Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
114/09.1.TBMTR.P1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
INCUMPRIMENTO
EXCEPÇÃO DO NÃO CUMPRIMENTO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
INSOLVÊNCIA DO EMPREITEIRO
COMPENSAÇÃO
Data do Acordão: 11/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA EM PARTE
Área Temática: DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CUMPRIMENTO E NÃO CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL
DIREITO COMERCIAL - PROCESSO DE INSOLVÊNCIA / EFEITOS DA DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
Doutrina: - Calvão e Silva, Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, p.334.
– José Baptista Machado, “ Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, p.386.
- José João Abrantes, A excepção de Não Cumprimento do Contrato, 1986, p.39 e segs..
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, I vol., P. 406.
- Vaz Serra, in RLJ, Ano 105º, p. 238.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 224.º, 406.º, 428.º, N.º1, 429.º, 432.º A 434.º, 762.º, N.º1, 791.º, 799.º, N.º1, 801.º, N.º1, 847.º, 848.º, N.º1, 1155.º, 1207.º, 1208.º, 1211.º, N.º2, 1221.º, 1223.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGO 99.º.
Sumário :
I. A resolução do contrato visa o corte definitivo do vínculo contratual, baseado num fundamento que, por regra, é o incumprimento em sentido lato, corte esse que opera retroactivamente, obrigando à restituição do que tiver sido prestado, ou, não sendo essa restituição possível, em espécie, ao seu equivalente – art. 432º a 434º do Código Civil.

II. A invocação da excepção do não cumprimento do contrato – art. 428º, nº1, do Código Civil – deixa intocado o vínculo contratual. A exceptio visa compelir o contraente em mora a cumprir, é um meio de pressão para o adimplemento, sob pena de não receber da contraparte a prestação correspectiva envolvida no sinalagma contratual.

III. Assim, não é congruente que quem invoca o incumprimento da parte contrária pretenda, ao mesmo tempo, prevalecer-se da excepção do não cumprimento, que visa apenas retardar a prestação que lhe incumbe, e declare resolvido o contrato. A exceptio mantém o vínculo contratual, a resolução rompe-o.

IV. Com a declaração de insolvência do empreiteiro Autor, por si requerida, configurada está a sua impossibilidade superveniente definitiva e culposa em realizar a prestação devida que, sendo uma obrigação de resultado – a conclusão da obra com a eliminação dos defeitos denunciados e a execução dos trabalhos extra – é, desde a decisão que decretou a insolvência, factual e juridicamente impossível.

V. Não podendo o Réu, dono da obra, obter, à custa do Autor empreiteiro e, agora, da sua Massa Insolvente, a eliminação dos defeitos, nem a conclusão das obras em falta, é mister que seja considerado credor de uma indemnização – art. 1223º do Código Civil – que poderá exigir da Autora e terá por medida as despesas que houver de fazer para ver concluídas as obras em falta e eliminados os defeitos denunciados e reconhecidos pelo empreiteiro, valor não quantificado e que se apurará em incidente de liquidação.

VI. Não tendo sido pedida a extinção da obrigação de pagamento em discussão, pela via da compensação de créditos, mesmo que os requisitos se verificassem, a compensação não poderia ter sido decretada. Tendo sido declarada a insolvência do Autor, a compensação de créditos só poderia ocorrer no quadro normativo do art. 99º do CIRE.

VII. A compensação, cujos requisitos são definidos no art. 847º do Código Civil, constitui uma modalidade de extinção das obrigações para além do pagamento, pressupondo um “encontro de contas”. A declaração compensatória é receptícia, – art. 224º do Código Civil – podendo fazer-se judicial ou extrajudicialmente – art. 848º, nº1, daquele normativo. Está sujeita ao princípio do pedido, pelo que não poderia o Tribunal condenar no saldo que se viesse a apurar.


Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, intentou, em 15.6.2009, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Montalegre, acção declarativa de condenação, com processo sumário, que passou a processo ordinário, após ter sido admitida a reconvenção, contra:

BB

Pretende o autor que se condene o réu a pagar-lhe a quantia de € 23.123,59, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, para créditos de que são titulares empresas comerciais, desde a data da petição, sobre a quantia de € 21.785,00, até efectivo e integral pagamento.

 Alegou, em síntese:

- que tem como actividade a construção civil;

- que, no exercício dessa actividade executou diversos serviços num prédio do réu, nomeadamente, os que constam das facturas que junta e cujo custo ascende a € 43.785,00;

- que o réu, até à data, para pagamento de tal preço, apenas pagou a quantia de € 22.000,00, continuando o restante em dívida.

Regularmente citado o réu  apresentou contestação, excepcionou o direito de recusar a entrega da parte do preço em falta, devido aos defeitos que a obra apresenta e ao facto de não se mostrar concluída a empreitada, impugnou os factos alegados pelo autor e deduziu reconvenção.

Para efeitos de reconvenção, alega que o autor não cumpriu o contrato de empreitada que celebrou com o réu, uma vez que não concluiu a obra no prazo acordado, faltando executar trabalhos, acrescendo que alguns dos trabalhos realizados apresentam defeitos que oportunamente denunciou.

Por essa razão, a obra é inadequada ao fim a que se destina, sendo urgente executar os trabalhos em falta e eliminar os defeitos. A conduta do autor consubstancia incumprimento definitivo do contrato, o que confere ao réu o direito de exigir a sua resolução e ser ressarcido pelo custo dos trabalhos a realizar para eliminação dos defeitos e conclusão da obra.

Pede, assim, em termos de reconvenção, que se declare a resolução do contrato de empreitada, por incumprimento culposo do autor, e que se condene o autor-reconvindo a pagar-lhe a quantia de € 14.788,00, a título de indemnização pelos danos que o incumprimento daquele lhe causou.

            O autor replicou, contestando as excepções e a reconvenção, concluindo como na petição inicial.

Foi elaborado oportunamente o despacho saneador, com a selecção da matéria de facto.

Tendo o Autor, entretanto, sido declarado insolvente, prosseguiu a acção a pedido da Massa Insolvente.

Procedeu-se a julgamento, com observância das formalidades legais, a final foi proferida sentença, em 4.11.2011, que:

            “Por tudo o exposto:

1. Julgo a acção improcedente, nos termos supra expostos, pelo que absolvo o réu do pedido contra si formulado.

2. Julgo parcialmente procedente a reconvenção e a excepção de não cumprimento do contrato e, consequentemente:

a) Declaro resolvido o contrato de empreitada em causa nos autos, por incumprimento culposo do autor;

b) Condeno o autor/reconvindo a pagar ao réu/reconvinte a quantia que se vier a liquidar em execução de sentença e que se mostre necessária à conclusão dos trabalhos contratados entre as partes e não realizados e à eliminação dos defeitos, mas com a obrigação para o réu/reconvinte de pagar ao autor, no caso de o valor das obras a realizar para conclusão dos trabalhos e eliminação dos defeitos ser inferior ao valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra, a diferença desses valores, tudo conforme supra exposto;

c) Condeno o autor/reconvindo a pagar ao réu/reconvinte a quantia de € 100,00 (cem euros), nos termos supra mencionados;

d) Absolvo o autor/reconvindo do demais peticionado.

[…].”

            Inconformada, a Autora Massa Insolvente, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 8.5.2012 – fls. 239 a 252 –, decidiu:

            “Julgar parcialmente procedente por provado o recurso de apelação e, em consequência, revogar a douta sentença recorrida na parte em que declarou resolvido o contrato, condenando agora o Réu a pagar ao Autor o saldo do que resultar de liquidação de sentença, entre o valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra, por um lado, e o valor das obras a realizar para conclusão dos trabalhos e eliminação dos defeitos (incluindo mais a quantia de € 100), por outro lado, se o saldo que existir for favorável ao Autor.

No mais, designadamente quanto à improcedência do pedido da acção, manter o dispositivo recorrido.

                […]”.

           Inconformada, a Autora recorreu para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formulou as seguintes conclusões:

a) O acórdão recorrido deu como provado que o Recorrido deve ao Recorrente a quantia de onze mil e quinhentos euros (€ 11.500,00) relativos ao peço da empreitada, mais o valor total de IVA, à taxa de 21% sobre o valor global da obra/orçamento (€ 33.000,00).

b) O acórdão recorrido julgou improcedente a excepção de não cumprimento do contrato invocada pelo Recorrido.

c) O acórdão recorrido julgou improcedente o pedido de resolução do contrato invocado pelo Recorrido.

Posto isto,

d) Em face de tais decisões impunha-se objectivamente decisão diversa da proferida no acórdão recorrido, o qual enferma contradições geradoras da nulidade do mesmo, em clara violação do preceituado no artigo 668º, nº1, c) do Código de Processo Civil.

e) Com efeito, de modo algum se pode aceitar a tese do pedido improcedente que renasce para fundamentar uma liquidação em execução de sentença de pedidos recíproca mente formulados.

f) Até porque, a excepção de não cumprimento era o único fundamento para que o Recorrido não fosse condenado no pagamento da parte do preço em falta. Tendo essa excepção sido julgada improcedente impunha-se desde logo a condenação do Recorrido no pagamento do montante em dívida apurado.

g) Não pode o Tribunal considerar improcedente a excepção de não cumprimento invocada e de imediato criar uma tese de renascimento do pedido para desse modo lograr o mesmo efeito acabado de destruir pela improcedência da exceptio.

h) É absolutamente contraditório que, por um lado, na decisão da matéria de facto seja dado como provado o valor devido pelo Recorrido ao Recorrente e posteriormente, na decisão se remeta para liquidação em execução de sentença um valor que já é líquido.

i) E ainda mais contraditório é condenar o “Réu a pagar ao Autor o saldo do que resultar de liquidação de sentença, entre o valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra, e o valor das obras a realizar para a conclusão dos trabalhos e eliminação dos defeitos (incluindo mais a quantia de €100), por outro lado, se o saldo que existir for favorável ao Autor.”

j) Ao decidir de tal forma está o Tribunal a impor uma compensação de créditos, quando em momento algum o Recorrente invocou qualquer excepção de compensação.

k) A compensação é uma excepção peremptória mas que tem de ser invocada pelas partes e nunca de conhecimento oficioso, não pode o Tribunal da Relação do Porto atribuir ao Recorrente o direito à referida compensação quando o mesmo nunca a invocou.

l) Contudo as contradições avolumam-se, ao julgar improcedente o pedido formulado pela Recorrente na acção e em simultâneo condenar o Recorrido a pagar ao Recorrente o montante que resultar do encontro de contas entre ambos.

m) Não existe qualquer suporte para a imposição deste encontro de contas pelo Tribunal.

n) Da matéria de facto dada como provada resulta que o Recorrido deve ao Recorrente € 11.500,00 do preço acordado, mais a totalidade do IVA, que corresponde a € 6.930,00, resultante da aplicação da taxa de 21% ao valor da empreitada (€ 33.000,00).

o) A manifesta contradição entre tais factos e a declarada improcedência do pedido do Recorrente determina a nulidade do acórdão recorrido nessa parte, como já determinava a nulidade da sentença da primeira instância.

p) Como consequência de tal nulidade deve o mesmo ser revogado nessa parte e substituído por outro que condene o Recorrido a pagar ao Recorrente a quantia de € 18.430,00, acrescidos de juros à taxa legal.

q) De resto, é falso que esta quantia não se encontra ainda vencida, o que apenas sucederia com o final da obra.

r) Aliás, consta do plano de pagamentos que “O primeiro e segundo pagamentos serão efectuados quando o empreiteiro pedir à pessoa responsável pela obra. O terceiro pagamento será efectuado quando o Dono da Obra chegar a Portugal no mês de Julho de 2008.”

s) Existindo prazo certo, como existia, a obrigação de pagamento venceu-se na data acordada pelas partes, pelo que não o fazendo nessa data o Recorrido colocou-se em mora.

t) Mesmo que assim não fosse, o que não se aceita, sempre o vencimento da quantia se teria dado com o incumprimento definitivo por parte do Recorrido.

u) Com efeito, resulta da resposta à matéria de facto que “as testemunhas CC e esposa acabaram por admitir que o autor apareceu em sua casa a pedir a chave da casa do réu, cuja entrega lhe foi negada...”.

v) Tal recusa, juntamente a declaração de resolução, sem fundamento, do contrato emitida pelo Recorrido e vertida nos presentes autos, evidenciam uma completa impossibilidade de manutenção da relação contratual por factos imputáveis ao recorrido.

w) E tanto assim era, que o próprio acórdão proferido condenou o Recorrido no pagamento do preço que vier a resultar duma, supostamente necessária, liquidação recíproca em execução de sentença.

x) Então o preço não está vencido para ser julgado procedente o pedido na presente acção, mas já está vencido o preço para efeitos duma condenação em execução de sentença — as contradições persistem!

y) Sendo certo que ainda que a obrigação não estivesse vencida, o que não se aceita, sempre teria de ser proferida sentença que condenasse no seu pagamento na data do respectivo vencimento.

z) Não obstante, a parte do IVA respeitante às duas primeiras prestações sempre estaria vencido, e portanto impunha-se, ainda que na tese do acórdão recorrido, pelo menos a condenação do Recorrido nessa parte, o que não sucedeu.

Termos em que, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que julgue a acção parcialmente procedente, condenando o Recorrido no pagamento ao Recorrente da parte do preço em falta (€ 11.500,00) e do IVA devido (€ 6.930,00), num total de € 18.430,00.        

Não houve contra-alegações.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provados os seguinte os factos:

A) O Autor exerce, com intuito lucrativo, a actividade de construção civil.

B) No exercício dessa sua actividade, executou diversos serviços dessa sua actividade, num prédio pertencente ao Réu, sito no lugar da sua residência.

C) O Réu decidiu restaurar a sua habitação de férias, em Portugal, sita em Codeçoso, Meixedo, Montalegre.

D) Para o efeito, em Agosto de 2007, na dita localidade de Codeçoso, o Réu contratou as obras de restauração da sua casa com o demandante AA.

E) Outorgando um “contrato de empreitada” meramente verbal, que o demandante se comprometeu a reduzir a escrito e apresentar ao representante do dono da obra (CC).

F) O que aconteceu no início de Setembro de 2007 e é consubstanciado pelo documento nº l junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integrado.

G) Através do contrato de empreitada celebrado entre os aqui litigantes, o autor AA obrigou-se a realizar os trabalhos descritos no acordo aludido em E).

H) A concluir a obra até ao final de Julho de 2008.

I) Por forma a que o Réu BB pudesse instalar-se na casa restaurada nas respectivas férias, durante o mês de Agosto de 2008.

J) Como contrapartida pela execução da empreitada aludida em E), o Réu obrigou-se a pagar ao Autor o montante de € 33.000,00, sendo que o valor da empreitada seria a liquidar em três prestações iguais.

K) Ficou acordado entre o dono da obra (Réu) e o empreiteiro (Autor) que a última prestação seria paga “no final da obra”, no momento da entrega e aceitação da mesma, no dizer dos contraentes “quando o Dono da Obra chegar a Portugal no mês de Julho de 2008”.

L) Depois de iniciada a execução da empreitada, o Réu solicitou ao Autor, através do telefone, que executasse, além dos trabalhos contratados em Agosto de 2007, os seguintes: instalação de dois recuperadores de calor – um na sala do 1º andar e outro na cozinha (r/c), aplicação de placas de granito nas paredes interiores da sala do 1º andar, uma janela no WC e porta com vidro na sala.

M) O Autor aceitou realizar os referidos trabalhos, acordando com o Réu que este pagaria pelos mesmos os seguintes valores: dois mil e seiscentos euros (2.600,00 €) pelos dois recuperadores, três mil euros (3.000,00 €) pela aplicação do granito, duzentos e cinquenta euros (250,00 €) pela janela do WC e duzentos e cinquenta euros (250,00 €) pela porta da sala.

N) O Réu cumpriu pontualmente com a sua prestação e pagou as duas primeiras parcelas do preço, através de cheques visados do BES, quando o Autor lhe solicitou:

a) a primeira, que incluiu o valor dos recuperadores de calor, no dia 4 de Junho de 2008, no valor de 13.600,00 €;

b) a segunda, que engloba o custo do granito aplicado na sala, no dia 10 de Julho de 2008, no montante de 14.000,00 €.

Após produzida prova em audiência de julgamento, resultaram, ainda, provados os factos seguintes:

- Ao valor aludido em J) acresceria o IVA (resposta ao quesito 3º, conforme adoptada nesta instância).

1) - Na obra executada falta executar os seguintes trabalhos:

a) Limpeza e reparação das portadas e janelas exteriores;

b) Batentes inferiores das portas do R/C (lado Poente), da garagem e da varanda do 1º andar;

c) No WC do 1º andar falta o resguardo, o armário e espelho do lavatório e "móvel para arrecadação";

d) A porta que liga a sala do R/C à garagem;

e) Duas girândolas de extracção de fumos nas chaminés;

f) Pintar as “juntas” e limpar o granito da sala do 1º andar.

2) - Alguns trabalhos não foram executados de acordo com o contratado, nomeadamente:

a) Foram aplicadas caleiros e respectivos condutores (descidas) em plástico, quando deveriam ser em alumínio lacado, de cor preta;

b) As três chaminés deveriam ter um tubo em inox, encimado por girândola, mas apenas foi aplicado o tubo até meio da altura da chaminé e uma girândola, faltando duas;

c) O tubo de exaustão da cozinha foi feito para a fachada principal da casa, a cerca de 2,30 m de altura, directamente para a via pública, quando deveria ter sido feita para o telhado;

d) O poliban do WC do R/C não tem as dimensões acordadas e impede a utilização normal da sanita, pelo que deverá ser em semicírculo;

e) Autor e Réu contrataram que as escadas interiores de ligação entre a sala do r/c e o hall do 1º andar deveriam ser em caracol ou em L, feitas em betão forrado a madeira, tendo sido feitas directas, alteração que reduziu a área útil da sala, obrigou à mudança da porta de acesso à garagem e a uma alteração no 1º andar, com redução da área do WC, mudança da porta de acesso à sala do 1º andar e redução do espaço útil do hall, mas que foi aceite pelo Réu;

f) “Não provada”, conforme decisão infra;

g) Os rodapés dos quartos e hall do 1º andar deveriam ser em cerâmica e o Autor aplicou madeira;

h) “Não provada”, conforme decisão infra;

i) O reboco do tecto dos quartos mal executado, com ondulação e irregularidades.

3) - Do preço da empreitada, o Réu apenas deve onze mil e quinhentos euros (€ 11.500,00), relativos à última prestação e ao custo dos trabalhos extra – janela do WC e porta da sala.

4) - Em Agosto de 2008, o Réu regressou a Portugal, encontrou-se com o Autor na própria obra, em Codeçoso, e tomou conhecimento dos defeitos e das lacunas da empreitada.

5) - Que ali (Agosto de 2008) denunciou ao demandante AA.

6) - O Autor assumiu rectificar os defeitos que a obra apresentasse.

7) - O autor não aceitou rectificar as escadas interiores de acesso ao primeiro andar.

8) - E obrigou-se a fazer os trabalhos contratados e ainda por executar, supra referidos.

9) - Que realizaria no prazo de dois meses (até final de Outubro de 2008).

10) - O Réu BB regressou aos Estados Unidos no final de Agosto de 2008 e não voltou a Portugal.

11) - O Autor não realizou nenhum dos trabalhos de rectificação e conclusão acima referidos.

12) - O Autor nunca mais estabeleceu qualquer contacto com o Réu, que nunca aceitou a obra.

13) - O Réu tomou conhecimento de que o Autor não tinha eliminado os defeitos e concluído a obra, em Abril de 2009.

14) - O réu foi disso informado pelo telefone.

15) - O Réu mandou proceder a uma peritagem à obra, no que despendeu cem euros (€ 100,00).

Deve ainda considerar-se provado que o Autor AA requereu a sua própria insolvência e exoneração do passivo restante, no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães – Proc. 2080/10.TBGMR – distribuído ao 4º Juízo Cível – tendo sido proferida sentença, em 4.6.2010, que transitou em julgado em 2.7.2010, e declarou o requerente em estado de insolvência – certidão de fls. 138 a 144.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso – importa saber se o Acórdão é nulo, por contradição entre os fundamentos e a decisão, mormente, por ter considerado que o Réu não poderia recusar o pagamento em falta do preço da empreitada que considerou não pago (ao julgar improcedente a excepção de não cumprimento do contrato e ao negar o direito do Réu a resolver o contrato), e, depois, reconhecer um crédito do Autor, decretando uma compensação de créditos oficiosamente e relegada para execução de sentença, para se apurar o quantum devido pelo Réu ao Autor, e, por este àquele a título de indemnização, pelo não cumprimento do contrato aludindo à eventualidade de um saldo.

            Está em causa um contrato celebrado em 2007 pelo Autor na veste de empreiteiro e pelo Réu como dono da obra, tendo por objecto a restauração de uma casa do Réu, tendo sido acordado o preço de € 33 000,00 mais IVA, a liquidar em três prestações iguais e que a obra estaria concluída até ao final de Julho de 2008, data em que o Réu, residente nos USA, regressaria de férias a Portugal, pretendendo ocupar a cada em Agosto desse ano.

            Depois de iniciada a obra, o Réu solicitou ao Autor que executasse, além dos trabalhos contratados em Agosto de 2007, os seguintes: instalação de dois recuperadores de calor – um na sala do 1° andar e outro na cozinha (r/c), aplicação de placas de granito nas paredes interiores da sala do 1º andar, uma janela no WC e porta com vidro na sala.

            Mais se provou que o Autor aceitou realizar os referidos trabalhos, acordando com o Réu que este pagaria pelos mesmos os seguintes valores: dois mil e seiscentos euros (€ 2.600,00) pelos dois recuperadores/três mil euros (€ 3.000,00) pela aplicação do granito/duzentos e cinquenta euros (€ 250,00) pela janela do WC e duzentos e cinquenta euros (€ 250,00 €) pela porta da sala.

 Mais ficou acordado que a última das três parcelas iguais do preço seria paga no “final da obra” que seria concluída até ao final de Julho de 2008.

            Não existe dissídio entre as partes quanto à qualificação da relação jurídico-contratual a que se vincularam.

            Entre ambas foi celebrado um contrato de empreitada, que é uma modalidade de contrato de prestação de serviços – art.1155º do Código Civil.

         Nos termos do art. 1207º do Código Civil –  “Empreitada é o contrato pelo qual uma das partes se obriga em relação a outra a realizar certa obra, mediante um preço.”

            O contrato de empreitada é, pois, bilateral, oneroso e sinalagmático.

            O sinalagma, no contrato de empreitada, é genético e funcional. É genético porquanto a reciprocidade das prestações do empreiteiro e do dono da obra nasce no momento em que é celebrado o contrato e é funcional porque perdura durante a sua execução.

            Um dos aspectos em que se exprime o sinalagma contratual – corolário do princípio geral da pontualidade (art. 406º do Código Civil) – é, do lado do empreiteiro, a execução da obra nos termos convencionados –“O empreiteiro deve executar a obra em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato.” – art. 1208º do Código Civil e, do lado do dono dela, a obrigação de, caso a aceite, pagar o preço.  - “O preço deve ser pago, não havendo cláusula ou uso em contrário, no acto de aceitação da obra.”- nº2 do art. 1211º do citado diploma.

            Foi acordado o preço global de € 33 000 000,00 mais IVA à taxa de 21% (como a Relação considerou), a ser pago em três parcelas iguais, sendo que o Réu pagou nos prazos acordados as duas primeiras e recusou o pagamento da terceira, alegando, não só que o empreiteiro não executara trabalhos a mais que foram acordados posteriormente, e que a obra já realizada patenteava defeitos que comunicou ao Autor e que este acedeu reparar em parte, tal como se obrigou a executar os trabalhos extra.

            O Réu deduziu pedido reconvencional, pedindo que se julgasse procedente a excepção de não cumprimento do contrato – art. 428º, nº1, do Código Civil – para recusar o pagamento da terceiro prestação € 11 000, 00 mais IVA à taxa de 21%, pedindo ainda que se declarasse resolvido o contrato, peticionando o pagamento de € 14 788,00 que teria como valor a quantia que teria de despender por danos patrimoniais (para concluir a obra e eliminar os defeitos), assim como pediu o pagamento danos de não patrimoniais que o incumprimento lhe causou.

            O recorrente, nas suas alegações, deliberadamente, omite que da factualidade provada resulta manifestamente que o contrato não foi pontualmente cumprido, já que a prestação a que se obrigou não foi executada quer quantitativa, quer qualitativamente nos termos contratualizados, em suma não foi executado o programa negocial.

            Há, pois, da sua parte incumprimento lato sensu, que se presume culposo – art. 799º, nº1, do Código Civil.

            “Cumprimento defeituoso ou inexacto – a) É aquele em que a prestação efectuada não tem os requisitos idóneos a fazê-la coincidir com o conteúdo do programa obrigacional, tal como este resulta do contrato e do princípio geral da correc­ção e boa fé. b) A inexactidão pode ser quantitativa e qualitativa. c) O primeiro caso coincide com a prestação parcial em relação ao cumprimento da obriga­ção. d) A inexactidão qualitativa do cumprimento em sentido amplo pode traduzir-se tanto numa diversidade da prestação, como numa deformidade, num vício ou falta de qualidade da mesma ou na existência de direitos de terceiro sobre o seu objecto – José Baptista Machado, “ Resolução por Incumprimento”, in Estudos de Homenagem ao Professor Doutor J.J. Teixeira Ribeiro, 2º, 386.

                Vejamos quanto à excepção do não cumprimento do contrato.      

         Dispõe o art. 428º do Código Civil:

“1. Se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efectuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo.
2. A excepção não pode ser afastada mediante a prestação de garantias.”

O Réu pretendeu prevalecer-se deste instituto para não pagar ao Autor a parcela final do preço por este reclamado, enquanto não eliminasse os defeitos na execução da obra e executasse os trabalhos em falta:

Ficou provada a existência de defeitos que foram atempadamente denunciados, tendo sido também atempada a exigência da respectiva eliminação.

A “exceptio non adimpleti contractus” constitui uma excepção peremptória de direito material, cujo objectivo e funcionamento se ligam ao equilíbrio das prestações contratuais, valendo – tipicamente – no contexto de contratos bilaterais, quer haja incumprimento ou cumprimento defeituoso.

“São pressupostos da excepção de não cumprimento do contrato: existência de um contrato bilateral, não cumprimento ou não oferecimento do cumprimento simultâneo da contraprestação; não contrariedade á boa-fé” – cfr. “A excepção de Não Cumprimento do Contrato”, de José João Abrantes, 1986, 39 e segs.

O art. 429º do Código Civil faz excepção à regra da simultaneidade do cumprimento, estatuindo:

 “Ainda que esteja obrigado a cumprir em primeiro lugar, tem o contraente a faculdade de recusar a respectiva prestação enquanto o outro não cumprir ou não der garantias de cumprimento, se, posteriormente ao contrato, se verificar alguma das circunstâncias que importam a perda do beneficio do prazo.”

         Como ensinam os Professores Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada, I vol. pág. 406:

“A exceptio não funciona como uma sanção, mas apenas como um processo lógico de assegurar, mediante o cumprimento simultâneo, o equilíbrio em que assenta o esquema do contrato bilateral.

Por isso ela vigora, não só quando a outra parte não efectua a sua prestação porque não quer, mas também quando ela a não realiza ou a não oferece porque não pode (cfr., quanto ao caso de falência de um dos contraentes, o disposto no art. 1196.° do Cód. Proc. Civil).

 E vale tanto para o caso de falta inte­gral do cumprimento, como para o de cumprimento parcial ou defeituoso, desde que a sua invocação não contrarie o princípio geral da boa fé consa­grado nos artigos 227.° e 762.°, n.° 2 (vide, a este respeito, na RLJ., ano 119.°, págs. 137 e segs., o acórdão do S. T. J., de 11 de Dezem­bro de 1984, com anotação de Almeida Costa).” (sublinhámos).

Também, a propósito deste princípio legal, escreveu o Prof. Calvão e Silva, in “Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória”, pág.334:

“ Processualmente, o demandado a quem se exija o cumprimento tem de invocar a exceptio, que não é de conhecimento oficioso. Trata-se, efectivamente, de uma excepção sensu proprio e strito sensu (Einrede, na terminologia alemã), correspondente às exceptiones iuris da doutrina romanista, cuja relevância e eficácia só operam por vontade do excipiens, não podendo o juiz conhecer dela ex officio. Logo, se não opõe a exceptio, o demandado será condenado.

Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra.

É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo...”.

Aparentemente, a exceptio só funcionaria quando ambas as partes fossem obrigadas a cumprir, simultaneamente, as obrigações emergentes do sinalagma contratual.

Contudo não é esse o entendimento mais correcto do regime do art. 428º, nº1, do Código Civil, na perspectiva do Prof. Vaz Serra, in RLJ, Ano 105º, pág. 238 (...) “A fórmula legal não é inteiramente rigorosa, pois o que a excepção supõe é que um dos contraentes não esteja obrigado, pela lei ou pelo contrato, a cumprir a sua obrigação antes do outro; se não o estiver pode ele, sendo-lhe exigida a prestação, recusá-la, enquanto não for efectuada a contraprestação...Por conseguinte, a excepção pode ser oposta ainda que haja vencimentos diferentes...apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro...” – (nota 2).

Decorre do art. 1221º do Código Civil, inexistindo cláusula em contrário, o preço deve ser pago no “acto de aceitação da obra”.

A lei consagra, assim, em princípio, a simultaneidade das prestações; aceitação da obra/pagamento do preço.

A vertente quantitativa da prestação a cargo do Autor foi violada do ponto em que falta executar os trabalhos aludidos no ponto 1) alíneas a) a f) dos factos provados em audiência de discussão e julgamento.

A vertente qualitativa foi violada do ponto em que as obras constantes do item 2) alíneas a) a e) g) e i), não coincidem com o programa negocial acordado no contrato.

 Ficou provado que o Réu apenas deve € 11 500,00 relativos à última prestação e ao custo dos trabalhos extra – cfr. item 3) dos factos provados.

Em Agosto de 2008, o Réu denunciou esses defeitos ao Autor que assumiu rectificá-los, excepção feita às escadas interiores de acesso ao primeiro andar, tendo-se obrigado a executar os trabalhos em falta, que realizaria no prazo de dois meses até final de Outubro de 2008 – itens 5) a 9) dos factos provados.

Pese embora o Autor ter assumido tal compromisso não realizou nenhum dos trabalhos de eliminação dos defeitos e conclusão da obra e nunca mais estabeleceu qualquer contacto com o Réu, que nunca aceitou a obra.

            Poderíamos dizer que, ante este quadro de incumprimento do Autor, tendo o Réu denunciado os defeitos da obra e exigido a sua eliminação, este poderia excepcionar o não cumprimento do contrato – art. 428º, nº1, do Código Civil – recusando o pagamento da prestação final (a terceira) até que o Autor eliminasse os defeitos e executasse as obras em falta.

            Sucede que o Réu, apenas ao ser demandado, lançou mão desse instituto, na reconvenção que formulou e, ao mesmo tempo, contraditoriamente, declarou resolvido o contrato.

            A resolução do contrato visa o corte definitivo do vínculo contratual baseado num fundamento que, por regra, é o incumprimento em sentido lato, corte esse que opera retroactivamente, obrigando à restituição do que tiver sido prestado, ou, não sendo essa restituição possível em espécie, ao seu equivalente – art. 432º a 434º do Código Civil.

A declaração de resolução pode ser feita extrajudicialmente ou judicialmente. 

No caso foi-o através da reconvenção e, portanto, só se tornaria operante quando o Autor fosse notificado desse articulado de contestação/reconvenção.

            Já a invocação da excepção do não cumprimento do contrato – art. 428º, nº1, do Código Civil – deixa intocado o vínculo contratual. A exceptio visa compelir o contraente em mora a cumprir, é um meio de pressão para o adimplemento, sob pena de não receber da contraparte a prestação correspectiva envolvida no sinalagma contratual.

            Assim não é congruente que quem invoca o incumprimento da parte contrária, pretenda ao mesmo tempo, prevalecer-se da excepção do não cumprimento que visa apenas retardar a prestação que lhe incumbe – e declare resolvido o contrato. A exceptio mantém o vínculo contratual, a resolução rompe-o.

            O Acórdão recorrido considerou que, não tendo Réu provado que o Autor abandonou a obra “depois de Agosto de 2008”, não tinha fundamento para resolver o contrato como pretendeu em sede reconvencional.

Não considerou o Acórdão de 8.5.2012, nem o recorrente, que o Autor AA requereu a sua própria insolvência e exoneração do passivo restante, no Tribunal Judicial da Comarca de Guimarães, tendo sido proferida sentença, em 4.6.2010, que transitou em julgado em 2.7.2010, e declarou o requerente em estado de insolvência.

A declaração da insolvência do Autor é posterior à notificação da reconvenção onde o Réu reconvinte afirmou resolver o contrato.

Ora, do facto do Autor ter sido declarado insolvente, sendo até sido substituído na acção pela Massa Insolvente da sua insolvência, duas conclusões há que extrair em função de não se ter considerado no Acórdão que o Réu resolveu o contrato: uma, a de que, estando em mora quanto à eliminação dos defeitos a que se comprometera, se situava em período em que estava em actividade, depois de declarada a insolvência esse compromisso tornou-se impossível; a outra conclusão, é que a insolvência, não existindo prova em contrário, exprime culpa sua, tanto mais que o Autor/insolvente requereu a exoneração do passivo restante.

A sua prestação, no contrato bilateral, tornou-se impossível por causa a si imputável – art. 801º, nº1, do Código Civil – e, por isso, a sua responsabilidade é assimilável ao seu incumprimento culposo.

Com a declaração de insolvência configurada está a impossibilidade superveniente definitiva e culposa do Autor em realizar a sua prestação, que sendo uma obrigação de resultado – a conclusão da obra com a eliminação dos defeitos denunciados e a execução dos trabalhos extra – é desde a decisão que decretou a insolvência do empreiteiro factual e juridicamente impossível.

            Não podendo o Réu obter à custa do Autor e, agora da sua Massa Insolvente, a eliminação dos defeitos, nem a conclusão das obras em falta, é mister que seja considerado credor de uma indemnização – art. 1223º do Código Civil – que poderá exigir da Autora e terá por medida as despesas que houver de fazer para ver concluídas as obras em falta e eliminados os defeitos denunciados e reconhecidos pelo empreiteiro, valor não quantificado e que se apurará em incidente de liquidação.

            Mas vejamos alguns aspectos das complexas decisões das instâncias.

Antes de mais considerou-se provado no item 3) da Matéria de Facto Assente, que:

 “Do preço da empreitada, o Réu apenas deve onze mil e quinhentos euros (11.500,00 €), relativos à última prestação e ao custo dos trabalhos extra – janela do WC e porta da sala”.

A expressão “o réu apenas deve 11.500 euros” foi entendida como obrigação incumprida, quando, salvo o devido respeito, o que estava em causa, uma vez que o Réu nunca aceitou dever essa quantia, mas apenas que a não tinha pago porquanto exercera a excepção do não cumprimento, recusando esse pagamento até que o Autor eliminasse os defeitos e executasse os trabalhos extra, pelo que o sentido correcto seria afirmar que o Réu recusou, do preço da empreitada, pagar € 11 500,00 relativos ao custo dos trabalhos extra indicados.

Na sentença recorrida considerou-se que o Réu resolveu o contrato porque, pese embora não ter seguido os procedimentos previstos nos arts. 1221º e 1222º do Código Civil:

 “Não é razoável, nem justo, que o réu, dono da obra, que, no caso concreto celebrou o contrato de empreitada há cerca de 4 anos, tendo celebrado novo acordo verbal para reparação dos defeitos e conclusão dos trabalhos em falta, há cerca de três anos, continue com a sua casa de habitação inacabada e com defeitos que tornam o seu uso, no mínimo, desconfortável.

Cremos que as regras da boa fé impõem que o réu não seja obrigado a continuar sujeito a esperar que o autor termine a obra e elimine os defeitos cuja eliminação já lhe foi solicitada, já foi acordada e não foi cumprida no prazo fixado para o efeito. Sendo assim, considera-se que o réu/reconvinte pode, no caso concreto, optar pela resolução do contrato e indemnização pecuniária em vez da eliminação dos defeitos da obra por parte do autor/reconvindo, indemnização essa que, contudo, deve ser liquidada em execução de sentença, uma vez que não foi possível determinar em concreto o valor necessário à eliminação dos defeitos em causa e conclusão dos trabalhos em falta.”

            Assim, tendo considerado (questionavelmente) que o Réu não pagou ao Autor a quantia de € 11 500,00 e que era devedor dessa quantia, reconheceu o crédito do Réu nos termos preditos.

           Já o Acórdão da Relação – fls. 250 – tendo considerado afastada a possibilidade de resolução do contrato pelo Réu, ao abrigo dos arts. 801º e 808º do Código Civil, considerou que este fundou a resolução do contrato no facto do Autor ter abandonado a obra depois de Agosto de 2008, considerou que “…o Réu não logrou provar esse dito abandono da obra, quesitado sob 16° da Base Instrutória. Na resposta a uma tal matéria o tribunal constatou apenas que “o Autor não realizou nenhum dos trabalhos de rectificação e conclusão referidos”. Resta assim a dúvida sobre se as obras não foram executadas porque o Réu não cedeu ao Autor as chaves da moradia, como alegado em 12º do articulado Réplica, se por abandono deliberado desse mesmo Réu.

Em suma, não nos parece que o Réu tenha validamente provado um fundamento para a resolução do contrato de que se pretendia fazer valer no pedido reconvencional.”

                Acrescentando:

                “Significa isto que o dispositivo recorrido deve ser alterado no sentido da improcedência de ambos os pedidos recíprocos?

De forma alguma.

 Tal significaria prejudicar o julgado na parte não recorrida, o que se traduz na usual expressão da proibição de reformatio in pejus – art. 684º, nº4, Código de Processo Civil.

            Tal parte não recorrida traduz-se no saldo recíproco das contas entre Autor e Réu, na hipótese prevista no douto dispositivo de “o valor das obras a realizar entre Autor e Réu, na hipótese prevista no douto dispositivo de “o valor das obras a realizar para conclusão dos trabalhos e eliminação dos defeitos ser inferior ao valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra”, e apenas.

            O valor de obras a realizar, enquanto quantia devida a título indemnizatório pela resolução do contrato, na tese da douta sentença em crise, deverá ser acrescido da quantia de € 100 (al. 2º c) do dispositivo), por significar esta igualmente uma quantia indemnizatória decorrente do incumprimento contratual do Autor”.

            Temos, assim, que a sentença da 1ª Instância, pese embora ter julgado a acção improcedente, absolvendo o Réu do pedido, foi correctamente interpretada pelo Acórdão recorrido quando considerou que o Réu fora condenado a pagar ao Autor a quantia que era peticionada de € 11 500,00 relativa à terceira parcela do preço da empreitada (não está em causa a objecção que fizemos a este entendimento que não discerniu o não pagamento pela recusa fundada na exceptio non rite adimpleti contractus, com a obrigação de pagar definitivamente assente.

            O Acórdão da Relação, tendo considerado que o Réu não poderia opor triunfantemente a exceptio também considerou que o Réu não resolveu validamente o contrato, considerou que a decisão da 1ª instância transitou em julgado na parte não recorrida – “Tal parte não recorrida traduz-se no saldo recíproco das contas entre Autor e Réu, na hipótese prevista no douto dispositivo de “o valor das obras a realizar para conclusão dos trabalhos e eliminação dos defeitos ser inferior ao valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra”, e apenas.

Salvo o devido respeito, esta consideração tem em conta, afinal, que o Réu resolveu o contrato já que o seu crédito nasce do incumprimento do Autor, que foi o fundamento invocado para a resolução.

 O direito de resolução de um contrato, com o subsequente pedido de indemnização, encontra fundamento na impossibilidade culposa da prestação – artigos 801º e 802º do Código Civil –, sendo certo que a mora culposa do devedor (artigos 805º e 799º, nº1, do Código Civil) é equiparada ao não cumprimento definitivo quando, em resultado do mesmo (retardamento), o credor perdeu o interesse que tinha na prestação ou se o devedor não a ter cumprido no prazo razoável que o credor lhe fixou -art. 808º do Código Civil – através de interpelação admonitória.

É ainda fundamento para a resolução do contrato a clara e inequívoca vontade do devedor em não cumprir, quer ela se revele expressa, quer tacitamente.

Ao invocar o caso julgado e a proibição da reformatio in pejus, o Acórdão remete para a decisão da 1ª Instância e aí, pese a deficiente expressão da decisão, o Réu foi condenado a pagar ao Autor a quantia por ele devida da terceira prestação (a que acrescerá IVA à taxa de 21% conforme aditamento à matéria de facto) e o Autor foi condenado a pagar ao Réu “O saldo do que resultar de liquidação de sentença, entre o valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra, por um lado, e o valor das obras a realizar para conclusão dos trabalhos e eliminação dos defeitos (incluindo mais a quantia de € 100), por outro lado, se o saldo que existir for favorável ao Autor”.  (ut. fls. 252 do Acórdão).

            Esta alusão no segmento decisório do Acórdão ao “saldo do que resultar de liquidação de sentença, entre o valor em falta para totalizar o preço da empreitada e obras extra”, mais não significa que se considerou a existência de um crédito do Autor sobre o Réu, resultante do não pagamento integral do preço (terceira parcela cujo pagamento foi o único pedido formulado pelo Autor, para além dos juros de mora), e que essa decisão, reconhecendo esse crédito, transitou em julgado já que o Réu não recorreu da sentença.

            Dizemos que assistia ao Réu o direito de resolver o contrato por incumprimento do Autor sob pena de se fazer tábua rasa do princípio da boa fé na execução dos contratos – art. 762º, nº1, do Código Civil.

            Com efeito, o Autor, ao tempo do pedido reconvencional ainda não tinha sido declarado insolvente mas estava já em situação de incumprimento definitivo, já que reconheceu que a obra tinha sido executada defeituosamente, quer qualitativa, quer qualitativamente, tendo-se comprometido a eliminar os defeitos, que reconheceu existirem, até final de Outubro de 2008, o que desde logo dispensava o Réu de qualquer interpelação admonitória.

            Provou-se que – “o Autor não realizou nenhum dos trabalhos de rectificação e conclusão acima referidos…nunca mais estabeleceu qualquer contacto com o Réu, que nunca aceitou a obra…o Réu tomou conhecimento de que o Autor não tinha eliminado os defeitos e concluído a obra, em Abril de 2009”.

                Esta actuação do Autor evidencia clara intenção de não cumprir, podendo fazê-lo até final de Outubro de 2008, data que ele mesmo indicou, o que legitima o Réu a resolver o contrato baseado no incumprimento na execução da empreitada, face à clara e inequívoca manifestação de vontade de não honrar o seu compromisso, sobretudo após ter assumido que eliminaria os defeitos da obra que lhe foram denunciados pelo dono da obra e concluiria os trabalhos em falta.

 Mas, mesmo que assim não fosse, a pretensão de execução específica do contrato – eliminação dos defeitos pelo empreiteiro e conclusão das obras em falta – está definitivamente inviabilizada pelo facto do Autor ter sido declarado em estado de insolvência, sendo que os direitos e responsabilidades emergentes do contrato são agora da responsabilidade da Massa Insolvente.

            Sendo a insolvência de imputar ao Autor, ainda aí se pode considerar que a prestação emergente da empreitada se tornou supervenientemente impossível por culpa do devedor dessa prestação – art. 791º do Código Civil – e, por isso, é agora a Massa Insolvente condenada a indemnizar o Réu pelas despesas que houver de fazer para conclusão dos trabalhos da empreitada e eliminação dos defeitos.

            É tempo de dizer que, pese embora as decisões das instâncias, a acção e a reconvenção procederam em parte, mas as decisões, apesar da sua pouca clareza, decretaram oficiosamente não podendo fazê-lo, a compensação de créditos – arts. 847º e 848º do Código Civil – porque não requerida.

Com efeito, não tendo sido pedida a extinção da obrigação de pagamento em discussão, pela via da compensação de créditos, mesmo que os requisitos se verificassem, a compensação não poderia ter sido decretada.

Por outro lado, tendo sido declarada a insolvência do Autor, a compensação de créditos só poderia ocorrer no quadro normativo do art. 99º do CIRE.

   A compensação, cujos requisitos são definidos no art. 847º do Código Civil, constitui uma modalidade de extinção das obrigações para além do pagamento, pressupondo um “encontro de contas”. A declaração compensatória é receptícia – art.224º do Código Civil – podendo fazer-se judicial ou extrajudicialmente – art. 848º, nº1, daquele normativo.

Está, pois, sujeita ao princípio do pedido.

“A compensação é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como sub-rogado dele, o devedor opõe o crédito que tem sobre credor.

Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito liberando-se do seu débito, por uma espécie de acção directa.”

Do que se tratava, ante os pedidos da acção e da reconvenção, era saber se na procedência da acção, ao Autor seria reconhecido o direito de crédito que reclamava, e se ao Réu era reconhecido o direito a ser indemnizado pelos danos sofridos em consequência do incumprimento do contrato pelo Autor/reconvindo.

O que o Acórdão decretou, em função do princípio do pedido, foi afirmar que os créditos do Autor sobre o Réu e deste sobre o Autor tinham um limite que fixou, muito embora o uso da palavra “saldo” tenha eventualmente traído o sentido da decisão.

Assim, com fundamentos diversos da decisão recorrida e clarificando o seu sentido, julga-se o recurso parcialmente procedente já que ao Autor foi reconhecido o crédito de € 11.500, 00 mais IVA à taxa de 21%, decisão que está implícita nas decisões das instâncias.

No que respeita aos fundamentos, considera-se que o Réu resolveu validamente o contrato, ou, mesmo a assim não se considerar, afirma-se que a prestação do Autor se tornou supervenientemente e culposamente impossível, em face da insolvência do Autor, sendo reconhecido ao Réu o direito a ser indemnizado pelas despesas que tiver de suportar para eliminação dos defeitos da obra e realização das obras extra, até ao limite do pedido reconvencional adrede formulado – € 13 938,00 conforme consta do art. 62º da reconvenção[1]quantum que será liquidado em incidente ulterior.  

 Decisão:

Nestes termos, na parcial procedência do recurso, concede-se a revista, revogando-se o Acórdão recorrido, julgando-se, agora parcialmente procedente a acção, condenando-se o Réu a pagar à Autora/Massa Insolvente a quantia € 11.500,00 acrescida de IVA à taxa de 21%, e na parcial procedência da reconvenção, condena-se o Autor a pagar ao Réu a quantia que se apurar em liquidação de sentença, relativa ao preço das obras objecto do contrato de empreitada que não foram concluídas, incluindo as obras extra, bem como o preço da eliminação dos defeitos até ao valor de € 13 938,00 (incluindo mais a quantia de € 100).

Não se decreta a condenação em qualquer saldo, eventualmente resultante das recíprocas condenações, por não ter sido pedida a compensação de créditos.

Custas pela Autora e pelo Réu, aqui e nas instâncias, provisoriamente, na proporção de metade, sendo que o valor definitivo se apurará após o incidente de liquidação em função da sucumbência.

Supremo Tribunal de Justiça, 20 de Novembro de 2012

Fonseca Ramos (Relator)

 Salazar Casanova

 Fernandes do Vale

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[1] Formulou o pedido de condenação do Autor no total de € 14.788,00, sendo que deste montante, € 13 938,80 “foram peticionados a título de reembolso das despesas correspondentes (custo da eliminação dos defeitos e dos trabalhos não executados) orçamentados em € 13 938,00.”