Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1843/21.7T8CHV.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA LOBO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DE PATERNIDADE
PRESUNÇÃO DE PATERNIDADE
PRAZO DE CADUCIDADE
DESCENDENTE
PROGENITOR
TERMO
DIREITO DE AÇÃO
DIREITO À IDENTIDADE PESSOAL
Apenso:
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Numa acção de impugnação da paternidade instaurada pelos descendentes do presumido pai é irrelevante, para o efeito de alargar o prazo de caducidade estabelecido no art. 1844.º, n.º 2, do CC, o momento do conhecimento das circunstâncias de que pudesse concluir-se a não paternidade, por parte do presumido pai, por parte do cônjuge, e, ou, descendentes ou ascendentes do presumido pai.
Decisão Texto Integral:

*


I – Relatório

I.1 – relatório

AA intentou recurso de revista excepcional do acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido em 07 de Junho de 2023 que confirmou a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de ... do Tribunal Judicial da Comarca de ... que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão recorrida que julgara verificada a excepção peremptória da caducidade do direito do autor, e, em consequência, absolveu os réus do pedido.

O recorrente apresentou alegações que terminam com as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães que deu como improcedente o recurso de apelação e decidiu manter a decisão proferida pelo Tribunal da Comarca – essencialmente com base nos mesmos fundamentos – existindo dupla conforme.

2. O Recorrente está firmemente convicto que as decisões aqui em causa são tão opostas que está em causa a credibilidade da justiça, a igualdade dos cidadãos perante a Lei; a incerteza que gera a falta de clarificação, dando aso a que a sul do país de decide de uma maneira, e a norte se decide de outra; o próprio acórdão recorrido reconheceu a oposição com o acórdão-fundamento da RE; pretendendo ver aclarada a situação, essencial para a comunidade – com os vários fundamentos legais (art.º671.º,n.º2 CPC).

3. CONCLUSÃO

I. DA JUSTIFICAÇÃO DO RECURSO EXCEPCIONAL DE REVISTA

– EXISTÊNCIA DE DUPLA CONFORME:

O acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães manteve a decisão proferida pelo Tribunal da Comarca, essencialmente com base nos mesmos fundamentos, pelo que existe dupla conforme, e não seria admissível o recurso (art.º 671.º, n.º 2 do CPC).

No entanto, por se verificarem os requisitos do art.º 671.º, n.º 3, e 672.º, n.º 1, e n.º 2, do CPC, tal recurso de revista excecional é admissível.

E não existe acórdão uniformizador da jurisprudência

II - DOS FUNDAMENTOS E REQUISITOS DA REVISTA EXCEPCIONAL

4. CONCLUSÃO:

1.º- FUNDAMENTO DA REVISTA EXCEPCIONAL (art.º 672.º, n.º1 cpc): Al. C) - O acórdão da Relação aqui recorrido (RG) está em contradição com outro acórdão da Relação (RE), já transitado em julgado, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e não foi proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme.

- A contradição das decisões verifica-se sobre a forma oposta como cada um dos Tribunais da Relação decidiu e faz jurisprudência sobre a interpretação da norma jurídica e regime do art.º1844º, n.º1, al. a), do Cód. Civil:

A jurisprudência do Tribunal da Relação de Guimarães constante deste acórdão recorrido foi no sentido de que:

“IV - Assim, o prazo de 90 dias, a que se refere a alínea a) do n.º 2 do art.º 1844º do CC conta-se do falecimento do primitivo legitimado (marido, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 1842º do CC) e não do momento em que o legitimado subsidiário (no caso de morte do presumido pai, o cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens que não seja a mãe do filho, os descendentes e ascendentes, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 1844º), teve conhecimento de factos/ circunstâncias que poderiam levar a concluir pela não paternidade presumida daquele.” (nosso sublinhado)

B) O acórdão fundamento- transitado em julgado: Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 11/09/2014, proc. n.º474/04.0TBENT.E1, in www.dgsi.pt (link indicado a final), conforme cópia que se junta e se dá por reproduzida, e certidão protestada juntar a final, com base neste mesmo regime do art.º1844º, n.º1, al. a), do CC, vai no sentido oposto, referindo:

“O prazo de caducidade de 90 dias estabelecido no artigo 1844.º, n.º 2, al. a), do CC, para intentar a acção de impugnação de paternidade presumida, pelos seus ascendentes, em caso de morte do marido, não corre a partir desse decesso, se o respectivo titular não tiver conhecimento do seu direito, mas desse efectivo conhecimento (artigo 329.º CC)”.

5. CONCLUSÃO:

DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DESTE FUNDAMENTO (art.º 672.º, n.º2)

“c) Os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada, juntando cópia do acórdão-fundamento com o qual o acórdão recorrido se encontra em oposição.”

- Existe uma identidade real entre as questões decididas em ambos os acórdãos, que se prende com a questão do início da contagem do prazo para impugnar a paternidade por parte de sucessores do falecido a quem foi atribuída a paternidade de outrem que se pretende pôr em crise.

- A normas jurídicas subjacentes a ambas as decisões foram as mesmas, não tendo havido alteração legal do artigo 1844.º, n.º 2, al. a), do CC.

- Não obstante, a forma como as decisões julgam a contagem do prazo é completamente distinta, e tem repercussões essenciais na vida das pessoas.

6. CONCLUSÃO:

Existe uma frontal contradição entre os dois acórdãos das Relações, e estão verificados os pressupostos para a análise e procedência do recurso, devendo ser alterado o acórdão recorrido, no sentido da jurisprudência do acórdão fundamento da RE, produzido no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito.

7. CONCLUSÃO:

subsidiariamente, acresce que,

2.º- FUNDAMENTO DA REVISTA EXCEPCIONAL (art.º 672.º, n.º 1 cpc): Al.

B) – “Estejam em causa interesses de particular relevância social”

A apreciação da questão reveste grande relevância fundamental para a comunidade, pois as questões a decidir têm repercussão acentuada fora dos limites da causa por estarem relacionadas com valores sócio-culturais importantes, e existe o risco, por isso, de fazer perigar a eficácia do direito ou de se duvidar da capacidade das instâncias jurisdicionais para garantir a sua afirmação caso o STJ não se pronuncie em tempo oportuno sobre o assunto.

8. CONCLUSÃO:

DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DESTE FUNDAMENTO (art.º 672.º, n.º 2)

“b) As razões pelas quais os interesses são de particular relevância social;”

- São razões essenciais (impugnação da paternidade) em que está em causa a vida profunda das pessoas (a sua identidade), que também mexe com a credibilidade da justiça e a igualdade dos cidadãos perante a Lei, porque, sobre a mesma matéria - a sul do país decide-se de uma maneira, e a norte decide-se de outra, levando a desigualdades gritantes, como a que sucede in casu.

E tanto é assim de tal relevância social que, pelo ineditismo das questões, com grande visualização e repercussão nacional e visualização no estrangeiro onde reside a comunidade portuguesa (onde também foi comentado), no dia 2/07/2023, estas decisões foram objeto de análise e escrutínio público das reportagens recentemente em jornal de tiragem nacional e TV nacional, ou seja, C...... .. ..... e C..., conforme extrato de notícia de jornal, que aqui se junta e se dá por reproduzido, e link de reportagem da TV

(https://www.cmjornal.pt/portugal/detalhe/apanhou-mae-com-o-tio-e-quer-apagar-nome-do-pai-do-registo-de-paternidade-do-irmao)

9. CONCLUSÃO:

subsidiariamente, acresce que,

3.º- FUNDAMENTO DA REVISTA EXCEPCIONAL (art.º 672.º, n.º 1 cpc):

Al. A) – “Esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;”

- A questão jurídica em causa é controversa, atual e com repercussão social e debatida na jurisprudência, como resulta da própria exposição do AC. recorrido, que aborda a contradição completa com o acórdão fundamento destes autos, pelo que se se impõe a resolução uniformizada, que, sendo inédita, deve ser resolvida em ordem a poder servir de futura orientação (jurisprudencial e não só).

- Para efeitos de melhor aplicação do direito há relevância jurídica in casu por a questão se apresentar complexa, de difícil resolução, a exige estudo e decisão para futuro, pondo termo a que se decida de forma tão díspar a vida das pessoas, conforme residam a sul a norte do país.

10. CONCLUSÃO:

DA VERIFICAÇÃO DOS REQUISITOS DESTE FUNDAMENTO (art.º 672.º, n.º 2)

“a) As razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito;”

A apreciação desta questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito sendo os interesses em causa de particular relevância social.

É necessário uniformizar a jurisprudência, sob pena de em casos iguais se tomarem decisões diversas, colocando em causa a certeza jurídica e a confiança dos cidadãos na aplicação do direito; bem como os direitos fundamentais e a igualdade de todos os cidadãos perante a lei.

11. CONCLUSÃO:

OU SE DETERMINA QUE:

“O prazo de caducidade de 90 dias estabelecido no artigo 1844.º, n.º 2, al. a), do CC, para intentar a acção de impugnação de paternidade pelos herdeiros legítimos do falecido, em caso de morte do marido, conta a partir do conhecimento dos factos,

OU SE JULGA QUE:

Esse mesmo prazo se conta desde a morte da pessoa, independentemente do conhecimento efectivo dos factos para interpor essa ação de impugnação (art. 329.º CC)”.

A clarificação das questões é necessária e essencial para um melhor direito, pelo que, também por este motivo, deve o recurso ser admitido e procedente.

Nestes termos e nos melhores de direito, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente recurso ser admitido, e ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, e alterando-se a decisão da 1.ª instância, em conformidade com a jurisprudência do acórdão fundamento aqui invocado e junto (AC. Relação de Évora de 11/09/2014, proc. n.º474/04.0TBENT.E1), que deve ser fixada e uniformizada, tudo com as legais consequências (mormente ordenar a prossecução dos autos para produção de prova desses factos alegados).

Não foram apresentadas contra-alegações.


*


I.2 – Questão prévia - admissibilidade do recurso

O recurso de revista excepcional foi admitido por acórdão da Formação a que se refere o art.º 672.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.


*


I.3 – O objecto do recurso

Tendo em consideração o teor das conclusões das alegações de recurso e o conteúdo da decisão recorrida, cumpre apreciar a seguinte questão:

1. Termo inicial do prazo de caducidade estabelecido no artigo 1844.º, n.º 2, al. a), do Código Civil.


*


I.4 - Os factos

O acórdão recorrido considerou relevantes para a decisão do recurso os seguintes factos:

a. DD casou com CC a ... de Maio de 1986 (assento de casamento junto com a petição inicial sob o documento n.º 2);

b. A .... de Agosto de 1986 nasceu AA, constando do respectivo assento de nascimento que é filho de DD, casado e CC, casada (assento de nascimento junto com a petição inicial sob o documento 6);

c. A ... de ... de 1995 nasceu BB, constando do respectivo assento de nascimento que é filho de DD, casado e CC, casada (assento de nascimento junto com a petição inicial e não numerado);

d. CC intentou acção de divórcio sem consentimento contra DD, a qual correu termos no J 1 do Juízo Local Cível de ... – Tribunal Judicial da Comarca de ... sob o n.º 1449/18.8... (sentença proferida nos autos referidos e junta à PI sob o documento n.º 5).

e. A 14/11/2018 e na referida acção, o ali R. DD apresentou contestação com reconvenção em que, além do mais, alegou:

“6.º Na verdade, no mês de Agosto de 2018 o A descobriu, através do seu filho, que a Autora tinha um amante, que é o seu cunhado, padrinho do seu próprio filho BB.

7.º O filho da Autora e do Réu, na noite do dia ... de Agosto de 2018, AA, encontrou a sua mãe, aqui Autora, no quarto da casa do casal, com o seu amante, seu tio, este ainda a tentar vestir-se, conforme as duas fotografias, que se juntam e se dão por reproduzidas sob DOCS. 1 e 2.

8.º O que constituiu uma vergonha e ofensa para o Autor e toda a família, tendo-se envolvido duas pessoas que eram familiares, pondo em causa todo o equilíbrio daquelas famílias.

9.º Uma vez apanhados naquelas circunstâncias, o filho da Autora confrontou-a com essa opção tão chocante, tendo a Autora respondido que: “não era só sexo, mas amor”, e que já andavam juntos desde que ela tinha 21 anos de idade.

10.º Perante tal confissão tão chocante e trágica, o filho do Réu questionou-a do porquê de não se ter divorciado, ao que ela respondeu que estavam à espera que morressem os cônjuges respectivos, para não perderem bens e casas.” (a contestação apresentada no processo de divórcio, junta com a contestação dos RR. nestes autos).

f. DD faleceu a ... de ... de 2019, no estado de casado com CC. (assento de óbito junta com a petição sob o documento n.º 4).

g. A referida acção de divórcio foi prosseguida pelo aqui A., AA, tendo vindo, a .../02/2021, a ser proferida sentença onde, além do mais, ficou provado que:

“ (…)

2. A Autora/reconvinda, pelo menos desde Agosto de 2018 que mantém um relacionamento extraconjugal com um cunhado. (…)” (sentença proferida nos autos referidos e junta à PI sob o documento n.º 5).

h. A presente acção foi instaurada a 30/11/2021.

II – Fundamentação

1. Termo inicial do prazo de caducidade estabelecido no art.º 1844.º, n.º 2, al. a), do Código Civil

A presente acção de impugnação de paternidade foi instaurada por AA, também filho do pai do réu BB.

BB nasceu em ... de ... de 1995 constando do respectivo assento de nascimento que é filho de DD e de CC, estes casados entre si desde ... de Maio de 1986.

DD faleceu em ... de ... de 2019, no estado de casado com CC, sem haver instaurado qualquer acção de impugnação da paternidade relativa a BB.

Na data do falecimento de DD corria termos a acção de divórcio sem consentimento de outro cônjuge instaurada em ... de Agosto de 2018 por CC, visando obter a dissolução do casamento por divórcio. Nesta acção o réu (DD) apresentou contestação em 14/11/2018 onde alegou um relacionamento amoroso da ré com outro homem, na constância desse matrimónio, desde os 21 anos da ali autora, e aqui ré, o que coincidiria com o final de 1986/1987 dado que o assento de nascimento do aqui recorrente, junta com a petição inicial, indica que a ré CC em .... de Agosto de 1986 tinha 20 anos, facto repetido no assento de casamento dos pais do recorrente ocorrido em ... de Maio de 1986.

Na acção de divórcio veio a ser considerado provado que: “A Autora/reconvinda, pelo menos desde Agosto de 2018 que mantém um relacionamento extraconjugal com um cunhado”.

Não se mostra definido nem na acção de divórcio que vem sendo mencionada, nem nesta acção que DD antes de Agosto de 2018 tivesse conhecimento do relacionamento extraconjugal da recorrida CC, ou que, por outra razão, tivesse tido conhecimento de circunstâncias de que pudesse concluir a sua não paternidade em relação a BB.

O teor da contestação que DD apresentou na acção de divórcio que dissolveu o seu matrimónio significa que teve conhecimento de circunstâncias de que pudesse concluir a sua não paternidade em relação a BB pelo menos na data da sua apresentação em juízo. Ora tendo em conta o disposto no art.º 1842.º, n.º 1, a) do Código Civil poderia ter instaurado acção para impugnação da paternidade contra BB até 14/11/2021 [14/11/2018 + 3 anos = 14/11/2021], caso não tivesse falecido, entretanto, como veio a ocorrer.

Tendo em conta o falecimento de DD sem instauração da acção de impugnação de paternidade, os seus descendentes, nomeadamente o filho aqui recorrente tinha legitimidade para instaurar a referida acção de impugnação de paternidade que o seu pai poderia ter instaurado até 14/11/2021, ao abrigo do disposto no art.º 1844.º, n.º 1, a) do Código Civil.

Porém o direito do recorrente de instaurar a presente acção tem, por força da lei, art.º 1844.º, n.º 2, a) do Código Civil que ser exercido no prazo de 90 dias a contar da morte do presumido pai, ou seja, no presente caso até 20/05/2019 [18 de Fevereiro de 2019 + 90 dias = 20/05/2019]. A presente acção foi instaurada a 30/11/2021, muito depois de completado o prazo de caducidade fixado na lei.

Resulta expressamente do art.º 1844 do Código Civil que a transmissão do direito de propor a acção de impugnação de paternidade por parte do cônjuge, e, ou, descendentes ou ascendentes do presumido pai tem de cumprir os seguintes requisitos cumulativos:

1. Estar em curso o prazo estabelecido nos artigos 1842.º e 1843.º do Código Civil;

2. Estar em curso o prazo de 90 dias contados da morte do presumido pai.

O momento do conhecimento das circunstâncias de que pudesse concluir-se a sua não paternidade, por parte do presumido pai, por parte do cônjuge, e, ou, descendentes ou ascendentes do presumido pai é irrelevante para o efeito de alargar o prazo de caducidade estabelecido no art.º 1844.º, n.º 2 do Código Civil. Esse conhecimento seria relevante para determinação do prazo de propor a acção por parte do presumido pai – art.º 1842.º, n.º 1, a) do Código Civil -.

A diferença de tratamento das duas situações em termos legislativos decorre da natureza dos diferentes direitos em discussão numa e noutra acção. A acção de impugnação de paternidade instaurada pelo presumido pai no prazo de três anos contados desde que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se a sua não paternidade, paralelamente ao que acontece com a instaurada pelo filho dentro de três anos a contar da data em que teve conhecimento de circunstâncias de que possa concluir-se não ser filho do marido da mãe destinam-se a permitir o exercício dos direitos fundamentais à identidade pessoal e à identidade genética do ser humano, com tutela constitucional. A instauração da acção de impugnação de paternidade por parte de um descendente do presumido pai é um instrumento legal para fazer valer outro tipo de direitos de ordem patrimonial, familiar e social com vista a obter a clarificação de quem integra a família, obviamente legítimos, mas de protecção com menor força jurídica porque exteriores ao núcleo dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Contrariamente ao entendido no acórdão fundamento, o art.º 329.º do Código Civil não estabelece a regra de que o prazo de caducidade apenas começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. Esse mesmo preceito expressamente refere que assim será se a lei não fixar outra data, que fixou, para estas situações no art.º 1844.º, n.º 2, a) do Código Civil.

Trata-se de uma clara opção legislativa, conforme à Constituição da República Portuguesa, como analisado no acórdão 747/2022 do Tribunal Constitucional proferido em 4 de Novembro de 2022 no processo 362/20, acessível em www.tribunalconstitucional.pt, que trata de forma diferente diversos direitos e situações jurídicas, que o julgador não pode afastar.

O acórdão recorrido procedeu a uma correcta aplicação do direito aos factos provados, a determinar a sua confirmação.


***


III – Deliberação

Pelo exposto acorda-se em negar a revista e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.


*


Lisboa, 11 de Janeiro de 2024

Ana Paula Lobo (relatora)

João Cura Mariano

Fernando Baptista de Oliveira