Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
05B4071
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: QUESTÃO NOVA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
ARRENDAMENTO RURAL
DIREITO DE PREFERÊNCIA
MUNICÍPIO
AQUISIÇÃO DE IMÓVEL
Nº do Documento: SJ200512150040717
Data do Acordão: 12/15/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL GUIMARÃES
Processo no Tribunal Recurso: 2250/04
Data: 02/16/2005
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. Questões novas em sede de recurso são aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido, por lá não terem sido suscitadas nem serem de conhecimento oficioso, situação que é diversa da incumbência dos tribunais em geral de seleccionar, interpretar e aplicar aos factos provados as normas jurídicas correspondentes, independentemente da sua alegação pelas partes.
2. Não é questão nova em sede de recurso de apelação a argumentação baseada em factos provados de que a afectação do prédio adquirido à instalação de equipamentos de interesse público impedia o exercício de preferência na compra pelo respectivo arrendatário rural.
3. Não ocorre nulidade do acórdão por omissão de pronúncia se a Relação decidiu não conhecer da referida argumentação sob a motivação de se tratar de questão nova.
4. O exercício do direito preferência em geral, escudado embora em algum fim social, sempre envolve a limitação ao direito de propriedade, pelo que se configura como figura jurídica de carácter excepcional.
5. Ao direito de preferência dos arrendatários rurais previsto no artigo 28º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, é analógica e adaptadamente aplicável o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do Código Civil.
6. O referido direito legal de preferência visa o interesse dos arrendatários rurais de acesso à propriedade da terra por eles trabalhada e o interesse colectivo de fomento da sua exploração por profissionais da agricultura.
7. É excluído o direito de preferência do arrendatário rural na aquisição pelo Município do prédio arrendado por via de contrato de compra e venda atípico de direito privado substitutivo do procedimento de expropriação, no âmbito de um plano em execução de implantação de equipamentos de interesse colectivo, em conformidade com o respectivo plano director municipal.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

I
"A" e B intentaram, no dia 16 de Novembro de 2000, contra o Município de Guimarães, C, D e E, F e G, H e I, J e K, L e M, N e O, P, Q e R, e S, acção declarativa de constitutiva, com processo ordinário, pedindo a declaração de substituição da Câmara Municipal de Guimarães como compradora, contra o depósito do preço, de identificado prédio rústico que os outros réus lhe venderam, invocando para o efeito o seu direito de preferência na compra e venda em razão de serem dele arrendatários rurais.
O Município de Guimarães expressou não serem exactas as afirmações dos autores e que adquiriu o prédio em causa no quadro da sua política de planeamento e na realização do interesse colectivo, e os autores, responderam que têm direito de preferência na venda e que os interesses do primeiro devem ser equacionados no confronto com os seus
Aos autores foi concedido o apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de taxa de justiça e custas e, realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença no dia 23 de Fevereiro de 2004, que declarou o direito legal de preferência dos autores na compra e venda do prédio em causa.
Apelou o réu, e a Relação, por acórdão proferido no dia 16 de Fevereiro de 2005, negou provimento ao recurso.

Interpôs o apelante recurso de revista, formulando, em síntese, as seguintes conclusões de alegação:
- o acórdão recorrido não se pronunciou sobre as diversas questões de direito suscitadas nas conclusões de alegação, pelo que é nulo nos termos dos artigos 205º, nº 1, da Constituição, 158º, 660º, nº 2, 668º, nº 1, alínea d) e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil;
- ao entender que as referidas questões escapavam à sua sindicabilidade, o acórdão recorrido não cumpriu o disposto nos artigos 1º, 6º e 8º do Código Civil, 156º, nº 1, 264º e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, 2º e 4º, nº 1, da Lei de Organização
e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 202º, nº 1, da Constituição, denegando a justiça;
- visou a alienação em causa salvaguardar o interesse de política geral e social previsto em plano director municipal e objecto de deliberações de órgãos autárquicos competentes, tendo subjacente a afectação obrigatória do prédio a fim de cultivo durante os cinco anos subsequentes e a subordinação a outras condições;
- a alienação ocorreu já em fase de negociações encetadas nos termos do artigo 11º, nº 1, do Código das Expropriações, e a vontade das partes não se formou de forma inteiramente livre porque sabiam que, não fosse o acordo, prosseguiria o processo de expropriação;
- prevenindo situações previstas no processo de expropriação não contempladas na simples compra e venda, o contrato em causa é uma composição do tipo do contrato de transacção, não comportada pelo artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro;
- essenciais à formulação da vontade de contratar por configurarem a própria vontade coerciva de transmissão do direito sobre o prédio, os recorridos não podem satisfazer várias das cláusulas do contrato que o recorrente celebrou;
- acautelados que estão os interesses dos recorridos arrendatários, não faz sentido que o artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, prevaleça sobre o que o artigo 25º, nº 1, do mesmo diploma prescreve;
- a materialidade subjacente justifica a interpretação restritiva do conteúdo da lei no sentido da inexistência do direito de preferência do arrendatário rural cultivador directo invocado como causa de pedir;
- o acórdão recorrido infringiu o disposto na Resolução do Conselho de Ministros nº 101/94, de 13 de Outubro, e Decreto-Lei nº 328/72, de 22 de Agosto, nos artigos 9º, 236º, 237º, 270º, 271º, 874º, 879º, 882º, nº 1, 1248º, 1251º, 1302º, 1305º, 1306º, nº 1, 1308º, 1310º do Código Civil, 1º, 2º, 9º, 11º, 12º, nº 1, alínea b) e 30º do Código das Expropriações de 1999, e 25º e 28º do Decretos-Leis nºs 385/88, de 25 de Outubro;
- o processo deverá baixar à Relação para apreciar as questões de direito oportunamente suscitadas e não decididas e deve proceder o recurso de revista.

Responderam os recorridos, em síntese de conclusão de alegação:
- o tribunal não pode conhecer das questões novas suscitadas pelo recorrente, que representam uma perspectiva completamente diferente daquela que ele apresentou na contestação;
- o contrato celebrado é de compra e venda, e a discussão se é ou não um contrato desse tipo envolve uma questão nova, porque não suscitada na contestação;
- o acórdão recorrido não é nulo, porque se pronunciou sobre todas as questões de que devia conhecer:
- têm direito de preferência na venda do prédio por dele serem arrendatários rurais.

Por acórdão proferido no dia 15 de Junho de 2005, a Relação pronunciou-se no sentido negativo sobre a nulidade arguida pelo recorrente, afirmando que este, ao pretender o alargamento da discussão a aspectos novos nunca trazidos ao processo, que lhe estava vedada, extravasava da função do recurso.

II
É a seguinte a factualidade declarada provada no acórdão recorrido:
1. A propriedade agrícola denominada Quinta do Costeado, sita no lugar de seu nome, freguesia de Creixomil, Município de Guimarães, constituída por casa de habitação e lavoura, anexos e vários campos de cultivo, foi arrendada ao bisavô do autor, T, por antecessores dos réus, no princípio do século dezanove, através de documento escrito que se extraviou, para cultivar em condições de uma exploração regular, contra o pagamento de uma retribuição anual de cereal e parceria no vinho, por períodos anuais, sucessivamente renovados, de Santos a Santos, de 31 de Outubro a 1 de Novembro do ano seguinte.
2. Os autores são, há cerca de 60 anos, arrendatários rurais do prédio mencionado sob 1, tendo tal contrato sido transmitido de geração em geração, sucessivamente, aos ascendentes do autor.
3. Há cerca de 60 anos, passaram a ser os autores que, contra o pagamento da renda de 10 carros de milho e metade do vinho, ficaram a cultivar a dita quinta, em condições de uma exploração regular, predominantemente com o auxílio das pessoas do seu agregado familiar, nomeadamente os seus numerosos filhos.
4. Em 1996 e como política municipal de ordenamento da área da Reserva Agrícola Nacional conhecida como da Veiga de Creixomil - S. Miguel de Creixomil - freguesia do concelho de Guimarães, a sul poente do núcleo central da cidade de Guimarães, numa extensão plaina que se estende até às freguesias de S. Tiago de Candoso e Silvares, como tal perfeitamente demarcada e identificada no Plano Director Municipal de Guimarães, aprovado por resolução do Conselho de Ministros nº 101/94, mas permanentemente sujeita a fortes pressões urbanísticas, a Câmara Municipal de Guimarães gizou ou começou a programar uma sua intervenção na quase totalidade dessa vasta mancha de terreno, dentro de princípios da sua preservação, quer projectando aqui e ali, sobretudo nas orlas sul e poente, equipamentos que afastariam essas apetências privadas por um espaço a resguardar, tanto mais que a circular urbana fechava já e de alguma forma a zona nascente e, a curto prazo, a construção da ligação da A7 à cidade, hoje concluída, e isso mesmo iria suceder a norte e completado a noroeste pela reestruturação da nova ligação a Pevidém.
5. Na sequência desta gizada política de planeamento, a Câmara delineou a sua interferência pela necessidade de apropriação municipal de terrenos compreendidos uma parte entre a mencionada circular urbana, a ligação da A7 à cidade e o projectado acesso da Estrada Nacional nº 206 e cerca da igreja da freguesia, por sob a A7, ao Salgueiral - e ao pavilhão que a seguir se refere - para instalação do pavilhão multiusos - respectivos equipamentos, acessos a um parque na zona baixa, aonde, inclusivamente, se poderão instalar viveiros municipais, e outra mais a poente, para implantação da cidade desportiva, sendo sua intenção que a extensão sobrante ficasse afecta aos mesmos usos ancestrais a que tem estado votada, com mero arranjo dos caminhos públicos e a recuperação do antigo caminho real, bem como e ao longo da ligação da A7, a sul desta e já aberta uma pista de cicloturismo.
6. Nesse sentido e como a lei lho impunha, antes de se lançar em qualquer expropriação, logo a partir desse ano e no início do seguinte, a Câmara Municipal de Guimarães começou a contactar os proprietários e arrendatários dos terrenos envolvidos, na sua perspectiva de transferência para o domínio privado ou público do Município desses solos e com vista à aquisição amigável de todos esses direitos.
7. E de contacto em contacto, de acerto em acerto, foi conseguindo dessa forma prévia negociar com a maioria, tendo na zona em que se inclui o terreno transaccionado pela escritura de 17 de Maio de 2000, adquirido amigavelmente 139.030 m2 a oito proprietários e pago as respectivas indemnizações aos seus arrendatários, e estão em aberto conversações.
8. Para os terrenos que iam ser objecto das intervenções urbanísticas, a Câmara Municipal também solicitou a sua desafectação da Reserva Agrícola Nacional, o que lhe foi concedido pela Comissão Regional de Reserva Agrícola, na sua reunião de 3 de Setembro de 1999, e nesta situação, durante o ano transacto, iniciou a construção do Pavilhão Multiusos e da Cidade Desportiva, cujos prazos de conclusão apontavam para Setembro próximo e do que foi dado amplo conhecimento à população, estando presentemente a concurso a rectificação, alargamento e arranjo de diversos acessos imprescindíveis para o funcionamento daqueles equipamentos.
9. O contrato mencionado sob 3, sucessivamente renovado, encontrava-se em vigor em 7 de Junho de 1999, altura em que os autores receberam uma carta, datada de 4 desse mês, pela qual os réus senhorios lhes ofereciam a preferência na venda que projectavam fazer ao réu Município de Guimarães, pelo preço de 64.946.250$00, de uma parte da propriedade arrendada, constituída por um campo situado a poente da Estrada Nacional nº 105, com a área de cerca de 28.000 m2, inscrita na respectiva matriz sob o artigo 10º e descrita na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 1457.
10. Os autores responderam à carta mencionada sob 9, informando estarem dispostos a negociar a indemnização que lhes era devida em consequência da venda do prédio arrendado, bem como a continuidade do contrato de arrendamento quanto à parte restante do prédio, habitação, renda, et cetera, acrescentando que no caso de da parte deles não haver disponibilidade para tal ou não se chegasse a qualquer acordo, pretendiam exercer o direito de preferência na aquisição de tal prédio pelo preço referido no contrato-promessa.
11. No dia 11 de Junho de 1999, os autores escreveram aos réus senhorios uma carta, onde declararam reiterar pretenderem exercer o direito de preferência relativamente ao prédio rústico com a área de 28.865 m2, sito no lugar do Costeado, freguesia de Creixomil, concelho de Guimarães, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães, parte do nº 35.509, inscrito na matriz sob o artigo 10º, e solicitaram-lhes o envio uma fotocópia do contrato-promessa de compra e venda de onde constasse a data e as respectivas assinaturas, pois só nesses termos a comunicação para a preferência cumpria os requisitos do artigo 416º, nº 1, do Código Civil, e informaram-nos de que, assim lhes fossem fornecidos os referidos elementos e na data por aqueles indicada, estavam em condições de celebrar o respectivo contrato-promessa de compra e venda, cuja redução a escrito passavam a aguardar.
12. Os réus senhorios escreveram uma carta aos autores no dia 22 de Julho de 1999, do seguinte teor: "Na sequência das duas cartas que, em 11 do corrente, nos enviou conjuntamente com a sua mulher, dada a evidente contradição de posições que veiculam, somos a comunicar que, por causa disso, melhor informados e depois de trocadas impressões com a Câmara Municipal de Guimarães, fomos agora convencidos de que não tem qualquer direito de preferência na venda da parcela de terreno de que o A é também arrendatário rural e que aquele órgão autárquico, de acordo com o Plano Director Municipal em vigor, destina a equipamentos colectivos de interesse público. Esse mesmo interesse público transparece claramente do contrato-promessa de compra e venda que lhe enviámos oportunamente, capeando a nossa carta datada de 4 do corrente. A ser destarte e como compreenderá, acautelados até que ficaram no aludido contrato os seus direitos de interessado, não entendemos o que mais pretende e pedimos-lhe que contacte aquele órgão autárquico ou, então, aguarde que ele o faça, quando tal se lhe mostrar ser a ocasião própria".
13. No dia 29 de Junho de 1999, os autores responderam à carta mencionada sob 12, expressando pretenderem exercer o direito de preferência na compra do prédio rústico com a área de 28.865 m2 sito no lugar do Costeado, e que estavam à disposições deles para celebrar o contrato-promessa em termos idênticos ao contrato promessa que lhes haviam remetido, e acrescentaram que após consulta jurídica estavam convencidos de que tinham o direito de preferência na aquisição do imóvel em causa e que o eventual interesse público de um eventual comprador não tinha a virtualidade de apagar direitos de preferência que são direitos reais com eficácia erga omnes.
14. Por oficio datado de 22 de Maio de 2000, o réu Município de Guimarães comunicou ao autor ter adquirido por escritura de 17 de Maio de 2000 uma parcela de terreno com a área de 28 115 m2, denominada "Quinta do Costeado", inscrita na matriz sob o artigo 10º, nas condições que constavam na escritura, e que nesses termos deixava de ser rendeiro dos anteriores proprietários e que passava a ser rendeiro do Município quanto a essa parcela de terreno.
15. No dia 17 de Maio de 2000, em escritura pública lavrada pela notária privativa do Departamento de Administração Geral da Câmara Municipal de Guimarães, os réus senhorios, por um lado, e U, presidente e representante da Câmara de Guimarães, declararam, os primeiros vender e o último comprar, por 63.258.758$00, o prédio rústico denominado "Quinta do Costado", situado no Lugar do Costeado, freguesia de Creixomil, com a área de 28.115 m2, a confrontar do Norte com o Ribeiro de Couros, do Sul com o Caminho Público, do Nascente com a variante urbana de Guimarães e do Poente com V, descrito na Conservatória do Registo Predial de Guimarães sob o nº 457/Creixomil, inscrito na matriz rústica sob o artigo 10º, com o valor patrimonial de 1 476 380$.
16. Os outorgantes declararam na escritura mencionada sob 15 que a venda era feita nas seguintes condições: 1 - o prédio objecto deste contrato destina-se à instalação do Parque de Lazer de Creixomil, tal como a seguir se define; 2 - o Parque de Lazer de Creixomil é um espaço verde a implantar sobre áreas integradas em zonas da Reserva Agrícola e ou Ecológica, conforme estabelecido no Plano Director Municipal, vigente à data da celebração do contrato, essencialmente constituído por manchas ajardinadas, arrelvadas e ou arborizadas, podendo dispor de linhas e planos de água, vias pedonais e para ciclistas, zonas de estacionamento para automóveis e vias de tráfego mecânico, mobiliário urbano, instalações sanitárias, equipamentos colectivos de desporto ao ar livre e respectivas instalações de apoio, infra-estruturas de abastecimento de água, energia eléctrica e gás, bem como redes de telecomunicações, iluminação pública, rega e drenagem de águas; 3 - à excepção do referido no ponto que segue fica absolutamente vedada qualquer outra utilização; 4 - como excepção única, a representada do segundo outorgante apenas poderá realizar outro tipo de construção diferente da prevista no ponto dois supra numa parcela de terreno do prédio com cerca de 5.000 m2, identificada na planta anexa ao presente contrato, obedecendo tal construção aos condicionalismos para ali previstos no Regulamento do Plano Director Municipal para aquela área, vigente à data da celebração deste contrato; 4.1 - no caso de, na parcela do prédio definida no número anterior, as eventuais construções ultrapassarem a superfície de implantação, cércea e ou volumetria estabelecidas no já referido Regulamento do Plano Director Municipal de Guimarães, vigente à data da celebração deste contrato, haverá lugar a uma indemnização dos primeiros outorgantes calculada segundo a seguinte fórmula : valor da parcela definitivamente afecta à obra após o licenciamento municipal ou conclusão da construção, determinado segundo os critérios do Código das Expropriações vigente à data do pedido de indemnização, subtraído do valor calculado pela aplicação à área daquela parcela do preço unitário de 2.250$00 por metro quadrado, actualizado pelo índice de preços ao consumidor com habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatísticas; 4.2 - na área de 23.115 metros quadrados do prédio destinado a parque de lazer, a edificação de qualquer outra construção que não cumpra o estipulado na definição daquele, comummente estabelecida no ponto dois supra, obrigará a representada do segundo outorgante a indemnizar os primeiros outorgantes na quantia de 450.000.000$00; 5 - É da exclusiva responsabilidade da representada do segundo outorgante a indemnização ao actual arrendatário rural do prédio objecto deste contrato, se aquela não mantiver o respectivo contrato de arrendamento rural.
17. O autor escreveu, no dia 2 de Junho de 2000, uma carta ao Município de Guimarães, expressando-lhe a sua surpresa dada a posição que tomara relativamente à proposta apresentada pelos anteriores senhorios e pediu-lhe que lhe remetesse uma cópia da escritura.
18. O Município de Guimarães comunicou ao autor, por ofício de 7 de Junho de 2000, que o fornecimento da cópia da escritura implicava o pagamento prévio de uma taxa, o que veio a verificar-se no dia 15 de Junho de 2000, data em que, finalmente, os autores tiveram acesso àquela escritura através de fotocópia autenticada que então obtiveram naquela entidade, e tomaram conhecimento do seu conteúdo.
19. Na sequência da comunicação do projecto da venda feita pelos réus senhorios, os autores exerceram o seu direito dentro do prazo de oito dias, e a comunicação que os primeiros lhe fizeram através da carta datada de 4 de Junho de 1999 constitui uma inequívoca proposta de contrato dirigida aos autores, que estes receberam e aceitaram, comunicando-lhes tal aceitação.

III
A questão essencial decidenda é a de saber se os recorridos têm ou não, no confronto com o recorrente, o direito de preferência na aquisição por compra do prédio mencionado sob II 15 e 16.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão recorrido e das conclusões de alegação formuladas pelo recorrente e pelos recorridos, a resposta à referida questão pressupõe a análise das seguintes sub-questões:
- o interesse público na aquisição do direito de propriedade sobre o referido prédio invocado pelo recorrente consubstancia ou não uma questão nova?
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia?
- conteúdo do direito de preferência do arrendatário rural;
- natureza, especificidade e motivação do módulo contratual mencionado sob II 15 e 16;
- podem ou não os recorridos substituir o recorrente na posição jurídica de adquirente do prédio em causa?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referidas sub-questões.

1.
Comecemos pela análise da sub-questão de saber se o interesse público na aquisição do direito de propriedade sobre o referido prédio invocado pelo recorrente consubstancia ou não uma questão nova.
No recurso para a Relação, para justificar que os recorridos não eram titulares do direito de preferência que invocaram, o recorrente suscitou a referida problemática, salientando ter adquirido o prédio para nele inserir equipamentos de interesse colectivo, não se tratar de simples contrato de compra e venda, mas de negócio complexo condicionado ou contrato de transacção, realizado em termos de prevenção da expropriação.
A Relação, depois de salientar que o âmbito do seu conhecimento no recurso de apelação estava limitado pelas questões suscitadas pelo apelante perante o tribunal da 1ª instância, que este se pronunciara sobre elas de modo desfavorável para ele, ser a omissão de pronúncia objecto de diverso meio impugnatório, afirmou, por um lado, ser-lhe vedado conhecer de matéria nova, ainda não proposta para discussão.
E, por outro, expressou que o recorrente não aludiu no seu articulado de defesa a qualquer questão jurídica que comportasse a pretensão incisivamente exposta no recurso, e omitiu a alusão a qualquer norma jurídica que suportasse a pretendida contestação por excepção.
Face ao referido entendimento da Relação no que concerne às questões novas, importa ter em linha de conta, por um lado, que questões relevantes para efeitos processuais são os pontos essenciais de facto e ou de direito em que as partes baseiam as suas pretensões, incluindo as excepções.
E, por outro, que os recursos são meios instrumentais ao reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores e não para proferir decisões sobre matéria nova, isto é, que não tenha sido submetida à apreciação do tribunal de que se recorre (artigos 676º, n.º 1, e 690º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Em consequência, questões novas são aquelas que não foram apreciadas pelo tribunal recorrido por lá não terem sido suscitadas nem serem de conhecimento oficioso.
Assim, a Relação e o Supremo Tribunal de Justiça não podem conhecer em recurso de questões não suscitadas pelas partes no tribunal a quo, salvo na hipótese de se tratar de questões de conhecimento oficioso e houver factos assentes ou conhecidos em razão, além do mais, de notoriedade geral que o permita.
Mas essa conclusão jurídica nada tem a ver com a incumbência dos tribunais em geral de seleccionar, interpretar e aplicar aos factos provados as normas jurídicas correspondentes sem sujeição às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (artigos 659º, n.º 2, 664º, 713º, nº 2 e 726º do Código de Processo Civil).
No instrumento de contestação, o recorrente referiu, por um lado, não serem exactas as descrições conclusivas formuladas pelos recorridos e que, por isso, deviam ser consideradas impugnadas.
E, por outro, sob a designação de excepção, afirmou factos e circunstâncias que motivaram e envolveram o contrato mencionado sob II 15, e que constam de II 16, tendentes a demonstrar a sua particularidade em termos de excluir o direito de preferência invocado pelos recorridos.
Assim, no instrumento de defesa, o recorrente invocou factos e circunstâncias, que foram declarados provados, cujo relevo jurídico o tribunal de 1ª instância não conheceu mas devia conhecer (artigo 664º do Código de Processo Civil).
Não se trata, porém, de omissão de conhecimento de alguma questão, com o sentido acima referido, mas de défice de sentença, irregularidade diversa da nulidade por omissão de pronúncia, por não ter determinado o sentido dos factos mencionados sob II 16 e seleccionado, interpretado e aplicado as normas correspondentes, contra o disposto no artigo 659, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil.
Perante este quadro, o recorrente não suscitou perante a Relação alguma questão processual nova, com o sentido acima referido, sendo a única questão jurídica suscitada no processo de natureza substantiva, que se cinge a saber se os recorridos são ou não titulares do direito de preferência que invocaram, por isso integrada na esfera de conhecimento pelos tribunais independentemente da sua posição hierárquica
Acresce que os factos mencionados sob II 16 foram invocados pelo recorrente no instrumento de contestação, embora sem expressar alguma norma jurídica correspondente, e tanto bastava para que a Relação os valorasse sob o ponto de vista jurídico para efeito de determinar a titularidade do direito dos recorridos acima referido, nos termos dos artigos 659º, nºs 2 e 3, 664º e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, não relevando para o efeito a circunstância de o tribunal da 1ª instância os não haver valorado.

2.
Atentemos agora na sub-questão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por omissão de pronúncia.
Expressa a lei que o acórdão da Relação é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções, a que acima se fez referência.
Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, se for caso disso, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigo 731º do Código de Processo Civil).
O recorrentes arguiu a nulidade do acórdão da Relação sob o argumento de ele omitir pronúncia sobre a questão que identificou por referência aos factos mencionados sob II 16 e a uma pluralidade de normas jurídicas, umas constantes na Constituição e outras no ordenamento jurídico ordinário, a maior parte delas sem real conexão com o quadro de facto envolvente.
Conforme já resulta do que acima se expôs sob 1, a Relação não omitiu o conhecimento de alguma questão, certo que respondeu no sentido positivo à única questão de direito substantivo objecto do processo, de saber se os recorridos eram ou não titulares do direito de preferência em causa.
Ao invés, o que na realidade sucedeu foi que a Relação não valorou os factos mencionados sob II 16, embora sob o fundamento de se tratar de questão nova, mas isso não corresponde ao fundamento da nulidade a que se reporta o artigo 668º, nº 1, alínea d), 1ª parte, do Código de Processo Civil.
De qualquer modo, a Relação decidiu segundo o seu critério, pelo que não tem qualquer fundamento legal a alegação do recorrente no sentido de que aquele Tribunal tenha denegado a justiça devida ou que haja incumprido o disposto nos artigos 1º, 6º e 8º do Código Civil, 156º, nº 1, 264º e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, 2º e 4º, nº 1, da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais e 202º, nº 1, da Constituição.

3.
Vejamos agora o conteúdo do direito de preferência do arrendatário rural.
Tendo em conta a noção de direito de preferência que resulta da lei, ele configura-se, grosso modo, como um direito potestativo que, na dinâmica do seu exercício, envolve a aquisição de um direito de propriedade por via da substituição do comprador na respectiva posição contratual.
Dir-se-á que o titular do direito de preferência tem o direito potestativo de substituir o adquirente na sua posição contratual por via do pagamento do mesmo preço que o último pagou, resulta em abstracto de determinada situação objectiva e concretiza-se na esfera jurídica do respectivo titular no momento da alienação da coisa em causa.
Colide de algum modo o referido direito com o normativo por via do qual se prescreve gozar o proprietário de modo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (artigo 1305º do Código Civil).
Com efeito, tendo em conta a estrutura do referido direito de preferência, o seu exercício, escudado embora em algum fim social, envolve limitação ao direito de propriedade, por isso se configura como figura jurídica de carácter excepcional.
No que concerne ao direito de preferência do arrendatário rural, expressa a lei, em tanto quanto aqui releva, para o caso de venda ou dação em cumprimento do prédio arrendado, que os arrendatários há não menos de três anos têm direito de preferência na transmissão (artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro).
Mas, se exercerem o referido direito de preferência, salvo caso de força maior, têm de cultivar directamente o prédio como seus proprietários durante não menos de cinco anos (artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro).
E, se assim não procederem devem pagar ao anterior proprietário o valor equivalente ao quíntuplo da última renda vencida e transmitir o direito de propriedade sobre o prédio ao outorgante preterido que o deseje pelo preço de aquisição (artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro).
O referido direito de preferência do arrendatário rural, sujeito a especiais condições, é de natureza legal, ao qual também é aplicável, por analogia, naturalmente com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º do Código Civil (artigo 10º, nºs 1 e 2, do Código Civil).
Em consequência, querendo o senhorio vender o prédio arrendado, deve o senhorio comunicar ao arrendatário o projecto de venda e as cláusulas do contrato, e este, recebida a comunicação, em regra no prazo de oito dias, sob pena de caducidade, deve exercer o seu direito (artigo 416º do Código Civil).
E o arrendatário a quem se não dê conhecimento da venda tem o direito de haver para si o prédio vendido, contanto que o requeira no prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço nos quinze dias seguintes à data em que a acção foi proposta (artigo 1410º, nº 1, do Código Civil).
O referido regime, conforme decorre do disposto no nº 3 do artigo 28º do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, é motivado pelo desiderato de fomentar a exploração da terra pelos seus próprios donos que sejam verdadeiros profissionais da agricultura.
Visa, com efeito, a protecção dos arrendatários no sentido de lhes permitir, sem qualquer prejuízo para os senhorios, serem proprietários das terras que trabalham.

4.
Atentemos agora na natureza, especificidade e motivação do módulo contratual mencionado sob II 15 e 16.
A compreensão do referido módulo contratual pressupõe a análise da factualidade mencionada sob II 4 a 8.
Resulta da referida factualidade, para a área da situação do prédio em causa, que cerca de quatro anos antes da celebração do referido contrato, o recorrente formulou o desiderato da sua preservação do impacto das pressões urbanísticas, por via de projectos de implantação de equipamentos de interesse colectivo, designadamente um pavilhão multiusos, um parque com viveiros municipais, cidade desportiva, afectação de parte dele aos respectivos usos ancestrais, intervindo por via da aquisição de vários terrenos.
Nesse quadro, para os terrenos que deviam se objecto das intervenções urbanísticas, obteve o recorrente, em 1999, a sua desafectação da Reserva Agrícola Nacional.
E antes de implementar o processo expropriativo, contactou os proprietários e arrendatários dos terrenos envolvidos, com vista à respectiva transferência consensual para o seu domínio privado ou público, conseguindo dessa forma a negociação com oito proprietários da zona e a aquisição de terrenos com a área de cento e trinta e nove mil e trinta metros quadrados, pagando as respectivas indemnizações aos arrendatários, e iniciou a construção dos referidos Pavilhão Multiusos e Cidade Desportiva.
As declarações das partes no instrumento contratual mencionado sob II 15 e 16 ocorreram, pois, no desenvolvimento da referida dinâmica do recorrente e sob o desiderato da realização do interesse colectivo.
Delas resulta, com efeito, por um lado, que o prédio rústico objecto mediato do contrato em causa se destina à instalação de um parque de lazer, ou seja, um espaço verde com a área de vinte e três mil e cento e quinze metros quadrados essencialmente constituído por manchas ajardinadas, arrelvadas e ou arborizadas em conformidade com no Plano Director Municipal vigente.
E, por outro, que as partes apenas previram a excepção à referida implantação em relação a uma área do prédio com cerca de cinco mil metros quadrados, segundo o condicionalismo previsto no referido Plano, sob pena de o recorrente indemnizar os vendedores no montante que convencionaram e a responsabilidade do recorrente de indemnizar os recorridos na sua qualidade de arrendatários do prédio, se cessasse o arrendamento.
Perante este quadro de facto, o recorrente considera o módulo contratual em causa como contrato de transacção ou contrato de compra e venda complexo preventivo da expropriação.
O contrato de compra e venda envolve estruturalmente a transmissão do direito de propriedade sobre uma coisa lato sensu, mediante um preço, e os consequentes efeitos obrigacionais de entrega da coisa e de pagamento do preço a cargo do vendedor e do comprador, respectivamente (artigos 874º e 879º do Código Civil).
Por seu turno, o contrato de transacção envolve o termo ou a prevenção de um litígio mediante recíprocas concessões susceptíveis de consubstanciar a constituição, modificação ou a extinção de direitos diversos do direito controvertido (artigo 1248º do Código Civil).
Assim, pressupõe o contrato de transacção uma controvérsia entre as partes e visa a prevenção ou o termo de um litígio, o que não ocorre no caso vertente, certo que os factos provados não revelam a existência do mencionado pressuposto.
A conclusão é, por isso, no sentido de que a factualidade mencionada sob II 15 e 16 não integra o referido contrato de transacção.
Tendo em conta que as partes manifestaram a vontade de transmissão do direito de propriedade sobre o prédio em causa da titularidade dos senhorios dos recorridos para a titularidade do recorrente mediante um preço a pagar por este àqueles, do que se trata é de um contrato de compra e venda.
Não obstante um dos sujeitos - o recorrente - ser uma pessoa colectiva de direito público, a quem compete a prossecução do interesse público, trata-se de um contrato de compra e venda regido pelo direito privado.
Mas não se trata, dadas as declarações negociais mencionadas sob II 16, de um contrato de compra e venda vulgar, certo que os vendedores continuam a ter interesse na destinação do seu objecto mediato, ao ponto de ser estabelecida a seu favor uma cláusula penal indemnizatória no caso de o recorrente não cumprir o seu compromisso de afectação do prédio, e de o último dever indemnizar os recorridos pelo dano decorrente da extinção do contrato de arrendamento.
Por isso, do que se trata é de um contrato de compra e venda com cláusulas atípicas e cobertura pelo princípio da liberdade contratual a que alude o artigo 405º do Código Civil.
Acresce que, tendo em conta o procedimento que culminou na celebração do referido contrato, constante de II 4 a 8, a que acima se fez referência, o recorrente configurou a expropriação por utilidade pública do prédio em causa, mas optou por operar o mesmo efeito por via do regime de negociação de direito privado.
Actuou pois, em conformidade com o disposto na lei, segundo a qual, a entidade interessada, antes de requerer a declaração de utilidade pública, deve, em regra, diligenciar no sentido de adquirir os bens por via do direito privado (artigo 11º, nº 1, do Código das Expropriações de 1999).
Assim, estamos perante um contrato de compra e venda preventivo e substitutivo do normal procedimento administrativo de expropriação por utilidade pública.

5.
Vejamos agora se os recorridos podem ou não substituir o recorrente na posição jurídica de adquirente do direito de propriedade sobre o prédio em causa.
No caso vertente, tendo em conta os factos mencionados sob II 1 a 4, ao tempo do contrato de compra e venda acima referido, os recorridos eram arrendatários rurais relativamente ao prédio rústico em causa há mais de três anos.
Nessa consideração, nos termos do artigo 416º, nº 1, do Código Civil, os senhorios, comunicaram-lhe o projecto da venda do prédio e as cláusulas do respectivo contrato.
E os recorridos responderam-lhe no sentido da sua disposição em negociar a indemnização que lhes era devida e a continuidade do contrato de arrendamento quanto à parte restante do prédio, acrescentando pretenderem exercer o direito de preferência pelo preço indicado se não acordassem quanto aos referidos pontos de interesse.
A referida declaração dos recorridos, dada a forma condicional que a envolveu, não pode ser considerada como exercício do direito de preferência a que se reporta o nº 2 do artigo 416º do Código Civil.
Todavia, ainda durante o prazo de oito dias a que alude o nº 2 do artigo 416º do Código Civil, já sem qualquer referência à negociação da indemnização ou à manutenção do contrato de arrendamento quanto à parte remanescente do prédio, os recorridos comunicaram aos senhorios a sua intenção de exercerem o direito de preferência.
Como os senhorios receberam no mesmo dia as duas cartas, a declaração constante da primeira revogou a primeira ou seja tornou ineficaz o condicionalismo ao exercício do direito de preferência que dela constava (artigo 224º, nº 2, do Código Civil).
O que consta de II 19, porque não se trata de factos, mas de conclusões de natureza jurídica, é insusceptível de assumir qualquer relevo no sentido pretendido pelos recorridos de que celebraram com os respectivos senhorios algum tipo de contrato.
Sob o argumento da contradição dos recorridos veiculada nas duas cartas juntamente enviadas, da melhor informação subsequente à troca de impressões com o recorrente e da nova convicção de que eles não tinham direito de preferência por aquele destinar o prédio a equipamentos colectivos de interesse público, os senhorios solicitaram-lhes o contacto com o recorrente ou que aguardasse que ele contactasse com eles.
A referida comunicação significa a recusa dos senhorios de celebração do contrato de compra e venda com os recorridos (artigo 217º, nº 1, do Código Civil).
No caso de os recorridos serem titulares do direito de preferência que invocam no confronto do recorrente, os referidos senhorios teriam violado sua obrigação de celebrar com os primeiros o contrato de compra e venda do prédio rústico em causa.
Todavia, o recorrente outorgou no mencionado contrato de compra e venda a fim de realizar o interesse público, essencialmente por via da implantação de equipamentos de interesse colectivo, de harmonia com o respectivo Plano Director Municipal.
E fê-lo no âmbito de um procedimento de planeamento iniciado quatro anos antes da celebração do referido contrato num quadro de prevenção da expropriação de utilidade pública, de harmonia com o disposto no artigo 11º, nº 1, do Código das Expropriações.
Por virtude da intervenção do recorrente na área que o envolve, por via das operações de ordenamento na realização do interesse colectivo que empreendeu e que estavam em curso de execução, deixaria de poder constituir para os recorridos a terra que, como profissionais da agricultura, podiam explorar, caindo a razão de ser do direito de preferência a que se reporta o artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro).
Se, porventura, o recorrente tivesse requerido a declaração de utilidade pública da expropriação, certo é que se extinguiria, o contrato de arrendamento rural em causa, sem prejuízo embora do direito de indemnização dos recorridos arrendatários (artigos 1º, 9º, 30º, nº 1, do Código das Expropriações e 25º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro).
E, no caso vertente, em conformidade com a intencionalidade de o contrato de compra e venda em causa se assumir como procedimento substitutivo da expropriação por utilidade pública, o expropriante vinculou-se a indemnizar os recorridos pelo dano decorrente da extinção do contrato de arrendamento.
Na realidade, o contrato de compra e venda em que os recorridos pretendem substituir o recorrente na posição de comprador operou a transmutação da natureza do prédio em causa e o seu próprio fim, que deixou de ser o de exploração agrícola, e passou a ser essencialmente o de criação de equipamento de uso comunitário.
Desapareceu, por isso, o substrato justificativo do direito de preferência a que se reporta o artigo 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro, em paralelismo, de algum modo, com o que se prescreve, a título de facto impeditivo do direito de preferência, na parte final da alínea a) do artigo 1381º do Código Civil.
Perante este quadro, a conclusão é a de que os recorridos não são, no caso espécie, titulares do direito de preferência que invocaram na acção no confronto do recorrente.

6.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados e da lei.
O interesse público na aquisição do direito de propriedade sobre o prédio em causa não era, no recurso de apelação, uma questão nova.
O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por omissão de pronúncia sobre alguma questão processual ou de direito substantivo propriamente dita.
Foi recusada pelos senhorios no confronto dos recorridos, arrendatários há mais de três anos do prédio em causa, a transmissão para eles, por via contratual, do respectivo direito de propriedade, que entretanto transferiram para o recorrente no quadro do direito privado.
Atento o clausulado atípico, o fim e a motivação do contrato de compra e venda em causa, que foi substitutivo do procedimento administrativo de expropriação de utilidade pública, e o desiderato de afectação do prédio a fim diverso da agricultura que nele vinha sendo exercida pelos recorridos, passando a servir o interesse da colectividade por via da implementação de equipamento de utilização colectiva, eles não são titulares do direito de preferência que invocaram na acção no confronto do recorrente.
Em consequência, ao decidir no sentido contrário, tendo em conta o conjunto de toda a motivação fáctico-jurídica que invocou, a Relação infringiu o disposto nos artigos 659º, nºs 2 e 3 e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, 11º, nº 1, do Código das Expropriações e 28º, nº 1, do Decreto-Lei nº 385/88, de 25 de Outubro.

Procede, por isso, o recurso.
Vencidos, são os recorridos responsáveis pelo pagamento das custas respectivas, na acção e nos recursos (artigo 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Todavia, porque são beneficiários do apoio judiciário na modalidade de dispensa de pagamento de custas, considerando o disposto nos artigos 15º, n.º 1, alínea a), 37º, n.º 1 e 54º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei nº 387-B/87, de 29 de Dezembro, 57º, nº 1, da Lei nº 30-E/2000, de 20 de Dezembro, e 51º, nºs 1 e 2, da Lei nº 34/2004, de 29 de Julho, inexiste fundamento legal para que sejam condenados no pagamento das referidas custas.


IV
Pelo exposto, revoga-se o acórdão recorrido e a sentença proferida no tribunal da primeira instância, e absolve-se o recorrente do pedido.


Lisboa,15 de Dezembro de 2005.
Salvador da Costa.