Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
21568/16.4T8PRT-C.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: ILÍDIO SACARRÃO MARTINS
Descritores: ACÇÃO EXECUTIVA
AÇÃO EXECUTIVA
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
EXECUÇÃO DE SENTENÇA
IRS
IMPOSTO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 02/28/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / JULGAMENTO DO RECURSO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 635.º, N.º 4, 665.º, N.º 1 E 729.º.
CÓDIGO DO IRS: - ARTIGOS 8.º, N.º 1, ALÍNEA A) E 101.º, N.º 1.
REGIME JURÍDICO DA RETENÇÃO NA FONTE: - ARTIGO 8.º.
Sumário :
I - Perante uma sentença e um acórdão, transitados em julgado, que serviram de fundamento à execução, a oposição à execução só pode ter algum dos fundamentos taxativamente previstos no art. 729.º do CPC.
II - Não tendo a exequente reclamado em sede de acção declarativa o montante do imposto objecto de retenção na fonte e nunca tendo as executadas sido condenadas no seu pagamento, tal valor apenas pode ser reclamado junto da Autoridade Tributária ao abrigo do art. 8.º do regime jurídico da retenção na fonte e art. 101.º, n.º 1, e art. 8.º, n.º 1, al. a), do Código do IRS.
III - Não contendo o documento apresentado como título executivo a obrigação exequenda de liquidar o valor respeitante à retenção na fonte, acrescido de juros de mora, existe manifesta inexequibilidade do título executivo, o que implica o indeferimento liminar da execução ou a procedência dos embargos e a absolvição do pagamento dessa quantia por parte da executada.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


No apenso C à execução para pagamento de quantia certa com base em sentença condenatória transitada em julgado, em que é exequente “ÓPTICA AA, S.A.”, a executada, BB, com os sinais nos autos, veio opor-se à execução por embargos de executado, em 20.03.2017, pedindo o indeferimento liminar do requerimento executivo por a execução ter sido directamente instaurada no Juízo de Execução e a extinção da execução, porque com o requerimento executivo não foi junto o título executivo, mormente a sentença ou acórdão em causa e a exequente não tem direito aos juros e honorários reclamados.

No apenso D, a executada CC, também em 20.03.2017, veio instaurar embargos de executado, onde invocou os mesmos argumentos tecidos pela outra executada e, ainda, a inexequibilidade parcial do título executivo quanto à quantia de €17.300,00, pedindo a procedência dos mesmos e a extinção da execução.


Foi proferido despacho em 04.04.2017, a determinar que os dois embargos corressem termos neste único apenso C.


A exequente contestou, concluindo pela improcedência total de ambos os embargos, entendendo que o tribunal a quo é o competente; a execução corre termos nos próprios autos, pelo que é dos próprios autos que resulta o título executivo; é certo que não resulta da sentença e acórdão que a alterou a condenação em juros de mora mas estes são devidos porque nessas decisões foram proferidas condenações no pagamento de determinadas quantias.


Em 08.03.2018 foi proferida SENTENÇA (fls 133-138) que julgou parcialmente procedentes os embargos de ambas as executadas e determinou a redução da execução nos seguintes termos:

a) Relativamente à executada, BB, a execução prosseguirá para satisfação da quantia de € 4.950,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento;

b) Relativamente à executada, CC, a execução prosseguirá para satisfação da quantia de € 69.200,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano, a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento.


Desta decisão foi interposto recurso pela exequente/embargada.

Por sua vez, a embargante Antónia Maria interpôs recurso independente.


Foi proferido ACÓRDÃO, que julgou parcialmente procedentes as apelações da exequente/embargada Óptica AA, S.A., e da executada CC e alterou a sentença recorrida, fixando a quantia de € 51.900,00 pela qual a execução deve prosseguir quanto a esta executada, sendo devidos os juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da notificação da sentença proferida nestes embargos à executada BB e desde a data da notificação deste acórdão quanto à executada CC. 


Não se conformando com tal acórdão, dele recorreu a exequente, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES:

1) O presente recurso vem interposto do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, na parte em que considerou que o pedido de restituição de parte da quantia exequenda reclamada, no montante de 17.300,00 €, pagos a título de retenção na fonte pela aqui exequente/embargada, “Óptica AA, S.A.”, à embargante CC, não é devido.

2) Nessa conformidade, o tribunal “a quo”, julgou inexequível o título executivo corporizado no, aliás douto, acórdão daquele tribunal também, datado de 04/02/2016, em cujo dispositivo se pode ler, “(…), nos termos e com os fundamentos expostos, ACORDAM OS JUIZES NESTA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE O RECURSO, EM ALTERAR A SENTENÇA RECORRIDA, CONDENANDO A 2ª RÉ, CC ALVES, A RESTITUIR À AUTORA AS RENDAS RELATIVAS AO PRÉDIO URBANO REFERIDO NOS AUTOS E POR ELA RECEBIDAS A PARTIR DA CITAÇÃO PARA A PRESENTE ACÇÃO (…)”.

3) Não pode a ora recorrente conformar-se com os termos da douta decisão, nessa parte, porquanto face aos factos e ao direito aplicável, deverá ser proferida decisão que julgue procedente o pedido de restituição também do montante de 17.300,00 €, pago pela exequente/embargada à executada/embargante CC, a título de retenção na fonte das rendas que lhe entregou ao longo da relação contratual de arrendamento que entre ambas se estabeleceu.

4) Deste modo, deve o presente recurso proceder totalmente e, a final, ser proferida douta decisão que determine que o montante de 17.300,00 €, embora entregue ao Estado, a título de imposto, faz parte integrante do montante total de rendas pagas pela exequente/embargada à executada/embargante e, como tal, é devido àquela, conforme havia já sido decidido no douto aresto datado de 04/02/2016.

5) O segmento decisório do, aliás douto acórdão ora colocado em crise e supra transcrito, pese embora a judiciosa argumentação nele expendida, na modesta opinião da recorrente, padece de erro de julgamento, que se invoca desde já para todos os legais efeitos.

6) Começando por ter em atenção o teor do acórdão desse Venerando Tribunal, datado de 04/02/2016, dúvidas não restam que o mesmo condena a aqui embargante na restituição das rendas recebidas desde a citação para a respectiva acção.

7) Ora, o tribunal “a quo”, na fundamentação apresentada, apenas considerou que as chamadas rendas “líquidas” e não o montante pago a título de retenção na fonte, porque a exequente, por ser uma pessoa colectiva e ter contabilidade organizada, estava obrigada legalmente a entregar esses montantes à Autoridade Tributária, são devidas à ora recorrente.

8) Salvo o devido e merecido respeito, que é muito, retira-se do dispositivo do acórdão datado de 04/02/2016, com clareza e objectividade, que a aqui embargante/executada foi condenada na restituição das rendas recebidas e não apenas na restituição das rendas “liquidas”.

9) Assim, aquela decisão, título executivo nos presentes autos, ao decidir no sentido em que o fez, quis reportar-se ao montante total devido a título de rendas, sendo por isso, o mesmo perfeitamente claro.

10) Se assim não fosse, certamente a decisão teria discriminado o que era devido e o que não o era.

11) De resto, não se entende porque é que a douta decisão em crise faz a dissociação entre o montante relativo à renda “líquida” e o remanescente da mesma, entregue a uma terceira entidade, a título de retenção na fonte por imperativo legal.

12) Se há uma condenação na restituição das rendas, apenas é devida a restituição dos montantes que não foram retidos na fonte?

13) O montante devido a título de renda, em regra é fixado no contrato de arrendamento, em duodécimos ou não e o arrendatário limita-se ao seu pagamento.

14) Se, por qualquer motivo, sobrevier litígio entre o senhorio e o arrendatário e aquele for obrigado a restituir as rendas que havia recebido no âmbito da relação jurídica de arrendamento, fica obrigado à restituição do valor da renda constante do contrato de arrendamento e não apenas à restituição do valor líquido da mesma, caso haja lugar à entrega de parte da renda, a título de retenção na fonte.

15) Entende a ora recorrente e sempre ressalvado o devido e merecido respeito, que não faz qualquer sentido tratar o imposto retido e o valor da renda de forma diferente, pois que este é um encargo único derivado da mesma situação fáctica que origina a sua existência.

16) Se a aqui recorrente procedeu à retenção na fonte e à entrega do imposto ao Estado foi por a isso estar obrigada, unicamente pelo facto de possuir contabilidade organizada.

17) Tal obrigatoriedade, decorre do facto de a ora recorrente ser uma sociedade anónima, pelo que, na qualidade de entidade devedora da obrigação de pagamento mensal da renda tem que proceder à retenção na fonte de 25% do rendimento ilíquido e proceder à sua entrega ao Estado, conforme dispõe o artº 101º nº 1, alínea e), do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS), obrigação essa cumprida pela ora recorrente, conforme se mostra demonstrado nos autos.

18) Importa ter em conta que a retenção incide sobre os rendimentos prediais da executada ora embargante.

19) Inexistem, por isso, dúvidas de que a retenção se repercute na incidência pessoal daquela embargante, pois tal valor terá sempre que ser tido em conta como imposto já entregue ao Estado aquando do englobamento a efectuar na liquidação anual dos rendimentos recebidos pela mesma.

20) Sendo ainda certo que, só a embargante, havendo lugar à restituição do imposto pago pelos rendimentos prediais que lhe foram disponibilizados, tem legitimidade para, junto da Administração Fiscal, solicitar o respectivo reembolso.

21) Por isso, na modesta óptica da recorrente, o que está aqui em causa é o valor total das rendas pagas não podendo haver lugar a qualquer abatimento no valor total das mesmas, ainda que entregue ao Estado a título de retenção na fonte, ou a qualquer dissociação de montantes.

22) Acresce que o título executivo apresentado pela ora recorrente nos autos principais, era composto pela sentença proferida em 1ª instância e pelo acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto, datado de 04/02/2016, na sequência de recurso de apelação interposto.

23) Encontramo-nos, assim, perante uma sentença e perante um acórdão condenatórios, com as respectivas implicações e consequências.

24) Com efeito, sendo o título executivo uma sentença, importa atentar que, por apelo às razões de segurança e confiança jurídicas subjacentes ao mesmo, uma vez que o litígio em si já foi esgrimido e decidido pelas decisões exequendas, os fundamentos passíveis de dedução em embargos de executado sofrem uma forte restrição e são limitados aos que, taxativamente, se mostram previstos no artº 729º do C. P. Civil.

25) Nessa medida, verifica-se que a aqui embargante/executada CC foi condenada, por força da sentença e de acórdão desse Venerando Tribunal, datado de 04/02/2016, na restituição à aqui recorrente/exequente/embargada, das rendas relativas ao prédio em causa nesses autos e por ela recebidas, a contar da citação para a acção declarativa em apreço.

26) Tais decisões transitaram em julgado, pelo que, tendo em conta o disposto no artº 704º nº 1, do C. P. Civil, constituem plenos e válidos títulos executivos, perfeitamente exequíveis, ao contrário do que concluiu esse Venerando Tribunal no douto segmento decisório que aqui vem colocado em crise.

27) Até porque, sendo títulos judiciais, têm de oferecer certeza e segurança, pois caso contrário, bem mal andariam os tribunais na exequibilidade a conferir às decisões que proferem.

28) Dúvidas não restam, por isso, que os títulos dados à execução nos autos principais, mormente o constante do acórdão datado de 04/02/2016, é perfeitamente exequível ao condenar a embargante CC na restituição das rendas recebidas à ora recorrente.

29) Desde logo, porque, insiste-se, não pode haver dissociação dos montantes devidos a título de rendas, sendo que o montante da renda é uno e, ainda que haja obrigação de retenção na fonte e de entrega ao Estado, esse montante é parte integrante da renda fixada e devida.

30) Face ao exposto, o título executivo corporizado no acórdão desse Venerando Tribunal, datado de 04/02/2016, é exequível, porquanto o valor das rendas pagas é líquido e exigível, preenchendo dessa forma os pressupostos legais plasmados no CPC e inexistindo, em consequência, qualquer violação do princípio do pedido.


Termina, pedindo que deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogado o segmento decisório constante do acórdão do Tribunal da Relação do Porto, nos termos do qual não é devida a restituição do montante de 17.300,00 €, a título de rendas retidas na fonte, devendo ser substituída por outra que determine que tal montante faz parte integrante das rendas pagas pela ora recorrente à embargante CC, devendo esta ser condenada na sua restituição àquela.


A executada e embargante CC contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre decidir.


II - FUNDAMENTAÇÃO


A) Fundamentação de facto


As instâncias deram como provados os seguintes factos:


- A exequente apresentou à execução a sentença proferida na acção declarativa que correu termos sob o nº 549/13.5TVPRT, que correu termos na … Secção da Instância Central Cível do Porto da Comarca do …, em que foi proferida a seguinte decisão:

“Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a presente acção, em consequência do que:

. se reconhece à autora o direito de haver para si, em virtude de gozar do direito de preferência, o ajuizado imóvel, e, em consequência, ordenar a substituição da 2ª ré adquirente pela preferente, aqui autora;

. e ordena o cancelamento de quaisquer registos prediais que tenham sido feitos a favor da adquirente, bem como do cancelamento de quaisquer inscrições e/ou averbamentos que tenham sido efectuadas na Repartição de  Finanças relativas ao mesmo prédio, executadas com base na escritura de compra e venda;

. se condena a 1º ré a pagar à autora a quantia de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), a título de responsabilidade civil, pelo incumprimento da obrigação imposta pelo artº 416º do Cód. Civil;

. se absolve a 1ª ré dos pedidos formulados nas als e) e f) na conclusão da petição inicial;

. se absolve a 2ª ré do pedido formulado na alª c) na conclusão da petição inicial…” (vide doc. de fls. 46 a 54 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido) – Cfr fls 14 a 22 dos presentes autos, sendo a sentença proferida em 26.05.2015.

- Da sentença referida em 1º foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto pela aqui exequente (aí autora), restrito apenas à absolvição da aí 2ª ré, tendo sido proferido acórdão, transitado em julgado em 14-03-2016, cujo teor decisório é o seguinte:

“Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes nesta secção cível do Tribunal da Relação do Porto, julgando parcialmente procedente o recurso, em alterar a sentença recorrida, condenando a 2ª ré, CC, a restituir à autora as rendas relativas ao prédio urbano referido nos autos, e por ela recebidas a partir da citação para a presente acção” (vide certidão de fls. 94 verso a 98 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido) – Cfr fls 74 a 78, sendo o acórdão proferido em 04.02.2016.

- Do despacho judicial proferido na acção declarativa referida em 1º, em que foi autorizado a  aí 2ª ré, CC, a levantar a quantia depositada a título de preço, no valor de € 375.000,00, foi interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto pela aqui exequente (aí autora), tendo sido proferido acórdão, transitado em julgado em 08-09-2016, que confirmou a decisão recorrida e julgou improcedente o recurso de apelação em causa (vide certidão de fls. 105 a 115 destes autos, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido) - sendo o acórdão proferido em 16.06.2016..

- A execução de que estes autos constituem um apenso foi instaurada na … Secção Cível da Instância Central da Comarca do Porto, tendo sido remetida posteriormente para a distribuição para este Juízo de Execução da mesma comarca (vide fls. 56 a 58 dos autos de execução, cujo teor, no mais, se dá aqui por integralmente reproduzido).


B) Fundamentação de direito

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação dos recorrentes que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.


Apesar de as conclusões espelharem uma flagrante ausência de qualquer esforço de pendor sintético, sendo mera cópia das alegações (um simples exercício de copy/paste), expurgando-as do que nelas traduz mera argumentação ou se revela inócuo para a decisão a proferir, importa saber da bondade da solução obtida no acórdão recorrido.

Vejamos.

Na sentença proferida em 08.03.2018 foram os embargos de executado julgados parcialmente procedentes e determinada a redução da execução, relativamente à executada CC, prosseguindo a mesma para satisfação da quantia de € 69.200,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4% ao ano a contar da citação da mesma para a presente execução e até integral e efectivo pagamento - (fls 137 vº e 138).

O acórdão da Relação do Porto de 27.09.2018 julgou parcialmente procedente as apelações da exequente/embargada Óptica AA, S.A., e da executada CC e alterou a sentença recorrida, fixando a quantia de € 51.900,00 pela qual a execução deve prosseguir quanto a esta executada, sendo devidos os juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da notificação deste acórdão quanto à executada CC – Cfr fls 239.

É contra este entendimento que se insurge a exequente, alegando que deve ser revogado o segmento decisório constante do acórdão recorrido, nos termos do qual não é devida a restituição do montante de € 17.300,00, a título de rendas retidas na fonte, devendo ser substituída por outra que determine que tal montante faz parte integrante das rendas pagas pela ora recorrente à embargante CC, devendo esta ser condenada na sua restituição àquela.

Um breve resumo anterior à acção executiva


Por sentença proferida em 26.05.2015 (fls 14-22) na acção declarativa que correu termos sob o nº 549/13.5TVPRT, que correu termos na …Secção da Instância Central Cível do Porto da Comarca do Porto, foi julgada parcialmente procedente a acção, e reconhecido à autora Óptica AA, S.A., o direito de haver para si, em virtude de gozar do direito de preferência, o imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o nº 2501 da freguesia 131204, … e, em consequência, ordenar a substituição da 2ª ré CC (ora executada) adquirente pela preferente, aqui autora (ora exequente).


Nessa sentença, a ré CC foi absolvida do pedido formulado na alínea c) da petição inicial da acção de preferência, ou seja, “ a restituir à autora as rendas recebidas desde a data da escritura de compra e venda até à decisão final, perfazendo as vencidas o montante de € 14.850,00, sendo as vincendas a liquidar em sede de execução de sentença”.


Essa sentença foi alterada pelo acórdão da Relação do Porto de 04.02.2016 (fls 74-78), que condenou a ré CC a restituir à autora as rendas relativas ao prédio urbano referido nos autos, e por ela recebidas a partir da citação para a presente acção.


Voltando ao caso dos presentes embargos.

Estamos perante uma sentença e um acórdão, transitados em julgado, que serviram de fundamento à execução. Neste caso, a oposição só pode ter alguns dos fundamentos taxativamente previstos no artigo 729º do Código de Processo Civil.


Em sede de embargos de executado, a embargante CC requereu que fosse ordenada a extinção do processo executivo relativamente ao valor reclamado a título de imposto, no montante de € 17.300,00. A exequente entregou à executada a quantia total de € 51.900,00, a título de rendas, tendo entregue ao Estado, através de pagamento de IRS/IRC, a quantia de € 17.300,00. Ou seja, a exequente apenas recebeu a quantia de € 51.900,00, não tendo recebido a quantia de € 17.300,00. Este montante, equivalente ao valor das retenções, foi entregue directamente ao Estado pela própria exequente.


A sentença de primeira instância não conheceu dessa questão levantada na petição inicial de embargos da executada CC, relativa ao montante da quantia exequenda de € 17. 300,00, correspondente ao valor de retenção na fonte a título de Imposto de Rendimento de Pessoas Singulares das rendas objecto da execução e deveria fazê-lo, de acordo com o disposto nos artigos 729º, alª a), 3º, nº 1, 607º, nº 2 e 608º, nº2, NCPC.


A Relação, no seu acórdão de 27.09.2018, supriu a nulidade invocada pela mencionada executada, nos termos do disposto no artigo 665º nº 1 do Código de Processo Civil, segundo o qual “ ainda que declare nula a decisão que põe termo ao processo, o tribunal de recurso deve conhecer do objecto da apelação”.

E fê-lo, do nosso ponto de vista, com acerto, quando refere:

Ora, o acórdão desta Relação de 04.02.2016, transitado em julgado, que é o título executivo relativamente ao pedido exequendo quanto à co-executada CC, condenou esta a restituir as rendas relativas ao prédio urbano referido nos autos e por ela recebidas a partir da citação para a acção onde foi proferido.

Esta executada foi citada naquela acção em 26.09.2013, pelo que são devidas à exequente as rendas recebidas por esta executada desde esta data. Evidentemente que apenas lhe são devidos os valores das rendas deduzidos do IRS obrigatório por lei, dado que este montante, porque a devedora é uma sociedade comercial e, por isso, entidade sujeita a contabilidade organizada, deve ser entregue por aquela à Autoridade Tributária portuguesa após retenção na fonte do respectivo valor aquando do pagamento das rendas e assim emitidos os respectivos recibos de renda - artº 8º do Regime Jurídico de Retenção na Fonte e artº 101º nº1 e artº 8º nº 1, al. a) do Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Era, aliás nesse sentido o pedido formulado pela ora exequente naquela acção sob a alínea c) da petição inicial, conforme resulta da respectiva alegação em sede de causa de pedir.

O acórdão proferido e que serve de título executivo não condenou a ora apelante em mais do que o pedido, relativamente ao valor das rendas em bruto, ou seja sem dedução do IRS devido ao Estado e que é obrigação fiscal da arrendatária, ora exequente.

Ora, a exequente no requerimento executivo alega que é credora da executada Antónia de Maria da quantia global de € 69.200,00, relativa a rendas alegadamente pagas pela exequente à executada.

A Exequente alega e apresenta documentos onde demonstra que procedeu ao pagamento à Executada da quantia total de € 51.900,00, a título de rendas liquidas,

Juntando ainda documentos que comprovam a alegada entrega ao Estado, através de pagamento de IRS/IRC a quantia total de € 17.300,00. (sublinhado nosso).

A Exequente reclamou o pagamento da quantia de € 17.300,00, a título de valor entregue como retenção na fonte em sede de IRS/IRC.

No entanto, nunca reclamou a condenação da ora Recorrente na restituição de tal valor em sede de acção declarativa, sendo que que a douta sentença proferida em 1ª Instância e o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto que serviriam de titulo executivo nos presentes autos, não condenam a Executada, ora Recorrente na restituição do imposto alegadamente entregue pela Exequente ao Estado, até por que não o poderiam fazer sob pena de violação do principio do pedido.

Nos termos do artº 10º, nº 5, NCPC “Toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva”.

Há, pois, uma manifesta inexequibilidade do título executivo, o acórdão de 04.02.2016, quanto ao montante de € 17.300,00, bem como os juros de mora pedidos sobre essa quantia, pelo que, nessa parte, os embargos desta executada deveriam proceder.

Em substituição do decidido globalmente pelo tribunal a quo e suprindo a apontada nulidade da sentença recorrida que não se pronunciou sobre esta questão concreta suscitada nos embargos da executada Antónia Maria, procedem em conformidade as conclusões do seu recurso”.


A própria autora, Óptica AA, S.A., na acção de preferência, maxime artigos 24º a 31º, alega que pagou determinada quantia a título de IRS/IRC, em prestações mensais de € 825,00 nos meses de Fevereiro a Julho de 2013.


Do acórdão proferido resulta expressamente e de forma acertada que a recorrente, ora exequente, não tem direito a receber a quantia de € 17.300,00, uma vez que, além de nunca a ter reclamado em sede de acção declarativa e as executadas nunca foram condenadas no seu pagamento, tal valor apenas pode ser reclamado junto da Autoridade Tributária ao abrigo do artº 8º do Regime Jurídico da Retenção na Fonte e artº 101º nº 1 e artº 8º nº 1, alª a) do Código do IRS, decisão esta que não merece censura.


A exequente apenas pagou à executada CC a quantia de € 51.900,00, não tendo pago a esta, a quantia de € 17.300,00, uma vez que este montante foi entregue directamente ao Estado pela própria exequente, ao abrigo do disposto no artº 8º do Regime Jurídico da Retenção na Fonte, onde se estabelece que: “Sem prejuízo do disposto no artigo 71º do Código do IRS, as entidades que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada são obrigadas a reter o imposto, mediante aplicação, aos rendimentos ilíquidos de que sejam devedoras, das seguintes taxas:… 25 %, tratando -se de rendimentos da categoria F.”

No caso de entender que a referida quantia não será devida, a título de imposto, é à própria Autoridade Tributária que a exequente tem que reclamar a devolução, enquanto entidade que beneficiou com a entrega, e nunca à executada, que não recebeu tal valor.

Por isso, nunca reclamou a condenação da executada na restituição de tal valor em sede de acção declarativa, até por que, conforme acima mencionado, também não o poderia fazer, uma vez que tal valor a ser devido, deveria ser reclamado junto da Autoridade Tributária.


Conforme consta do documento nº 7 (fls 164 vº) junto com o requerimento executivo, o valor de € 14.850,00 diz respeito ao somatório do valor da renda mensal líquida de € 2.475,00 entre os meses de Fevereiro a Julho de 2013 e a quantia de € 4.950,00 refere-se ao valor de imposto entregue ao Estado no mencionado período face ao valor mensal em dívida de € 4.950,00.


Como bem observa a recorrida CC, nos próprios valores apresentados na petição inicial facilmente se percebe que essa separação é feita, pois o valor de € 14.850,00 reclamado à executada diz respeito, conforme consta da petição inicial e dos documentos juntos, ao valor líquido da renda recebido pela mesma, sendo que, em relação ao valor do imposto, o mesmo é referido no montante de € 4.950,00 e exigido apenas à outra executada BB – Cfr. pedido formulado na alínea d) (fls 13)da petição inicial da acção de preferência:

“ - se condena a 1º ré a pagar à autora a quantia de € 4.950,00 (quatro mil novecentos e cinquenta euros), a título de responsabilidade civil, pelo incumprimento da obrigação imposta pelo artº 416º do Cód. Civil”.


 E ainda: Face ao reembolso à exequente da quantia de € 51.900,00, sobre a mesma impende a obrigação de apresentação à Autoridade Tributária do Modelo 10 para substituição dos Modelos 10 apresentados, relativos aos valores pagos à executada a título de rendimento predial e às retenções efectuadas e entregues à Autoridade Tributária, nos anos de 2013, 2014 e 2015, a fim de efectuar a devida correcção e ser reembolsada do valor das retenções entregues à Autoridade Tributária, no valor de € 17.300,00.


Fundando-se a execução em sentença, constitui essa sentença o título executivo pelo qual, nos termos do artigo 10º nº 5 do Código de Processo Civil, se determinam o fim e os limites da acção executiva.


Não constando desse título, no caso o acórdão da Relação do Porto de 04.02.2016, a condenação da executada na restituição do valor retido pela exequente a título de imposto, não se encontram reunidas as condições de exequibilidade do título quanto a esse pedido.


Não contendo o documento apresentado como título executivo a indicada obrigação exequenda da quantia de € 17.300,00, acrescida dos respectivos juros de mora, existe uma manifesta inexequibilidade do título executivo, que implica o indeferimento liminar da execução, ou a procedência dos embargos e absolvição do pagamento da quantia de € 17.300,00 por parte da executada.


Foi o que fez e bem o acórdão recorrido, ao fixar a quantia de € 51.900,00 pela qual a execução deve prosseguir quanto à executada CC, sendo devidos os juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da notificação do acórdão quanto a esta executada, dela excluindo o montante de € 17.300,00 – Cfr fls 239.


Nesta conformidade, improcedem as conclusões das alegações de revista.


III - DECISÃO


Atento o exposto, nega-se provimento à revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 28.02.2019


Ilídio Sacarrão Martins (Relator)

Nuno Manuel Pinto Oliveira

Maria dos Prazeres Pizarro Beleza