Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
661/07.0TBVCT-A.G1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: CONTRATO DE EMPREITADA
EMPREITEIRO
DESPESAS
DIREITO DE RETENÇÃO
DIREITO REAL DE GARANTIA
GARANTIA REAL
HIPOTECA
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
INCONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 05/10/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
Doutrina: - Edurne Terradilos Ormaetxea, “Principio de Proporcionalidad, Constituición y Derecho del Trabajo”, Tirant lo Blanch, 2004, pág. 39 e 44.
- Ferrer Correia e Joaquim Sousa Ribeiro, Parecer publicado na Colectânea de Jurisprudência; Ano XIII, Tomo I, págs. 17 a 23.
- Galvão Teles, Inocêncio, in “O Direito”, Anos 106.º-119.º – 19774-1987, pags. 15, 16-17, 20 ,21, 27 e 30.
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 754.º, 755.º, 756.º, 759.º.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 05-05-2005;
-DE 12-09-2006;
-DE 12/09/2007, PROCESSO N.º 072235, IN WWW.DJSI.PT ;
-DE 3-6-2008.
ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
- N.º 207/1996;
- N.º 362/2002;
- N.º 363/2002;
- N.º 356/2004, DE 15.5.2004, PUBLICADO NO DR, II SÉRIE, DE 28.6.2004.
Sumário : I - Tendo o empreiteiro, por causa da relação contratual – obrigação de facere – que estabeleceu com o dono da obra, que realizar despesas para obtenção do resultado que tem de entregar ou restituir, tem o direito de reter a coisa de que resultaram as despesas efectuadas.
II - O art. 754.º do CC constitui-se como a norma-regra ou a norma-pressuposto onde o legislador estabeleceu os pressupostos gerais e fundantes do direito de retenção; o art. 755.º do CC constitui-se como uma norma especificadora: vale dizer que, para além de qualquer sujeito que reúna as condições ou se encontre no quadro condicionante estatuído no preceito geral, gozam ainda desse direito, de forma específica, aqueles que estão referenciados no art. 755.º.
III - O empreiteiro, mercê da sua específica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela, deve assumir, perante a mesma, uma posição de privilégio garantístico de modo a poder reter a coisa em seu poder, perante terceiros, e adquirindo o direito de ser pago, preferencialmente, mesmo perante aqueles que possuam outra garantia real, de cariz mais formal (designadamente, hipoteca) mas não com a intensidade material e intencional com que o retentor detém a coisa objecto da garantia.
IV - A graduação escalonada/privilegiada que o legislador atribui ao direito de retenção em relação à hipoteca, no art. 759.º do CC, não belisca nenhum direito fundamental ou fere de forma desajustada qualquer outro direito constitucionalmente protegido, nomeadamente o da proporcionalidade e da igualdade ou ainda o da confiança na estabilidade dos direitos constituídos anteriormente.
Decisão Texto Integral:  

I. - Relatório.

Desavinda com a decisão proferida pelo Tribunal da Relação de Guimarães que, na improcedência da apelação interposta da decisão do tribunal de Viana do Castelo, manteve inalterada a graduação de créditos consagrada nesta decisão relativamente ao crédito da reclamante “AA-C... B..., L.da.”, com base na existência de um direito real de garantia – direito de retenção – sobre um imóvel urbano, recorre a “Caixa de Crédito Agrícola de Viana de Castelo”, concluindo a alegação de recurso com as conclusões que a seguir se deixam transcritas.

“A recorrente dispõe da garantia de hipoteca do terreno para construção que foi constituída pelos executados no ano de 2003 e em contrapartida do empréstimo que lhes concedeu para financiar a construção da casa de habitação; - vd. art.ºs 686.º e 687.º CC e. art. 1.º Cód. Reg Predial.

- A confiança da recorrente não pode, sem mais, ser posta em causa, pelo facto de a recorrida se ter descuidado em conter o seu crédito na construção da casa (2004 e 2005) e pese embora ter conhecimento da garantia constituída; vd. Art. 686.º CC e art. 6.º Cód. Reg. Predial

- Não existe direito de retenção da recorrida sobre a casa construída no terreno, pois que a lei exige ab initio a entrega pelo devedor de uma’ coisa autónoma e com estrutura definida, que o credor fica, por sua vez, obrigado a entregar depois de a melhorar/reparar. vd. Art. 754.ºdo CC;

- Se o legislador tivesse efectivamente querido que o empreiteiro gozasse do direito de retenção, tê-lo-ia consignado expressamente na lei e associado esse direito à obra por ele construída; - vd. Art. 755.º (a contrario) e art. 9.º CC; 

- O direito de retenção sempre teria que ser negado à recorrida, uma vez que a mesma não se coibiu de acumular despesas volumosas confiando apenas nesse direito e por isso agindo com manifesta má fé em relação à recorrente “ – vd. al. b) art. 756.º CC;

- É inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 759.º do Cód. Civil, pois que viola os princípios da confiança inerente ao Estado de direito democrático, da proporcionalidade e do direito da propriedade privada; - vd: art. 2.º n.º 2; art.18.º e art. 62.º da Lei Fundamental. “

Em sede de resposta a recorrida “AA-C... B..., L.da.” conclui que:

“1 - O direito de retenção, tal como a hipoteca, constitui um direito de garantia, sendo que, no confronto entre os dois prevalece o primeiro, de harmonia com o disposto no n.º 2, do art. 759.º, do Código Civil;

2 - A enumeração do art. 755.º do Código Civil não é taxativa, não revelando uma intenção legislativa de excluir uma retenção obrigacional fora dos casos ali previstos, designadamente, a favor do empreiteiro;

3 - Na sua relação com os donos da obra, á recorrida actuou em cumprimento pontual das obrigações assumidas no contrato de empreitada, realizando todos os trabalhos ali previstos. Em todo o caso, a má-fé que a recorrente lhe imputa, não pode ser sindicada, no presente recurso, ora porque é questão trazida ex novo ao, processo, não tendo sido alegada e/ou debatida nas anteriores instâncias, ora porque ao conceito de má-fé está sempre subjacente matéria fáctica que recorrente jamais alegou, ora porque, mesmo que assim não fosse, a sua apreciação implicaria a reapreciação da matéria de facto, o que a lei não permite, de harmonia com o disposto nos arts. 721.º e 722.º do Código Civil, mormente o n.º 2, deste ultimo preceito;

4 - Admitir que à recorrida não fosse reconhecido o direito de retenção sobre o edifício que construiu, significaria permitir que a recorrente e os demais credores se locupletassem à sua custa, solução da todo inaceitável face à lei; 

5 - Ao direito de retenção são aplicáveis as regras do penhor – n.º 3, do art. 759.º, do Código Civil –, pelo que, a recorrida tem direito de ser indemnizada das benfeitorias úteis efectuadas, isto é, da obra que realizou, tal como decorre da al. b) do art. 670.º, do Cód. Civil, indemnização que lhe deve ser paga com preferência aos credor hipotecário de com o  citado n.º 2 do art. 759.º, do Cód. Civil;

6ª - Inexiste a invocada inconstitucionalidade do n.º 2, do art. 759.º, dó Cód. Civil.”

II. - Fundamentação.

II.A. – De facto.

“1. Por sentença, devidamente transitada em julgado, proferida no processo 202/07.9TBVNC, que AA-C... B..., L.da., instaurou contra BB e CC, foram este Réus condenados a pagar à autora, a quantia de €74.873,95, acrescida de juros de mora, à taxa legal aplicável às obrigações civis, desde 31/12/2005, até integral pagamento.

2. No âmbito da supra referida acção foi admitida a intervenção principal provocada passiva da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Minho e de “DD-Q...-C...V...C..., Lda.”.

3. Na referida acção ficou provado que:

“1º No dia 7/3/2003, os réus acordaram com a autora que esta efectuaria para eles a obra de construção de uma casa de habitação, numa parcela de terreno sita na freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira.

2º A autora realizou para os réus os trabalhos de construção acordados com estes até 2005.

3º Do custo desses trabalhos, os RR não pagaram à A.€74.873,95, com IVA incluído”.

4. No processo principal de que os presentes são apenso, foi penhorado o prédio urbano descrito na CRP com o nº..., sito em Barroco ou Leirinhas, da freguesia de Sopo, Vila Nova de Cerveira.

5. Por escritura denominada de “mútuo com hipoteca” celebrada em 18/11/03 a reclamante Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Alto Minho, CRL, concedeu ao ora executado e esposa um empréstimo no montante de €158.000,00.

6. Por essa mesma escritura os reclamados constituíram a favor da reclamante hipoteca sobre prédio identificado em 1.3., destinando-se a garantir o bom e integral pagamento de:

a) Capital mutuado de €158.000,00;

b) Respectivos juros remuneratórios à taxa contratada (…), acrescida em caso de mora, a esse título e de cláusula penal de quatro pontos percentuais, capitalizáveis;

c) Despesas, incluídas as com honorários de advogados ou outros mandatários feitas ou a fazer pela reclamante para assegurar ou a haver o seu crédito.

7. A referida hipoteca foi inscrita no registo predial pela inscrição C – Ap. 5, de 2003/11/26.

8. Pela inscrição F – Ap. 3, de 2007/06/12, foi registado arresto sobre o mesmo imóvel a favor das “AA-C... B..., L.da.”.

9. Desde que iniciou a construção do prédio/casa de habitação dos RR, em 2003, e até à data, a reclamante “AA-C... B..., L.da.” tem em seu poder as respectivas chaves das portas e portões.

10. Os sócios e representantes da reclamante “AA-C... B..., L.da.” são os únicos, com exclusão de qualquer outra pessoa, em especial os executados, que acedem e podem aceder ao imóvel.

11. Onde se deslocam com vista a verificar o seu estado, abrir as janelas do edifício, arejando-o a fim de evitar condensações.

12. Ninguém mais tem acedido, entrado ou realizado qualquer acto sobre o aludido imóvel.

13. O que tudo acontece devido ao crédito que a reclamante “AA-C... B..., L.da.” detém sobre os executados.

O epítome fundante do recorrente reconduz a revista ao conhecimento de duas questões:

A – Habilita a normação vigente o credor do resultado da prestação (obra) a reter a coisa construída para garantia do pagamento do preço não pago;

B – O direito de retenção do empreiteiro viola o princípio da proporcionalidade e do direito à propriedade privada (artigos 18.º e 62.º da Constituição da República Portuguesa).  

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Crédito resultante da obra realizada pelo empreiteiro e direito de retenção.

A doutrina tem vindo a caracterizar o direito de retenção como “[…] um direito a se que não se integra no direito de crédito como um seu atributo ou faculdade, antes lhe acresce como uma prerrogativa complementar que, por claras razões de justiça e equidade, a lei concede ao credor para robustecer a sua posição.

É um verdadeiro direito real, portanto um direito absoluto, a todos oponível. Traduz-se num poder imediato sobre certa coisa, numa posição de supremacia sobre determinado objecto.

Em primeiro lugar, o direito de retenção, como o próprio nome sugere, outorga ao titular a faculdade de reter a coisa, isto é, de mantê-la sob a sua dominação, enquanto não lhe for satisfeito aquilo que, em ligação com ela, lhe é devido (Código Civil artigo 754.º). Esta faculdade pode o interessado fazê-la valer tanto em face do devedor como de terceiros. Por todo o tempo em que permanecer o estado de insatisfação do seu crédito, ele poderá legitimamente recusar-se a largar mão do objecto, a entregá-lo seja a quem for. É-lhe lícito conservá-lo em seu poder, maugrado quaisquer pretensões que sobre ele se desejem exercitar, venham donde vierem.

Visto por esta primeira faceta, o ius retentionis configura-se como uma garantia real indirecta. É uma garantia porque visa dar maior uma garantia real indirecta. É uma garantia, porque visa dar maior consistência prática ao crédito tornando mais viável a sua cobrança. E é uma garantia real, porque possui o atributo da realidade sendo invocável contra terceiros. É uma garantia real indirecta, porque, olhado a esta luz a sua eficácia não é a de proporcionar o pagamento preferencial em execução forçada: é a de, por uma forma mediata ou oblíqua, estimular psicológica e economicamente ao pagamento voluntário. O devedor, ou quem quer que porventura se haja tornado entretanto proprietário do objecto, sabe que não pode exigir este senão mediante o simultâneo pagamento de quanto ao retentor é devido; e sente-se assim compelido a efectuar tal pagamento.” [[1]]

Para além da função garantística, real e indirecta, é atribuído ao detentor deste direito real de garantia o poder/faculdade de se fazer pagar pela coisa retida com preferência sobre os restantes credores. “Encarado por este ângulo, o ius retentionis apresenta a fisionomia de uma garantia real directa. Pertence à mesma categoria de que fazem de uma garantia real directa. Pertence à mesma categoria de que fazem parte outros direitos assim qualificados, como o penhor e a hipoteca. Como estes, permite ao retentor realizar o seu crédito através do produto da venda do objecto, com prioridade sobre os credores restantes. O retentor é um credor preferencial.” [[2]

O direito de retenção surge na esfera jurídica do sujeito activo da relação creditícia (credor), nos termos do artigo 754.º do Código Civil quando: “a) Alguém tem a detenção de uma coisa, que está obrigado a entregar a outrem; b) o primeiro é por seu turno titular de um crédito contra o segundo existindo portanto dois créditos recíprocos; c) o crédito do primeiro e o correlativo débito do segundo acham-se em conexão com a coisa detida, objecto da obrigação de entrega, conexão derivada de despesas feitas com. a coisa ou de danos por ela causados. O débito de que o detentor é sujeito activo acha-se por esse modo ligado à coisa visando o pagamento de despesas que o detentor com ela efectuou ou a indemnização de prejuízos que em razão dela sofreu (debitum cum te iunctum).” [[3]]

E mais adiante escreve o citado autor que “o empreiteiro pode por conseguinte reter a coisa enquanto não lhe for satisfeita a contrapartida pecuniária a que tem jus. Pode reagir triunfantemente, através dos adequados meios, contra os actos que ofendam a sua posse. E poderá ainda fazer-se pagar pelo valor da coisa com preferência sobre os restantes credores do dono da obra – mesmo sobre os que tenham hipoteca com registo anterior, no caso de se tratar de coisa imóvel. Está, em suma, investido num direito real de garantia dotado como é de sua natureza, de eficácia erga omnes.” [[4]]

Noutro registo, procurando escandir os elementos de conexão que podem explicar a relação garantistíca que se gera entre o facto de o empreiteiro poder exercer o direito de retenção sobre o produto ou o resultado da prestação de serviços contratada com o dono da obra, referem os Profs. Ferrer Correia e Joaquim Sousa Ribeiro que não subsiste unicamente uma conexão jurídica mas igualmente uma conexão objectiva ou material derivada de uma “obrigação complexiva assumida pelo empreiteiro e que se traduz e/ou desdobra em duas prestações, funcionalmente interligadas, mas que se apresentam com autonomia, sendo evidente a sua diferenciação estrutural: uma traduz-se numa prestação de facto, a outra numa prestação de coisa, numa obrigação ou restituir”. [[5]]

Tendo o empreiteiro por causa da relação contratual – obrigação de facere –, que estabeleceu com o dono da obra, que realizar despesas para obtenção do resultado que tem que entregar ou restituir, tem o direito de reter a coisa de que resultaram as despesas efectuadas. “Não está agora em questão, como na «exceptio», a falta de causa, a ausência da contraprestação que, pela própria estrutura do vínculo negocial, representa o fundamento necessário da obrigação assumida. O que releva, para este efeito, é a directa referência do crédito à coisa, o facto de radicar nela a causa das despesas efectuadas, justificando-se, assim, que a própria coisa corporize uma garantia especial do seu pagamento”.  

Também a jurisprudência tem vindo a entender, de forma maioritária, que o empreiteiro goza do direito de retenção como garantia das despesas efectuadas para a concreção da coisa a restituir ou a entregar. [[6]]

Feito este excurso pela doutrina e pela jurisprudência importa verificar a factualidade que para efeito do ajustado enquadramento jurídico está adquirida para o processo.

Em recensão da facticidade pertinente ficou assente pelas instâncias que:

“9. Desde que iniciou a construção do prédio/casa de habitação dos RR, em 2003, e até à data, a reclamante “AA-C... B..., L.da.” tem em seu poder as respectivas chaves das portas e portões.

10. Os sócios e representantes da reclamante “AA-C... B..., L.da.” são os únicos, com exclusão de qualquer outra pessoa, em especial os executados, que acedem e podem aceder ao imóvel.

11. Onde se deslocam com vista a verificar o seu estado, abrir as janelas do edifício, arejando-o a fim de evitar condensações.

12. Ninguém mais tem acedido, entrado ou realizado qualquer acto sobre o aludido imóvel.

13. O que tudo acontece devido ao crédito que a reclamante “AA-C... B..., L.da.” detém sobre os executados.”

A empresa que procedeu à construção do prédio para os executados têm vindo a manter, desde o inicio da construção as chaves das portas, sendo os sócios ou pessoas por si mandadas os únicos que acedem ao prédio, detendo-o com exclusão de qualquer outro. A causa de os sócios gerentes e representantes assim procederem radica ou tem como causa o “crédito que a reclamante “AA-C... B..., L.da.” detém sobre os executados.”     

“O titular do direito de retenção tem posse. Não a posse correspondente ao direito de propriedade, que não é seu, mas a correspondente a esse direito real menor ou sobre coisa alheia em que se cifra o ius retentionis. Estamos na presença de alguém que até determinado momento era, por hipótese, simples detentor porque tinha sobre a coisa um poder de facto que exercia um interesse de outrem. Mas reúnem-se os pressupostos do direito de retenção: este surge. A partir desse momento, o sujeito passa a exercer o poder de facto no seu próprio interesse, porque é no seu interesse que retém a coisa. De mero detentor eleva-se a possuidor.” [[7]]  

A facticidade provada evidencia uma intenção de os representantes da obra permanecerem na posse da obra até que possam vir a ser pagos das despesas efectuadas com a obra construída por virtude do contrato de empreitada. A alusão ao crédito não pode deixar de configurar como o resultado do total das despesas despendidas pela empresa construtora na edificação do prédio que se comprometeram a efectuar para o executado, constituindo-se assim como causa da retenção que tem vindo a ser exercida pelos representantes da empresa construtora.

Argumenta a recorrente que se o legislador quisesse dotar o empreiteiro de um direito de garantia real tê-lo-ia conferido no artigo 755.º do Código Civil.

A este propósito escreveu-se no estudo já citado [[8]] que “E assim é que, se a nossa lei não tivesse especialmente previsto, como previu, um direito de retenção a favor, por exemplo, do depositário, pelos créditos resultantes do contrato [al. e) do n.º 1 do art. 755.º], nem por isso as despesas de conservação da coisa depositada deixariam de estar garantidas pelo direito de retenção, pois, sendo despesas feitas por causa da coisa, cairiam, nessa medida, no âmbito da previsão geral do art. 754.º. A fixação, no art. 755.º, de um «numerus clasus» de casos em que o nexo jurídico entre os debitas fundamenta autonomamente o direito de retenção não invalida que, noutros casos, a própria realização de uma prestação contratual não possa implicar despesas por causa de uma coisa. Quando assim for, nada obsta à retenção da coisa não pelo facto de a obrigação de a restituir e o crédito que ela ocasionou se filiarem num mesmo contrato, mas pela relação que esse crédito apresenta com a coisa. O art. 755.º não esgota, assim, a esfera de aplicação da figura no âmbito contratual, mantendo-se sempre de pé, como norma primária de delimitação do campo operativo do direito de retenção, o art. 754.°, ao qual cabe traçar os pressupostos gerais do instituto. Onde tais pressupostos se dêem, no caso concreto, por verificados, e ressalvadas as condições negativas do art. 756.º, o credor poderá beneficiar da garantia, sem excepção.” [[9]]

O artigo 754.º do Código Civil constitui-se como a norma-regra ou a norma-pressuposto onde o legislador estabeleceu os pressupostos ou requisitos gerais e fundantes do direito de retenção. Verificando os pressupostos nela estabelecido aquele que estiver nas condições estabelecidas na norma adquire o direito de reter a coisa para garantia do pagamento do crédito resultante de despesas efectuadas por causa da coisa que tenha a obrigação de entregar. O artigo 755.º constitui-se como norma especificadora “gozam ainda do direito de retenção” os sujeitos jurídicos especificados nas respectivas alíneas. Vale por dizer que para além de qualquer sujeito que reúna as condições ou se encontre no quadro condicionante estatuído no artigo gozam ainda desse direito de forma especifica aqueles que estão referenciados no artigo 755.º do mencionado livro de leis.

Não quedam para nós escolhos ou nódulos interpretativos que possam conduzir a divertida solução. Nem para a discussão jurídica sobre que versa a solução a definir pelo recurso valem os argumentos expendidos pela recorrente quanto a eventuais desleixos ou intemperança da empresa construtora que deveria morigerar a sua conduta tendo em conta que sobre o prédio existia uma garantia de hipoteca. Não são as condutas que relevam para efeitos de apreciação dos institutos jurídicos formados na base das relações jurídicas estabelecidas pelos sujeitos de direito mas sim as consequências que para o mundo do direito derivam da assumpção de determinados vínculos e obrigações que se dessumem das relações contratuais estabelecidas. A empresa construtora contratou com o executado a realização de uma obra e deverá ser com base nesta relação contratual que se devem retirar as consequências jurídicas que para os contraentes derivam da falta de cumprimento.

Ainda assim sempre se dirá que no âmbito do comércio financeiro vigente se as empresas construtoras devessem analisar os meios financeiros dos eventuais clientes a indústria de construção já teria deixado de poder ser exercitada. A prática corrente, como é do conhecimento da recorrente, é o de os instituições financeiras concederem empréstimos a particulares ou às próprias empresas de construção para financiamento (antecipado) das despesas a realizar na edificação/construção de prédios urbanos. São as instituições financeiras, enquanto mutuantes que têm o dever de escrutinar as forças/meios económicos do mutuário para asseguramento do capital ou das quantias mutuadas. As instituições financeiras, enquanto entidades que gerem o negócio de “venda” de dinheiro, deverão, por uma questão de salvaguarda do capital mutuado, colher informação quanto às possibilidades que o mutuário dispõe para vir a solver a obrigação contraída. Ao contrário do que a recorrente parece querer esgrimir relativamente a eventual imprudência do construtor – que segundo ela deveria ter-se acautelado quanto à solvabilidade do executado – afigura-se-nos que esse dever lhe caberia em primeira linha. Constitui facto notório, por resultar do comércio bancário e das relações estabelecidas, de ordinário, entre os particulares e estas instituições que os financiamentos/empréstimos realizados pelos primeiros juntos das segundas servem, quando contraídos para esse fim, para financiar a construção de prédios e que o empreiteiro/empresas de construção são pagas com o capital mutuado. Vale por dizer que, originariamente, são as instituições financeiras que adiantam as quantias necessárias para a actividade dos empreiteiros/empresas de construção e que estas são pagas com o capital emprestado pelos bancos, quer aos particulares quer às próprias empresas de construção.

A recorrente não viu diminuída a sua garantia pela conduta/acção da empresa construtora, ao invés, esta só terá contratado com o particular depois de este ter assegurado as quantias necessárias para fazer face á construção do prédio mas porque o executado não logrou pagar o crédito que contraiu perante si para realização da obra. Dir-se-á que a ser deste modo uma garantia hipoteca para pagamento de um determinado crédito quedaria totalmente dessorada e tornar-se-ia inerme para o fim para que foi constituída. Vale dizer, se um crédito é concedido para a construção de um prédio e a instituição bancária constitui uma garantia para pagamento do crédito precisamente sobre esse prédio, a acção de um sujeito que intervém no processo a montante, neste caso o empreiteiro que vai usufruir do crédito concedido para realização da obra, se agir de modo a reter a coisa para que o crédito foi concedido, a hipoteca deixa de ter a função para que tende, a saber garantir o pagamento do crédito concedido pelo valor do prédio. Não nos parece que este raciocínio deva proceder. Em primeiro lugar, porque tratando-se de um contrato de mútuo o devedor constitui-se, em primeira linha, obrigado a solver a dívida mediante as condições estipuladas no contrato. A execução da coisa só ocorre quando, por razão imputável ao devedor, este deixou de cumprir com a obrigação a que está contratualmente obrigado, qual seja a de solver a divida contraída. Tratando-se de um contrato sinalagmático e mediante o qual uma das partes se obriga a pagar a outrem o montante mutuado, só a falta de impossibilidade de pagamento se constitui motivo de resolução do contrato e só a partir deste momento é que surge a possibilidade de execução do património do devedor. Nesta execução, que, note-se, recai sobre o todo património do credor, e não sobre coisa determinada, o credor que haja garantido o seu crédito mediante uma garantia de hipoteca, tem o direito de ser pago, privilegiadamente, à custa de determinados bens, concretamente, os que constituem o objecto da hipoteca. Trata-se de uma garantia decorrente de um contrato cujo objecto se esgota na efectivação prestações recíprocas e que não envolvem outras obrigações senão aquelas que decorrem do conteúdo ou de feixe do sinalagma constituído.

No caso de uma obrigação de facere em que se consubstancia o contrato de empreitada, para além da obrigação de fazer/construir a obra, por parte do empreiteiro, e do correspectivo pagamento do preço, da parte do dono da obra, o empreiteiro para realização da sua prestação obriga-se a fornecer dos bens materiais para concreção do resultado a que se obrigou. A relação contratual estabelecida assume destarte uma natureza e feição diversa da relação contratual estabelecida entre um mutuante e um mutuário, por neste caso, o credor ter a obrigação de para a concreção do desenvolvimento da prestação de facere despender quantias que advêm, naturalmente do seu património, ficando, por isso mesmo, com direito a ser pago pelo valor da coisa em que as despesas foram efectuadas.

Em nosso juízo, e tal como procuramos demonstrar, o empreiteiro, mercê da sua especifica posição perante o resultado da obra e a atitude possessória que exerce sobre ela deve assumir perante ela uma posição de privilégio garantistíco de modo a poder reter a coisa em seu poder, perante terceiros, e adquirindo o direito a ser pago, preferencialmente, mesmo perante aqueles que possuam outra garantia real, de cariz mais formal e não com a intensidade material e intencional com que o retentor detém a coisa objecto de garantia. 

II.B.2. – Inconstitucionalidade do artigo 759.º do Código Civil.           

Para além do desenvolvimento argumentativo apresentado – que não poderá ser confundido com as questões jurídicas que o recurso deve solver – a recorrente impetra a resolução da questão da eventual constitucionalidade do artigo 759.º do Código Civil.

Para o efeito aduz que “É inconstitucional a norma do n.º 2 do art. 759.º do Cód. Civil, pois que viola os princípios da confiança inerente ao Estado de direito democrático, da proporcionalidade e do direito da propriedade privada; - vd: art. 2.º n.º 2; art.18.º e art. 62.º da Lei Fundamental. “

A questão da inconstitucionalidade já colheu pronúncia deste Supremo Tribunal tendo-se pronunciado de forma peremptória no sentido de que a graduação do crédito do detentor do direito retenção não fere ou viola os princípios da confiança e da segurança jurídica que deve ser observado relativamente à constituição e registo anterior de uma garantia hipotecária.    

Escreveu-se, no aresto em questão que “Esta solução legal tem efectivamente suscitado reparos, mas não julgamos que a preferência atribuída ao “jus retentionis” seja equiparável ao regime dos privilégios imobiliários gerais que motivou a intervenção do Tribunal Constitucional através dos Acórdãos nºs 362/2002 e 363/2002 declarando a inconstitucionalidade com força obrigatória geral das normas que conferiam tais privilégios à Fazenda Nacional e à segurança social e na interpretação segundo a qual elas preferiam à hipoteca.

Na verdade, o principal argumento acentuado pelo Tribunal Constitucional foi o facto dos créditos privilegiados não terem conexão alguma com a coisa objecto da garantia e o próprio princípio da confidencialidade tributária impossibilitar os particulares de previamente indagarem se as entidades com quem contratam são ou não devedores ou do Estado ou da segurança social.

E neles se acrescentou que não estando tais créditos sujeitos a registo, o particular que exercesse a garantia podia ser confrontado com a existência de um crédito privilegiado e que “ frustrando a fiabilidade que qualquer registo deve merecer, tal implicará uma “ lesão desproporcionada do comércio jurídico”.

Situação diferente ocorre com o direito de retenção.

Com efeito a razão da preferência que lhe é atribuída reside no facto do retentor não poder invocar o seu direito contra outros credores, para impedir a execução da coisa, por isso em contraponto reconhecendo a lei, esse dito privilégio, no âmbito do processo executivo como sustenta Vaz Serra no seu estudo sobre o tema no Anteprojecto do Cod. Civil

A atribuição ao direito de retenção da “oponibilidade erga omnes” decorre por seu turno do próprio facto da retenção e da publicidade inerente pois mostrando a coisa em poder do retentor, logo fará suspeitar de que não está livre.

E o grau de preferência que lhe é atribuído tem fundamentos que amplamente o justificam face à natureza dos actos que dão lugar as créditos do retentor.

Com efeito c resultando normalmente o crédito de despesas com a fabricação, conservação ou melhoramento de coisa alheia, será de concluir que se essas despesas não tivessem sido realizadas, a coisa poderia ter perecido e então nem o seu proprietário, nem o credor hipotecário nem qualquer outro credor poderiam realizar o seu direito.

È essa no fim de contas a razão fundamental da preferência que a lei entendeu atribuir-lhe pois como já sustentava Guilherme Moreira, citado por Mª Isabel Meneres Campos, Da Hipoteca, 224 ainda na vigência do direito anterior, se não lhe fosse atribuída tal preferência, todos os demais credores se locupletariam à sua custa em função do valor da coisa para que concorrera o retentor com as despesas com ela feitas.

No fundo, trata-se de garantia muito especial caracterizada por um nexo de ligação muito apertado entre a coisa e a obrigação, exactamente uma situação inversa às dos mencionados privilégios para além de envolver um processo de coacção sobre o devedor.

Para além disso, sempre importará referir que por via de regra os créditos que conferem o direito de retenção sobre os imóveis representavam uma pequena quantia em relação ao valor da coisa, logo sem possibilidade da prevalência a ele atribuída sobre a hipoteca esvaziar os créditos por esta garantidos Outrossim e mesmo no caso muito especial e severamente criticado pela doutrina da atribuição dessa garantia ao crédito resultante do incumprimento pelo promitente alienante do contrato promessa com tradição da coisa, nos termos da al. f) do art. 755.º do C. Civil (introduzido pelo DL n.º379/86, retirando-o, com a respectiva eliminação do anterior n.º 3 do art. 442.º, conforme a redacção do DL nº236/80) já decidiu o Tribunal Constitucional em não julgar inconstitucional tal normativo, enquanto interpretado como concedendo ao promitente comprador de imóvel ou fracção autónoma com tradição do mesmo, direito de retenção com preterição de hipoteca constituída ou registada antes da invocação do direito de retenção (Acórdãos nº 356/2004 in DR II série de 28/06/2004 e o publicado no DR, II série, de 10/02/2005), tendo também este mesmo Supremo já decidido não serem inconstitucionais as normas que prevêem a preferência do direito de retenção do promitente adquirente de imóvel em contratos promessa tradiciários, sobre o titular da hipoteca.

Pelo que se não vê que a apontada prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca enquanto garantia real reconhecidamente das mais importantes e com um regime intimamente conexionado com o crédito imobiliário e desempenhando um papel insubstituível na dinamização da vida económica ofenda qualquer dos princípios e valores constitucionais acima referidos quer o da proporcionalidade, quer o da igualdade, quer o da confiança, de resto já tendo este Supremo por inúmeras vezes rejeitado essa pretensa inconstitucionalidade da norma do art. 759.º (em que estão definidos os casos especiais do direito de retenção conferido a titulares de créditos em que se dilui ou não existe a sua conexão objectiva com a coisa) ainda que convocada a propósito do direito de retenção conferido ao promitente comprador sendo a tal propósito elucidativo o recente acórdão deste Supremo de 12/09/2007 proc. n.º 072235 in www.djsi.pt em que de forma exaustiva se aborda tal temática com resenha dos acórdãos anteriores, incluindo do Tribunal Constitucional. [[10]]

Não vemos razão para alterar o que vem sendo decidido por este Tribunal.

Nem em nosso juízo viola os princípios da proporcionalidade e do direito à propriedade privada, como vem alegado pela recorrente.

O principio da proporcionalidade – princípio implícito das constituições vigentes nos Estados de Direito modernos – acompanha dois outros princípios, a saber o da necessidade e eficácia e da igualdade. “[…] O critério da proporcionalidade como principio inerente ao Estado de Direito , cuja condição de conteúdo variado tem especial aplicação quando se trata de proteger direitos fundamentais frente a limitações ou constrições, procedam estas de normas ou resoluções particulares”. [[11]]  

Este autor, cevando-se na sentença do Tribunal Constitucional n.º 207/1996, de 16 de Dezembro, sintetiza os vectores axiais do princípio da proporcionalidade na: “a) idoneidade da medida para alcançar um fim constitucionalmente legitimo; b) necessidade e imprescindibilidade para tal, ou, por outras palavras, a prova de que não existiam outras medidas menos gravosas que, sem impor sacrifício algum dos direitos fundamentais, ou com menos grau de sacrifícios fossem igualmente aptas a obter o mesmo fim; c) e o juízo de proporcionalidade stritu sensu, que arrancando da ideia de que a medida é idónea e necessária, observa [mira] que o sacrifício que seja imposto [imponga] de tais direitos não resulte desmedido em comparação com a gravidade dos factos, e no caso, das suspeitas existentes”. (tradução nossa) [[12]]                     

Debuxados os traços definidores do principio que a recorrente acoima de inobservado na decisão revidenda vejamos se no confronto dos direitos de garantia em dissídio. Vale por escandir se o direito de retenção de que goza o titular de um crédito de empreitada fere de desproporcionalidade o direito de garantia hipotecário de que é detentor a recorrente. Ambos são direitos reais de garantia e ambos se destinam a garantir créditos sobre um determinado património do devedor. A diferença, na interpretação que fazemos do artigo 759.º do Código Civil, é que na escala de graduação ou no efeito gradativo do pagamento o legislador atribuiu ao primeiro uma prioridade pela tutela possessória mais próxima e concernente que o credor que goza do direito de retenção possui relativamente ao bem objecto da garantia. Esta gradação escalonada/privilegiada que o legislador atribui ao direito de retenção não belisca nenhum direito fundamental ou fere de forma desajustada qualquer outro direito constitucionalmente protegido nomeadamente o da proporcionalidade e da igualdade ou ainda o da confiança na estabilidade dos direitos constituídos anteriormente.

Decorre do asserido que não escrutamos ofensa ao princípio constitucional da proporcionalidade.

Do mesmo passo, e neste caso, de forma absolutamente apodíctica, não descortinamos que a consagração estabelecida no artigo 759.º, n.º 2 do Código Civil. Não está em confronto nenhuma medida que viole, lese ou ilaqueie o princípio constitucional do direito à propriedade privada.

Dessumimos pela não ofensa de qualquer principio constitucionalmente consagrado, explicita ou implicitamente, do artigo 759.º, n.º 2 do Código Civil quando interpretado no sentido de que o direito de retenção goza de preferência no confronto com outras garantias, maxime de uma hipoteca, constituídas sobre o bem retido.

III. – Decisão.

Na defluência do exposto, decide-se:

- Negar a revista;

- Condenar a recorrente nas custas pelo decaimento.

Lisboa, 10 de Maio de 2011.

Gabriel Catarino (Relator)

Sebastião Póvoas

Moreira Alves              

     

    


[1] Cfr. Galvão Teles, Inocêncio, in “O Direito”, Anos 106.º-119.º – 19774-1987, pags. 16-17. 
[2] Cfr. op. Loc. cit. Pág. 17.
[3] Cfr. Op.loc. cit. Pág. 15.
[4] Cfr. Op. loc. cit. Pág. 20 e mais adiante (cfr. pág. 27) quando escreve que “o ius retentlonis é oponível inclusive aos restantes credores munidos também de garantia real. Quando sobre a mesma coisa possam coexistir, e coexistam efectivamente, um direito de retenção e uma garantia real de outra espécie, o direito de retenção leva a dianteira. Assim, em caso de concurso entre o direito de retenção e uma hipoteca, o primeiro prevalece sobre a segunda, mesmo que, ao surgir o direito de retenção, já a hipoteca esteja registada. (O sublinhado é nosso)
[5] Cfr. Parecer elaborado pelos Profs. Ferrer Correia e Joaquim Sousa Ribeiro, publicado na Colectânea de Jurisprudência; Ano XIII, Tomo I, págs. 17 a 23. 

[6] Cfr. Ac. do STJ de 05-05-2005 em que se escreveu: “Este Supremo Tribunal entendeu já, de resto, – no Ac de 19-11-71, in BMJ nº 211, pág 297 e ss –, que "enquanto o dono da obra não pagar o preço da empreitada, goza o empreiteiro do direito de retenção das chaves do prédio, que àquele devia entregar uma vez concluída a obra, visto tal crédito provir de despesas com aquela feitas e não ser justo que outrem se locuplete à custa do empreiteiro que as realizar".

A circunstância de o caso do empreiteiro não se encontrar previsto no art. 755º, não significa que ao mesmo não assista o direito de retenção, pois que tal direito deriva directamente da estatuição-previsão do artº 754º, já que se verifica o requisito do "debitum cum re conjuntum".

Não se alcançam, por isso, e na realidade, razões decisivas para não ser reconhecido o direito de retenção ao empreiteiro, enquanto o dono da obra não pagar o preço da empreitada, visto que o seu crédito resulta de despesas feitas por causa dela (artº 754.º) " – conf. Calvão da Silva, in ob cit, pág 342. E isto seja qual for a modalidade da empreitada (de construção, reparação, demolição e conservação) podendo reter a coisa onde se realizou, total ou parcialmente, a obra, e quer no caso de a obra ser totalmente concluída, quer na eventualidade de haverem surgido ocorrências conducentes à resolução (precoce) do contrato.

Trata-se de um direito real de garantia, relativo, na circunstância, a coisa imóvel, prevalecendo mesmo sobre a hipoteca ainda que previamente registada – art. 759.º n.ºs 1 e 2 do C. Civil. No mesmo sentido decidiu o Acórdão deste supremo Tribunal de 03-06-2008 “Como é sabido o direito de retenção, previsto genericamente no artº 754º do CPC confere ao devedor que se encontra adstrito a entregar certa coisa e disponha de um crédito sobre o seu credor de não efectuar a prestação, mantendo a coisa que deveria entregar em seu poder.

Para que exista direito de retenção ( e que constitui um direito real de garantia, conforme o disposto no nº2 do artº 604º, nº2) nos termos deste preceito é necessário, portanto e em primeiro lugar que o respectivo titular detenha licitamente uma coisa que deva entregar a outrem e em segundo lugar que simultaneamente, seja credor daquele a quem deva a restituição e por último que entre os dois créditos haja uma relação de conexão ( debitum cum re junctum) nas condições nele definidas “ resultar o credito de quem esteja obrigado a entregar a coisa de despesa com ela feitas ou de danos por ela causados “ como explanam A. Varela e P de Lima no seu Anotado , Vol. I, 4ª ed., 773”.
[7] Cfr. Galvão Telles, Inocêncio, op. Loc. cit. Pág. 18.
[8] Cfr. Colectânea de Jurisprudência; Ano XIII, Tomo I, pág. 18. 
[9] No mesmo sentido Galvão Telles no estudo supra citado, pág, 21 e 30.

[10] Cfr. Acórdão do STJ de 3.6.2008. No mesmo sentido o Ac. do STJ de 12-09-2006 onde se escreveu: “Como se decidiu no ac. do STJ, de 7.4.2005, publicado na CJSTJ 2005, tomo II, pág. 34 e segs., a solução legislativa decorrente do artº 759º, nº 2 do Código Civil, quando aplicada às hipotecas constituídas depois de 18.7.80, não pode considerar-se arbitrária, nem violadora de qualquer princípio constitucional, designadamente do princípio da legítima confiança, ínsito no artº 2º da Constituição da República, por não ferir o cerne ou núcleo essencial dos direitos lá consagrados.

Não colhendo – como também se diz no acórdão recorrido – o argumento quanto ao dever de informação que também impende sobre os consumidores, na celebração do contrato-promessa de compra e venda, sobre o objecto do contrato e as condições deste e a sua eventual “irresponsabilidade” pré-contratual, porque o regime legal que se impugna não é a estes que afecta, mas aos credores hipotecários.

Sendo que, como se diz no citado aresto do STJ, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a não inconstitucionalidade da referida norma, no ac. nº 356/04, de 15.5.2004, publicado no DR, II Série, de 28.6.2004, onde, nomeadamente, se refere que:

-- Como resulta do preâmbulo dos Dec-Leis nºs 236/80 e 379/86, o objectivo prosseguido pela solução agora impugnada é a tutela de defesa do consumidor e das expectativas da estabilização do negócio (muitas vezes incidente sobre a aquisição de habitação própria permanente) decorrentes da circunstância de ter havido tradição da coisa, através da viabilização de ressarcimento adequado e efectivo da frustração culposa de tais expectativas;

-- … Na apreciação da questão de constitucionalidade suscitada… é decisiva a circunstância do regime impugnado já se encontrar em vigor no momento em que a hipoteca foi constituída;

-- Em face de tal circunstância não se pode concluir, desde logo, pela violação do princípio da confiança relativamente a expectativas anteriormente firmadas;

-- Para além disso, é ainda de referir que a norma em apreciação… opera meramente uma ponderação adequada do interesse das instituições de crédito detentoras de créditos hipotecários na protecção da confiança inerente ao registo predial e do interesse dos consumidores na protecção da confiança relativa à consolidação dos negócios jurídicos, notando-se que os mesmos respeitam, em muitos casos, à aquisição de habitação própria e permanente;

-- Nesta perspectiva… atribuição da preferência ao direito de retenção sobre a hipoteca registada anteriormente, tem a sua justificação na prevalência, para o legislador, do direito dos consumidores à protecção dos seus específicos interesses económicos associados, em inúmero casos, à aquisição de habitação própria, pelo que é ainda convocável o artº 65º da Constituição – cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, 3ª ed.-, pág. 323.

Em plena concordância com as considerações acabadas de reproduzir, conclui-se que não enferma de inconstitucionalidade a aplicação no caso vertente do disposto no artº 759º, nº 2 do CC.”
[11]Cfr.Edurne Terradilos Ormaetxea, “Principio de Proporcionalidad, Constituición y Derecho del Trabajo”, Tirant lo Blanch, 2004, pág. 39.
[12]Cfr.op.loc.cit.,pág.44.