Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
96B174
Nº Convencional: JSTJ00030625
Relator: MARIO CANCELA
Descritores: JUNÇÃO DE PARECER
NOVO JULGAMENTO
DOCUMENTO
Nº do Documento: SJ199609260001742
Data do Acordão: 09/26/1996
Votação: UNANIMIDADE
Referência de Publicação: BMJ N459 ANO1996 PAG513
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO. REVISTA.
Decisão: PROVIDO. ORDENADA A BAIXA DO PROCESSO.
Indicações Eventuais: A REIS IN CPC ANOTADO VOLIV PÁG26.
Área Temática: DIR PROC CIV - RECURSOS.
Legislação Nacional: CPC67 ARTIGO 525 ARTIGO 542 ARTIGO 706 N2 ARTIGO 726.
Sumário : I - Não se destinando um parecer técnico a servir de meio de prova mas tão somente a ajudar a esclarecer o espírito do julgador, não deve ele ser considerado documento, em consequência do que pode ser junto aos autos, na 1. Instância em qualquer estado do processo, e, nos tribunais superiores até se iniciarem os "vistos" dos juízes.
II - Não tendo sido admitida a junção de um parecer técnico em sede de recurso e por despacho do relator confirmado em conferência, mas antes dos "vistos", bem pode suceder que a sua junção possa convencer os juízes a decidir a acção de forma diferente do que decidiram. Assim, é de admitir a junção do parecer, ordenando-se a baixa do processo à Relação para novo julgamento.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de
Justiça:
A e mulher B intentaram contra Sociedade Portuguesa de Seguros uma acção com processo sumário pedindo que se condene a mesma a apagar-lhes a quantia de 18716000 escudos e o mais que se liquidar em execução de sentença, com juros de mora desde a citação, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que especificaram e lhes resultaram de um acidente de viação de que foi vítima o autor no dia 22 de Abril de 1989 quando pela estrada nacional n. 6-2 que liga Amadora a Carnaxide conduzia o seu velocípede com motor de matrícula ... pela sua mão de trânsito e a cerca de um metro da berma do seu lado direito.
O autor foi aí embatido pelo veículo de matrícula ... que, circulando em sentido contrário, guinou repentina e inesperadamente para o seu lado esquerdo, por culpa de seu condutor, invadindo a meia faixa de rodagem que lhe ficava à esquerda.
O veículo de matrícula ... era conduzido pelo seu proprietário C que, por contrato titulado pela apólice n. 140239, havia transferido para a ré a sua responsabilidade civil para com terceiros pelos danos ocasionados pela circulação do referido veículo.
Na contestação a ré alegou que o acidente se ficou a dever ao rebentamento do pneu traseiro do lado direito do veículo ... .
Em consequência desse rebentamento o Inácio perdeu o controle do veículo, entrando este na metade esquerda da faixa de rodagem onde foi embater o ... conduzido pelo autor.
Efectuado o julgamento foi proferida sentença, cuja parte decisória é a seguinte:
"Considerando a acção parcialmente procedente condena a ré Sociedade Portuguesa de Seguros a pagar:
1 - Ao autor A a quantia de 3500000 escudos, acrescida dos juros que se vencerem, a partir desta data, à taxa legal até pagamento.
2 - Aos autores A e B a quantia de 150000 escudos a que acrescem os juros moratórios vencidos desde 27 de Abril de 1992, à taxa legal de 15 porcento e nos vincendos, à taxa legal, até pagamento.
3 - Ao autor A a indemnização que se liquidar em execução de sentença a título de danos resultantes da perda da capacidade de ganho.
4 - O montante indemnizatório de 3500000 escudos e de
150000 escudos aludido, respectivamente, em 1 e 2, acrescido da indemnização referida em 3 e que se relegou para execução de sentença nunca poderá ultrapassar o montante de 4000000 escudos, que corresponde ao limite legal da indemnização.
Absolve-se a ré das demais quantias peticionadas".
Os autores recorreram e, na altura própria, apresentaram a sua alegação.
Antes de se iniciarem os vistos aos grupos apresentaram um parecer técnico mas o Excelentíssimo Relator ordenou o seu desentrenhamento dos autos.
Disse, em síntese, que os autores pretendiam provar com o referido parecer que não houve rebentamento de um pneu mas que não tendo força probatória plena o parecer não impõe resposta diversa nem destrói a prova em que as respostas assentam o que exclui a aplicabilidade das alíneas b) e c) do n. 1 do artigo 712 do Código de
Processo Civil.
Daí que o parecer não possa ser considerado; a sua junção oportuna teria sido até ao termo da produção de prova na primeira instância.
Os autores reclamaram para a conferência mas esta manteve o despacho do Relator.
Recorreram os autores desta decisão tendo o agravo sido admitido com subida diferida.
Entretanto foi proferido acórdão que conheceu da apelação e cuja parte decisória é a seguinte:
"Julgando-se a apelação parcialmente procedente altera-se a sentença recorrida ficando a ré, ora recorrida, condenada a pagar ao autor, ora apelante, a quantia de 3600000 escudos a título de indemnização por danos não patrimoniais acrescida de juros à taxa legal de 15 porcento desde a citação até integral pagamento, tendo-se o mais decidido na mesma sentença".
Mais uma vez inconformados, os autores recorreram deste acórdão.
Na sua alegação apresentaram as seguintes conclusões:
A - Quanto ao agravo:
1. - O parecer em causa deve permanecer integrado nos autos para ser, em prudente arbítrio, apreciado e valorado;
2. - A sua junção foi tempestiva e justificada dado que, face à prova produzida na primeira instância quanto ao facto em apreço, era imprevisível a resposta, pela afirmativa, aos respectivos quesitos;
3. - A Relação recorrida, ao decidir no sentido do desentranhamento do parecer violou, por incorrecta aplicação e interpretação, o disposto no artigo 706 do
Código do Processo Civil;
4. - Assim como violou o princípio da livre apreciação da prova ínsito no artigo 655 do mesmo Código, no pressuposto de que ao tribunal cabe aferir todas as provas, mesmo as não vinculantes.
B - Quanto à revista:
1. - O acórdão recorrido é nulo porque a matéria de facto constante dos autos deve ser reapreciada e proferido acórdão em consonância com a prova produzida;
2. - Dado que milita a favor dos recorrentes presunção legal que não foi ilidida pela recorrida;
3. - A indemnização por danos não patrimoniais deve ser arbitrada no montante de 8000 contos, de molde a corresponder aos gravíssimos prejuízos de toda a ordem sofridos pelos recorrentes, neste âmbito;
4. - O acórdão recorrido violou, por incorrecta aplicação e interpretação, as disposições dos artigos
349 e 496 do Código Civil (montante da indemnização) e
712 do Código do Processo Civil (alteração da matéria de facto).
Não houve contra-alegação.
Corridos os vistos, cumpre decidir começando-se pelo recurso de agravo.
I - Documentos e pareceres não têm a mesma natureza. Se a tivessem não se justificava a distinção feita nos artigos 706 e 542 do Código do Processo Civil.
Os pareces são peças que contribuem ou podem contribuir para esclarecer o espírito do julgador.
São peças escritas que se juntam ao processo para serem tomadas pelo tribunal na consideração que merecerem.
Os pareceres de técnicos dizem respeito, normalmente a questões de facto. Destinam-se a elucidar o tribunal sobre o significado e alcance de factos de natureza técnica cuja interpretação demanda conhecimentos especiais. Se as opiniões dos técnicos forem expressas em diligência judicial velem como meio de prova se forem expressas por via extra judicial valem como pareceres. Os documentos têm como função apenas servirem de meio de prova de determinados factos.
Fruto da investigação e do trabalho dos técnicos, os pareceres técnicos expressos por via extra judicial representam apenas uma opinião sobre a solução a dar a determinado problema. Têm, apenas, a autoridade que o seu autor lhe dá.
Daí que não devam ser considerados documentos.
E não sendo considerados documentos podem os pareceres de técnicos ser juntos aos autos, nos tribunais de primeira instância em qualquer estado do processo e nos tribunais superiores até se iniciarem os vistos aos juízes (artigos 525, 706 n. 2 e 726 do Código de
Processo Civil).
Não têm nem carecem de ter força probatória plena para que a sua junção ao processo seja admitida. Também não podem ser rejeitados com o fundamento de que são desnecessários ou impertinentes, como acontece com os documentos. Os documentos servem, como se disse, de meio de prova. Os pareceres servem apenas para ajudar o julgador a encontrar uma solução justa para o caso que tem para decidir.
II - Os autores, ao juntarem o parecer técnico aos autos, não indicaram o fim a que o mesmo se destinava
(vid. de folhas 254).
Daí que não se possa dizer com fez o Excelentíssimo
Relator na Relação que com ele pretendiam "provar que não houve rebentamento de um pneu".
O parecer é "sobre o rebentamento de um pneu como causa adequada à produção de acidente rodoviário".
Através dele procura-se demonstrar que o rebentamento levaria a que o veículo alterasse a sua linha de marcha para a direita.
Estando-se perante um parecer e não perante um documento, se os autores não indicaram o fim a que se destinava está-se apenas, perante uma opinião emitida por um técnico sobre a solução de um certo problema.
III - Na sentença da primeira instância escreveu-se o seguinte "Da factualidade assente resulta que a ré logrou provar a sua tese no que concerne ao modo como ocorreu o acidente. Apurado ficou que o condutor e proprietário do PH perdeu o controle do seu veículo em virtude do rebentamento do pneu traseiro do lado esquerdo do ..., circunstância que, à velocidade em que circulava - 50 a 60 quilómetros/hora - é causa adequada à manobra de inversão da faixa de rodagem em que circulava o velocípede do autor e, por consequência, do embate ocorrido".
Se é certo que nas respostas aos quesitos 17 e 18 se deu como provado que "a dado momento o seu condutor (o condutor do PH) foi surpreendido com o rebentamento do pneu traseiro do lado direito, tendo perdido o controle do mesmo", também é certo que ao quesito 12 em que se perguntava se "o condutor do PH guinou repentinamente para o lado esquerdo, atento o seu sentido de marcha" se respondeu "provado apenas o que consta da resposta aos quesitos 17 e 18".
Com o parecer técnico os autores pretendem contrariar a conclusão extraída pelo Senhor Juiz da primeira instância de que o rebentamento do pneu e subsequente perda de controle do PH pelo seu condutor foi causa adequada à manobra de invasão da meia faixa de rodagem em que circulava o velocípede do autor.
Aliás dizem na conclusão primeira da alegação que apresentaram na apelação que "o acidente dos autos não se deveu a qualquer rebentamento do pneu".
No parecer, o seu subscritor procura demonstrar que um veículo que sofra um furo na roda traseira direita e mantenha as restantes em funcionamento, durante uma curva, vai alterar a sua linha de marcha para a direita.
E, conforme diz M. A. Reis "os pareceres de jurisconsultos, professores e técnicos podem fornecer elementos preciosos de informação. Um parecer bem deduzido e escrupulosamente fundamentado, que aprecie conscienciosamente a questão sobre todos os seus aspectos pode contribuir em larga medida para a justa solução do pleito, porque pode chamar a atenção do julgador para considerações, fundamentos e razões de decidir que lhe passariam despercebidos" (vid. Código do Processo Civil Anotado, Volume IV, página 20).
Bem pode acontecer que debruçando-se sobre o parecer junto pelos autores a Relação a quem é lícito tirar conclusões da matéria de facto dada como provada, desde que sem a alterar se limite a desenvolvê-la, conclua que o rebentamento do pneu alterava a linha de marcha do PH não para a esquerda mas antes para a direita e que, portanto, não foi causado acidente.
IV - De todo o exposto resulta que o parecer podia ter sido junto aos autos e nele devia manter-se. Tem influência na decisão da causa na medida em que pode contribuir para a justa solução da mesma.
Conforme diz M. Alberto dos Reis "quanto mais bem informado estiver o julgador, maior é a probabilidade de que a sua decisão seja acertada" (Vid. Código do
Processo Civil Anotado, volume IV, página 26).
Deve, por isso, a Relação conhecer novamente do objecto da apelação tomando em conta, na consideração que merecer, o parecer.
Assim deve dar-se provimento ao agravo, o que implica ficar, por agora, prejudicado o conhecimento da revista.
V - Nestes termos dá-se provimento ao agravo determinando-se que o parecer se mantenha nos autos e anula-se tudo o que se processou após a decisão agravada, devendo a segunda instância conhecer novamente da apelação.
Custas pelo vencido a final.
Lisboa, 26 de Setembro de 1996.
Mário Cancela,
Sampaio da Nóvoa,
Costa Marques.
Datas das decisões impugnadas:
I - 7 de Novembro de 1994
II - 23 de Novembro de 1995