Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1316/14.4TBVNG-A.P1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: FONSECA RAMOS
Descritores: SENTENÇA
FALTA DE DISCRIMINAÇÃO DOS FACTOS NÃO PROVADOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE DE SENTENÇA
DIREITO AO RECURSO
Data do Acordão: 02/26/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA (ANULADO O JULGAMENTO)
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS – PROCESSO DE EXECUÇÃO / TÍTULO EXECUTIVO
DIREITO CONSTITUCIONAL – DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS / ACESSO AO DIREITO E TUTELA JURISDICIONAL EFECTIVA.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, p. 717;
- Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida, Direito Processual Civil, Vol. II, 2015, p. 350 e 351;
- Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3.ª edição;
- Lebre de Freitas, A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil, 3.ª Edição, p. 315;
- Rui Pinto, Notas ao Código de Processo Civil, Vol. II, 2.ª edição, p. 77;
- Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processual, p. 348.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 607.º, N.º 4, 615.º, N.º 1, ALÍNEAS C) E D), 640.º, N.º 1, ALÍNEAS A) E B) E 704.º, N.º 4.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1939.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1961.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1995/96.
DL N.º 329-A/95, DE 12-12.
Sumário :

I. A fundamentação da matéria de facto provada e não provada, com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas da decisão, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e qual a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.

II. A exigência de fundamentação das respostas negativas aos quesitos constituiu inovação na revisão do Código de Processo Civil de 1995/96: não era requisito no Código de Processo Civil de 1939 e só passou a sê-lo, quanto aos factos provados no Código de Processo Civil de 1961, mantendo-se até ao DL. 329-A/95, de 12.12, o dever, quanto aos factos julgados provados, de especificar os fundamentos decisivos para a formação da convicção do Tribunal. 

III. A formulação constante da sentença recorrida, que o Acórdão recorrido “validou”, reportada ao dever de fundamentação constante do art. 704º, nº4, do Código de Processo Civil: “Foram considerados como factos não provados: todos os demais alegados que contrariam ou excedem os acima expostos [os 28 indicados como provados], nomeadamente os alegados em 6° a 11°, 58° a 77° da petição de embargos”, é complexa, obscura, não permitindo a imediata e exigível compreensão e apreensão dos factos que a sentença considerou não provados, pois implica uma indagação analítica e especiosa sobre quais são os factos não provados, com referência à formulação “todos os demais alegados que contrariem ou acima expostos, nomeadamente os alegados nos arts. 6º a 11º, 58º a 77º da petição dos embargos”.

IV. Tal indicação implica que os destinatários imediatos da sentença indaguem, através da apreciação da petição dos embargos, que, no caso, comporta 102 artigos, que factos (o conceito, consabidamente, não é unívoco), quais os factos que “contrariam ou excedam os expostos”.

V. A necessidade imposta pela decisão, no que respeita ao apuramento cristalino do completo elenco dos factos não provados, para lá de ser totalmente omissa a fundamentação quanto a eles, consubstancia nulidade, nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil.

VI. Na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável, pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil. 

VII. Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e, nessa perspectiva, contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.

Decisão Texto Integral:

Proc.1316/14.4TBVNG-A.P1.S2

R-702[1]   

Revista


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

         AA e BB deduziram, em 12.6.2014, Embargos de Executado, por apenso à execução que lhes move o Banco CC SA, pedindo a extinção da execução.

           Para tanto alegaram que, enquanto fiadores dos contratos de abertura de crédito e conta corrente e respectivos aditamentos, não podem ser demandados antes de estar excutido o património da devedora principal, que os mesmos contratos não são títulos executivos, que não está demonstrado que os fundos aí referidos tenham efectivamente sido disponibilizados, que os referidos contratos contêm cláusulas contratuais gerais cujo conteúdo não foi explicado aos embargantes e ainda que a exequente abusa do seu direito, pois exige o pagamento simultaneamente à devedora principal e aos fiadores.

             Pediram a suspensão da execução.

            Liminarmente recebidos os embargos, contestou a exequente ora embargada, em resumo, afirmando que os embargantes renunciaram validamente ao benefício da excussão prévia, que se constituíram principais pagadores, que os documentos dados à execução são títulos bastantes, que os contratos em questão não são de adesão, antes tendo sido individualmente negociados, que os embargantes conhecem perfeitamente o seu conteúdo, sendo o seu incumprimento totalmente imputável a estes e ainda que não existe qualquer abuso de direito porquanto os embargantes são devedores solidários e que nenhum dos obrigados procedeu ao pagamento. Finalmente, opôs-se à suspensão da execução.

            Em audiência prévia foram saneados os autos, tendo de imediato sido conhecidas as questões da inexistência de título executivo, de abuso de direito e da suspensão da execução, todas elas julgadas improcedentes.

           Após a instrução dos autos, procedeu-se a julgamento em conformidade com o que da respectiva ata consta, em conjunto nos apensos A e C, dado que a matéria e a prova são comuns em ambos os processos.

           Por fim, foi proferida sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes e determinou o prosseguimento da execução.


***

            Inconformados, os Embargantes AA e BB recorreram para o Tribunal da Relação do Porto que, por Acórdão de 30.5.2018 – fls. 306 a 326 – julgou improcedente o recurso de apelação confirmando a sentença recorrida.


***

            Inconformados, interpuseram recurso de revista excepcional para este Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitida pelo Acórdão da Formação a que alude o art.672º, nº3, do Código de Processo Civil, que recortou a questão decidenda que consiste em saber se, tendo a Relação confirmado a sentença da 1ª Instância e nela constando a seguir à enumeração dos factos provados a expressão - “Foram considerados como factos não provados: todos os demais alegados que contrariam ou excedem os acima expostos, nomeadamente os alegados em 6.º a 11.º, 58.º a 77.º da petição de embargos”, tal alusão é suficiente, face ao n.°4 do artigo 607.° do Código de Processo Civil, ou encerra nulidade por deverem ser tais factos objecto de enunciação específica.

           Nas alegações, os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:

           1 – Ora, prescreve o art.° 672º do Código de Processo Civil, quais os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excepcional, quais se passam a citar: alínea a) preceitua que quando esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito; alíneas b) estejam em causa de particular relevância social; na alínea c) estabelece que a contradição entre acórdãos que incidam sobre a mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. Assim,

               2 – Entendem os Recorrentes que ao decidirem os Senhores Desembargadores que “ Com efeito, o que lei diz no n º4 do art. 607º é que o juiz declara quais os factos que Julga provados e quais os que julga não provados, mas só no que tange aos provados manda que o juiz os discrime (nº3). Assim, a referência aos factos não provados pode, sem qualquer prejuízo para o fim desempenhado pela sentença, ser feita por remissão para os articulados, sem os transcrever “configurando esta questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito e cujos interesses são de particular relevância. Por outro lado,

                3 – O Acórdão proferido pela Relação do Porto encontra-se em contradição como com o Acórdão do Relação de Lisboa in processo nº 161/09.3 TCSNT.Ll-2, o qual versa sobre a mesma legislação e questão fundamental daquele Acórdão da Relação do Porto.

               

                Pelo exposto.

  4 – Entendem os Recorrentes que se encontram reunidos os pressupostos legais para o presente Recurso de Revista Excepcional ser admitido

5 – Quanto ao conceito previsto nas alíneas a) e b) do art.° 672º, n º1, vem-se sedimentando o entendimento de que a relevância jurídica de uma questão, apresentando-se como autónoma, deve revelar-se pelo elevado grau de complexidade que apresenta, pela controvérsia que gera na doutrina e/ou na jurisprudência ou ainda quando, não se revelando de natureza simples, se revista de ineditismo ou novidade que aconselhem a respectiva apreciação pelo Supremo, com vista à obtenção de decisão susceptível de contribuir para a formação de uma orientação jurisprudencial. Tendo em vista, tanto quanto possível, a consecução da sua tarefa uniformizadora.

6 – Para efeitos da melhor aplicação do direito e sua clara necessidade, a relevância jurídica será de considerar quando a solução da questão postule análise profunda da doutrina e da jurisprudência. Em busca da obtenção de “um resultado que sirva de guia orientadora a quem tenha interesse jurídico ou profissional na sua resolução’, havendo a necessidade de apreciação de “ser aferida pela repercussão do problema jurídico em causa e respectiva solução na sociedade em geral, para além daquela que sempre terá, em maior ou menor grau, nos interesses das partes no processo’’.               

Isto para dizer que,

7 – Em suma, quando estejam em causa interesses que assumam importância na estrutura e relacionamento social, podendo interferir, designadamente, com a tranquilidade e segurança relacionadas com o crédito das instituições e a aplicação do direito, ou ainda quando se trate de questão susceptível de afectar um grande número de pessoas, designadamente consumidores, quanto à segurança jurídica do seu relacionamento com as instituições, havendo um interesse que ultrapasse significativamente os limites do caso concreto. Assim,

8 – Vêm os Recorrentes interpor recurso de revista excepcional, ao abrigo do art. 672º-l, a) e b) do Código de Processo Civil, enunciando as questões sobre as quais pretende ver recair a reapreciação do Tribunal de revista, a saber:

No seu recurso para a Relação do Porto os Recorrentes invocaram a existência da nulidade da douta sentença proferida por falta de fundamentação (art. 607º, nº4, e art.° 615°, n.°l alínea b) do C.P.C.) no que respeito aos fatos não provados “Todos os demais alegados que contrariem ou excedam os acima alegados em 6 ° a 11°, 58 ° a 77 da petição”. Ora,

9 – O Acórdão aqui recorrido quanto a esta questão entendeu que “Com efeito, o que lei diz no nº4 do art. ° 607º é que o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, mas só no que tange aos provados manda que o juiz os discrime (nº3). Assim, a referência aos factos não provados pode, sem qualquer prejuízo para o fim desempenhado pela sentença, ser feita por remissão para os articulados, sem os sem os transcrever”, Assim,

10 – É de tudo importante, e de grande relevância jurídica que este Supremo Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a arguição da nulidade da douta sentença proferida pela 1ª Instância por não ter discriminado os fatos dados como não provados, e que o Acórdão aqui recorrido entendeu que não é obrigatório ocorrer tal discriminação na Sentença a proferir. Pois,

11 – É consabido que o art.° 607º, nº4, do C.P.C. prescreve que: “ Na fundamentação da sentença. O juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando o demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção “.

Por outro lado.

12 – Preceitua o art. 615º do nº1 alínea b) do C.P.C, que “ É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direitos que justifiquem a decisão”.

 Ora,

13 – Com o devido respeito pela douta Sentença da 1ª instância e pelo douto Acórdão da Relação do Porto aqui em crise, que é muito, mas, o certo é que, entendem os Recorrentes, que o Meritíssimo Juiz da 1ª Instância ao fazer constar como não provados todos os demais factos alegados que contrariam ou excedem os que se consignaram como provados, não cumpriu plenamente o preceituado no art.° 607º, nº4, do C.P.C, visto que a omissão da declaração dos fatos não provados é um circunstância relevante no exame e decisão da causa, como se lhe impunha pelos atrás citados preceitos legais. Pois,

14 – Veja-se que a douta sentença inicia-se por dar cumprimento ao disposto no nº2 do art.°615º do C.P.C., seguindo com uma exposição dos factos provados, todavia na motivação o Meritíssimo Juiz não discrimina os factos não provados e não enuncia os meios de prova em que se suportou para a sua formação.

 Daí que.

15 – Entendem os Recorrentes que na Motivação não deu o Meritíssimo Juiz a quo cumprimento ao preceituado nos nºs 3 e 4 do art. 607º do C.P.C., porquanto, não indicou quais os fatos dados como não provados e em que meios de prova em que se suportou para formar a sua convicção.

O certo é que,

16 – Ora, prescreve o art.° 607º, n °4, do C.P.C, que: “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.

Por outro lado,

17 – Preceitua o art.° 615º do nº1 alínea c) do C.P.C, que “ É nula a sentença quando: Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que tome a decisão ininteligível”.

Por último.

18 – Prescreve ainda, o art.° 615º, n°1, alínea d) do C.P.C que: “É nula a sentença quando: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia ter conhecimento”. Ora,

19 – Com o devido respeito pela mui douta Sentença, que é muito, o certo é que, entendem os Recorrentes, que pese embora a Meritíssima Juiz a quo tenha discriminados os factos que considerou provados, quanto ao factos não provados limitou-se a dizer o seguinte: “Factos não provados: Todos os demais alegados que contrariam ou excedam os acima nomeadamente os alegados em 6° a 11°, 58° a 77° da petição.”

20 – Ora, resulta da jurisprudência (Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa, in processo 161/09.3TCSNT.L1-2) que “A fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva e negativa, para assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art.° 607° n°4 do Código Processo Civil.”

Assim,

21 – De harmonia com o disposto no art. 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil, na fundamentação da sentença, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e, entre o mais, especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção.

22- A decisão sobre a matéria de facto, que, em regra, antes do actual Código de Processo Civil, tinha autonomia em relação à sentença, passou a ser um elemento integrante da sentença, contemplando a declaração tanto dos factos considerados provados como dos factos não provados, assim como a sua fundamentação, com a especificação dos concretos meios de prova determinantes da convicção do juiz, quer se trate de factos provados quer de factos não provados.

23 – No âmbito da decisão sobre a matéria de facto, é importante que o juiz esclareça também, na fundamentação, as razões determinantes da decisão, especificando os concretos meios de prova decisivos para a formação da sua observância, torna-se possível a impugnação de tal decisão, sendo certo que sobre o recorrente impende um exigente ónus de alegação (art. 640.° do Código de Processo Civil), e o julgamento eficaz pelo tribunal de recurso.

24 – Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a matéria de facto compreendida na sentença recorrida, limitou-se a enumerar os factos provados, sem praticamente nenhuma referência aos factos não provados, não concretizando os meios de prova que determinaram aquela decisão, o que o Acórdão aqui recorrido manteve.

25 – Assim, este modo de proceder da Meritíssima Juiz a quo não corresponde à satisfação da exigência estabelecida na lei.

Porquanto,

 26 – Na verdade, a fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607.°, n.° 4, do Código de Processo Civil.

27 – Perante a falta da declaração dos factos não provados, é legítima a dúvida se, para além dos factos provados, foram ou não considerados, para efeitos de prova, qualquer um dos factos relevantes não contemplados no elenco dos factos provados. A omissão de resposta a um facto relevante não é algo impossível de ocorrer e a certeza de que isso não acontece só pode advir da declaração dos factos não provados.

28 – In casu, a questão até podia ter sido facilmente resolvida, bastando, designadamente, ter-se respondido à base instrutória organizada.   

29 – Nesta perspectiva, não pode deixar de se concluir que a omissão da declaração dos factos não provados é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa.

30 – Por outro lado, a fundamentação da decisão da matéria de facto também não especificou os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do Juiz, não satisfazendo, igualmente, a exigência legal estabelecida no art. 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil.

31 – Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tornando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação, bem como a reponderação eficaz da decisão.

32 – Na verdade, a fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma ciara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil.

33 – Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento.

34 – Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no art.° 607.°, n.º4, do Código de Processo Civil, cometeu-se uma nulidade processual prevista no art.° 195.°, n.°1, do Código de Processo Civil.

35 – Assim, por efeito da nulidade processual, justifica-se a anulação da sentença e de todos os actos subsequentes, nos termos do art. 195.°, n.°2, do Código de Processo Civil.        

Além do mais

36 – “A lei impõe, pois, como critério e base essencial da fundamentação da decisão em matéria de facto, o “exame crítico das provas”. É que,

37 – A obrigatoriedade de indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e do seu exame crítico, destina-se, a garantir que na sentença se seguiu um procedimento de convicção lógico e racional na apreciação das provas, e que a decisão sobre a matéria de facto não é arbitrária, dominada pelas impressões, ou afastada do sentido determinado pelas regras da experiência.

38 - Exige-se assim que – o tribunal explicite as razões que o levaram a tomar a decisão proferida e em que suporta para formar a sua convicção, o que não sucedeu na sentença da 1 ª Instância e que o Acórdão recorrido manteve. Aliás,

39 – Veja-se que o Acórdão ora recorrido limitou-se a manter a posição da 1ª Instância, sem novamente fazer um exame crítico, e sobretudo, sem se pronunciar quanto à alegada arguição da nulidade da douta sentença proferida por falta de fundamentação (art. 607º, nº4 e art. 615º, n.º alínea b) do Código de Processo Civil), Ora

40 – A falta de cumprimento do previsto nos art. 607º, nºs 3 e 4 e art. 615 º, n º1, alínea b) ambos do Código de Processo Civil, além de ser uma questão importante para o caso que está aqui a ser julgado, é sobretudo uma questão de grande relevância jurídica e de particular relevância social, visto que a omissão da declaração dos factos não provados é uma circunstância relevante no exame e decisão da causa. Porquanto,

41 – A certeza jurídica e o respeito pelos pressupostos legais impostos na elaboração da sentença, que são em síntese as questões que se colocam neste recurso, configuram questões que afectam a sociedade geral, pelo que, a Relação do Porto deveria ter-se pronunciado doutra forma sobre a nulidade arguida pelos Recorrentes, não o tendo feito, deve este Supremo Tribunal pronunciar-se, já que em causa está uma questão de relevância jurídica, cuja apreciação é necessária para uma melhor aplicação do direito

42 – Sendo certo que, a função dos Tribunais não é apenas a de dirimirem conflitos de interesses. Nas também a de convencerem as partes de que as suas decisões são justas.

43 – O que em nosso humilde entendimento, e salvo o devido respeito, por opinião diferente, o que não foi atendido na íntegra no douto Acórdão da Relação, do qual ousamos recorrer Porquanto,

44 – Entendemos que o douto Acórdão proferido decidiu em clara contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa no Proc. nº 163/09.3TCSNT.L1-2, o qual versa sobre a mesma legislação – art. 607º, n º4, do C.P.C, e sobre a mesma questão fundamental – omissão da declaração dos factos não provados da sentença.

Assim,

45 – Sendo esta uma questão com grande relevância jurídica, já que coloca em causa o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, por conseguinte, entendemos que existe fundamento para o presente Recurso de Revista Excepcional, o qual tem com objectivo obter-se uma melhor aplicação do direito.

E que

46 – O Acórdão o Tribunal da Relação de Lisboa no Proc. nº163/09.3TCSNT.L1-2, já transitado em julgado, o qual incidiu sobre o mesmo preceito legal, como se colhe do mesmo, que se junta como doc. nºl e se considera fielmente reproduzido para os devidos efeitos legais, decidiu em contradição com o Acórdão Recorrido, pelo que entendemos que se encontram claramente reunidos in casu todos os fundamentos legais para ser admitido o presente recurso de Revista Excepcional nos termos do art. 672º, nº1, alínea c) do C.P.C.   

Pois,

47 – Entendeu o Acórdão Tribunal da Relação de Lisboa no Proc. Nº163/09.3TCSNT.L1-2, já transitado em julgado, aqui junto como doc.1, entendeu que a Sentença ao limitar-se a enumerar os fatos provados, sem nenhuma referência aos fatos dados como não provados, ainda que se possa depreender que implicitamente os restantes fatos não se consideram provados, tal modo de proceder não respeita a exigência estabelecida na lei. Além do mais.

48 – Entendeu este Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa aqui junto como doc. 1 que “Na verdade, a fundamentação da matéria de fato deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607º, n °4 do C.P.C.”. Assim,

49 – Reportando-nos ao caso em apreço verifica-se que está assente que a Relação do Porto, no acórdão em crise, perfilhou o entendimento de que não é obrigatório a discriminação na Sentença dos factos dados como não provados e que a Sentença da 1ª instância indicou todos os meios de prova em que suportou para formar a sua convicção referindo somente – “documentais e/ou testemunhais”.

50 – A Relação do Porto entendeu, que pese embora, as motivações as pelos Recorrentes no seu recurso, o certo é que, manteve inalterada a decisão da 1ª Instância, o que não defendemos, porquanto, salvo devido respeito por opinião diversa, desde logo, tal motivação vai contra o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que nos diz:

51 –“De harmonia com o disposto no art. 607.°, n.° 4, do Código de Processo Civil, na fundamentação da sentença, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e, entre o mais, especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção”.

52 – A decisão sobre a matéria de facto, que, em regra, antes do actual Código de Processo Civil, tinha autonomia em relação à sentença, passou a ser um elemento integrante da sentença. Contemplando a declaração tanto dos factos considerados provados como dos factos não provados, assim como a sua fundamentação, com a especificação dos concretos meios de prova determinantes da convicção do juiz, quer se trate de factos provados quer de factos não provados.

53 – Trata-se, com efeito, de uma expressão concreta do dever de fundamentação das decisões judiciais, consagrado no art. 205°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, e ainda no art. 154.°, n.°1, do Código de Processo Civil, correspondente a uma importante causa de legitimação da função soberana de julgar

54 – Através da fundamentação da decisão judicial explicita-se seu sentido. Permitindo aos interessados compreendê-la e, discordando, impugná-la, em caso de admissibilidade de recurso. Por outro lado, possibilita também, nomeadamente ao tribunal de recurso, a reponderação adequada da decisão judicial.

55 – No âmbito da decisão sobre a matéria de facto, é importante que o juiz esclareça também, na fundamentação, as razões determinantes da decisão, especificando os concretos meios de prova decisivos para a formação da sua convicção. Com esta observância, torna-se possível a impugnação de tal decisão, sendo certo que sobre o recorrente impende um exigente ónus de alegação (art. 640º do Código de Processo Civil), o julgamento eficaz pelo tribunal de recurso. Daí, portanto, a fundamentação específica exigida pela norma plasmada no art. 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil.

56 – Revertendo ao caso dos autos, verifica-se que a decisão sobre a matéria de facto, compreendida na sentença recorrida, limitou-se a enumerar os factos provados, sem nenhuma referência aos factos não provados.

57 – Poderá depreender-se, implicitamente, que os restantes factos não se consideraram provados. Todavia, este modo de proceder não corresponde à satisfação da exigência estabelecida na lei. Esta, com efeito, prevê também uma declaração em relação aos factos considerados não provados, de modo a conferir segurança jurídica. Essa declaração formal reveste ainda importância para se saber da consideração, ou não, de toda a matéria relevante, no julgamento da causa. Nomeadamente para os efeitos no art. 662.°, n.° 2, alínea), do Código de Processo Civil.

58 – Perante a falta da declaração dos factos não provados, é legítima a dúvida se, para além dos factos provados, foram ou não considerados, para efeitos de prova, ^^3 factos relevantes não contemplados no elenco dos factos provados. A omissão de resposta a um facto relevante não é algo impossível de ocorrer e a certeza de que isso não acontece só pode advir da declaração dos factos não provados.

59 – No caso, a questão até podia ter sido facilmente resolvida, bastando, designadamente, ter-se respondido à base instrutória organizada.

60 – Nesta perspectiva, não pode deixar de se concluir que a omissão da declaração dos factos não provados.

61 – Por outro lado, a fundamentação da decisão da matéria de facto também não especificou os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do Juiz, não satisfazendo. Igualmente, a exigência legal estabelecida no art. 607.°, n.°4, do Código de Processo Civil.

62 – Afirma-se, na decisão recorrida, que a prova dos factos resultou da “análise do teor dos elementos documentais juntos aos autos”, como também do “teor do depoimento das testemunhas inquiridas em sede de audiência de julgamento, as quais revelaram um conhecimento direito e imediato dos factos”, as quais depuseram com “credibilidade e isenção”, e do “teor do relatório pericial junto aos autos”.

63 – Com excepção do relatório pericial, a fundamentação da decisão apresenta-se muito genérica, sem especificação da prova documental e testemunhal, quando é certo que os autos comportam numerosos documentos e mais de uma dezena de testemunhas.

64 – Tal forma genérica de fundamentação não corresponde à especificação dos meios de prova decisivos para a formação da convicção do Juiz, tomando incompreensível a própria fundamentação e prejudicando a impugnação da decisão e o cumprimento do ónus de alegação. Bem como a reponderação eficaz da decisão.

65 – Na verdade, a fundamentação da matéria de facto deve indicar, de forma clara, os concretos meios de prova que determinaram a decisão, positiva ou negativa, para, assim, dar adequado cumprimento à formalidade legal consagrada no art. 607°, n.°4, do Código de Processo Civil.

66 – Evidentemente, a omissão de tal formalidade legal tem manifesta influência no exame e decisão da causa, quer para efeitos de impugnação, quer do seu julgamento”.

Porquanto,

67 – Como defendeu este Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa na fundamentação da sentença, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e, entre o mais, especificando os fundamentos decisivos para a sua convicção, pois, só assim se considera cumprido o previsto no art.° 607º, n °4, do C.P.C., pelo que o Acórdão recorrido ao não decidir desta forma violou tal preceito legal e jurisprudência, e sendo esta uma questão de particular importância jurídica e social

68 - O Acórdão recorrido, mantendo a sentença de 1ª instância, incorreu em vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação dos arts. 607º, nº3 e 4, 615º alínea a) ambos do C.P.C, já que não se pronunciou sobre a nulidade da sentença, por falta de indicação dos fatos dado como não provados e dos meios de prova em que se suportou para formar a sua convicção.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso de revista ser admitido como tal e considerado procedente, em consequência revogando – se o Acórdão recorrido e substituindo-o por outro que dê cumprimento ao previsto no art. 607º, nº4, 615º alínea a) ambos do C.P.C, com o que V. Exas, Venerandos Conselheiros, farão a costumada Justiça.

Não houve contra-alegações.


***

Colhidos os vistos legais cumpre decidir, tendo em conta que a Relação considerou provada a seguinte matéria de facto:

1. As sociedades Banco DD, S.A. e a Banco EE, S.A. incorporam-se, por fusão, na sociedade Companhia FF, S.A., que então passou a designar-se por Banco CC, S.A.

2. Por acordo escrito outorgado em 25 de Julho de 2008 perante o oficial de títulos do BANCO CC, SA e denominado “Contrato n° … (Com Hipoteca e Fiança) - junto a fls. 4 v° a 14, o Banco exequente e a sociedade GG, LDA, declararam celebrar um “contrato de abertura de crédito em conta corrente” e pelo qual o exequente se obrigou a disponibilizar a essa sociedade um financiamento ou empréstimo até ao montante ou importância de € 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros), a fim de que a dita sociedade e mutuária utilizasse esse financiamento para a construção de edifício ou edifícios a concretizar no terreno ou terrenos/prédios nesse mesmo contrato identificados.

 

3. Este contrato foi celebrado pelo prazo de 36 meses a contar daquela data de 25 de Julho de 2008, tal como resulta da Cláusula Terceira desse contrato, mas veio a ser sucessivamente prorrogado, por mútuo acordo das partes e até ao prazo de 60 meses a contar daquela mesma data, em aditamento escrito final a esse contrato que igualmente junto a fls. 11 e 12 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

4. Estipulando-se na cláusula segunda n° 6 do acordo que “Os avisos de crédito, notas de lançamento, extractos de conta e troca de correspondência resultante da execução do contrato farão prova suficiente dos montantes disponibilizados pela IC ao Mutuário ao abrigo desta abertura de Crédito, nos termos e para efeitos do artigo 50° do (antigo) Código de Processo Civil”.

5. A sociedade GG, LDA, declarou naquele acordo e aditamento obrigar-se a restituir integralmente o capital disponibilizado e mutuado pelo aqui exequente até ao fim do prazo do contrato, em 25 de Julho de 2013, conforme o convencionado na Cláusula Sétima do mesmo contrato.

6. Acordaram ainda as partes que durante a vigência do contrato os juros eram contados dia a dia e deviam ser pagos pelo "Mutuário" em prestações trimestrais e postcipadas - conf. n° 3 da cláusula sétima do contrato.

7. Mais estipularam as partes, que em caso de mora ou incumprimento do pagamento do capital e/ou juros, eram devidos juros moratórios calculados à taxa em vigor acrescida da sobretaxa máxima legal, sobre todo o montante em dívida - clausula 18° n° 3 do contrato.

8. O oficial de títulos do Banco CC, SA fez constar que os outorgantes HH e II, estes outorgando como procuradores do Banco, AA, JJ, BB, KK e LL, estes outorgando por si na qualidade de fiadores e adiante designados por “fiador”, outorgando ainda os segundos outorgantes na qualidade de únicos sócios com poderes e em representação da sociedade comercial “GG, Lda.” compareceram perante si e que prestaram as declarações constantes do título, “depois de lhes ser lido e ter sido feita a explicação do seu conteúdo, em voz alta e na presença simultânea de todos”.

9. Foi disponibilizado e entregue, nessa data de 25 de Julho de 2008, pelo Banco à Mutuária o montante de € 500.000,00, por crédito na conta de depósitos à ordem da Mutuária, montante este de que esta se confessa devedora.

10. A restante quantia, tal como o convencionado e estipulado no contrato era e foi disponibilizada pelo Banco ao Mutuário, durante o período de construção, por crédito na conta D.O. nr° … de que a empresa era titular no Banco Exequente.

11. A sociedade mutuária veio efectivamente a receber e a utilizar o capital de 83.320.000,00 que recebeu no âmbito deste contrato de abertura de crédito, tendo, neste contexto, o Banco aqui exequente efectivamente entregue à empresa mutuária a referida quantia.

12. Com o fim do contrato, a dita sociedade não havia ainda pago, em termos de capital, a quantia global de €1.850.294,30 bem como os juros remuneratórios e moratórios, que se encontram pagos apenas até 27.01.2013.

13. Por um outro acordo escrito outorgado em 15 de Novembro de 2010 e denominado “Abertura de Crédito com Hipoteca e Fiança”, o Banco aqui exequente celebrou com a dita sociedade GG, Lda., um segundo “empréstimo na modalidade de abertura de crédito em conta corrente”, e pelo qual, desta vez, veio a disponibilizar a essa sociedade um outro a acrescido financiamento ou empréstimo até ao montante ou importância de € 300.00,00 (trezentos mil euros), mais uma vez a fim de que a dita sociedade e mutuária utilizasse esse financiamento para a construção de edifício ou edifícios a concretizar no terreno ou terrenos/prédio também nesse mesmo contrato identificados, cfr. doc. junto a fls. 15 v° a 24 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

 

14. Este segundo contrato foi igualmente celebrado pelo período compreendido entre a data da sua celebração e a data de 29 de Setembro de 2011, tal como resulta da Cláusula Terceira desse contrato, mas veio também a ser sucessivamente prorrogado, por mútuo acordo das partes e até ao dia 29 de Setembro de 2013, em aditamento escrito final a esse contrato que igualmente junto a fls. 25 a 27 cujo teor aqui se dá por reproduzido.

15. Estipulando-se na cláusula segunda n° 2 do anexo ao contrato que " Os avisos de crédito, notas de lançamento, extractos de conta e troca de correspondência resultante da execução do contrato farão prova suficiente dos montantes disponibilizados pela IC ao Mutuário ao abrigo desta abertura de Crédito, nos termos e para efeitos do artigo 50° do (antigo) Código de Processo Civil".

16. A sociedade GG, Lda., declarou naquele acordo e aditamento obrigar-se a restituir integralmente o capital disponibilizado e mutuado pelo aqui exequente até ao fim do prazo do contrato, 29 de Setembro de 2013, conforme o convencionado na Cláusula Sexta do mesmo contrato.

17. Mais declararam as partes que “Todas as condições e cláusulas deste contrato foram integralmente comunicadas com antecedência e adequadamente, explicado o respectivo conteúdo, bem como satisfeitos pelo Banco todos os esclarecimentos solicitados pelo Mutuário. Em conformidade, o Mutuário declara ter conhecimento integral do contrato e de todas as suas disposições, bem como ter a capacidade e os conhecimentos adequados ao respectivo entendimento e outorga livre e consciente”.

18. O acordo escrito referido em 13. foi autenticado por Luís Velho Cabral, advogado, o qual atestou que compareceram perante si BB, JJ, KK, LL e AA, estes outorgando todos por si e ainda na qualidade de únicos sócios e em representação da sociedade “GG, Lda.” e NN, esta na qualidade de procuradora do Banco e que “Os signatários apresentaram o documento anexo que é um contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança e documento designado Anexo I, tendo declarado que já o leram e que estão perfeitamente inteirados do seu conteúdo e o assinaram, e que o conteúdo do mesmo exprime a sua vontade e/ou dos seus representados” mais atestou que “O presente termo de autenticação foi lido e explicado aos signatários”.

19. Foi disponibilizado e entregue, nessa data de 15 de Novembro de 2010, pelo Banco à Mutuária o montante de € 6100.000,00, por crédito na conta de depósitos à ordem da Mutuária.

20. O valor do crédito remanescente, tal como o convencionado e estipulado no contrato era e foi disponibilizado pelo Banco ao Mutuário durante o período de utilização ou seja até 29.09.2011, por crédito na referida conta D.O. nr°… de que a empresa era titular no Banco Exequente.

21. A sociedade mutuaria veio efectivamente a receber e a utilizar o capital de € 279.066,80 que recebeu no âmbito deste contrato de abertura de crédito, tendo, neste contexto, o Banco aqui exequente efectivamente entregue à empresa mutuária as referidas quantias.

22. Com o fim do contrato em causa, a dita sociedade não havia ainda pago, em termos de capital, a quantia global de €141.366,80, bem como os juros remuneratórios e moratórios, que se encontram pagos apenas até 29.12.2012.

23. Os executados AA, JJ, BB, KK e LL intervieram em ambos os referidos e acima invocados contratos de empréstimo, que outorgaram também a título pessoal e onde declararam que se constituíam fiadores e principais pagadores de todas as obrigações emergentes para a sociedade mutuária dos contratos celebrados, e mais que renunciavam expressamente ao benefício da excussão prévia.

 

24. A sociedade GG, Lda. foi judicialmente declarada insolvente por sentença de 20 de Setembro de 2013, proferida no Proc. n° 1052/13.9TYVNG, do 3º Juízo do Tribunal de Comércio de Vila Nova de Gaia.

25. Houve negociações e conversações prévias à celebração de ambos os contratos, nomeadamente quanto aos montantes e forma de disponibilização dos capitais, sua utilização e destino, datas e forma de reembolso, taxas de juros, quais os bens dados de hipoteca, quem prestava fiança.

26.O embargante OO foi sócio gerente da sociedade Mutuária durante vários anos e o embargante AA foi sócio da referida firma e é engenheiro de profissão.

27.         Aos aqui embargantes foi pelo Banco exequente comunicado, através de carta registada datada de 13.01.2014 o seguinte: “Assunto: Contrato de Empréstimo n° … datado de 25 de Julho de 2008”, Ex.mo Senhores, “Na qualidade de garantes do empréstimo em assunto, informamos V.Exas, que por sentença proferida em 20 de Setembro de 2013, pelo tribunal Judicial do Comércio de Vila Nova de Gaia, 3o Juízo de Vila Nova de Gaia, a sociedade GG Lda., mutuária do empréstimo foi declarada insolvente. Face a essa decisão judicial, nos termos do artigo 81° do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, venceram-se as obrigações emergentes do contrato de empréstimo em assunto, as quais são imediatamente exigíveis. Nesse sentido.../..., deverão V.Exas, proceder de imediato á regularização das responsabilidades vencidas decorrentes do mencionado contrato, que nesta data ascendem, a € euros 1.984.004,38 correspondendo: Euros 1.850.294,30, a capital em divida; Euros 19.110,95, a juros compensatórios, Euros 109.456,43, a juros de mora; Euros 5.142,70 a imposto de selo”(...) - conforme docs. juntos a fls. 76 a 79 e que se dão por reproduzidos.

28. Aos aqui embargantes foi pelo Banco exequente comunicado, através de carta registada datada de 13.01.2014 o seguinte: “Assunto: Contrato de Empréstimo n°…. datado de 15 de Novembro de 2010 “Ex.mo Senhores, “Na qualidade de garantes do empréstimo em assunto, informamos V.Exas, que por sentença proferida em 20 de Setembro de 2013, pelo tribunal Judicial do Comércio de Vila Nova de Gaia, 3o Juízo de Vila Nova de Gaia, a sociedade GG Lda., mutuária do empréstimo foi declarada insolvente. Face a essa decisão judicial, nos termos do artigo 81° do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas, venceram-se as obrigações emergentes do contrato de empréstimo em assunto, as quais são imediatamente exigíveis. Nesse sentido.../..., deverão V.Exas, proceder de imediato á regularização das responsabilidades vencidas decorrentes do mencionado contrato, que nesta data ascendem, a € euros 152.470,78 correspondendo: Euros 141.366,80, a capital em divida; Euros 1.462,27, a juros compensatórios, Euros 9.214,63, a juros de mora; Euros 427,08 a imposto de selo.” (...)  - conforme docs. juntos a fls. 91 a 92 e que se dão por reproduzidos.

Foram considerados como factos não provados:

Todos os demais alegados que contrariam ou excedem os acima expostos, nomeadamente os alegados em 6º a 11º, 58° a 77° da petição de embargos.

Fundamentação:

Sendo pelo teor das conclusões das alegações do recorrente que, em regra, se delimita o objecto do recurso – afora as questões de conhecimento oficioso –, importa saber, conforme decisão da Formação, se a alusão que foi feita na sentença quanto à matéria de facto não provada cumpre o dever de fundamentação no concernente à matéria de facto que o tribunal considerou não provada.

A Formação considerou a questão “subtil mas importantíssima sobre o modo como devem ser elaboradas as milhares de sentenças que todos os dias vêm a lume.”

Sendo esse o objecto do recurso de apelação o Acórdão recorrido afirmou:

“ […] Entendem os recorrentes que na sentença recorrida, onde a Mmª Juíza “a quo” no tocante aos factos não provados consignou somente “todos os demais alegados que contrariam ou excedem os acima expostos, nomeadamente os alegados em 6º a 11°, 58° a 77° da petição de embargos”, ocorre falta de declaração dos factos não provados.

Mas não lhes assiste razão.

Com efeito, o que a lei diz no n° 4 do art. 607° é que o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, mas só no que tange aos provados manda que o juiz os discrimine (n° 3). Assim, a referência aos factos não provados pode, sem qualquer prejuízo para o fim desempenhado pela sentença, ser feita por remissão para os articulados, sem os transcrever. Deste modo, se na sentença recorrida se fez constar como não provados todos os demais factos alegados que contrariam ou excedem os que se consignaram como provados, nomeadamente os que se mostram alegados nos arts. 6º a 11º e 58° a 77° da petição de embargos, temos por plenamente cumprido o preceituado no art. 607°, n° 4 do Cód. do Proc. Civil.

Entendem também os recorrentes que na fundamentação da decisão da matéria de facto não foram especificados os meios de prova que foram decisivos para a formação da convicção do juiz.

Novamente não lhes assiste razão, bastando a simples leitura da sentença recorrida, no seu segmento intitulado “Motivação” (fls. 253/255), para se verificar que a M.ma Juíza “a quo” a propósito de todos os factos que considerou provados indicou os meios probatórios - documentais e/ou testemunhais - em que fundou a sua convicção.

Não se vislumbra, pois, qualquer desrespeito pelo estatuído no art. 607°, n° 4 do Cód. do Proc. Civil.”

 

Está em causa a aplicação/interpretação do art. 607º, do Código de Processo Civil, que versa sobre a elaboração da sentença. Não existe, no vigente Código, peça autónoma onde o Juiz, antes da sentença, declara quais os factos provados e não provados após o julgamento, com as respostas aos quesitos, despacho que continha a fundamentação, podendo até ser reclamado.

        As Reformas do Código de Processo Civil, visando a simplificação e a celeridade, acabaram com velhas peças processuais, ou fórmulas como a “especificação e o questionário” impuseram, inovadoramente, que na sentença se identifiquem as partes e o objecto do litígio, enunciando-se, de seguida, as questões que cumpre solucionar. Seguem-se os fundamentos, devendo o juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final. (nºs 3 e 4).

         O nº4 do art.607º do Código de Processo Civil, que está em causa, impõe ao julgador que na fundamentação da sentença declare:

           “Quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”

         O dever de fundamentação das decisões, na sua vertente endoprocessual e extra-processual, decorre do art. 208º, nº1, da Constituição da República, sendo da maior relevância não só para que possa ser exercido controlo no julgamento da matéria de facto, como na decisão de direito.

          A exigência de fundamentação da matéria de facto provada e não provada com a indicação dos meios de prova que levaram à decisão, assim como a fundamentação da convicção do julgador, devem ser feitas com clareza, objectividade e discriminadamente, de modo a que as partes, destinatárias imediatas, saibam o que o Tribunal considerou provado e não provado e a fundamentação dessa decisão reportada à prova fornecida pelas partes e adquirida pelo Tribunal.

         A exigência de fundamentação das respostas negativas aos quesitos constituiu inovação na revisão do Código de Processo Civil de 1995/96: não era requisito no Código de Processo Civil de 1939 e só passou a sê-lo, quanto aos factos provados no Código de Processo Civil de 1961, mantendo-se até ao DL. 329-A/95, de 12.12, o dever, quanto aos factos julgados provados, de especificar os fundamentos decisivos para a formação da sua convicção.  

         Lebre de Freitas in “A Acção Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil”, 3.ª Edição, pág. 315, escreve:

           “No novo código, a sentença engloba a decisão de facto, e já não apenas a decisão de direito. Na decisão de facto, o tribunal declara quais os factos, dos alegados pelas partes e dos instrumentais que considere relevantes, que julga provados (total ou parcialmente) e quais os que julga não provados, de acordo com a sua convicção, formada no confronto dos meios de prova sujeitos à livre apreciação do julgador; esta convicção tem de ser fundamentada, procedendo o tribunal à análise crítica das provas e à especificação das razões que o levaram à decisão tomada sobre a verificação de cada facto (art. 607, n.º 4, 1.ª parte, e 5) ” – (destaque e sublinhado nosso).

         “A fundamentação passou a exercer, pois, a dupla função de facilitar o reexame da causa pelo tribunal superior e de reforçar o autocontrolo do julgador, sendo um elemento fundamental na transparência da Justiça, inerente ao ato jurisdicional” – “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 2º, 3ª edição, de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre.

         Sendo os temas da prova enunciados de maneira sucinta, ainda que pressuponham ampla matéria de facto, a exigência de fundamentação desta justifica-se, de modo mais acentuado, porquanto não acontece, como no passado, quando a análise da peça processual onde se respondia aos quesitos permitia, em regra, saber de modo discriminado (os quesitos eram enumerados) o que tinha ficado provado e não provado e a fundamentação, que sempre se reputou não ter que ser exaustiva, mas devendo dar a conhecer os meios de prova em que acentuou a convicção quanto à prova submetida a julgamento.

         Francisco Manuel Lucas de Ferreira de Almeida, in “Direito Processual Civil”, Vol. II, 2015, págs. 350/351:

         “A estatuição do citado nº4 do art- 607º (1º- segmento) é, contudo, meramente indicadora ou programática, não obrigando o tribunal a descrever de modo exaustivo o iter lógico-racional da apreciação da prova submetida ao respectivo escrutínio; basta que enuncie, de modo claro e inteligível, os meios e elementos de prova de que se socorreu para a análise crítica dos factos e a razão da sua eficácia em termos de resultado probatório. Trata-se de externar, de modo compreensível, o itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pelo tribunal na apreciação da realidade ou irrealidade dos factos submetidos ao seu escrutínio. Deve, assim, o tribunal enunciar os meios probatórios que hajam sido determinantes para a emissão do juízo decisório, bem como pronunciar-se: - relativamente aos factos provados, sobre a relevância deste ou daquele depoimento (de parte ou testemunhal), designadamente quanto ao seu grau de isenção, credibilidade, coerência e objectividade; - quanto aos factos não provados, indicar as razões pelas quais tais meios não permitiram formar uma convicção minimamente segura quanto à sua ocorrência ou convencer quanto a uma diferente perspectiva da sua realidade ou verosimilhança […].Não impõe, contudo, a lei que a fundamentação das conclusões fácticas decisórias seja indicada separadamente por cada um dos factos, isolada e autonomamente considerado (podendo sê-lo por conjuntos ou blocos de factos sobre os quais a testemunha se haja pronunciado). […]. A omissão total ou parcial da análise crítica e/ou de motivação gera uma nulidade processual secundária (preterição de formalidade exigida por lei) com previsão no art.195º, porquanto com manifesta “influência no exame e ou na decisão da causa”, que a lei sujeita, todavia, ao regime especial de arguição dos arts. 149º, 195º e 199º”.

          Rui Pinto, in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. II, 2ª edição, pág. 77:

           “No direito anterior à Lei n.°41/2013, de 26 de Junho, em sede de processo ordinário, a decisão sobre a matéria de facto tinha lugar após o encerramento da audiência de julgamento (cf. anterior artigo 653.° n.°2). Na nova versão do Código de Processo Civil, o legislador suprimiu a decisão sobre matéria de facto, no termo da audiência de julgamento. Por isso, bem se pode chegar à sentença sem o proferimento de despacho formal sobre factos assentes. Na realidade, a decisão de fixação de factos assentes passou a ser uma decisão formalmente não autónoma — mas decisão, ainda assim…— no seio da fundamentação da sentença, prejudicial do dispositivo desta.”

          Vigorando, actualmente, a possibilidade de recorrer da matéria de facto, cumpridos que sejam os requisitos do art. 640º do Código de Processo Civil, na sentença ao julgador cumpre indicar os factos provados e não provados e analisar criticamente as provas. A fundamentação de que curamos reporta-se à vertente processual: constituem realidades distintas a decisão da matéria de facto e respectiva fundamentação, e a fundamentação da decisão final que versa sobre matéria de direito.

          Uma deficiente ou obscura alusão aos factos provados ou não provados pode comprometer o direito ao recurso da matéria de facto e nessa perspectiva contender com o acesso à Justiça e à tutela efectiva, consagrada como direito fundamental no art. 20º da Constituição da República.

         É usual a sentença indicar a matéria de facto provada e a fundamentação e, após proceder à indicação dos factos não provado, fazer indicação discriminada com base nos articulados; de todo o modo o que deve ser claro para os destinatários imediatos da decisão – as partes – é a apreensão consistente dos factos que foram julgados provados e não provados e se, nalguns casos, essa tarefa se afigura isenta de dificuldades compreensivas, noutras há-de o julgador fazer uma indicação inequívoca de modo a que a sentença, nessa parte, não deixe margem para dúvidas, que, como se disse, podem criar à parte que discorde do julgamento dificuldades no acesso ao direito de ver reapreciada a prova em sede de recurso para o Tribunal da Relação.

         Crucial é a indicação e especificação dos factos provados e não provados e a indicação dos fundamentos por que o Tribunal formou a sua convicção acerca de cada facto que estava em apreciação e julgamento.

         Teixeira de Sousa, in “Estudos Sobre o Novo Processual”, pág. 348, em texto cuja actualidade e pertinência justificam a citação, afirma:

         “A exigência da motivação da decisão não se destina a obter a exteriorização das razões psicológicas da convicção do juiz, mas a permitir que o juiz convença os terceiros da correcção da sua decisão. Através dessa fundamentação, o juiz deve passar de convencido a convincente.                   A fundamentação da apreciação da prova deve ser realizada separadamente para cada facto. A apreciação de cada meio de prova pressupõe conhecer o seu conteúdo (por exemplo, o depoimento da testemunha), determinar a sua relevância (que não é nenhuma quando, por exemplo, a testemunha afirmou desconhecer o facto) e proceder à sua valoração (por exemplo, através da credibilidade da testemunha ou do relatório pericial).Se o facto for considerado trovado, o tribunal deve começar por referir os meios de prova que formaram a sua convicção, indicar seguidamente aqueles que se mostraram inconclusivos e terminar com a referência àqueles que, apesar de conduzirem a uma distinta decisão, não foram suficientes para infirmar a sua convicção. Se o facto for julgado não provado, a ordem preferível é a seguinte: primeiramente devem ser indicados os meios de prova que conduzem à demonstração do facto; depois devem ser expostos os meios que formaram a convicção do tribunal sobre a não veracidade do facto ou que impedem uma convicção sobre a sua veracidade; finalmente, devem ser referidos os meios inconclusivos.”

Na audiência prévia foi elaborado o despacho saneador e, a fls. 130, foi indicado como “Objecto do litígio: “o montante da quantia exequenda; a natureza e extensão da responsabilidade dos embargantes; e a validade das cláusulas contratuais”. E como temas de prova – “1. A disponibilização à mutuária dos valores invocados no requerimento executivo para além das quantias indicadas como disponibilizadas nos títulos executivos; 2. A comunicação e explicação das cláusulas contratuais aos embargantes”.

          A amplitude e complexidade dos temas de prova e do objecto do litígio, sempre tornaria complexa a tarefa do julgador de indicar com precisão que factos foram submetidos a julgamento e quais as razões (fundamentação) pelas quais se consideraram não provados os quantos que a convicção probatória adquiriu.

Dir-se-ia que a tarefa estaria mais facilitada na velha lógica “cada facto um quesito”, nos remotos tempos da tão criticada e longamente vigente peça “questionário”, depois “base instrutória” que, em articulação com a “especificação” espelhava, em regra, todos e cada um dos factos sujeitos a julgamento, uma valia não despicienda.

          No “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, de Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Filipe Pires de Sousa, pág. 717, em comentário ao art.607º lê-se, além do mais:

          “A matéria de facto provada deve ser descrita pelo juiz de forma fluente e harmoniosa, técnica bem diversa de uma que continue a apostar na mera transcrição de respostas afirmativas, positivas, restritivas ou explicativas a factos sincopados, como os que usualmente preenchiam os diversos pontos da base instrutória (e do anterior questionário). Se, por opção, por conveniência ou por necessidade, se inscreveram nos temas de prova factos simples, a decisão será o reflexo da convicção formada sobre tais factos, a qual deve ser convertida num relato natural da realidade apurada… […]. O importante é que, na enunciação dos factos provados e não provados, o juiz use uma metodologia que permita perceber facilmente a realidade que considerou demonstrada, de forma linear, lógica e cronológica, a qual, uma vez submetida às normas jurídicas aplicáveis, determinará o resultado da acção.”

          A formulação constante da sentença recorrida reportada ao dever de fundamentação constante do art. 704º, nº4, do Código de Processo Civil: “Foram considerados como factos não provados: todos os demais alegados que contrariam ou excedem os acima expostos [os 28 indicados como provados], nomeadamente os alegados em 6° a 11°, 58° a 77° da petição de embargos” é complexa, obscura, não permitindo a imediata exigível compreensão e apreensão dos factos que a sentença considerou não provados, pois implica uma indagação analítica e especiosa sobre quais são os factos não provados, com referência à formulação complexa “todos os demais alegados que contrariem ou acima expostos, nomeadamente os alegados nos arts. 6º a 11º, 58º a 77º da petição dos embargos”.

          Tal indicação implica que os destinatários da sentença indaguem através de apreciação da petição dos embargos, que comporta 102 artigos, que factos (o conceito, consabidamente, não é unívoco) “contrariam ou excedam os expostos, sendo que importaria ao intérprete saber quais os que contrariavam ou excediam “os acima expostos”.

         A necessidade imposta pela decisão, no que respeita ao apuramento cristalino do completo elenco dos factos não provados, para lá de ser totalmente omissa a fundamentação quanto a eles, consubstancia nulidade nos termos dos arts. 607º, nº4, e 615º, nº1, als. c) e d) do Código de Processo Civil.

          Na ponderação da natureza instrumental do processo civil e dos princípios da cooperação e adequação formal, as decisões que, no contexto adjectivo, relevam decisivamente para a decisão justa da questão de mérito, devem ser fundamentadas de modo claro e indubitável pois só assim ficam salvaguardados os direitos das partes, mormente, em sede de recurso da matéria de facto, quando admissível, habilitando ao cumprimento dos ónus impostos ao recorrente impugnante da matéria de facto, mormente, quanto à concreta indicação dos pontos de facto considerados incorrectamente julgados e os concretos meios de prova, nos termos das als. a) e b) do nº1 do art. 640º do Código de Processo Civil. 

Com o devido respeito, não pode este Tribunal reconhecer ao Acórdão recorrido tais requisitos de clareza e precisão na indicação da matéria de facto não provada, para lá da omissão de fundamentação dessa decisão, pelo que enferma de nulidade, nos termos do art. 615º, nº1, b) e c), 684º, nº2, do Código de Processo Civil e, como tal, não pode manter-se sendo anulado.

Sumário – art. 663º, nº7, do Código de Processo Civil

          Decisão:

         Concede-se a revista, anulando-se o Acórdão recorrido, baixando os autos ao Tribunal da Relação, para que aí se proceda à reforma da decisão, pelos mesmos Juízes Desembargadores, se possível.

          Custas pelo Recorrido.

                                               

Supremo Tribunal de Justiça, 26 de fevereiro de 2019

Fonseca Ramos (Relator)

Ana paula Boularot

Pinto de Almeida

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[1] Relator – Fonseca Ramos
Ex. mos Adjuntos:
Conselheira Ana Paula Boularot
Conselheiro Pinto de Almeida