Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2892/16.2T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: EXCEÇÃO DE CASO JULGADO
CONHECIMENTO NO SANEADOR
CASO JULGADO FORMAL
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
ERRO DE DIREITO
PROVA DOCUMENTAL
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 07/05/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO.
Sumário :

I- Decidida a excepção de caso julgado, suscitada pelo Réu, em sede de despacho saneador, pela sua improcedência, a mesma faz caso julgado formal no que tange a essa questão, concretamente apreciada, nos termos do nº3 e da alínea a) do nº1 do artigo 595º do CPCivil, caso não seja impugnada autonomamente de harmonia com o preceituado nos artigos 620º, nº1 e 628º este como aquele do mesmo diploma legal.

II- Não tendo havido recurso do despacho saneador, quanto a esse particular, nunca poderia tal questão ser apreciada em sede de recurso de Apelação interposto da decisão final de mérito, por se tratar de res judicata.

III- O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do CPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

IV- Decorre do disposto no artigo 607º do CPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

V- A parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.

VI- Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

VII- Os factos dados como provados que o Recorrente visa questionar, referem-se a estados subjectivos das partes na formação negocial, os quais, porque não estão sujeitos a qualquer meio de prova taxada, fogem completamente ao controlo rigoroso do preceituado no artigo 682º, nº2 do CPCivil, face ao disposto no artigo 674º, nº3 do mesmo diploma.

VIII- Daí que, o discurso justificativo efectuado pelo segundo grau, consistente na conjugação dos elementos documentais existente nos autos, com as declarações dos Réus e dos depoimentos das testemunhas, se afigure coerente com o disposto no artigo 607º, nº5 do CPCivil, sendo insusceptível de qualquer censura por banda deste Supremo Tribunal.

Decisão Texto Integral:


PROC 2892/16.2TVIS.C1.S1

6ª SECÇÃO

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I Nos autos de acção comum que CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO ... intentou contra MASSA INSOLVENTE DE AA, BB, CC, DD, EE e FF, pedindo:

A) Se declarasse a nulidade dos contratos de doação celebrados entre os Réus, tendo por objecto os imóveis melhor identificados na petição, com o consequente retorno deles ao património dos primeiros Réus, agora a massa insolvente;

B) A condenação dos Réus a reconhecerem a nulidade dos referidos contratos de doação, com o consequente retorno ao património da massa insolvente;

C) Se ordenasse o cancelamento dos registos de inscrição dos prédios melhor identificados na petição a favor dos 2.º e 3.º réus.

Para o efeito alegou em síntese:

• Que AA e BB, eram devedores à autora de € 2 142 944,98, a que acresciam juros;

• Que por escritura pública celebrada no dia 29 de Dezembro de 2008, AA e BB, doaram a CC cinquenta imóveis urbanos e rústicos;

• Que por escritura pública celebrada no dia 29 de Dezembro de 2008, AA e BB, doaram a EE quarenta e sete imóveis, urbanos e rústicos;

• Que AA e BB, não quiseram doar e os segundos e os terceiros Réus também não quiseram receber as doações, pois no dia 29 de Dezembro de 2008 outorgaram uma procuração pela qual constituíram AA, seu pai, como procurador, conferindo-lhe poderes para vender, hipotecar, pelo preço e condições que tivesse por conveniente os bens imóveis que lhes foram doados;

• Que as doações não passaram de um embuste, de uma manobra de diversão para iludir a Autora e os restantes credores dos primeiros Réus e furtarem tais bens à provável execução por parte da Autora.

Os Réus CC, DD, EE e FF, contestaram por excepção e por impugnação. Em sede de excepção invocaram o caso julgado e pediram, em consequência, a sua absolvição da instância, tendo alegado para o efeito que a presente acção constituía a repetição de uma outra, em que a Autora pedira a anulação das doações, embora referindo, nela, os factos constitutivos da impugnação pauliana. Em sede de impugnação alegaram que as doações traduziram a vontade real e efectiva de todos os outorgantes.

A Autora desistiu da instância em relação ao prédio do prédio urbano inscrito na matriz sob o art.º ...11 da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 2861/20...., prédio este que resultou da anexão dos descritos sob os números ...5, ...02 e ...17, os quais figuram na escritura de doação a favor do réu CC sob os números, respectivamente, 8, 9 e 14, tendo tal desistência sido homologada por decisão proferida em 6 de Junho de 2018.

No despacho saneador, foi julgada improcedente a excepção de caso julgado.

Foi proferida sentença que decidiu julgar improcedente a acção e absolver os Réus do pedido.

Inconformada a Autora interpôs recurso de Apelação, o qual veio a ser julgado parciamente procedente nos seguintes termos:

«1. Revoga-se a sentença na parte em que julgou improcedentes o pedido de declaração de nulidade das doações e o de cancelamento dos registos de inscrição dos prédios a favor de CC e EE;

2. Substitui-se a sentença por decisão a declarar a nulidade dos contratos de doação, salvo no que diz respeito ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61, da freguesia ..., com a restituição dos imóveis à massa insolvente de AA e sua esposa, BB;

3. Ordena-se o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade dos imóveis, salvo no que diz respeito ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...61, a favor de CC e de EE.».

Irresignados recorrem agora os Réus de Revista, apresentando o seguinte acervo conclusivo:

«a) Vem o presente recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação ... que revogou a        decisão de primeira instância       e, consequentemente julgou a ação procedente.

b) Desde logo, existe a questão do conhecimento oficioso que consiste na ofensa do caso julgado material, porquanto a causa já havia sido decidida de mérito, por decisão transitada em julgado.

c) Os recorrentes suscitaram logo na sua contestação (artigos 3.º e 4.º) que a causa já havia sido decidida na ação que correu termos com o número 569/13.... da Comarca ... – ... – Instância Central – Secção Cível – J..., conforme certidão junta a 13.02.2017.

d) Tal ação terminou, porquanto o tribunal, perante a evidência da novação, com a consequente extinção das garantias ali e aqui acionadas, concluiu – e bem – que, nos termos do artigo 277.º do CPC, a ação perdera o seu sentido útil e conteúdo.

e) Da referida certidão, vemos que as partes são as mesmas, a causa de pedir e pedido são os mesmos, só divergindo, contraditoriamente, assinale-se, a qualificação jurídica, já que naqueloutra ação a recorrida a denominou de impugnação pauliana e esta como ação híbrida de impugnação pauliana ou de simulação.

f) Porém, o credor que opte por pedir inicialmente a impugnação pauliana, não pode pedir subsidiariamente a nulidade, por simulação, e, dessarte, por maioria de razão não pode intentar, sem ofender o caso julgado, nova ação alterando única, apenas - e tão-somente - a qualificação jurídica dos fatos.

g) A decisão proferida no despacho saneador que julgou improcedente a invocada exceção do caso julgado, não transita em julgado, pois dela não há recurso autónomo, nos termos do artigo 644º, nºs 1 e 3 do Código de Processo Civil, não estando, por isso, o Tribunal da Relação, em sede do recurso de apelação, nem está o Supremo Tribunal de Justiça impedido de reapreciar esta questão.

h) Quando estamos perante a mesma causa de pedir, agora completada ou concretizada e não perante uma nova causa de pedir, a nova acção é uma repetição da segunda, e, neste caso, verifica-se a excepção do caso julgado, assim devendo ser interpretado e aplicado o artigo 580.º/2 do CPC.

i) Note-se, por outro lado, que a recorrida se conformou com tal, aliás, douta decisão de extinção da primitiva lide, por falta de sentido útil, dela não recorrendo, constituindo verdadeiro abuso de direito a instauração da presente ação, o que outrossim constitui matéria do conhecimento oficioso, pelo que o tribunal a quo deveria ter aplicado o artigo 334.º do Código Civil neste sentido.

j) Posto isto, de realçar ainda que, em sede de revista, compete ao Supremo Tribunal de Justiça, de harmonia com o disposto no art. 682º, nº 3 do CPC, sindicar a decisão de facto das instâncias, pois, em tal situação, defrontámo-nos com um verdadeiro erro de direito.

k) O tribunal a quo decidiu alterar a decisão sobre a matéria de fato, dando por provado os pontos 90.º, 95.º, 96.º (1.ª parte) e 106.º, que o tribunal de primeira instância havia dado por não provados, tendo-lhe fixado determinado sentido, mas que e, em bom rigor, não se trata de factos, mas de juízos conclusivos.

l) A interpretação e integração de um negócio jurídico constitui matéria de direito cognoscível pelo Supremo como tribunal de revista. Assim, a interpretação das declarações negociais não se dirige a fixar um fato simples – a vontade e o sentido que o declarante quis imprimir à sua declaração – mas o sentido jurídico, normativo, da declaração, assim se devendo interpretar e aplicar a norma extraída do artigo 674.º/1 al. b) e n.º 3 do CPC.

m) O Supremo não pode considerar existente a simulação com base em simples indícios, não confirmados pela decisão da matéria de facto, assim se devendo interpretar e aplicar a norma extraída do artigo 240.º/1 do Código Civil, conjugado com o artigo 674.º/1 al. a) do CPC.

n) No artigo 86.º diz o tribunal a quo que resultou provado que “…AA e BB acordaram com CC e EE em forjar dois contratos de doação, tendo por objeto os imóveis descritos nas escrituras de doação…”, mas o assim afirmado, “forjar dois contratos” trata-se não de um fato, mas de uma conclusão, inferida através de suspeitas manifestamente infundadas.

o) Contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, qualquer contrato de doação entre pais e filhos é, pois, e ope legis sempre um negócio formal e substantivamente válido, sendo um impossível normativo afirmar-se que se trata de um negócio que oculta outro, assim se devendo interpretar e aplicar a norma resultante da conjugação dos artigos 240.º/1, 940.º/1, 942.º/2, 944.º/1, 945.º/1, 948.º/1, 950.º/1, 954.º al. a), 962.º/1 e 2179.º/1 e 2180.º do Código Civil.

p) No seu articulado da petição inicial, a recorrida admitiu, ou aceitou, para não mais retirar (arts. 46.º do CPC e 356.º/1 do CC), como, perfeitamente, válidas as referidas doações, inexistindo outrossim fundamento para a ação, assim como não havia para o recurso de cuja decisão agora se pede revista

q) No que toca aos requisitos materiais (para que se dê a simulação), diga-se que in casu não existe qualquer divergência entre a declaração negocial (doação) e a vontade real dos outorgantes, posto que essa vontade é ab ovo atestada pelo momento temporal, i. e., quando em 29.12.2008 os recorrentes filhos celebraram o contrato de doação, mediante a qual aceitaram as doações efetuadas por seus pais, a insolvência destes era cenário que, em caso algum, se colocava ou se previa até na própria recorrida (se assim não fosse não concedia crédito).

r) Logo faltou o animus fraudandi, porque nunca passou pela cabeça de ninguém que os empréstimos concedidos pela recorrida aos pais dos recorrentes filhos meses antes, viessem a ser incumpridos, recordando hic et nunc que é indispensável a má-fé bilateral, ou seja, no caso da doação, tanto do doador, como do donatário, exigindo-se a ambos a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor, no momento da celebração do negócio.

s) Note-se que, quando concedeu os créditos, em março de 2008, a recorrida considerou suficiente (como vem provado) a garantia que lhe foi oferecida de hipoteca dos prédios que estavam em construção, tema que retomaremos mais adiante.

t) Donde resulta, além do mais, que não há como se possa ver que a recorrida, alguma vez, tenha sido enganada, como consequência dos referidos contratos de doação.

u) Note-se que a insolvência dos pais dos recorrentes filhos, só se verificou em pleno período de crise financeira bancaria e nacional, mais concretamente no ano de 2013, i. e., 5 (cinco) anos após os contratos de doação sub judice.

v) E ainda, que a insolvência dos pais, foi requerida pela própria recorrida que adotou uma atitude de credor/corsário que abriu as hostilidades em todas as frentes, lançando mão dos vários expedientes que o arsenal processual lhe proporciona, desde execução, impugnação pauliana, insolvência e esta ação de nulidade.

w) No ponto 8 dos fatos assentes, está escrito que os pais dos recorrentes deixaram de pagar o referido empréstimo ao não liquidar a prestação vencida a 04 de abril de 2013, portanto em data muito posterior aos contratos de doação.

x) Do que outrossim decorre que os artigos 95.º e 96.º, carecem de sustentação para se ter como fatos provados.

y) E os artigos 90.º, 97.º e 106.º soçobram, dado até ser manifesto se tratar de um juízo conclusivo, aliás, mais normativo do que ontológico e, completamente, desligado de uma concreta ação humana ou acontecimento imputável a uma vontade dos recorrentes.

z) Sem qualquer elemento de fato que o permitisse, o tribunal a quo presumiu que a partilha de bens não tinha sido igualitária, com base em indícios colhidos das próprias escrituras, dada a discrepância do valor dos bens doados aos filhos recorrentes e de não ter sido estabelecido logo ali a obrigação daquele que recebeu prédios em maior valor não ter sido obrigado a devolver ao outro o respetivo acréscimo. Ora,

aa) A questão da discrepância de valores explica-se que a sua escrituração se deve ao valor patrimonial inscrito na matriz, não significando rectius não relevando que as partes não tenham acordado em efetuar a doação nos termos em que o fizeram, atribuindo, entre eles o valor venal.

bb) Ser a doação feita por conta da legítima ou por conta da quota disponível são conceitos normativos que pouco ou nada relevam para a doação, enquanto ato de vontade, até porque a lei não proíbe o doador de beneficiar um filhos mais do que outro até para, quiçá, compensá-lo de uma maior dedicação aos negócios da família.

cc) Conjeturar a hipótese de o doador poder vir a adquirir prédios que pudessem contribuir para a manutenção ou ocorrência de desavenças futuras entre os filhos, s. d. r., não releva na medida em que isso tanto podia acontecer com ou sem a doação, sendo que a única coisa que se pode extrair de tal circunstância é que na abertura da herança todos os bens que ainda permanecessem na titularidade do de cujus passariam a integrar a mesma, sem prejuízo da colação.

dd) Para ultrapassar a completa ausência de prova dos elementos fácticos exigidos para que se dê a simulação, o tribunal a quo inferiu tais fatos a partir da circunstância dos recorrentes filhos, coevo ao contrato de doação terem outorgado procuração a seu pai, mediante a qual conferiram determinados e específicos poderes para praticar atos sobre os bens que lhe haviam sido doados.

ee) Porém, nada de extraordinário se pode surpreender em tal ato, considerando que o pai dos recorrentes era um conhecido e bem-sucedido empresário, ligado ao sector da construção e do imobiliário e, enquanto tal, cuidava dos negócios imobiliários da família.

ff) Não se afigura sustentável a ideia de que constitui indício seguro do intuito enganador de terceiros, a conclusão do tribunal a quo de que os donatários e respetivas esposas não tomaram logo posse dos imóveis que foram doados, porquanto a administração dos mesmos, enquanto património da família já dividido de jure, continuou a ser administrado pelo doador.

gg) Por força do disposto no art. 2050º do CC, só com a aceitação da herança o sucessível chamado adquire o domínio e posse dos bens que a integram, ainda ou mesmo nos casos em que os bens já lhe hajam sido doados de iure.

hh) Não tem alicerce a presunção do tribunal a quo de ter havido intuito fraudulento ou enganador pela circunstância de em 2014 o pai dos recorrentes ter usado a procuração para dar de hipoteca a favor da recorrida 3 dos imóveis doados.

ii) Pois, ao invés, tal apenas demonstra a seriedade e cometimento do mesmo em querer honrar os compromissos assumido com a recorrida e os demais credores, como fez durante toda a sua vida de empresário, usando, embora se admita que indevidamente se não consentido, o património familiar já partilhado.

jj) Por outro lado, faz todo o sentido, num contexto de uma família, que se dedica à atividade de construção e do imobiliário, que o doador, consequência dos seus problemas de saúde, optasse já por proceder à partilha dos bens desonerados pelos filhos, incluindo terrenos para construção o que significa que quis prolongar após a sua morte a continuação do negócio familiar, nada mais do que isso significando,

kk) Isto independentemente de poder ele próprio iniciar a construção num desses lotes em nome e por conta dos filhos, pois o melhor know-how era, é, o dele empresário.

ll) A decisão recorrida, viola o disposto nos artigos 315.º e 394.º/2 do Código Civil e artigo 454.º/1 do CPC, na medida em que se os recorrentes são simuladores, e por isso mesmo são réus, o seu depoimento só seria admissível na medida em que confessassem os fatos, coisa que não o fizeram, não podendo as suas hesitações, lapsos ou desconhecimentos de fatos, quando muito, instrumentais serem “aproveitados” pelo tribunal para converter o seu depoimento em testemunhos base para as presunções, i. e., como se de testemunhas da contraparte se tratassem.

mm) Mesmo que se esteja perante uma simulação absoluta ou relativa, que não estamos, verdade é que era, é, ónus da recorrida demonstrar qual o montante do seu crédito afetado pela doação, coisa que nem sequer esboçou fazer, pelo que deve a ação improceder também por esse motivo.

nn) Temos por seguro, desde logo, que só releva o crédito concedido em data anterior à celebração dos contratos de doação, ou seja, o crédito de 800 000,00€ concedido a 31.03.2008, sendo que tudo o que vai além deste valor é irrelevante para a simulação ou impugnação pauliana.

oo) Vemos que esse crédito estava garantido por hipoteca voluntária sobre determinados bens imóveis que não constam do elenco de bens doados aos recorrentes filhos.

pp) Mais vemos da factualidade assente que esse crédito foi mais que satisfeito pela adjudicação à autora/recorrida dos imóveis que o garantiam por hipoteca, conforme confessados no articulado da petição inicial e assente no ponto 36 do acórdão recorrido, tendo recebido a quantia de 433 500,00€ e 416 407,00€, no total de 849 907,00€.

qq) Para a procedência desta ação, são irrelevantes os créditos concedidos em data posterior ao contrato de doação, pelo que devem ser eliminados o crédito mencionado no ponto 26 dos fatos assentes relativo a um eventual crédito aos pais dos recorrentes no valor de 200 000,00€.

rr) O acórdão recorrido, enferma de erro de cálculo, pois se foram concedidos dois empréstimos um de 800 000,00€ e outro de 200 000,00€ como é que se afirma que o valor total em divida é de 2 142 944,98€?

ss) É que segundo se assentou no acórdão recorrido, o crédito concedido em 07.12.2011, no montante de 1 086 900,00€ foi para “reestruturação de créditos” – novação – englobando, portanto, os anteriores 800 000,00€ concedidos a 31.03.2008, havendo erro evidente ao se somar este novo financiamento. – Cfr. os pontos 12, 14 e 15 dos fatos assentes pelo tribunal a quo.

tt) Esta ação é, pois, manifestamente infundada, aliás, devia ter sido objeto de saneador/sentença pois pela factualidade alegada vemos que o único crédito que a autora/recorrida podia eventualmente fundar a causa petendi não só estava assegurado por garantias reais como à data da instauração da ação já estava satisfeito o referido crédito.

uu) A facticidade alegada, mas não provada, subsume-se não à simulação, mas, quando muito e deficientemente, à impugnação pauliana já – recorde-se – julgada de mérito naquela outra ação.

vv) Sabido é que se a doação enferma de nulidade, por simulação absoluta, não pode, simultaneamente, enfermar de ineficácia relativa no que respeita à autora/recorrida, pois que isso seria admitir que o mesmo negócio, simultaneamente, não produzisse efeito algum e, ao mesmo tempo, produzisse alguns dos efeitos jurídicos a que tendia, o que, por ser um resultado aberrante, constitui um impossível normativo, assim se devendo interpretar e aplicar os artigos 240.º/ e 610.º do Código Civil.

ww) Os pedidos numa e noutra ação são inexoravelmente pedidos que se repelem mutuamente, sendo evidente que as causas de pedir são - terão de ser - sempre, substancialmente diversas entre si.

xx) O tribunal a quo, ainda que a pretexto de se tratar de matéria de direito, que não é unicamente, sendo matéria fáctico-normativa que coenvolve a respetiva materialidade, não poderia, sem violar o limite de cognição, corrigir o alegado reconhecimento/aceitação pela recorrida da validade dos contratos de doação enquadrando-os num outro quadro normativo, que s. d. r. não tem sustentabilidade, tendo violado o disposto nos artigos 3.º/1, 260.º, e 608,ç/2 in fine do CPC..

yy) Na página 6 do acórdão recorrido é afirmado que “Sucede que até ao artigo 84.º da petição a autora labora claramente no pressuposto de que as doações foram válidas. A atestar o que se acaba de afirmar está o facto de rematar a sua alegação no artigo 76.º nos seguintes termos: ‘Concluindo-se assim que, não obstante, o negócio celebrado entre os réus ter sido perfeitamente válido’. Só a partir do artigo 85.º é que a autora passa a referir-se à doação como sendo fictícia.”.

zz) Não há dúvida que o tribunal a quo ao suprir ex officio a insuprível contradição entre causa de pedir e pedido, acabou por cometer excesso de pronúncia ou pronúncia não consentida.

aaa) Seguindo a perene lição do grande mestre, ao corrigir as deduções inexactas e ao suprir a falta de juízos de carácter jurídico, que as partes cometam, o tribunal não pode mudar a razão que a parte fez valer para justificar a providência pedida.

bbb) Em relação à matéria de facto, a admissão de factos que necessariamente vinculam a parte, não pode ser arredada por factos que carecem de prova testemunhal ou, muito menos, por presunção.

ccc) Para concluir nesta parte que sendo válida, em toda a linha, a doação em causa nos autos, não deixa tal validade de arredar a existência de nulidade por simulação, pois ou é uma coisa ou é outra, não podendo é ser ambas, a ver qual delas pega e – insista-se – a recorrida sempre admitiu ou reconheceu a validade dos contratos de doação sub judice quer nesta ação quer naqueloutra de impugnação pauliana.

ddd) Da factualidade assente sob os pontos 10 a 15, resulta que as partes acordaram em reestruturar os créditos, mediante a concessão de um novo empréstimo de utilização única com a finalidade de reestruturar os créditos vencidos.

eee) E provado está que nessa ocasião foi celebrado um acordo denominado por Contrato de Mútuo com Hipoteca e retira-se ainda dos pontos 22.º e 23.º que resultam perfeitamente         identificadas as garantias convencionadas para aquele novo e diferente empréstimo ou financiamento.

fff) Ora, sendo isto assim, e sabido que quer a ação simulação quer a ação de impugnação pauliana, são ações de conservação de garantia patrimonial, não pode haver a menor dúvida de que com a referida novação o direito de ação se extinguiu ope legis, nos termos do citado artigo 857.º do Código Civil.»

Nas contra alegações a Autora, aqui Recorrida, pugna pela manutenção do julgado.

A Autora veio através do seu requerimento de fls 681 e 682, desistir do pedido formulado nos autos, de nulidade das escritura de doação, no que concerne aos seguintes  prédios:

Prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.° ...19. inscrito na respetiva matriz

predial urbana sob o art.° 3099, da freguesia ..., concelho ...;

Prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.° ...12, inscrito na respetiva matriz

predial urbana sob o art.° 3097, da freguesia ..., concelho ...;

Prédio urbano descrito ma CRP ... sob o n.° ...54, inscrito na respetiva matriz

sob o art.° 219., da freguesia ... (...), concelho ...;

desistência essa homologada por decisão de 16 de Maio, pp.

II Põem-se como problemas de direito a resolver no presente recurso os de saber: i) se houve ofensa de caso julgado; ii) se houve erro de apreciação da matéria de facto, sindicável por este STJ nos termos do artigo 682º, nº3 do CPCivil.

As instâncias declararam como assentes os seguintes factos:

1. Em 31 de Março de 2008, a autora, a solicitação de AA e de BB, concedeu-lhes um crédito na quantia de € 800.000,00 (oitocentos mil euros), conforme proposta de crédito n.º ...37, cuja cópia consta de fls 10 (artigo 1º da petição inicial).

2. Com vista à concessão de tal crédito, foi subscrito o “Escrito Particular para Empréstimo Garantido por Hipoteca”, cuja cópia consta de fls 11 dos autos (artigo 2º da petição inicial).

3. Tal crédito teria uma utilização por parcelas, tendo ocorrido a primeira em 4 de Abril de 2008, sendo que o seu reembolso seria efectuado em duas prestações anuais (artigo 3º da petição inicial).

4. Para segurança do pagamento da quantia mutuada e respectivos juros foi constituída hipoteca, a 28 de Março de 2008, mediante escritura pública celebrada no Cartório Notarial ..., a favor da autora, sobre o seguinte prédio: urbano, destinado a habitação de 5 pavimentos, sito na Rua ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...13º, e descrito na CRP ... sob o número 321/19... e correspondente às fracções ..., ..., ..., ..., ... e ... (artigo 4º da petição inicial).

5. Tal hipoteca foi registada mediante a ap. ...4 de 2008/03/28 (artigo 5º da petição inicial).

6. O crédito foi concedido pelo prazo de 2 anos, e teve por finalidade o “financiamento à construção” (artigo 6º da petição inicial).

7. O montante mutuado foi concedido à taxa EURIBOR 6TM + 2 = 7,101%  (artigo 7º da petição inicial).

8. Os mutuários não liquidaram o pagamento da prestação vencida em 4 de Abril de 2013, nem posteriormente, até à presente data, apesar das várias solicitações da autora (artigo 8º da petição inicial);.

9. Nos termos da cláusula “décima nona” do acordo celebrado (documento junto aos autos sob o nº 1 - fls 10): O não cumprimento das obrigações dos mutuários para com a CAIXA, pelos montantes e nos prazos devidos, ainda que decorrentes de outra obrigação ou título, acarreta o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais obrigações, sem embargo de outros direitos conferidos por lei ou contrato, especialmente: a) Se não for paga alguma das prestações de capital ou de juros no respetivo prazo; ou se não forem pagos os juros moratórios, as comissões, os encargos e as despesas, ou outras obrigações, nas datas estabelecidas, ou que a Caixa assinalar para o respetivo pagamento (…)” (artigos 9º e 10º da petição inicial).

10. Nos termos da cláusula “décima sétima” do acordo celebrado (documento junto aos autos sob o nº 1 - fls 10) : a) Em caso de mora no pagamento de qualquer prestação de capital, de juros ou de outra obrigação, a taxa de juro referida nos pontos 8 e 14, acresce a sobretaxa de quatro pontos percentuais, sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora, a esse título e de cláusula penal, que se vencem e são exigíveis dia a dia, sem necessidade de aviso e interpelação (artigo 10º da petição inicial).

11. Estando as taxas de juro liberalizadas e porque se contém dentro desses limites, de acordo com a prática da autora esta reclama juros à taxa EURIBOR 6TM + 2 = 7,101% + 4% (artigo 11º da petição inicial);

12. Em 7 de Dezembro de 2011, a autora a pedido de AA e de BB, concedeu-lhes um crédito na quantia de € 1.086.900,00 (um milhão, oitenta e seis mil e novecentos euros), tudo conforme proposta de crédito n.º ...37, junta como doc nº 11, a fls 20 v e ss dos autos (artigo 12º da petição inicial);

13. Nessa ocasião, foi celebrado um acordo denominado por “Contrato de Mútuo com Hipoteca” junto aos autos como doc nº 12, a fls 21 v e ss (artigo 13º da petição inicial).

14. O crédito teria uma utilização única que ocorreu em 13 de Dezembro de 2011, sendo que o seu reembolso seria efectuado em onze prestações semestrais, com vencimento da primeira a 13 de Dezembro de 2011 (artigo 14º da petição inicial).

15. O crédito foi concedido aos requeridos pelo prazo de 6 anos, e teve por finalidade a “reestruturação de créditos” (artigo 15º da petição inicial).

16. O montante mutuado foi concedido à taxa EURIBOR 6 MESES +6,294 = 8% (artigo 16º da petição inicial);

17. Sucede que AA e BB não liquidaram o pagamento da prestação vencida em 13 de Dezembro de 2012, nem posteriormente, até hoje, apesar das várias solicitações da autora (artigo 17º da petição inicial).

18. Embora o pagamento lhes tenha sido solicitado por diversas vezes, AA e BB não procederam aos pagamentos em falta à autora (artigo 18º da petição inicial).

19. Nos termos da cláusula “décima nona” do acordo celebrado (documento junto aos autos sob o nº 1 - fls 10) : O não cumprimento das obrigações dos mutuários para com a CAIXA, pelos montantes e nos prazos devidos, ainda que decorrentes de outra obrigação ou título, acarreta o imediato vencimento e exigibilidade de todas as demais obrigações, sem embargo de outros direitos conferidos por lei ou contrato, especialmente: a) Se não for paga alguma das prestações de capital ou de juros no respectivo prazo; ou se não forem pagos os juros moratórios, as comissões, os encargos e as despesas, ou outras obrigações, nas datas estabelecidas, ou que a Caixa assinalar para o respetivo pagamento (…)” (artigo 19º, da petição inicial).

20. Nos termos da cláusula “décima sétima” do acordo celebrado (documento junto aos autos sob o nº 11 - fls 21) : a) Em caso de mora no pagamento de qualquer prestação de capital, de juros ou de outra obrigação, a taxa de juro referida nos pontos 8 e 14, acresce a sobretaxa de quatro pontos percentuais, sobre as quantias em dívida e pelo tempo da mora, a esse título e de cláusula penal, que se vencem e são exigíveis dia a dia, sem necessidade de aviso e interpelação (artigo 20º da petição inicial).

21. Estando as taxas de juro liberalizadas e porque se contém dentro desses limites, de acordo com a prática da autora esta reclama juros à taxa EURIBOR 6MESES +6,294 = 8% + 4% (artigo 21º da petição inicial).

22. Empréstimo que ficou garantido pela Escritura pública de Hipoteca supra referenciada, e ainda pelas que infra se descriminam (artigo 22º da petição inicial).

23. Para segurança do bom e pontual pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante de capital de quinhentos mil euros, perante a autora, contraídas ou a contrair por AA e BB, no dia 30 de Agosto de 2006, no Cartório Notarial ..., foi celebrada uma “Escritura Pública de Hipoteca”, através da qual estes constituíram a favor da autora hipoteca voluntária sobre o prédio misto, composto a parte urbana de casa de habitação de dois pavimentos e a parte rústica de pinhal, cultura arvense de regadio e vinha da região demarcada do douro, granitos, macieiras, oliveiras, cerejeiras e pereiras, sito no ... ou ..., freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz sob os art.ºs 542º (urbano) e parte do 5º-A (rústico), e descrito na CRP ... sob o n.º 272/19..., nos termos do documento junto aos autos pela autora sob o nº 13 (fls 30 e ss dos autos) (artigo 22º da petição inicial).

24. E, em 4 de Dezembro de 2008, no Cartório Notarial ..., foi celebrada escritura pública de Hipoteca Unilateral, através da qual AA e BB, para garantia do bom e integral pagamento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades até ao montante do capital de trezentos mil euros, perante a Caixa Agrícola contraídas ou a contrair pelos outorgantes, constituíram a favor da autora segunda hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo ...13º e descrito na CRP ... sob o número 321/19..., e correspondente às fracções ..., ..., ..., ..., ... e ..., conforme documento junto aos autos sob o nº 14 pela autora (fls 34 v e ss) (artigo 23º da petição inicial).

25. Tal hipoteca mostra-se registada pela Ap. ... de 2008/12/05 (artigo 24º da petição inicial).

26. No dia 31 de maio de 2010, na Conservatória do Registo Predial ..., foi celebrada uma escritura pública de hipoteca, através do qual CC e DD, para garantia do bom e integral pagamento de responsabilidades assumidas e a assumir por AA e BB até ao limite máximo de 200.000,00, constituíram a favor da autora, hipoteca voluntária sobre o prédio urbano, destinado a construção, sito na quinta ..., na freguesia ..., concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o artigo ...36º e descrito na CRP ... sob o número 1611/19..., nos termos do documento junto aos autos pela autora sob o nº 15 (fls 36 v e ss) (artigos 25º, 72º da petição inicial).

27. Tal hipoteca foi registada mediante a ap. ...38 de 2010/05/31.

28. Decorrente do incumprimento de AA e BB, a autora intentou contra ambos um processo executivo cujos termos correram por este tribunal sob o nº 507/13...., ... – Juízo de Execução ... - J....

29. Em virtude de um acordo de pagamento em prestações formalizado no âmbito de tal processo, foi fixado o montante da dívida e acordado o seu pagamento em prestações, tudo conforme documento junto aos autos pela autora sob o nº 18.

30. Conforme consta da cláusula décima, para reforço das garantias já prestadas, AA e BB, CC e esposa, DD, EE e FF, deram de hipoteca os seguintes prédios:

a) Prédio urbano sito na quinta ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...12, inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...97.º da freguesia ..., actualmente inscrito a favor de CC

b) Prédio urbano sito na quinta ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...19, inscrito na respectiva matriz sob o art.º ...99.º da freguesia ..., actualmente inscrito a favor de CC;

c) Prédio urbano sito na Av. ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...54 e inscrito na matriz sob o art.º ...15.º da freguesia ... (...), actualmente inscrito a favor de EE (artigo 29º da petição inicial);

31. Hipoteca que veio a ser concretizada no dia 23 de Junho de 2014, tudo conforme “Título de Abertura de Crédito com Hipoteca” celebrado na CRP ... – Título de Procedimento Especial de Transmissão, oneração e registo de imóveis n.º 27754/2014, junta aos autos pela autora como documento nº ...9 (fls 50 e ss) (artigo 30º da petição inicial).

32. No referido acordo de pagamento consignou-se também que a autora não prescindia da penhora efectivada sobre o prédio urbano sito na quinta ..., freguesia e concelho ..., composto de parcela de terreno destinada a construção, lote nº ..., com a área de 534m2, descrito na CRP ... sob o nº 1614/19... – ... e inscrito na actual matriz urbana da freguesia ... sob o artigo ...98 (artigo 31º da petição inicial).

33. Tal processo de execução veio a prosseguir em virtude do incumprimento pelos devedores do acordo junto pela autora pelo documento nº ...8, que não liquidaram nenhuma das prestações ali previstas (artigos 32º, 45º, 46º, 47º, da petição inicial).

34. Deste modo, à data da interposição da presente acção, eram devidas à autora as seguintes quantias:

•          Empréstimo n.º ...37-Capital: € 780.000,00; Juros: € 910.517,00;

•          Empréstimo n.º...74-Capital:€ 1.086,900; Juros: € 145.201,92 (artigo 33º da petição inicial).

35. Tudo no montante global de € 2.142.944,98 (dois milhões, cento e quarenta e dois mil, novecentos e quarenta e quatro euros e noventa e oito cêntimos) a que acrescem os juros entretanto vencidos e os vincendos (artigo 34º da petição inicial).

36. Na presente data, o valor em dívida por força dos financiamentos supra enunciados, cifra-se em montante global cuja grandeza em concreto não foi possível apurar inferior ao mencionado no artigo anterior por força das adjudicações que foram efectuadas à autora de vários bens apreendidos no âmbito do processo de insolvência nº4566/15...., adjudicações essas que foram efectuadas pelos valores de € 433.500,00 e de € 416.407,00 (artigo 39º da petição inicial).

37. Acresce ainda que a autora, em nome e a pedido de AA e de BB, veio a prestar garantia bancária com a Ref.ª ...06, pela qual declarou assumir expressamente perante a Câmara Municipal ... a responsabilidade até à quantia de € 246.074,26, para garantia da boa e regular execução das obras de infra-estruturas do licenciamento do destaque da urbanização sita na Quinta ..., freguesia ..., concelho ... sob o n.º 1285/20... e inscrito na respectiva matriz sob o artigo provisório 2080 (artigo ...5º da petição inicial).

38. Até à data, não foi suscitado qualquer incidente de incumprimento que obrigasse a autora a assumir qualquer responsabilidade (artigo 36º da petição inicial).

39. Por força de dívida de AA e BB ao Banco 1... SA, esta instituição bancária instaurou contra ambos execução, constando do requerimento executivo apresentado no dia 10 de Outubro de 2014 que a dívida exequenda se cifrava em € 97.330,71.

40. As hipotecas constituídas a favor da autora incidiam sobre imóveis com um valor patrimonial global de € 947.863,61 (artigo 43º da petição inicial).

41. A autora, na qualidade de credora de AA e de BB, requereu a declaração da respectiva insolvência, que veio a ser decretada no âmbito do processo nº 4566/15...., aí tendo sido nomeado administrador de insolvência o Drº GG (artigos 49º e 107º, da petição inicial).

42. Por escritura pública, cuja cópia consta de fls 76 e ss, celebrada no dia 29 de Dezembro de 2008, no Cartório Notarial ..., AA e de BB declararam doar ao réu CC, casado com DD, que, no mesmo acto, declarou aceitar tal doação, os cinquenta imóveis, urbanos e rústicos ali identificados (artigos 51º e 52º da petição inicial).

43. Tal doação foi efectuada pelo valor de € 1.146.330,00 (um milhão, cento e quarenta e seis mil trezentos e trinta euros) (artigo 53º da petição inicial).

44. Por escritura pública celebrada no dia 29 de Dezembro de 2008, no Cartório Notarial ..., AA e BB declararam doar a EE, casado com FF, que, no mesmo acto, declarou aceitar tal doação, os quarenta e sete imóveis, urbanos e rústicos ali identificados (artigos 60º, 61º da petição inicial).

45. Tal doação foi efectuada pelo valor de € 507.350,00 (quinhentos e sete mil trezentos e cinquenta euros (artigo 62º da petição inicial).

46. A aquisição de tais prédios, à data das doações estava registada a favor de AA e esposa BB que os conservavam, benfeitorizavam, realizavam obras, cultivavam, colhiam os seus frutos, e praticavam os demais actos de proprietários que eram (artigos 82º e 84º, da petição inicial);

47. Os réus CC e EE são filhos de AA e BB (artigo 91º da petição inicial).

48. Os réus CC e EE tinham conhecimento das responsabilidades e obrigações assumidas por seu pai perante a autora (artigo 104º da petição inicial).

49. No dia 29 de Dezembro de 2008, os réus CC e EE, outorgaram uma procuração, com o teor de fls 94 e ss dos autos, declarando: “Que pelo presente instrumento constituem seu procurador seu pai, AA (…) a quem conferem os poderes necessários e suficientes para vender, hipotecar permutar, pelo preço e condições que tiver por convenientes os bens imóveis que lhes foram doados nas escrituras de doação outorgadas no dia vinte e nove de Dezembro de dois mil e oito neste Cartório Notarial ..., podendo para o efeito outorgar e assinar as respectivas escrituras, receber o preço e tudo o mais que se torne necessário aos indicados fins. Mais lhe conferem poderes para os representar em quaisquer Repartições Públicas ou administrativas, designadamente nos serviços de finanças, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos, requerer avaliações fiscais, inscrições prediais e quaisquer isenções; nas Câmaras Municipais, requerer quaisquer certidões, licenças ou alvarás. Nas Conservatórias do Registo Predial requerer quaisquer actos de registo provisórios ou definitivos, certidões, averbamentos, cancelamentos, prestar declarações complementares, representá-los em quaisquer processos do seu interesse, inclusivamente proceder a quaisquer reclamação predial cadastral, praticando, requerendo e assinando tudo o que se mostrar necessário aos indicados fins” (artigo 96º da petição inicial).

50. AA e BB acordaram com CC e EE em forjar dois contratos de doação, tendo por objecto os imóveis descritos nas escrituras de doação.

51. AA e BB não quiseram doar os bens constantes das escrituras de doação.

52. Os réus CC e EE também não quiseram receber tais bens como donatários.

53. As doações não passaram de uma manobra de diversão para iludir os credores de AA e BB, furtando os bens constantes das escrituras de doação à execução por parte da autora e dos restantes credores de AA e BB.

54. À data da interposição da presente acção, AA e BB não eram proprietários de outros bens cujo valor pudesse garantir o pagamento do crédito da autora e dos seus restantes credores (artigo 103º da petição inicial).

Não provados:

Os alegados nos artigos 50.º, 51.º, no segmento “estes apressaram-se”, 5.º, 57.º, 59.º, 60.º, no segmento “também se apressaram”, 64.º, 67.º, 68.º, 69.º, 73.º, 74.º, 75.º, 7.º, 79.º, 83.º, 85.º, 89.º, 92.º, 98.º, 99.º, 105.º e 106.º.

Analisemos.

i)Da ofensa de caso julgado.

Insurgem-se os Recorrentes contra a decisão mantida em sede de Acórdão recorrido quanto à improcedência da excepção de caso julgado, uma vez que, na sua tese o despacho saneador que julgou improcedente a invocada exceção do caso julgado, não transita em julgado, pois dela não há recurso autónomo, nos termos do artigo 644º, nºs 1 e 3 do CPCivil, não estando, por isso, o Tribunal da Relação, em sede do recurso de apelação, nem está o Supremo Tribunal de Justiça impedido de reapreciar esta questão, sendo que quando estamos perante a mesma causa de pedir, agora completada ou concretizada e não perante uma nova causa de pedir, a nova acção é uma repetição da segunda, e, neste caso, verifica-se a excepção do caso julgado, assim devendo ser interpretado e aplicado o artigo 580º, nº2 do CPCivil.

Como decorre, além do mais, do despacho produzido em 23 de Maio de 2017, aí foi decidido o seguinte (sic):

«[II -] Despacho saneador

Profere-se, de seguida despacho saneador, nos termos do disposto nos artigos 593º, nº2, alínea a) e 595º, Código de Processo Civil, nos seguintes termos:

O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria, e da hierarquia.

As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.

Não existem nulidades principais de que cumpra conhecer.

*

Arguiram os réus CC, DD, EE e FF a exceção de caso julgado, considerando que a autora, Caixa de Crédito Agrícola Mútuo ..., ao instaurar a presente ação repete a causa, relativamente a processo que não identificaram, tendo protestado juntar certidão da decisão ali proferida e no qual a aqui autora invocou factos constitutivos da impugnação pauliana relativamente às escrituras de doação em discussão nos autos.

Exercendo contraditório sobre tal exceção considerou a autora não estar minimamente indiciado que tenha corrido qualquer ação com objeto similar à presente, alegando, no entanto, ter deduzido em momento anterior uma ação de impugnação pauliana cujo pedido e causa de pedir é diverso da presente, pelo que não se verifica a exceção de caso julgado.

Posteriormente, os réus vieram juntar certidão da decisão proferida nos processos que fundamentaram a exceção de caso julgado que invocaram e, oficiosamente, foram juntas aos autos cópias das petições iniciais aí apresentadas.

Cumpre apreciar e decidir:

Existe caso julgado quando o conflito foi objeto de decisão judicial, tanto formando caso julgado a sentença que reconheça o direito como aquela que o nega – cfr. Ac RC 21/12/20101. Tal caso julgado caracteriza-se pois pela insusceptibilidade de recurso ordinário da decisão proferida, tornando-a obrigatória dentro e fora do processo – caso julgado material – cfr. artigo 671º, CPC. Já se a decisão for reportada apenas à relação processual, a sua força obrigatória restringe-se ao processo em que foi proferida, formando caso julgado formal.

O caso julgado implica, desde logo, um efeito negativo, impedindo que outra ação idêntica venha a ser intentada. Trata-se, neste caso da exceção de caso julgado, de natureza dilatória, que determina a absolvição do réu da instância – cfr. artigos 57º nºs 1 e s, 577º, i, CPC. Porém, implica também um efeito positivo reportado à própria autoridade de caso julgado.

Quanto à questão dos limites objetivos do caso julgado vêm-se debatendo teses diversas. Assim, para alguma doutrina, os limites objetivos do caso julgado confinam-se à parte injuntiva da decisão – Castro Mendes2, Anselmo de Castro3, Manuel de Andrade4. Já para os defensores de um critério mais moderado o caso julgado estende a sua força de autoridade às questões preliminares que foram antecedente lógico indispensável à parte dispositiva – Vaz Serra5, Rodrigues Bastos6. Julgamos ser esta a tese maioritariamente seguida em termos jurisprudenciais – cfr. Ac RC de 28/9/20097.

E de acordo com o disposto no artigo 580º, nº 1, CPC, a exceção de caso julgado pressupõe a repetição de uma causa, depois de a primeira ter sido decidida por sentença. Tal exceção visa “evitar que o Tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior” (n.º 2 da aludida norma legal). E verifica-se a repetição de uma causa quando “se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (artigo 581º, nº 1, CPC).

Existe identidade de pedidos quando em ambas as ações se pretende obter o mesmo efeito jurídico, com a declaração/reconhecimento do mesmo direito subjetivo.

Já a causa de pedir será idêntica quando idênticos sejam os factos jurídicos concretos de que emerge a pretensão formulada.

A identidade de sujeitos não tem, necessariamente, de reconduzir-se a uma identidade física antes se reportando a uma identidade jurídica no sentido de que os sujeitos, em ambas as ações em confronto, devem ser titulares dos mesmos direitos subjetivos (ou pretenderem ver tal titularidade reconhecida).

Ora, na presente ação, a autora alega que as escrituras de doação de 29 de dezembro de 2008 celebradas entre os réus correspondem a negócios simulados. Consequentemente requereu a declaração da sua nulidade com base em tal divergência entre a declaração e a vontade.

Já as ações 770/13.... e 569/13.... constituem ações de impugnação pauliana em que a aí autora invoca, no essencial, que as referidas escrituras de doação celebradas em 29 de dezembro de 2009 visaram frustrar a satisfação do seu crédito.

Sendo de afirmar a identidade dos sujeitos em ambas as ações, interessa questionar se são idênticos também os pedidos e as causas de pedir às mesmas subjacentes.

Como decorre do disposto no artigo 610º do Código Civil, são requisitos da impugnação pauliana:

- estar em causa a prática de um ato que não assuma uma natureza pessoal e que implique diminuição da garantia patrimonial do crédito do impugnante;

- a anterioridade do crédito - ser o crédito anterior ao ato impugnado ou, caso seja posterior, ter sido o ato realizado dolosamente com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor;

- resultar do ato a impossibilidade, para o credor, de obter a satisfação integral do seu crédito, ou o agravamento dessa impossibilidade.

Assim, por via da impugnação pauliana permite-se ao credor impugnante (reunidos os requisitos deste instituto jurídico) que afete a esfera jurídica (o património) do terceiro, de forma a satisfazer o seu crédito sobre o devedor alienante, ou praticar os atos conservatórios autorizados por lei aos credores. Nas palavras de Maria Patrocínio Paz Ferreira8, “embora o ato de alienação impugnável através da pauliana produza o seu efeito típico que é a transmissão da propriedade da coisa com eficácia erga omnes, não desenvolve, em relação aos credores com direito a impugnarem o ato, o efeito indireto que lhe está normalmente associado de subtrair o bem à garantia dos credores do alienante”.

Daí que não esteja em causa a anulação de qualquer ato, pois o ato de disposição é – por si só – válido, sendo certo que existe a preocupação de evitar que o ato de transmissão seja sacrificado para além do limite necessário para a satisfação do credor impugnante, tendo presente um critério de economia jurídica e de máximo aproveitamento do negócio jurídico.

Deste modo, a ação de impugnação pauliana visa indemnizar o credor impugnante à custa dos bens ou valores adquiridos por terceiros, não podendo tais bens ou valores ser atingidos senão na medida do necessário ao ressarcimento do prejuízo sofrido pelo credor, tratando-se, portanto, de uma ação pessoal com escopo indemnizatório (e não de uma ação de declaração de nulidade ou de anulação, ou de uma ação resolutória ou rescisória dos negócios realizados pelo devedor). Veja-se, a este propósito, e entre muitos outros, os Acs. do STJ de 25/2/19979, e da Relação de Coimbra de 6/6/200010.

Ora, as ações que fundamentaram a arguição da exceção do caso julgado constituem ações de impugnação pauliana.

Porém, na presente ação, a autora argui a nulidade das doações em causa, por simulação, cujo regime jurídico se mostra consagrado no artigo 240º, CC.

Nos termos do disposto no artigo 240º, nº 1, CC: “Se, por acordo, entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado”.

Já do nº 2 do referido preceito, resulta que a lei fulmina com o vício da nulidade o negócio simulado.

Nos termos do referido preceito exigem-se “(…) três requisitos para que haja simulação: divergência entre a vontade real e a vontade declarada, intuito de enganar terceiros e acordo simulatório” – Pires de Lima e Antunes Varela. Consequentemente, consiste a simulação numa divergência intencional entre a vontade e a declaração das partes, uma combinação ou conluio que determina a falsidade dessa declaração e a intenção ou o intuito de enganar terceiros – Manuel de Andrade

Acresce que a simulação pode ser absoluta ou relativa. Assim, na primeira hipótese, para além do negócio simulado nenhum outro foi visado. Já na simulação relativa que ocorre quando “(…) sob o negócio simulado exista um outro que as partes quiseram realizar” – cfr. artigo 241º, CC - existe um negócio dissimulado ou oculto. Nessas hipóteses, nos termos do preceito citado ao negócio dissimulado é aplicável o regime que lhe corresponderia se fosse concluído sem dissimulação, não sendo a sua validade prejudicada pela nulidade do negócio simulado. Porém, se o negócio dissimulado for de natureza formal, será válido se para o mesmo tiver sido observada a forma exigida por lei – cfr. artigo 241º, nº 2, CPC.

O ónus da prova da simulação, por ser elemento constitutivo do seu direito, cabe a quem a invoca – Ac RP de 13/1/201513.

Ora, expostas as causas de pedir e os pedidos subjacentes quer à ação de impugnação pauliana, quer à ação em que é arguida a simulação de determinado negócio jurídico, forçosa é a conclusão de que não se verifica a identidade pressuposta pelo caso julgado. Efetivamente, são diversas as causas de pedir, bem como os pedidos deduzidos em juízo.

Pelo exposto, julgo improcedente a exceção de caso julgado suscitada».

Dispõe o artigo 595º do CPCivil, no que à economia da problemática solvenda diz respeito:

«1 - O despacho saneador destina-se a:

a) Conhecer das exceções dilatórias e nulidades processuais que hajam sido suscitadas pelas partes, ou que, face aos elementos constantes dos autos, deva apreciar oficiosamente;

(…)

3 - No caso previsto na alínea a) do n.º 1, o despacho constitui, logo que transite, caso julgado formal quanto às questões concretamente apreciadas; na hipótese prevista na alínea b), fica tendo, para todos os efeitos, o valor de sentença.

4 - Não cabe recurso da decisão do juiz que, por falta de elementos, relegue para final a decisão de matéria que lhe cumpra conhecer.

(…)».

Daqui resulta, prima facie, que aquela decisão porque não foi impugnada, como deveria ter sido, transitou em julgado pela conjugação do disposto no nº3 com o preceituado nos artigos 620º, nº1 e 628º do CPCivil, nos quais se predispõe que «As sentenças e os despachos que recaiam unicamente sobre a relação processual têm força obrigatória dentro do processo» e « A decisão considera-se transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.», cfr Lebre de Freitas, Montalvão Machado, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 2º, 368/371.

Ora, assim sendo, e ex adverso do porfiado pelos Recorrentes, a problemática respeitante à excepção de caso julgado  por si suscitada na contestação, mostra-se definitivamente decidida e, por isso, não poderia ter sido repristinada pelo segundo grau em sede de recurso de Apelação interposto pela Autora, ali Recorrente, aqui Recorrida, por duas ordens de razões: primo, por ser questão já decidida e que lhe foi favorável, sendo estranha ao objecto da impugnação encetada; secundum, mesmo que assim se não entendesse e se configurasse a hipótese de possibilidade de o despacho saneador, neste particular, poder ainda ser atacado pelos ali Recorridos (aqui Recorrentes), em sede de Apelação, teriam de ter os mesmos, eventualmente, ampliado o objecto do recurso nas suas contra alegações, nos termos do artigo 636º, nº1 do CPCivil, o que manifestamente omitiram.

Soçobram as conclusões quanto a este particular.

ii)Do erro de apreciação da matéria de facto.

Os Recorrentes entram ainda em contramão com a decisão plasmada no Acórdão impugnado, uma vez que consideram ter havido erro na apreciação da materialidade factual por banda do tribunal da Relação aquando da sua reapreciação, erro esse sindicável por este Órgão, nos termos do artigo 682º, nº3 do CPCivil.

O Supremo Tribunal é um Tribunal de Revista ao qual compete aplicar o regime jurídico que considere adequado aos factos fixados pelas instâncias, nº1 do artigo 674º do CPCivil, sendo a estas e, designadamente à Relação, que cabe apurar a factualidade relevante para a decisão do litígio, não podendo este Tribunal, em regra, alterar a matéria de facto por elas fixada.

O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de Revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº3 do artigo 674º do CPCivil, isto é: quando haja ofensa de uma disposição expressa de Lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova, cfr José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, vol 3º, tomo I, 2ª edição, 162/163 e inter alia os Ac STJ de 6 de Maio de 2004 (Relator Araújo de Barros), 7 de Abril de 2005 (Relator Salvador da Costa), 18 de Maio de 2011 (Relator Pereira Rodrigues), de 23 de Fevereiro de 2012 (Távora Victor), de 15 de Novembro de 2012, de 8 de Janeiro de 2019 e de 18 de Junho de 2019 da ora Relatora, in www.dgsi.pt.

A Revista, no que tange à decisão da matéria de facto, só pode ter por objecto, em termos genéricos situações excepcionais, ou seja quando o Tribunal recorrido tenha dado como provado determinado facto sem que se tenha realizado a prova que, segundo a Lei, seja indispensável para demonstrar a sua existência; o Tribunal recorrido tenha desrespeitado as normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico; e ainda, quando o Supremo entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada ou ocorram contradições da matéria de facto que inviabilizem a decisão jurídica do pleito, caso específico do normativo inserto no artigo 682º, nº3 do CPCivil.

Decorre do disposto no artigo 607º do CPCivil que no nosso ordenamento jurídico vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre, segundo o qual o Tribunal aprecia livremente as provas e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do mesmo, qualquer formalidade especial, caso em que esta não pode ser dispensada.

De acordo com este princípio, que se contrapõe ao princípio de prova legal, vinculada pois, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação do julgador quanto à natureza de qualquer delas, cedendo o mesmo naquelas situações vulgarmente denominadas de «prova taxada», designadamente no caso da prova por confissão, da prova por documentos autênticos e dos autenticados e particulares devidamente reconhecidos, cfr artigos 358º, 364º e 393º do CCivil.

Enquanto o princípio da prova livre permite ao julgador a plena liberdade de apreciação das provas, segundo o princípio da prova legal o julgador tem de sujeitar a apreciação das provas às regras ditadas pela Lei que lhes designam o valor e a força probatória e os poderes correctivos que competem ao Supremo Tribunal de Justiça quanto à decisão da matéria de facto, circunscrevem-se em verificar se estes princípios legais foram, ou não, no caso concreto violados.

Daí que a parte que pretenda, no recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, censurar a decisão da matéria de facto feita nas instâncias só poderá fazê-lo – no rigor dos princípios - por referência à violação de tais regras e não também em relação à apreciação livre da prova, que não é sindicável por via de recurso para este Órgão Jurisdicional.

Por outras palavras e em termos práticos, dir-se-á que o que o Supremo pode conhecer em matéria de facto são os efectivos erros de direito cometidos pelo tribunal recorrido na fixação da prova realizada em juízo, sendo que nesta óptica, afinal, sempre se está no âmbito da competência própria Supremo Tribunal de Justiça, pois o que compete a este tribunal é pronunciar-se, certamente mediante a iniciativa da parte, sobre a legalidade do apuramento dos factos, designadamente sobre a existência de qualquer obstáculo legal a que a convicção de prova formada nas instâncias se pudesse firmar no sentido acolhido.

In casu, os ora Recorrentes insurgem-se contra a alteração da matéria factual efectuada pelo Tribunal da Relação em sede de impugnação recursiva, a respeito, encetada pela Autora, na sequência da qual foram considerados como provados os seguintes factos:

«Artigo 86.º: provado que AA e BB acordaram com CC e EE em forjar dois contratos de doação, tendo por objecto os imóveis descritos nas escrituras de doação.

Artigo 95.º: provado que AA e BB não quiseram doar os bens constantes das escrituras de doação.

Artigo 96.º: provado que os réus CC e EE também não quiseram receber tais bens.

Artigos 90.º, 97 e 106.º: provado que as doações não passaram de uma manobra de diversão para iludir os credores de AA e BB, furtando os bens constantes das escrituras de doação à execução por parte da autora e dos restantes credores de AA e BB.».

A apontada factualidade foi obtida pelo segundo grau nos seguintes termos:

«[N]o entender deste tribunal, a tese dos réus CC e EE de que as doações constituíram uma partilha em vida dos bens dos doadores e que tal doação foi motivada pelos problemas de saúde do doador e pelo propósito de evitar que os donatários entrassem em conflito, na partilha dos bens, dado que estavam desavindos um com o outro há muitos anos, não nos mereceu crédito.

Vejamos. Na tese dos réus, o pai, vendo os seus problemas de saúde e temendo que, depois da sua morte, os filhos não se entendessem sobre a partilha dos bens, dado que andavam de relações cortadas entre si, quis evitar tal conflito, doando em vida os bens.

Se, na realidade, o objectivo dos doadores tivesse sido o de partilhar tais bens em dívida e se as razões da doação fossem as que os réus relataram, o que seria normal é que a partilha fosse igualitária, tivesse

sido feita por conta da legítima e, acima de tudo que, no mesmo dia, em que foram celebradas as escrituras públicas das doações, os donatários não outorgassem a favor do doador a procuração com os vastos poderes de representação nela descritos.

Em relação à igualdade da partilha, há indícios credíveis, colhidos nas próprias escrituras de doação, de que a partilha não seria igualitária. Com efeito, enquanto aos prédios doados a EE foi atribuído, na escritura, o valor de quinhentos e sete mil trezentos e cinquenta euros, aos prédios doados ao réu CC foi atribuído, na escritura, o valor de um milhão cento e quarenta e seis mil rezentos e trinta euros, sem que se tenha imposto ao donatário que recebeu mais a obrigação de pagar a diferença em dinheiro ao donatário que recebeu menos, a fim de igualar a partilha.

Em segundo lugar, as doações não foram feitas por conta da legítima, mas por conta da quota disponível. Visto que os montantes das doações foram diferentes, se na realidade as doações configurassem uma partilha em vida, então era de concluir que os doadores quiseram beneficiar um dos donatários. Assim sendo, os riscos que os segundos e terceiros réus dizem que o doador quis prevenir – conflitos entre os filhos na partilha dos bens - mantinham-se. Na verdade, estando os filhos desavindos há muitos anos, como ambos disseram, não se vê como é que iriam aceitar pacificamente a partilha nos termos desenhados pelos pais. Observe-se que as doações não afastavam o risco de desavenças nas partilhas. Na verdade, visto que o doador continuava com a sua actividade de construção civil, não era de excluir a hipótese de ele adquirir, após s doações, novos imóveis, sendo que, em relação à partilha estes, a doação não excluiria o risco de conflito entre os herdeiros.

Porém, o que contribui decisivamente para o descrédito da tese dos réus e para o crédito da alegação da autora, foi a outorga de uma procuração por CC e sua mulher, DD, e EE e sua mulher, FF, a favor de AA, doador, através da qual lhe conferiam poderes necessários e suficientes para vender, hipotecar, permutar, pelo preço e condições que tivesse por convenientes os bens imóveis que lhes foram doados nas escrituras de doação, podendo para o efeito outorgar e assinar as respectivas escrituras, receber o preço e tudo

o mais que se tornasse necessário aos indicados fins. Conferiam-lhe poderes ainda para os representar em quaisquer repartições públicas, liquidar impostos ou contribuições, reclamando dos indevidos ou excessivos, requerer avaliações ficais, inscrições prediais e quaisquer isenções; nas Câmaras Municipais requerer certidões, licenças ou alvarás; nas Conservatórias o Registo Predial requerer quaisquer actos de registo provisórios ou definitivos, certidões, averbamentos, cancelamentos, prestar declarações complementares, representá-los em quaisquer processos do seu interesse, inclusivamente proceder a quaisquer reclamações predial cadastral, praticando, requerendo, e assinando tudo o que se mostrasse necessário aos indicados fins.

Isto é, no mesmo dia em que foram celebradas as escrituras de doação, os donatários, com o consentimento das respectivas esposas, outorgaram a favor de um dos doadores uma procuração com a vastidão de poderes acima descritos.

Instados sobre a outorga desta procuração, os réus CC e EE disseram que a procuração foi uma exigência deles, uma condição de aceitação da doação. No dizer do réu CC, a passagem da procuração foi uma exigência nossa (nossa quer dizer dele e do réu EE) para o caso de ele (AA) ter necessidade algum dia. Instado a pormenorizar quem afinal é que exigiu que fosse passada a procuração ao doador, se foi ele, se foi o irmão, se foi o pai, o réu, claramente embaraçado pela pergunta, refugiou-se na resposta de que já havia sido há tanto tempo que não sabia os pormenores.

Na versão do réu HH ele só aceitou a doação, com a condição de ser feita uma procuração de modo a que ele (o doador AA) pudesse usufruir dos bens que lhe estava a doar. E porquê esta condição? Porque – respondeu o réu – o pai era um homem de negócios e os bens podiam ser necessários.

Estas declarações não nos mereceram crédito. Se, na realidade, a finalidade da procuração fosse, como disseram os réus CC e EE, acautelar a hipótese de o pai precisar dos bens doados, não teria sido necessário recorrer ao esquema rebuscado da doações e outorga simultânea da procuração. Bastaria que, em vez da doação, os doadores tivessem optado pelo testamento a favor dos aqui donatários. Nesta hipótese, os bens continuariam na titularidade dos doadores e, no caso de eles serem necessários ao exercício da actividade do doador, seriam usados

para tal fim; no caso de o não serem seriam transmitidos aos filhos, por morte dos pais.

Contra a credibilidade da explicação dada pelos réus para a outorga da procuração pode dizer-se ainda o seguinte. Dizendo os réus/donatários que o pai tinha um vasto património e que tinham ficado fora da doação muitos bens, em caso de necessidade para a sua actividade, o que seria normal era que o doador recorresse aos bens não doados. A verdade é que tal não sucedeu. Cerca de 5 anos e meio após as doações, 3 dos imóveis doados foram dados de hipoteca para garantir o cumprimento de obrigações dos doadores.

A convicção deste tribunal é a de que a procuração foi passada com os poderes acima indicados porque na, realidade, os doadores e os donatários não quiseram que os bens saíssem da esfera jurídica daqueles, mas tão só criar a aparência de que tinham saído para os subtrair à acção dos credores dos doadores. E então socorreram-se da procuração para que o doador continuasse a exercer os direitos correspondentes à sua qualidade/posição de proprietário dos bens. A AA foram conferidos todos os poderes de representação descritos na procuração porque na realidade ele nunca os quis transmitir aos donatários. A procuração foi passada com os poderes acima descritos porque, na realidade, a doação foi fictícia. Com os poderes que lhe foram dados através da procuração, AA continuou, na realidade, a gozar, em relação aos bens que declarou doar, da mesma posição jurídica que gozava antes da escritura de doação.

Chama-se a atenção para a circunstância de os réus CC e EE terem conferido ao pai (doador) poderes para ele vender, hipotecar e permutar pelo preço e condições que tivesse por convenientes todos os bens imóveis. No limite, o doador tinha poderes para vender todos os bens pelos preços que entendesse sem consultar os donatários, frustrando, assim, a propalada intenção de partilhar em vida tais bens!

Acresce, contra a credibilidade da tese dos réus/donatários, que a vastidão de poderes conferidos ao doador aponta claramente no sentido de que a procuração foi estabelecida exclusivamente no interesse dele.

Sabe-se que as procurações estabelecidas no interesse do procurador não podem ser revogadas sem o acordo do interessado, salvo ocorrendo justa causa (n.º 3 do artigo 265.º do Código Civil). Ora, o artigo 2.º, n.º 3, alínea c) do Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) considera que há transmissão onerosas para efeitos de IMT na outorga de procuração que confira poderes de alineação de um bem imóvel em que, por renúncia ao direito de revogação ou cláusula de natureza semelhante, o representado deixe de poder revogar a procuração.

Isto é, para efeitos fiscais, a procuração em causa é vista como um verdadeiro acto de transmissão de bens. E é vista como um acto desta natureza porque a experiência e a prática mostram com elevada frequência que a outorga de procuração irrevogável que confira poderes de alineação de um bem imóvel tem subjacente a transmissão dos bens a favor do procurador. No caso, a procuração tem subjacente não um acordo de transmissão de bens dos donatários para o doador, mas um acordo no sentido de que, apesar do que foi declarado nas escrituras de doação, os bens mantinham-se na titularidade dos doadores. E é isento de dúvida de que, com os poderes que lhe foram dados através da procuração, AA continuou, na realidade, a gozar, em relação aos bens que declarou doar, da mesma posição jurídica que gozava antes da escritura de doação.

A procuração com os poderes de representação nelas descritos, e outorgada no mesmo dia em que foram celebradas as doações, é um sinal seguro de que a finalidade da doação não foi, como disseram os réus CC e HH, bem como a doadora BB, ouvida como testemunha, partilhar em vida os bens dos doadores.

Contra a credibilidade da tese dos réus/donatários e a favor da veracidade da alegação da autora, ora recorrente, depõe ainda a circunstância de não haver factos que mostrem que os imóveis foram, na realidade, entregues aos donatários. Observe-se que os donatários e as respectivas esposas não tinham sequer a noção precisa dos bens que lhe haviam sido doados.

Contra a credibilidade da tese dos réus donatários é de invocar ainda a seguinte passagem do depoimento de BB, doadora. Instada a dizer o que é que o seu marido lhe disse sobre a doação, a testemunha respondeu que, na altura, disse-lhe que, como a saúde estava a fugir a ele e como os filhos não se falavam há quase 20 anos, ele queria fazer tudo em vida para que depois eles não terem problemas. Se na realidade assim fosse, o que seria normal é que ela tivesse conhecimento,

ainda que aproximado, dos prédios que haviam sido doados. A verdade é que a

testemunha ignorava por completo os prédios que haviam sido doados. Além de ignorar por completo os bens que figuravam nas escrituras de doações, ao ser-lhe perguntado se ela tinha a noção da escritura que havia sido feita, se de doação ou de compra e venda e ela respondeu que não sabia dizer nada, que eram coisas dele (dele, do marido). Esta ignorância da testemunha mostra que o assunto foi tratado apenas pelo doador e que o verdadeiro objectivo dele não foi a partilha em vida.

Contra a credibilidade da tese dos réus/donatários e a favor da veracidade da alegação da autora, ora recorrente, depõe ainda ao seguinte. Como já se escreveu acima, 3 dos imóveis doados foram dados de hipoteca à Caixa, em Junho de 2014, para garantir o cumprimento de dívidas dos doadores. Instados a explicar por que razão é que o doador se tinha servido de tais bens para os dar de hipoteca, uma vez que os réus/donatários diziam que o doador tinha outros bens, os réus não o souberam explicar. A razão é, no entanto, a seguinte. Tais bens foram dados de hipoteca porque, na realidade, os doadores nunca quiseram transmitir a propriedade deles.

Diga-se, ainda, a favor da nossa convicção o seguinte. Resulta dos depoimentos especialmente de HH e II e de BB que a actividade de AA era a de construção e venda de bens imóveis. Se se examinar a escrituras de doação, verificamos que foram doados terrenos para construção e uma multiplicidade de fracções autónomas. Ora não faz sentido que AA, que se dedicava à construção civil e venda de imóveis, se desfizesse de terrenos para construção e de fracções que, com elevada probabilidade, tinham sido construídas por ele para vender.».

Qualquer daqueles factos dados como provados se referem a estados subjectivos das partes na formação negocial, os quais não estando sujeitos a qualquer meio de prova taxada, fogem completamente ao controlo rigoroso do preceituado no artigo 682º, nº2 do CPCivil, face ao preceituado no artigo 674º, nº3 do mesmo diploma.

Daí que, o discurso justificativo efectuado pelo segundo grau, consistente na conjugação dos elementos documentais existente nos autos, com as declarações dos Réus e dos depoimentos das testemunhas, se afigure coerente com o disposto no artigo 607º, nº5 do CPCivil, sendo insusceptível de qualquer censura por banda deste Supremo Tribunal.

Daqui resulta que a manutenção da factualidade apurada nos termos consignados pelo Acórdão recorrido, conduz à imutabilidade da subsunção jurídica efectuada no sentido de que, como aí se conclui «Segundo o n.º 1 do artigo 240º do Código Civil, o negócio diz-se simulado se, por acordo entre o declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante”.

Seguindo a lição de Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª Edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, Limitada, página 406, os elementos da simulação referidos na norma acima citada são:

1. Divergência intencional entre a vontade e a declaração;

2. Acordo entre declarante e declaratário (acordo simulatório); 3. Intuito de enganar terceiros.

A divergência intencional entre o que foi declarado nas escrituras de doação por AA e BB e pelos réus CC e EE, resulta da prova dos seguintes factos:

•          Que AA e BB declararam que doavam aos réus CC e EE os prédios descritos nas escrituras de doação quando não quiseram doar;

•          Que os réus CC e EE declararam nas escrituras de doação que aceitavam as doações nos termos exarados nas escrituras, mas que não quiseram aceitar.

Por sua vez o acordo simulatório resulta da prova de que AA e a sua esposa, BB, acordaram com CC e EE forjar dois contratos de doação tendo por objecto os imóveis descritos nas escrituras.

Estes factos mostram que, na realidade, nem AA e a sua esposa quiseram transmitir a CC e a EE a propriedade sobre os prédios descritos nas escrituras de doação e que, na realidade, estes também os não quiseram adquirir; quiseram apenas criar a aparência de que transmitiam o direito de propriedade sobre os prédios.

Estamos, pois, perante um caso de simulação absoluta, ou seja, para usarmos as palavras de Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4.ª Edição, Coimbra Editora, página 467, “… as partes fingem celebrar um negócio jurídico e na realidade não querem nenhum negócio jurídico”. Há apenas o negócio simulado e, por detrás dele, nada mais”.

Quanto à intenção com que AA e a sua esposa e os réus CC e EE criaram a aparência de uma doação, ela foi a de subtrair os imóveis à acção dos credores dos dadores.

Esta intenção faz com que a simulação seja de classificar como simulação fraudulenta, pois o seu objectivo não foi apenas o de enganar a ora autora, o seu objectivo foi o de a prejudicar a si e aos restantes credores.

O negócio simulado é nulo (n.º 2 do artigo 240.º do Código Civil).

Uma vez que a declaração de nulidade tem efeito retroactivo, devendo ser restituído tudo o que tiver sido prestado ou, se a restituição em espécie não for possível, o valor correspondente (n.º 1 do artigo 289.º do CC), o efeito a retirar da nulidade das doações é a de que elas não tiveram por efeito a transmissão do direito de propriedade dos imóveis descritos nas escrituras para CC e EE. Os imóveis permaneceram no património de AA e sua esposa, BB, entretanto declarados insolventes.

Quanto ao pedido de cancelamento do registo de aquisição dos imóveis, a favor de CC e EE, ele tem apoio no n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil e no artigo 13.º do Código do Registo Predial, segundo o qual os registos são cancelados com base na extinção dos direitos, ónus ou encargos neles definidos, em execução de decisão administrativa, nos casos previstos na lei, ou de decisão transitada em julgado. Com efeito, se as doações dos imóveis foram declaradas nula e se esta declaração tem efeito retroactivo, nos termos do n.º 1 do artigo 289.º do Código Civil, e se o facto registado foi a aquisição por doação, então a declaração de nulidade teve por efeito a extinção do facto que serviu de base ao registo a favor dos réus CC e EE. A consequência, nos

termos do artigo 13.º do Código do Registo Predial é o cancelamento dos

registos efectuados com base nas doações.».

Soçobram, pois, as conclusões de recurso.

III Destarte, nega-se a Revista, mantendo-se a decisão plasmada no Acórdão recorrido, com as alterações decorrentes da homologação da desistência do pedido operada pela decisão de 16 de Maio, pp.

Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida, na proporção já fixada.

Lisboa, 05 de julho de 2022

Ana Paula Boularot (Relatora)

José Rainho

Graça Amaral

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).