Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04B4700
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO
SEGREDO PROFISSIONAL
SIGILO BANCÁRIO
Nº do Documento: SJ200501270047007
Data do Acordão: 01/27/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL COIMBRA
Processo no Tribunal Recurso: 1291/04
Data: 07/07/2004
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1. O bem jurídico tutelado pela protecção do segredo bancário, como segredo profissional, em primeira linha é o da confiança dos clientes na discrição dos seus interlocutores nas informações familiares, pessoais e patrimoniais, em vertente de defesa privada, simples relativa se concernente ao apuramento de dados envolventes de situações patrimoniais.

2. As instituições de crédito devem opor o sigilo bancário a quem não seja titular da conta ou seu sucessor, salvo se por ele autorizados a prestar a pretendida informação, ou se ocorrer alguma das restantes situações de excepção a que se reporta o artigo 79º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.

3. A recusa por uma instituição de crédito de fornecer ao tribunal elementos sobre o movimento de contas de depósito da ré, a requerimento da autora ou por sugestão do perito por ela indicado, não infringe os princípios do dispositivo, da cooperação para a descoberta da verdade ou do acesso ao direito e aos tribunais, a que se reportam os artigos 265º, nº 3 e 519º, nº 1, do Código de Processo Civil e 20º, nº 1, da Constituição, respectivamente.

Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I

"A"-Fábrica de Moldes e Plásticos Ldª intentou, no dia 16 de Setembro de 1996, contra B e "C" Ldª, acção declarativa de condenação, com processo ordinário, com fundamento em simulação entre as rés do contrato de compra e venda de um prédio, pedindo a declaração desse vício com vista a que a primeira, com aquele imóvel no seu património, cumprisse os contratos consigo celebrados, atribuindo-lhe o valor processual de dois milhões e um escudos, alterado pelo juiz, no dia 26 de Maio de 1997, para 150 000 000$.

Foi-lhe concedido, no dia 26 de Maio de 1997, o apoio judiciário na modalidade de dispensa de preparos e do pagamento de custas, e fixado à causa o valor de 150 000 000$.

A autora, no instrumento de oferecimento de prova, apresentado no dia 1 de Junho de 1998, requereu ao Banco "D" SA, Marinha Grande, a fim de juntar ao processo o extracto da conta de depósitos à ordem de B referente a cheques e fotocópias deles, e ao "E", SA e ainda, no mesmo sentido, ao Banco "F", SA.

O Banco "D", SA e o "E", SA solicitaram ao tribunal da 1ª instância a legislação que lhes permitisse violar o segredo bancário e o Banco "F", SA respondeu no sentido de recusar a ordem do tribunal sem autorização expressa do seu cliente, que aguardava.

No dia 14 de Setembro de 1998, "A"-Fábrica de Moldes e Plásticos Técnicos Ldª requereu no tribunal da 1ª instância que ordenasse às mencionadas entidades bancárias o cumprimento do despacho acima mencionado e de lhe remeterem os elementos solicitados com vista à descoberta da verdade material, e, no dia 29 de Setembro de 2003, expressou que os elementos solicitados pelo tribunal à banca eram necessários para a descoberta da verdade material, designadamente para que os peritos pudessem realizar eficazmente o seu trabalho, reiterando dever ser ordenado à banca que os fornecesse.

O tribunal da 1ª instância, em despacho proferido no dia 3 de Outubro de 2003, declarou que, independentemente da questão do apuramento da verdade, por existir sigilo bancário, no qual o Banco "G", SA se escudava para não fornecer os aludidos elementos, não se lhe poder exigir que os oferecesse.

"A"-Fábrica de Moldes e Plásticos Técnicos Ldª requereu, no dia 21 de Outubro de 2003, o esclarecimento do aludido despacho, sobre o qual recaiu despacho judicial no sentido de que nele se especificava que a razão pela qual não se podia obrigar o notificado a prestar os esclarecimentos pretendidos, a lei do sigilo bancário, constituía excepção ao regime regra do artigo 519º do Código de Processo Civil e que o desacordo relativamente ao seu teor devia ser impugnado por outras vias.

Recorreu "A"-Fábrica de Moldes e Plásticos Técnicos Ldª e a Relação, por acórdão proferido no dia 7 de Julho de 2004, negou provimento ao recurso.

Interpôs "A", Ldª recurso de agravo para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:

- é aplicável no caso vertente o artigo 519º do Código de Processo Civil Revisto;

- nos termos do artigo 29º do Código Comercial, os comerciantes são obrigados a ter livros que dêem a conhecer, fácil, clara e precisa, as suas operações comerciais e de fortuna;

- da escrita regularmente arrumada é parte integrante e intrínseca a documentação que sirva de base a qualquer lançamento contabilístico, e pelo depósito ou levantamento feitos em banco deve existir documento que os descreva;

- os peritos necessitam do acesso a todos os mencionados elementos para levaram a cabo a realização da diligência pericial requerida pela recorrente e aceite pelo tribunal;

- em cumprimento do disposto nos artigos 519º do Código de Processo Civil e 29º do Código Comercial, as recorridas, ou apresentam os documentos aos peritos ou os requisitam às entidades em que se encontrem, para integrarem as respectivas escritas, ou autorizam os peritos a requisitar-lhos;

- o sigilo bancário não é absoluto em termos de afectar o direito de acesso à justiça ou o dever cooperação processual civil, e a aplicação do Decreto-Lei nº 2/78 ao caso vertente contraria a Constituição;

- o despacho recorrido violou os artigos 29º do Código Comercial, 344º, nº 2, do Código Civil, 2º, 265º, nº 3 e 519º do Código de Processo Civil e 20º da Constituição;

- deve o acórdão recorrido ser substituído por outro que declare que o requerido pelos peritos não viola o sigilo bancário - artigo 1º do Decreto-Lei nº 2/78, de 9 de Janeiro, pelo que deve ser dado cumprimento ao requerido;

- quando assim se não entenda, devem as recorridas ser notificados para exibirem aos peritos os documentos de que eles necessitem ou lhes forem solicitados e que legalmente façam parte integrante das suas escritas, dando autorização para tal se for caso disso, nos termos do nº 2 da Lei nº 2, de 1 de Setembro de 1978, a fim de completarem a peritagem, sob pena das cominações dos artigos 519º do Código de Processo Civil e 344º, nº 2, do Código Civil.

II

É a seguinte a dinâmica processual que releva no recurso:

1. Foi quesitado no âmbito da acção sobre se as rés acordaram na retirada do imóvel do património de "B", Ldª para prejudicar a autora e os seus credores.

2. A autora, na diligência pericial que requereu, com vista à prova dos factos mencionados sob 1, formulou quesitos no sentido de saber se com a passagem gratuita do edifício da ré B para a ré "C", Ldª agravou mais a possibilidade de a primeira satisfazer os seus débitos na medida em que tal acto diminui o património da primeira das referidas rés, e no período de Agosto a Dezembro de 1993 quais tinham sido os cheques por ela passados a favor do sócio H e respectivo montante.

3. A autora, no instrumento de oferecimento de prova requereu que o tribunal oficiasse ao Banco D, SA, Marinha Grande, a fim de juntar ao processo o extracto da conta de depósitos à ordem de B referente a cheques e fotocópias deles, e ao "E", SA e ainda, no mesmo sentido, ao Banco "F", SA, o que foi deferido e executado.

4. O Banco "D", SA e o "E", SA solicitaram ao tribunal da 1ª instância a informação da legislação que lhes permitia violar o segredo bancário e o Banco "F", SA respondeu no sentido de recusar a ordem do tribunal sem autorização expressa do seu cliente que aguardava.

5. A autora requereu no tribunal da 1ª instância, no dia 14 de Setembro de 1998, que ordenasse às mencionadas entidades bancárias o cumprimento do despacho mencionado sob 3 e a remessa dos elementos solicitados com vista à descoberta da verdade material.

6. No dia 29 de Setembro de 2003, a autora expressou ao tribunal que os elementos solicitados pelo tribunal àqueles bancos eram necessários para a descoberta da verdade material, designadamente para que os peritos pudessem realizar eficazmente o seu trabalho, reiterando dever ser-lhes ordenado que os fornecessem.

7. O tribunal da 1ª instância, em despacho proferido no dia 3 de Outubro de 2003, declarou que, independentemente da questão do apuramento da verdade, por existir sigilo bancário em que o Banco "G", SA se escudava para não fornecer os aludidos elementos, não lhe poder ser exigido que os oferecesse.

8. A autora requereu ao tribunal, no dia 21 de Outubro de 2003, o esclarecimento do despacho mencionado sob 7, tendo o respectivo juiz proferido outro, expressando que nele se especificava que a razão pela qual não se podia obrigar o notificado a prestar os esclarecimentos era o sigilo bancário e que isso constituía excepção ao regime regra do artigo 519º do Código de Processo Civil.

III

A questão essencial decidenda é a de saber há ou não fundamento legal para a insistência junto da banca no sentido de fornecer informações sobre a conta de depósitos de "B" Ldª.

Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação da recorrente, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:

- âmbito do recurso de agravo em causa;

- síntese do regime legal do segredo bancário;

- âmbito do princípio do inquisitório e do dever de colaboração de terceiros com a administração da justiça;

- interpretação normativa operada pela Relação implicou ou não a violação do princípio constitucional do acesso ao direito e aos tribunais?

- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.

Comecemos pela delimitação do âmbito do recurso de agravo em causa, tendo em conta o objecto do acórdão recorrido.

A recorrente termina o elenco das suas conclusões de alegação de modo essencialmente idêntico ao que fizera no recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da 1ª instância, expressando dever declarar-se que o requerido pelos peritos não viola o sigilo bancário e dar-se cumprimento ao que requerera naquele tribunal, ou se assim não fosse, notificarem-se as recorridas para exibirem aos peritos os documentos de que necessitem para complementar a peritagem e ou forem solicitados que legalmente façam parte integrante das suas escritas ou darem autorização para tal se for caso disso.

Todavia, a Relação, tendo em conta o conteúdo do despacho proferido pelo juiz da 1ª instância, delimitou o objecto do recurso de agravo daquele despacho à questão de saber se o tribunal devia ou não, face às normas relativas ao sigilo bancário, obrigar o Banco G, SA a fornecer as pretendidas informações.

A recorrente não impugnou a referida limitação pela Relação do objecto do recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da 1ª instância, pelo que, no recurso de agravo em análise, apenas se conhecerá da mesma problemática, que assim constitui o seu exclusivo objecto.

2.

Atentemos agora na síntese do regime legal do segredo bancário em tanto quanto releva no recurso.

O sigilo bancário em Portugal foi estabelecido pelo Regulamento Administrativo aprovado pelo Decreto de 25 de Janeiro de 1847, depois pelos artigos 1º, n.ºs 1 e 2, e 6º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 47 909, de 7 de Setembro de 1967, depois pelos artigos 63º, n.º 1 e 64º do Decreto-Lei n.º 644/75, de 15 de Novembro, depois pelos artigos 7º e 8º do Decreto-Lei n.º 729-F/75, de 22 de Dezembro, depois pelo Decreto-Lei n.º 2/78, de 9 de Janeiro e, actualmente, pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que regula o processo de estabelecimento e o exercício da actividade das instituições de crédito e das sociedades financeiras.

No caso vertente, tendo em conta a data em que a agravante requereu a aludida informação bancária por via de diligência judicial, é o disposto no último dos mencionados diplomas que releva.

O referido diploma regula o estabelecimento e o exercício da actividade de duas categorias de entidades, ou seja, as instituições de crédito e as sociedades financeiras, caracterizando as primeiras como as empresas cuja actividade consiste em receber do público depósitos ou outros fundos reembolsáveis, a fim de os aplicarem por conta própria mediante a concessão de crédito (artigos 1º e 12º do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).

Os membros dos órgãos de administração ou de fiscalização das referidas instituições de crédito, os seus empregados, mandatários, comitidos ou outras pessoas que lhe prestem serviços a título permanente ou ocasional não podem revelar ou utilizar informações sobre factos ou elementos respeitantes à vida da instituição ou às relações dela com os seus clientes, cujo conhecimento lhes advenha exclusivamente do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (artigo 78º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).
Estão, designadamente, sujeitos a segredo os nomes dos clientes, as contas de depósito e seus movimentos e outras operações bancárias, o qual não cessa com o termo das funções ou serviços (artigo 78º, n.ºs 2 e 3, pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro).
O bem jurídico tutelado pela protecção do segredo bancário, como segredo profissional, é, em primeira linha, o da confiança dos clientes, na discrição dos seus interlocutores nas informações familiares, pessoais e patrimoniais, em vertente de defesa privada simples relativa, porque concernente ao apuramento de dados envolventes de situações patrimoniais.
Daí que os factos ou elementos das relações do cliente com a instituição bancária abrangidos pelo segredo bancário só podem ser revelados, sob autorização do primeiro ou ao Banco de Portugal, à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e ao Fundo de Garantia de Depósitos, em qualquer caso no âmbito das suas atribuições, nos termos previstos na lei penal e de processo penal ou de algum outro normativo que expressamente limite o dever de segredo (artigo 79º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro).
Tendo em conta a letra e o fim da lei, as instituições de crédito devem opor o sigilo bancário a quem não seja titular da conta ou seu sucessor, salvo se aquele o autorizar, ou nas restantes situações de excepção a que se reporta o mencionado artigo 79º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.

3.

Vejamos agora o âmbito do princípio do inquisitório e do dever de colaboração de terceiros com a administração da justiça, em tanto quanto releva no recurso.

No âmbito da garantia de acesso aos tribunais, estabelece a lei ordinária que, em regra, a todo o direito corresponde a acção adequada a fazê-lo reconhecer em Juízo e os procedimentos necessários ao acautelamento do seu efeito útil (artigo 2º, nº 2, do Código de Processo Civil).

No quadro do princípio do inquisitório, incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer (artigo 265º, nº 3, do Código de Processo Civil).

Trata-se dos factos articulados pelas partes, dos factos instrumentais e dos complementares derivados da discussão da causa, quanto aos requeridos que sejam considerados e ouvida a parte contrária, e os notórios (artigos 264º, 514º e 664º do Código de Processo Civil).

Mas o juiz não pode, ao abrigo do disposto no mencionado normativo, como é natural, provocar, por via da requisição de alguma informação, a violação pela entidade requisitada do segredo profissional a que ela esteja legalmente vinculada.

A propósito do dever de cooperação, de quem não for parte no processo para a descoberta da verdade, resulta da lei dever colaboração, respondendo ao que lhes for perguntado, facultando o que lhe for requisitado e praticando os actos que lhes forem determinados, e que a recusa é sancionada com multa, sem prejuízo da implementação dos possíveis meios coercitivos (artigo 519º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Mas a recusa é legítima se o cumprimento do requisitado ou ordenado implicar violação do sigilo profissional (artigo 519º, nº 3, alínea c), do Código de Processo Civil).

Deduzida a escusa de informação com fundamento no sigilo profissional, é aplicável, com as adaptações impostas pela natureza dos interesses em causa, o disposto na lei de processo penal acerca da verificação da sua legitimidade e da dispensa do dever de sigilo invocado (artigo 519º, nº 4, do Código de Processo Civil).

Decorrentemente, a afirmação de escusa fundada em sigilo profissional que tenha ocorrido no tribunal da 1ª instância constitui fundamento da implementação de incidente tendente à sua quebra, com vista à efectivação da pretendida cooperação com a administração da justiça, cuja decisão incumbiria à Relação sob a ponderação do interesse preponderante no respectivo confronto (artigo 135º, nºs 1 a 3, do Código de Processo Penal).

É na decisão final do mencionado incidente que o órgão decisor do tribunal superior, perante os factos probandos na acção e a natureza e o relevo dos interesses da parte que os afirmou para tema de prova e o fim do segredo bancário, deverá ponderar sobre a adequação de proporcionalidade da sua dispensa.

4.

Atentemos agora sobre se a Relação interpretou e aplicou algum normativo em termos de violação do princípio do acesso ao direito e aos tribunais.

A Constituição expressa que a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos (artigo 20º, nº 1).

Atentando no conteúdo do acórdão recorrido, vê-se claramente que Relação não interpretou nem aplicou qualquer norma da lei ordinária em termos de afectar o acesso ao direito e aos tribunais para defesa do direito invocado pela recorrente.

Com efeito, aplicando no caso vertente do regime do segredo bancário, seja o que constava do Decreto-Lei n.º 2/78, de 9 de Janeiro, seja o que consta actualmente, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, limitou-se a interpretá-lo no confronto com o disposto no artigo 519º, nºs 1 e 3, alínea c), do Código de Processo Civil, na conformidade do ordenamento jurídico global, incluindo o próprio artigo 20º, nº 1, da Constituição.

Não ocorreu, por isso, no acórdão recorrido interpretação normativa contra o disposto na Constituição ou algum dos princípios nela consignados.

5.

Atentemos, finalmente, síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos e da lei.

A propósito da obrigatoriedade da escrita comercial, expressa a lei que os comerciantes são obrigados a ter livros que dêem a conhecer, fácil, clara e precisamente, as suas operações comerciais (artigo 29º do Código Comercial).

Relativamente à inversão do ónus da prova, a lei estabelece que ela também ocorre quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado, sem prejuízo das sanções que a lei de processo mande especialmente aplicar à desobediência ou às falsas declarações (artigo 344º, nº 2, do Código Civil).

Tendo em conta a dinâmica processual assente e que foi objecto do recurso de agravo do despacho proferido no tribunal da 1ª instância, certo é que ela não envolve a aplicação do disposto nos artigos 29º do Código Comercial e 344º, nº 2, do Código Civil.

Ademais, os factos provados não revelam que a titular da conta de depósitos em causa tenha autorizado o Banco G, SA a operar a informação documentada pretendida pela recorrente nem existe normativo legal que limite o segredo bancário em causa.

Tal como não revelam que haja sido implementado o incidente de dispensa do sigilo bancário, nem mesmo que se trate de recusa de prestação da referida informação fundamentada por parte do Banco G, SA, certo que este apenas solicitou ao tribunal a indicação das normas justificativas da violação da sua obrigação de sigilo profissional.

Não ocorre, assim, na espécie, qualquer das situações de licitude de violação do segredo bancário a que se reporta o artigo 79º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro.

Daí que a recusa de prestação da mencionada informação documentada por parte do Banco G, SA em relação aos elementos da conta de depósito da titularidade de B seja insusceptível de ofender o disposto no artigo 519º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Por isso, inexiste fundamento legal para que o Banco G, SA seja mais uma vez intimado a fim de operar a informação em juízo pretendida pela recorrente.
A interpretação normativa conducente à referida conclusão não implica violação do artigo 20º, nº 1, da Constituição nem de qualquer princípio nela consignado.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencida, e por causa disso, é a recorrente responsável pelo pagamento das custas relativas ao recurso (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).

Todavia, como ela beneficia do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, tendo em conta o disposto nos artigos 15º, nº 1, 37º, nº 1, 54º, nºs 1 a 3, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, 57º, nº 1, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nº 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que nesta sede seja condenada no pagamento de custas.


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.

Lisboa, 27 de Janeiro de 2005.
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís