Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06A3723
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ALVES VELHO
Descritores: CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
SINAL
MORA
INCUMPRIMENTO DEFINITIVO
CLÁUSULA RESOLUTIVA
RESOLUÇÃO
Nº do Documento: SJ200611290037231
Data do Acordão: 11/29/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : - A aplicação das sanções previstas no art. 442º C. Civil pressupõe o incumprimento definitivo e não a simples mora;
- Só a falta definitiva e culposa de cumprimento legitima a resolução do contrato-promessa que, por sua vez, a sanção cominada no n.º 2 do art. 442º pressupõe;
- Não é de aceitar a equiparação entre existência de mora, havendo sinal, e a fixação de um termo essencial ou de uma cláusula resolutiva, para efeito de transformação imediata ou automática da mora em incumprimento definitivo;
- A exigência do sinal, com a sua perda pela parte que o constituiu, enquanto sanção coberta pelo regime do n.º 2 do art. 442º, constitui uma declaração de resolução do contrato.
- Uma cláusula resolutiva cujo conteúdo consista apenas na referência genérica e indeterminada ao "incumprimento de quaisquer obrigações emergentes do contrato" como fundamento do direito à sua resolução, deve entender-se como uma simples «cláusula de estilo» que se limita a remeter para a regulamentação legal de resolução por incumprimento, logo desprovida de utilidade enquanto fonte convencional de legitimação do exercício do direito potestativo da destruição do contrato.
- O direito à resolução tem de ser aferido à luz da gravidade do incumprimento, segundo um critério objectivo, relevando, a projecção do concreto incumprimento, quanto à sua natureza e extensão, no interesse do credor, tudo valorado com intervenção das regras da boa fé, da proporcionalidade e da adequação.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1. - "AA" intentou acção declarativa contra BB pedindo que, declarado o Réu culpado por incumprimento contratual, seja condenado a restituir em dobro do sinal entregue, no valor de € 16.460,34, acrescido de juros legais, vencidos e vincendos.
Alegou para tanto, em síntese, ter celebrado um contrato-promessa de compra e venda com o Réu, mediante o qual este prometeu vender e o Autor prometeu comprar-lhe uma fracção autónoma, pelo preço global de € 82 301,65, no âmbito do qual entregou ao réu, a título de sinal, a quantia de € 8.230,17, sendo acordado que o restante seria pago aquando da outorga da escritura pública. No dia marcado para a realização desta, a mesma não se concretizou, uma vez que o R. exigia a entrega de mais mil contos, invocando o atraso de dois dias, imputável ao A., em relação à data que havia sido estipulada no contrato-promessa.

Contestou o R., alegando ter ficado acordado no contrato celebrado que a escritura devia ser marcada pelo Autor, dentro de 120 dias, com aviso ao Réu da data marcada, o que não sucedeu, pelo que, foi o A. que entrou em incumprimento contratual, daí ter feito sua a quantia entregue a título de sinal.

A final a acção foi julgada procedente, decisão que a Relação confirmou.

O Réu pede ainda revista, insistindo na improcedência do pedido, a coberto da seguinte síntese conclusiva:

1 - Por contrato-promessa celebrado entre as Partes, estas regularam, ao abrigo do princípio da liberdade contratual, os termos em que pretendiam vincular-se, obrigando-se a celebrar o negócio prometido nos 90 dias posteriores ao contrato-promessa, e prevendo ainda, a título ocasional, e para o caso de não haver acordo quanto à data da escritura, que esta fosse marcada pelo Recorrido no prazo suplementar máximo de 30 dias após o decurso do prazo originalmente fixado;
2 - Tendo em conta que as Partes regularam com razoável detalhe os termos em que se obrigaram, naturalmente se conclui no sentido de que apenas quiseram vincular-se à celebração do contrato prometido durante determinado período de tempo, o que, aliás, é o mais razoável, pois nada justificaria que o promitente-vendedor ficasse indefinidamente vinculado a vender o imóvel pelo preço acordado (arts. 236º/238º-1 C. Civ.);
3 - Assim, não há que apurar, nos termos gerais, de uma possível perda de interesse na prestação, como causa de extinção das obrigações emergentes do contrato, pois que, findo o prazo estabelecido no mesmo, tais obrigações, simplesmente, já não existiam;
4 - Tal prazo constitui um verdadeiro termo final (art. 278º C. Civ.), um prazo limite, absoluto, cujo decurso determina o incumprimento definitivo, com a consequente resolução do contrato.

5 - De qualquer modo, o Recorrente manifestou ao Recorrido, depois de decorrido o prazo máximo de 120 dias, que não se considerava já obrigado a celebrar o contrato, nos termos inicialmente acordados;
6 - Tendo havido incumprimento por parte do Recorrido, cabia ao Recorrente o direito de resolver o contrato e, por conseguinte, fazer seu o sinal recebido;
7 - Assim, como provado, o Recorrente só compareceu no Cartório, a 19 de Junho de 2002, por estar convicto de que o Recorrido aceitara a sua proposta de adquirir o imóvel, já fora do âmbito do contrato-promessa, por mais 500 000$00 do que o preço acordado naquele.

8 - Caso assim se não entenda, e se considere ter o promitente-comprador incorrido em simples mora, sempre se dirá que tem sido entendimento doutrinal que os pressupostos do art. 808º-1 C. C. não se aplicam ao contrato-promessa;
9 - O acórdão recorrido viola os princípios da liberdade contratual e da eficácia dos contratos (arts. 405º e 406º-1 C.C.), por não ter levado em devida consideração o desrespeito do termo estabelecido no contrato-promessa e o art. 442º-2, também do C. Civil.

2. - As conclusões do recurso propõem a resolução das seguintes questões:
- Se o prazo estipulado no contrato-promessa para a celebração da escritura deve qualificar-se com um prazo fixo absoluto, cujo decurso determina o incumprimento definitivo;
- Se, face aos termos em que as Partes se vincularam, a marcação da escritura para data posterior ao fim do período acordado se traduz em incumprimento do contrato a facultar o respectivo direito de resolução; e,
- Se, face à mora do Recorrido, o Recorrente podia fazer seu o sinal passado independentemente da perda do interesse do Recorrente ou da fixação de prazo suplementar (art. 808º-1 C.C.).

3. - Das Instâncias vem definitivamente provado o seguinte conjunto fáctico:
A) Por escrito denominado "Contrato promessa de compra e venda", datado de 16 de Fevereiro de 2002, BB, como primeiro outorgante, declarou prometer vender a AA, como segundo outorgante, e este declarou prometer comprar, a fracção autónoma designada pela letra AP, correspondente ao primeiro andar do prédio constituído em regime de propriedade horizontal, sito a ..., Vilamoura, freguesia de Quarteira, descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n.º 04071/201290-Ap e inscrito na matriz sob o artigo 2.193- fracção AP, escrito esse assinado por ambos os outorgantes.
B) Sob a cláusula Terceira do referido escrito consta:
«1- O promitente vendedor compromete-se a vender ao promitente-comprador o imóvel acima descrito, objecto da promessa de compra e venda, nas seguintes condições:
a) Livre de quaisquer ónus, hipotecas, encargos ou responsabilidades;
b) Devidamente registado e inscrito na matriz em nome do promitente vendedor;
c) Com a respectiva licença de utilização;
d) Com as ligações à rede de electricidade, água, gás e esgotos em perfeito estado de conservação e funcionamento.
2- A não satisfação ou omissão de qualquer das condições de venda acima acordadas, por parte do promitente vendedor, à data da escritura de compra e venda, constitui incumprimento contratual, nos termos da cláusula sétima do presente contrato»;
C) E sob a cláusula Quarta consta:
« 1- O preço global da compra e venda do supra referido imóvel é de 82.301,65 euros.
2- O preço global supra referido, será pago pelo promitente-comprador ao promitente-vendedor, da seguinte forma:
a) Um pagamento a título de sinal, no montante de 8.230,17 euros, a efectuar na data da outorga do presente contrato, importância que o promitente vendedor já recebeu e do qual aqui dá expressa quitação;
b) Um pagamento a título de remanescente do preço, no montante de 74.071,48 euros, a realizar na data da outorga da escritura pública de compra e venda.»;
D) E sob a cláusula Quinta consta:
« 1- A escritura pública relativa à promessa de compra e venda realizada pelo presente contrato, será outorgada no prazo máximo de 90 dias após a presente data, em dia, hora e local a fixar por acordo entre o promitente-vendedor e o promitente-comprador.
2- Na falta de acordo das partes quanto à fixação da data da realização da supra referida escritura pública, a mesma será outorgada em dia, hora e local a fixar pelo promitente-comprador, no prazo máximo de 30 dias após o decurso do prazo originalmente fixado, mediante notificação a realizar, com o mínimo de 10 dias de antecedência, ao promitente-vendedor, por intermédio de carta registada com aviso de recepção.
3- O promitente-vendedor obriga-se a entregar no Cartório Notarial designado para a realização da escritura pública de compra e venda, todos os elementos identificativos e documentais necessários à realização da mesma, com a antecedência mínima de 5 dias relativamente à data fixada.»;
E) E sob a cláusula Sétima consta:
« 1- O incumprimento de qualquer das obrigações emergentes do presente contrato, por parte do promitente-vendedor, confere ao promitente-comprador o direito de, imediata, automática e independentemente de qualquer prazo, resolver o presente contrato e de exigir daquele a restituição, em dobro, de todas e quaisquer quantias entregues, no âmbito do presente contrato, a título de sinal e de eventual reforço de sinal.
2- Em caso de incumprimento imputável ao promitente-comprador, é conferido, igualmente, ao promitente-vendedor o direito de resolver o presente contrato e fazer suas as importâncias recebidas, por força deste contrato.
3- Não obstante a verificação da entrega de montantes a título de sinal e de eventual reforço de sinal, ambas as partes conferem ao presente contrato a eficácia da execução específica, nos termos do art. 830° do Código Civil.»;
F) E sob a cláusula Nona consta:
«O presente contrato-promessa de compra e venda do imóvel descrito na cláusula primeira, reduz a escrito integralmente a vontade das partes, podendo apenas ser modificado, alterado ou aditado por documento escrito, outorgado por estas, com respeito dos requisitos de forma aplicáveis ao contrato original, constituindo, junto a este, um seu aditamento. »;
G) E sob a cláusula Décima Primeira, n.º 2, consta:
«As partes prescindem expressa e reciprocamente do reconhecimento presencial ante notário das assinaturas.»;
H) E sob a cláusula Décima Segunda, consta:
«O promitente vendedor, outorga o presente contrato a título pessoal e a título de gestor de negócios da sua esposa.»;
I) Na data da celebração do escrito referido na al. A), o Autor entregou ao Ré a quantia de 8.230, 17 euros, a título de sinal e princípio de pagamento;
J) Em 31 de Maio de 2002, foi efectuado o pagamento do imposto de sisa relativo à aquisição pelo Autor da fracção autónoma referida na al. A), pelo preço de 64.843,72 euros, tendo a Direcção Geral de Impostos emitido uma declaração comprovativa desse pagamento, datada desse dia 31 de Maio de 2002, e onde consta um averbamento com a data de 13 de Junho de 2002, referindo a identidade do cônjuge do Autor e o regime de bens do casamento de ambos;
L) A escritura pública a que se refere a al. O) foi inicialmente designada para o dia 5 de Junho de 2002 e depois desmarcada e agendada para o dia 19 de Junho de 2002, num Cartório Notarial, onde, então, compareceram Autor e Réu, não se tendo realizado a mesma;
M) O CC desempenhou as funções de mediador imobiliário na alienação da fracção autónoma referida na al. A), e a solicitação do Réu;
N) O CC procedeu ao pagamento do imposto da sisa relativa à aquisição da fracção autónoma referida na al. A), a pedido do Autor;
O) Em 12 de Junho de 2002, pelas 17h00, por fax enviado pela sociedade "Empresa-A", e assinado por CC, é comunicado ao R. que a escritura pública realizar-se-á no próximo dia 14, em Lisboa, em hora e local a confirmar com o "..." de Colares;
P) Decorridos 120 dias sobre a data do escrito referido em A), e anteriormente a 19 de Junho de 2002, o Réu declarou ao Autor que não comparecia na escritura pública e que faria seu o sinal entregue e que só compareceria na escritura pública prevista para 19 de Junho de 2002, se o preço estipulado no contrato-promessa fosse aumentado em Esc. 500.000$00;
Q) O Réu compareceu na escritura aprazada para 19 de Junho de 2002.

4. - Mérito do recurso.

4. 1. - As três questões acima enunciadas convergem em apenas uma que é a de saber se, perante a marcação da escritura para além do prazo estipulado, o Recorrente poderia fazer seu o sinal, seja por via da simples situação de mora do Recorrido seja por ocorrer incumprimento definitivo, fundamento de resolução contratual.

No acórdão impugnado considerou-se que, apesar de o Autor ter entrado em mora, a aplicação das sanções previstas no art. 442º C. Civil pressupõe o incumprimento definitivo e não a simples mora, sendo que aquele não se verifica por não ocorrer qualquer motivo atendível da falta de interesse na realização do negócio prometido.

Não se diverge das solução encontrada, a qual, aliás, entronca no sentido da jurisprudência largamente maioritária, se não, actualmente, mesmo uniforme, deste Supremo Tribunal (cfr., por todos, o ac. de 09/02/2006, in www.dgsi.pt. jstj000, proc. 05B4093, especialmente a sua nota (5)).
Com efeito, tem-se entendido, e não se vêem razões para divergir da orientação segundo a qual que só a falta definitiva e culposa de cumprimento legitima a resolução do contrato-promessa que, por sua vez, a sanção cominada no n.º 2 do art. 442º pressupõe.

Ao que parece, não defende o Recorrente a aplicação da sanção (perda do sinal) independentemente de o contrato ser resolvido, ou seja, a compatibilidade da manutenção do contrato com a perda do sinal, mas apenas que "a estipulação equivale à fixação de um termo essencial ou de uma cláusula resolutiva", de tal modo que, verificada a mora, a parte inocente pode transformá-la, de imediato e sem mais, em incumprimento definitivo e resolver o contrato.
É, crê-se, a posição acolhida no Ac. deste STJ de 21/01/003 (CJ XI-I-44 e ss.) em que se esclareceu: "a mora não implica automaticamente a resolução, mas permite que o contraente não faltoso desencadeie imediatamente esta, sem necessidade de convenção nesse sentido, aliás sempre possível nos termos gerais. Trata-se, aliás, de uma "resolução" em sentido impróprio, visto que, podendo levar à extinção do contrato, permite ainda que a outra parte actue por forma a obrigar ao cumprimento do mesmo - cfr. Meneses Cordeiro, "A Excepção do Cumprimento do Contrato-Promessa", Tribuna da Justiça, n.º 27, pg.5".

Ora, se é verdade, que, perante uma situação de mora, o contraente fiel pode proceder à sua conversão em incumprimento definitivo, designadamente por uma das vias previstas no art. 808º-1 - provando a perda de interesse na prestação em consequência da mora ou procedendo à interpelação admonitória - , revestindo-se o sinal de natureza confirmatória (e não penitencial) e, procedendo, do mesmo passo, à fixação antecipada da indemnização devida pelo incumprimento, parece não deixar margem para sustentação de que deva ser tomado como um termo essencial absoluto ou como uma cláusula resolutiva de actuação automática ou imediata (cfr. cláusula 4º do contrato-promessa; arts. 441º, 442º-1 e 809, todos do C. Civil; CALVÃO DA SILVA, "Sinal e Contrato-Promessa", 11ª ed., 94); e, ac. deste STJ de 14/11/06, proc. n.º 3607/06-1ª).

Fica, assim, desde já, de parte a solução proposta pelo Recorrente, em termos subsidiários, de equiparação entre existência de mora, havendo do sinal, e a fixação de um termo essencial ou de uma cláusula resolutiva, para efeito de transformação imediata ou automática da mora em incumprimento definitivo.

4. 2. - A exigência do sinal, ou seja, a perda do sinal pela parte que o constitui, enquanto sanção coberta pelo regime do n.º 2 do art. 442º, constitui uma declaração de resolução do contrato, entendimento de que, como já se referiu, o Recorrente parece não se afastar.

O direito de resolução, que se traduz na destruição da relação contratual, depende sempre da verificação de um fundamento, seja a convenção das partes seja a lei, correspondendo sempre ao exercício de um direito potestativo vinculado - art. 432º-1 C. Civil.
Fica, pois, a parte que invoca o direito à resolução obrigada a alegar e a demonstrar o fundamento que justifica a destruição do vínculo contratual.

No caso, o fundamento invocado pelo Recorrente é a verificação do termo final de um prazo limite, contratualmente clausulado, o qual, tendo a natureza de um prazo absoluto, determina o incumprimento definitivo.

Importa, então, determinar o alcance da cláusula Quinta do escrito que titula o contrato que estabelece um primeiro período "máximo" de 90 dias para a realização da escritura em data a fixar por acordo dos contraentes, logo prevendo que, não ocorrendo tal acordo, a escritura haveria deveria ter lugar, "no prazo máximo de 30 dias após o decurso do prazo originalmente fixado, mediante marcação do promitente-comprador, a comunicar à outra parte, com 10 dias de antecedência, por carta registada.

Através da cláusula estipularam as Partes que a escritura seria celebrada, como todos estão de acordo, até 16 de Junho de 2002 (16 de Fevereiro, mais noventa dias, mais trinta dias), cabendo ao ora Recorrido (o promitente-comprador) proceder á respectiva marcação, o que foi feito para 19 daquele mês, por fax enviado apenas a 12.

Estamos, sem dúvida, perante uma obrigação de prazo certo.
A convenção de um prazo para o cumprimento de um contrato não tem, porém, sempre o mesmo alcance e significado, podendo querer dizer que, decorrido o prazo não pode já ser obtida a finalidade da obrigação, desaparecendo o interesse do credor (caso em que, findo o prazo, o contrato caduca), mas podendo também significar que o facto de o prazo terminar não torna impossível a prestação em momento ulterior, se esta ainda interessar ao credor, o qual pode, porém, se for caso disso, resolver o contrato, se este for bilateral (cfr. VAZ SERRA, RLJ, 104.º-302; 110.º-326; e, 112.º-27; ).
Assim, nas chamadas obrigações de prazo fixo essencial absoluto ("negócios fixos absolutos" ou de "prazo fatal"), o decurso do prazo sem o devido cumprimento pode determinar, sem mais, a sua extinção, enquanto nas de prazo fixo relativo, simples ou usual o decurso do prazo poderá fundamentar o direito de resolução.

Importa, então, averiguar o significado do prazo certo fixado pelas Partes, com o objectivo de surpreender a presença ou não da essencialidade subjectiva do «termo fixado como característica inerente ao contrato, e na sua projecção no acordo celebrado», o "que terá de ser «deduzido» do material interpretativo fornecido pelas partes, da natureza da promessa, do comportamento posterior dos promitentes ou de outras circunstâncias adjuvantes" (J. C. BRANDÃO PROENÇA, "Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral", 110), sendo que, se estivermos perante um «termo fixo essencial» a resolução está automaticamente legitimada, enquanto se se tratar de um «termo relativamente fixo» a resolução é legítima se verificados os respectivos requisitos gerais (arts. 808.º e 801.º e 802.º, cits.).

Ora, por um lado, não se estabeleceu no contrato que o prazo nele indicado representava um termo fixo essencial, peremptório ou preclusivo que, uma vez esgotado e verificado, implicaria imediata e automaticamente a perda de interesse para o credor, nem para tal aponta o tipo de negócio, seja em razão do objecto seja dos sujeitos. Por outro lado, o comportamento das Partes, nomeadamente do Recorrente, aponta claramente para a manutenção do seu interesse na realização do contrato de compra e venda, ou seja, na satisfação da sua prestação, só que ... com aumento do preço, ou seja, exigindo da contraparte uma modificação da respectiva prestação.
Ora, justamente, o que se pretende evitar através da legalmente acolhida apreciação (objectiva) do interesse do credor é que o devedor fique sujeito a actuações do credor que podem ir de atitudes de natureza especulativa até meros caprichos.
Releva, nesta matéria, a importância do incumprimento ou a sua gravidade aferidas pelo interesse do credor e com referência a esse interesse objectivamente valorado e não segundo o juízo arbitrário do credor (BAPTISTA MACHADO, "Pressupostos da Resolução por Incumprimento" in "Obra Dispersa", I, 134).

Estaremos, assim, perante um prazo fixo relativo em que a verificação do termo não era obstativa da possibilidade de prestação ulterior susceptível de satisfazer ainda a finalidade do negócio celebrado, ficando o credor com a possibilidade de o resolver, nos termos previstos nos já referidos art. 808º, 801º e 802º, ou exigir indemnização pela mora quando, vencido o prazo, a obrigação subsista incumprida.
Conferindo ao credor o direito de resolução ou de considerar o contrato como definitivamente não cumprido, o termo essencial relativo, embora referido a um prazo, surge, "no fundo, como uma cláusula resolutiva" que poderá ser accionada em conformidade com o que se defina ser "a importância ou essencialidade do prazo de cumprimento para efeitos de resolução", designadamente quanto à repercussão do esgotamento do prazo na satisfação do objectivo ou finalidade do negócio.

Ora, indemonstrada - e nem sequer invocada - a essencialidade do prazo, tal como a perda de interesse e não accionada a interpelação admonitória, o direito de resolução sempre haveria de, por esta via, ter-se por excluído.

4. 3. - Não se olvida que no ponto 2. da cláusula Sétima verteram os Outorgantes que "em caso de incumprimento imputável ao promitente-comprador é conferido, igualmente, ao promitente-vendedor o direito de resolver o contrato e fazer suas as importância recebidas por força deste contrato", a qual vem no seguimento do n.º 1, com o seguinte teor: «1- O incumprimento de qualquer das obrigações emergentes do presente contrato, por parte do promitente-vendedor, confere ao promitente-comprador o direito de, imediata, automática e independentemente de qualquer prazo, resolver o presente contrato e de exigir daquele a restituição, em dobro, de todas e quaisquer quantias entregues, no âmbito do presente contrato, a título de sinal e de eventual reforço de sinal».

Trata-se, sem dúvida, de uma cláusula resolutiva.

Porém, como nota BAPTISTA MACHADO (ob. cit., 186/7 e nota 77), a função da cláusula resolutiva é "organizar ou regular o regime de incumprimento mediante a definição da importância de qualquer modalidade deste para fins de resolução", devendo ter-se presente que "a cláusula resolutiva expressa «deve referir-se a prestações e a modalidades de adimplemento determinadas com precisão: as partes não podem ligar a resolução a uma previsão genérica e indeterminada do tipo ‘em caso de inadimplemento de qualquer obrigação surgida do presente contrato, este considera-se resolvido’» (cfr. ENZO ROPPO, Il Contratto, Bolonha, 1977, p.238). Uma cláusula destas seria, afinal, uma simples «cláusula de estilo», devendo entender-se que ela se limita a remeter para a regulamentação legal de resolução por incumprimento" (No mesmo sentido, também com alusão a «cláusulas inúteis» e «cláusulas usuais", J. C. BRANDÃO PROENÇA, "Do Incumprimento do Contrato-Promessa Bilateral", p. 61).

Nesta conformidade, a referência genérica e indeterminada ao "incumprimento de quaisquer obrigações emergentes do contrato" como fundamento do direito à sua resolução, esbarra com aquela inutilidade enquanto fonte convencional de legitimação do exercício do direito potestativo da destruição do contrato.

Mas sobretudo, aquela referência à resolução, se admitida como «imediata, automática e independentemente de qualquer prazo», e como tal interpretada, colide frontalmente com princípios como os da boa fé contratual e da proporcionalidade e adequação.

Na verdade, como também escreveu o Prof. B. MACHADO (ob. e loc. cit.), "a liberdade das partes no que respeita á definição e importância do inadimplemento para efeitos de resolução não pode ser absoluta - isto é, não pode ir ao ponto de permitir que até um inadimplemento levíssimo, de todo insignificante na economia do contrato, possa dar lugar à resolução. Pois que a cláusula resolutiva não pode ser tal que, pela sua «exorbitância», entre em conflito com o princípio da boa fé contratual".

4. 4. - Relembrando novamente o comportamento das Partes, temos que o Recorrido marcou a escritura para o terceiro dia subsequente ao termo do prazo, comunicou a marcação por fax enviado no sétimo dia anterior à data marcada (quarto dia anterior ao termo do prazo) e que o Recorrente lhe comunicou que não compareceria e faria seu o sinal, o que ocorreu num dos tês dias situados entre o do termo do prazo e a data marcada para a escritura, ou seja, entre 16 e 19 de Junho; em alternativa, propôs-se celebrar a venda por mais quinhentos contos.

Como já se deixou dito, o direito à resolução tem de ser aferido à luz da gravidade do incumprimento, segundo um critério objectivo.
Relevarão, então, a projecção do concreto incumprimento, quanto à sua natureza e extensão, no interesse do credor.
Em causa, aqui, na "apreciação valorativa do incumprimento", avulta a repercussão do inadimplemento parcial no equilíbrio sinalagmático do contrato em ordem a avaliar se este ficou afectado (vd. BRANDÃO PROENÇA, "A Resolução do Contrato no Direito Civil", 138 e ss).

Mais uma vez, devem convocar-se a regra da boa fé, que a lei impõe às partes no cumprimento das obrigações, e a regra da proporcionalidade e da adequação, que proíbe condutas contrárias ao razoável e proporcional ante as circunstâncias do caso, tudo com consagração e aflorações nos arts. 762º-2 e 802º-2 C. Civil.

Também por esta via se não pode considerar fundado ou legitimado o comportamento de desvinculação assumido pelo Recorrido.

Com efeito, à adopção do dever de agir com lealdade e correcção e com razoabilidade do ponto de vista da relação confiança repugna a ideia de aceitação de que alguém esteja á espera que se esgote um prazo não tido como absoluto para, mesmo depois de saber que a outra parte pretende cumprir a prestação com um atraso sem repercussão económica relevante na economia e no desenvolvimento do programa contratual, lançando mão de uma razão puramente formal, caprichosa ou apenas especulativa, resolva o contrato.
Uma tal actuação, a que o sistema jurídico não dá nem pode dar guarida, tem de ser afastada ou paralisada por via do regime jurídico que, harmónica e convergentemente, os citados arts. 762º-2, 802º-2 e ainda o art. 334º (abuso de direito), também do C. Civil, acolhem.

4. 5. - Nestes termos, inexistindo o fundamento resolutivo utilizado pelo Recorrido, não pode este ver reconhecido o direito de fazer seu o sinal constituído a seu favor, assistindo ao Recorrente, face à injustificada resolução operada, o direito que invocou e lhe foi reconhecido no acórdão impugnado, face ao disposto no art. 442º-2 C. Civil.

Embora a questão não tenha sido suscitada, sempre se dirá, a terminar, que, pela mesma razão - da escassa ou insignificante importância do incumprimento (mora), do Recorrido e inerente ilegitimidade da declaração resolutiva -, desnecessário se torna equacionar o inadimplemento bilateral e suas consequências, designadamente á luz do art. 570º C. Civil, para efeito de graduação da indemnização pelo não cumprimento que, por isso, se mantém, como legalmente estabelecido, em montante igual ao do sinal passado (dobro do sinal).

5. - Decisão.

Em conformidade com o exposto, decide-se:
- Negar a revista;
- Manter, embora com fundamentos não inteiramente coincidentes, a decisão impugnada; e,
- Condenar o recorrente nas custas.

Lisboa, 29 de Novembro de 2006
Alves Velho
Moreira Camilo
Urbano Dias