao autor o direito a ser reintegrado, conforme peticionou e optou (facto 74) e a receber as retribuições que deixou de auferir desde o 30.º dia que antecedeu a data da propositura da acção, em 29.4.2005, ou seja, desde 30 de Março de 2005 até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal (artigos 436.º, n.º 1, alínea b) e 437.º, n.os 1 e 4, do C.T.), cujo montante terá de ser relegado para fase posterior, por falta de elementos bastantes para tal (art.º 661.º, n.º 2, do CPC).

4. Decisão
Nos termos expostos, decide-se julgar procedente a revista, revogar a decisão recorrida no que toca à absolvição da ré “DD”, condenando-se esta a reintegrar o autor, sem prejuízo da sua categoria profissional e antiguidade, e a pagar-lhe o valor correspondente às retribuições que ele teria auferido desde 30 de Março de 2005 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, cuja liquidação se relega para fase posterior, ao abrigo do disposto no art.º 661.º, n.º 2, do CPC.
Custas, nas instâncias e no Supremo, pela ré DD – Empresa de Trabalho Temporário Unipessoal, L.da.
Lisboa, 17 de Março de 2010

Sousa Peixoto (Relator)
Sousa Grandão
Pinto Hespanhol
____________
1- - No sentido de que a expressão “aquela empresa” se refere à empresa de trabalho temporário, vide: Célia Afonso Reis (“Cedência de Trabalhadores”, Almedina, 2000, páginas 80-82), Maria Regina Gomes Redinha (“A Relação Laboral Fragmentada - Estudo sobre o Trabalho Temporário”, Coimbra Editora, 1995, pág. 233 e “Trabalho Temporário: Apontamento sobre a Reforma do seu Regime Jurídico”, em “Estudos do Instituto do Direito do Trabalho”, 2.ª edição, pág. 659), Pedro Romano Martinez (“Direito do Trabalho”, Almedina, 2002, pág. 659) e Maria do Rosário Ramalho, in “Direito do Trabalho, Parte II …, páginas 273-274.
Em sentido contrário, vide Júlio Vieira Gomes (“Algumas observações sobre o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária” in “Questões Laborais, n.º 17, pág. 71).