Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
342/14.8TTLSB.L1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: GONÇALVES ROCHA
Descritores: RECURSO DE FACTO
CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
Data do Acordão: 11/03/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS / IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / ÓNUS DO RECORRENTE.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 639.º, N.ºS 1 E 2, 640.º, N.ºS 1E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 22/09/2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6.ª SECÇÃO.
-DE 01/10/2015, PROCESSO N.º 824/11.3LRS.L1.S1; 14/01/2016, PROCESSO N.º 326/14.6TTCBR.C1.S1; E DE 11/02/2016, PROCESSO N.º 157/12.8TUGMR.G1.S1.
Sumário :
I. Tendo a recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham uma decisão de facto em sentido diverso, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna e enuncie a decisão alternativa pretendida.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1---

AA veio intentar uma acção com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra

BB, S.A., com sede em … (Espanha), pedindo que seja reconhecida a existência dum contrato de trabalho que vigorou entre a Autora e a Ré desde 1 de Julho de 2004 até à data da sua cessação, e que seja declarada a ilicitude do despedimento, com a condenação da R a pagar à Autora:

a. os subsídios de férias e de Natal vencidos desde o início da relação laboral até à data da cessação do contrato de trabalho, no montante de € 82.333,34 (oitenta e dois mil trezentos e trinta e três euros e trinta e quatro cêntimos);

b. a retribuição de férias vencidas e não gozadas (férias vencidas no ano de 2013 respeitantes ao ano de 2012, que a A não gozou, e retribuição das férias proporcionais ao ano da cessação, no montante total de € 5.541,67 (cinco mil quinhentos quarenta e um euros e sessenta e sete cêntimos).

c. os salários desde a data do despedimento até à decisão do tribunal que declare a ilicitude deste (com excepção da retribuição relativa ao período decorrido desde o despedimento até 30 dias antes da propositura da acção);

d. a indemnização calculada em montante a determinar pelo tribunal, nos termos do disposto no nº 3 do artigo 392º ex vi art. 63º, nº 8 do Código do Trabalho, em montante não inferior a € 85.500 (oitenta e cinco mil e quinhentos euros);

e) a indemnização por danos não patrimoniais em montante não inferior a € 3.500 (três mil e quinhentos euros);

f. a indemnização pecuniária no valor de € 22.860 (vinte e dois mil oitocentos e sessenta euros), equivalente às quantias a que a A. teria direito a título de subsídio de desemprego.

             

Para tanto invocou que, vigorando entre a Autora e a Ré um contrato de trabalho, a actuação desta constitui um despedimento ilícito, por destituído de justa causa, e por não ter sido precedido do procedimento disciplinar, pelo que o despedimento sempre seria ilícito também por não ter sido solicitado o parecer prévio à Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego, tendo, em consequência, a Autora direito às quantias que reclama, além de que ainda lhe assiste o direito a ser indemnizada pelo facto da Ré não a ter inscrito na Segurança Social.

Tendo-se efectuado, sem conciliação, a audiência de partes, veio a R contestar, alegando a incompetência internacional do Tribunal para dirimir o conflito em causa; a sua incompetência material para conhecer do pedido da Autora, dado que entre esta e a Ré foi celebrado um contrato de prestação de serviço, que cessou validamente, pelo que nunca existiu entre as partes qualquer relação de natureza laboral; ao contrato dos autos sempre seria aplicável a lei espanhola, pelo que, e mesmo que se considerasse que se estabeleceu uma relação laboral, à luz desta lei tal relação foi validamente cessada, não tendo ocorrido por parte da Ré qualquer violação das disposições que, no ordenamento jurídico espanhol, regulam a cessação de contratos de trabalho; que os pedidos da Autora são inadmissíveis por não ter existido qualquer contrato de trabalho com a Ré; e, caso assim não se entenda, não são devidos os valores peticionados a título de subsídio de férias e de Natal por os mesmos já estarem incluídos na retribuição que mensalmente era paga à Autora.

           

Esta respondeu, invocando a intempestividade da contestação da Ré por se tratar de processo urgente, visto estar em causa o despedimento de trabalhadora grávida, devendo, consequentemente, ser aplicada a cominação a que alude o artigo 57º do CPT; e pugnando pela competência absoluta do Tribunal e pela aplicação da lei portuguesa ao presente caso, pediu que as excepções deduzidas sejam julgadas improcedentes e que, em consequência, seja a Ré condenada no pedido.

A Ré respondeu também à matéria da alegada intempestividade da contestação, pugnando pela sua admissão.

Tendo-se proferido decisão a considerar a contestação tempestiva, foi proferido despacho saneador que considerou o Tribunal competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. E identificado o objecto do litígio, foi dispensada a enunciação dos temas da prova, após o que se realizou a audiência de julgamento.

E proferida a sentença, esta terminou com o seguinte dispositivo:

“ 3.1. Nos termos e fundamentos expostos e atentas as disposições legais citadas, julga-se a acção improcedente e, em consequência, absolve-se a ré BB, S.A. do pedido.

3.2. Custas da acção a cargo da Autora (art.527º CPC).

Registe e notifique.”

Inconformada, apelou a Autora da sentença proferida e do despacho interlocutório que considerou tempestiva a contestação.

A Ré contra-alegou e apresentou recurso subordinado.

           

E apreciando estes recursos, proferiu o Tribunal da Relação a seguinte decisão:

“Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal e Secção em:

1- não admitir o recurso subordinado na parte em que impugna o despacho que considerou o Tribunal internacionalmente competente;

2- julgar improcedente o recurso subordinado na parte restante;

3- não admitir o recurso do despacho interlocutório que considerou tempestiva a contestação;

4- julgar improcedente o recurso interposto da sentença que confirmam.

           

Custas do recurso subordinado pela Ré e dos restantes recursos pela Autora.”

           

Ainda irresignada, interpôs a A recurso de revista excepcional, que foi admitida pela Formação a que se refere o nº 3 do artigo 672º do CPC.

E rematou a sua alegação com as seguintes conclusões:

….

8- Entendeu, o tribunal a quo, na decisão ora recorrida que: "Regressando ao caso dos autos verifica-se que a Recorrente/Autora indica os factos que considera terem sido mal julgados, especifica os meios de prova que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, bem como indica a decisão que pretende se/o proferida sobre tais factos. Sucede, porém, que a recorrente não indica, nem nas alegações, nem nas conclusões, quaisquer passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o seu recurso, limitando-se, apenas a indicar o início e o termo de cada um desses depoimentos. Tal omissão determina, nos termos do nº 2, al. a) do artigo 640º do CPC a imediata rejeição do recurso nessa parte, e consequência, este Tribunal não ouvirá a prova gravada".

9- As referências à não indicação das passagens que o acórdão recorrido invoca, entende a recorrente, sem embargo do demais que alega, que só se podem entender, como feitas à não identificação, parcial, dos tempos nas respectivas gravações, referentes aos trechos dos depoimentos de cada uma das testemunhas transcritas nas alegações ou subpassagens, já que todos os depoimentos de cada uma das testemunhas que importavam, na perspectiva da recorrente ao julgamento em recurso da matéria de facto, foram devidamente identificadas e os seus depoimentos, também eles, devidamente indicados relativamente ao dia, registo, hora do seu início e final, ou seja enquanto passagens da gravação que fundam o recurso;

10- Como refere o acórdão fundamento: "(...) O plano das exigências inscritas no preceito ordenador e que se prendem com o apertado formalismo imposto aos recorrentes - (...) - tem de permitir a aceitação de um parâmetro de admissibilidade compaginável com a função e a finalidade do recurso da decisão de facto, qual seja a de que, desde que o apelante cumpra, no essencial com o ónus imposto na lei, o tribunal não pode deixar de proceder à reapreciação da decisão de facto.(.„).

11- O acórdão recorrido reconhece o cumprimento das demais exigências, ou ónus que a lei impõe, com excepção de ter identificado as subpassagens referentes às transcrições dos depoimentos;

12- Nas motivações/alegações de recurso de Apelação, na parte que se refere ao recurso da matéria de facto a recorrente identificou todos e cada um dos depoimentos relevantes (passagens), e de cada um deles (dia, localização no suporte de gravação, princípio e fim) - identificando, pois, as passagens da gravação da totalidade de cada um - e depois destacou, desses depoimentos os trechos que entendeu deviam ser transcritos para melhor compreensão das alegações as subpassagens.

13- E faz uma análise pormenorizada (ao jeito de súmula de que fala o acórdão fundamento) de cada tema da prova que julga dever ser alterado, de acordo com a ponderação da motivação da M.ma Juiz a quo, e dos elementos, testemunhais (com transcrição dos trechos relevantes, dos depoimentos respectivos devidamente individualizados, com as passagens do testemunho integral devidamente identificadas) além dos documentos que importam, também, à referida alteração.

14- Cumpriu, pois, e porventura por excesso, com o ónus do artigo 640º do CPC, para quem recorre da matéria de facto, tal como entendeu em caso análogo, o acórdão fundamento.

15- Parece, assim, para o que nos interessa, importante dilucidar, então, o que deve entender-se ser o alcance do nº 2 dos artigos sucessivamente em vigor, que disciplinam esta matéria, o antigo 685º-B e o novo 640º, ambos do CPC.

16- O artigo 685º-B, no seu nº 2 dispunha no segmento "incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, não difere no essencial do que prevê o nº 2 do artigo 640º do CPC.

17- Conforme se esclarece no aresto fundamento, para onde se remete: "Ainda assim, pensamos, que o plano das exigências inscritas no preceito ordenador e que se prendem com o apertado formalismo imposto aos recorrentes - indicação dos concretos pontos de facto cuja decisão pretendem ver alterada, por estimarem estarem incorrectamente julgados: quais os concretos meios probatórios que impõem diverso julgamento (dos concretos pontos de facto indicados), e quando os meios probatórios tenham sido gravados, quais os depoimentos em que funda a discordância - tem de permitir a aceitação de um parâmetro de admissibilidade compaginável com a função e a finalidade do recurso da decisão de facto, qual seja a de que, desde que o apelante cumpra, no essencial com o ónus imposto na lei, o tribunal não pode deixar de proceder à reapreciação da decisão de facto.

18- E segue, em raciocínio que se acompanha: Como se faz, na prática, essa indicação exacta, não o diz a lei, omissão que é susceptível de criar dúvidas e interpretações diferentes com todos os inconvenientes facilmente previsíveis. Há, então, que interpretar o preceito com grande cuidado, mas também com suficiente abertura, em ordem a não se frustrar, na prática, em muitos casos, o recurso sob a matéria de facto que a lei quis proporcionar aos recorrentes.

19- Para concluir que: "Assim, numa primeira abordagem, dir-se-á que a indicação exacta das passagens da gravação, referida no preceito, deve bastar-se com a indicação do depoimento ou depoimentos, e a identificação de quem os prestou, sem a obrigatoriedade da sua transcrição (...)".

20- Não há, como vimos já, no artigo 640º do actual CPC qualquer alteração, nesta parte, ao regime que já constava do disposto no artigo 685º-B, pelo que mantém absoluta propriedade esta jurisprudência do STJ, do acórdão fundamento, que dissecou as obrigações da norma no que se refere ao conteúdo da tal obrigação da indicação exacta das passagens da gravação;

21- Pelo que não podia, (também aqui), o tribunal a quo, deixar de conhecer do recurso da decisão de facto tendo o recorrente, como vimos, cumprido o dever injungido pelo comando legal;

22- O STJ em recente decisão de 18-2-2016, supra referida, sobre esta matéria julgou em sentido coincidente, diz o seguinte quando refere que: (...) É certo que o recorrente não identifica a localização das partes que considera relevantes dos depoimentos em causa, por referência ao suporte técnico (CD) que contém a respectiva gravação. Não obstante, o recorrente transcreve tais depoimentos e, conforme já se referiu, destacou a negrito as partes que considera serem as pertinentes, pelo que se tem por suficientemente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes. Outrossim, também decorre de forma inequívoca das conclusões da apelação que o A./habilitado pretendia que a Relação alterasse a decisão proferida sobre a matéria de facto, ali tendo concretizado os pontos da matéria de facto a alterar, assim como o sentido que em seu entender deve extrair-se das provas que invoca e analisa, em termos que satisfatoriamente permitem apreender as questões por si suscitadas e o alcance das respostas visadas pelo mesmo no plano do recurso de facto. (...) Impõe-se, assim, a concessão da revista e, consequente baixa dos autos ao Tribunal da Relação, para que conheça do recurso interposto pelo A./habilitado na parte relativa à reapreciação da matéria de facto com base na prova testemunhal invocada".

23- É patente a analogia com o caso do acórdão fundamento, mas também a deste acórdão ora transcrito e a situação julgada no acórdão recorrido.

24- No mais, a recorrente na sua Apelação também fez a análise crítica em confronto dos depoimentos que identificou, por pessoa, dia, e hora de início e fim de acordo com o registo informático, transcrevendo, ainda as partes do depoimento que entendeu sustentarem a sua posição e ligação entre esta prova testemunhal e a prova documental que permitem infirmar o julgamento da matéria de facto nos moldes sugeridos.

25- Tendo toda matéria do recurso sobre os pontos de facto foram, sido tratada com detalhe na súmula ilativa nas alegações e com, ainda, razoável detalhe nas conclusões do recurso, que constam das conclusões 10 a 33.

26- Como resulta reconhecido no acórdão recorrido, a recorrente ali identificou concretamente os pontos de facto tidos por mal julgados, indicou os meios de prova que, na sua opinião, impunham decisão diversa sobre os pontos de facto impugnados e mencionou também o sentido da decisão que deveria ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, dessa forma cumprindo cabalmente os ónus referidos nos artigos 639º, nº1, e 640º, nº l do CPC.

27- A recorrente, in casu, identificou as testemunhas, assim como a matéria sobre a qual foram ouvidas; referenciou as datas em que tais depoimentos foram prestados e fez referência aos respectivos registos no sistema informático do tribunal, onde se encontra a respectiva gravação, indicando o seu tempo de duração, com a hora do início e do fim de cada uma, e, para além disso, ainda transcreveu e destacou, identificando as subpassagens referentes a cada testemunha quais os trechos da gravação tidas por relevantes e que, em seu entender, relevavam para a alteração do decidido.

28- A recorrente identificou as passagens referentes aos depoimentos, mas não dentro destas as subpassagens referentes às transcrições que fez.

29- Não pode, em consonância com a melhor jurisprudência aqui já plasmada, também concordar com a Ilação tirada pelo acórdão recorrido de que não cumpriu o ónus do artigo 640º do CPC, pois, tal como refere o acórdão fundamento, relativamente ao cumprimento da injunção normativa do nº 2, ali. a), do artigo 640º: "a indicação exacta das passagens da gravação, referida no preceito, deve bastar-se com a indicação do depoimento ou depoimentos, e a identificação de quem os prestou, sem a obrigatoriedade da sua transcrição (integral ou por excerto) visto que a lei a dispensa, nem de as referenciar ao assinalado na acta, como era exigido pelo artigo  690º- A, uma vez que tal exigência desapareceu do preceito".

30- Sendo certo que nenhum dos depoimentos visados se reveste de uma duração temporal tal que justificasse tão grande segmentação de passagens, e o julgamento de facto que se pretende na segunda instância impõe, naturalmente, a audição, na íntegra, dos depoimentos apontados;

31- Não pode por isso deixar de entender-se, também aqui como, pelo menos, suficientemente cumprido o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, e que as alegações de recurso apresentadas pelo Autora respeitavam as exigências contidas nos artigos 639º e 640º do CPC, disposições estas que o acórdão recorrido, na interpretação que faz, viola.

32- Impõe-se, por isso, que seja concedida a revista nos moldes requeridos, e consequentemente, que o acórdão recorrido seja revogado, ordenando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação, para que conheça do recurso interposto pela Autora na parte relativa à reapreciação da matéria de facto, fazendo-se a sua ponderação nos moldes sugeridos e com base, também, na prova testemunhal invocada, confrontada com o demais substrato probatório.

A R também alegou, pugnando pela improcedência da revista, com a consequente confirmação do acórdão recorrido.

O Ex.mº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da procedência da revista, que notificado às partes, não suscitou qualquer reacção.

Cumpre pois decidir.

2---

O que está em causa na revista é apenas a questão da reapreciação da matéria de facto perante a Relação, recurso que esta rejeitou nesta parte.

Para tanto, colhe-se do acórdão a seguinte fundamentação:

 “Analisemos, agora, as questões suscitadas no recurso da sentença, interposto pela Autora.

1ª- Se deve ser alterada a decisão relativa à matéria de facto.

Entende a recorrente que o Tribunal a quo errou no julgamento da matéria de facto, dado que o depoimento das testemunhas CC e DD não infirmaram o depoimento das testemunhas EE e FF, pretendendo, assim, que sejam considerados provados os seguintes factos:

1- que a Autora dava ordens e orientações sobre a forma de prestação dos trabalhos de outros trabalhadores (na acepção das demais pessoas que trabalhavam na … de Lisboa)

2- que a Autora sempre prestou a sua actividade sob as ordens e instruções dos seus superiores hierárquicos do departamento de ... e que estes foram sucessivamente, GG como Director e DD como sub-directora e, posteriormente, como directora;  

3- que para além dos directores de departamento a autora também recebia ordens e orientações dos técnicos desse departamento da ré, HH e, posteriormente, II, a quem reportava as tarefas executadas e a executar.

4- que a Autora dava ordens e orientações recebidas da ré às suas colegas de trabalho, contratadas pela ré e à mesma hierarquicamente subordinadas.

(Segundo a Autora, estes factos resultaram dos depoimentos de FF e EE e até de DD).

5- Que a autora definia semanal, mensal e anualmente as tarefas dos estagiários.

6- Que a autora era secretariada por funcionárias ligadas à ré sendo a última EE;

7- Que as férias eram sempre marcadas de acordo com as conveniências do escritório da ré em Lisboa e que tinham de ser precedidas de uma comunicação a esta.

(De acordo com o entendimento da Autora estes factos resultaram do depoimento das testemunhas FF, EE, DD e da acta da reunião de trabalho de 12/4/2011 (docs.9 e 10 juntos com a petição inicial).

8- Que por instruções da ré a autora coordenava os restantes colaboradores do escritório de Lisboa.

(Entende a Autora que este facto resulta do depoimento das testemunhas FF s EE e do próprio contrato (docs. 8 e 9 junto com a p.i.).

9- Que era a ré que autorizava a autora a participar em formações e que impunha que as mesmas tinham de ser em horário pós laboral.

(Este facto, de acordo com a Autora, decorre do e-mail de 18.6.2007 junto com a petição inicial como doc.27.)

Para fundamentar o seu entendimento quanto aos factos que considera terem ficado provados a Autora ainda indicou os seguintes documentos:

- e-mail de 13/2/2012 (doc. 18 junto com a p.i);

- e-mail de 7/5/2009 (doc.22 junto com a p.i.);

- e-mail de 20/9/2004 (doc.23 junto com a p.i.); e

- e-mail de 3/3/2005 (doc.26 junto com a p.i.).

Relativamente ao depoimento da testemunha CC refere a Autora que esta depôs no dia 7-01-2015, com registo no respectivo sistema informático, das 15:14:15 às 15:48:43., tendo procedido, ainda, à transcrição de excertos do mesmo depoimento.

Quanto ao depoimento da testemunha DD invoca a Autora que esta depôs no dia 7-01.2015 e tem o registo no sistema informático das 15:52:24 às 16:33:34, tendo, também, procedido à transcrição de excertos do mencionado depoimento.

No que se refere ao depoimento da testemunha EE invoca a Autora que esta depôs no dia 7-01-2015, conforme registo no sistema informático de 10:01:08 a 10:55:45, tendo procedido à transcrição de alguns excertos desse depoimento.

Por fim e no que concerne ao depoimento da testemunha FF refere a Autora que aquele foi registado no sistema informático de 7-01-2015 de 11:48:12 a 12.52:20, tendo procedido à transcrição de trechos desse depoimento.

……

verifica-se que a recorrente/Autora indica os factos que considera terem sido mal julgados, especifica os meios de prova que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, bem como indica a decisão que pretende seja proferida sobre tais factos.

Sucede, porém, que a recorrente não indica, nem nas alegações, nem nas conclusões, quaisquer passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o seu recurso, limitando-se, apenas, a indicar o início e o termo de cada um desses depoimentos.

Tal omissão determina, nos termos do nº 2 al. a) do artigo 640º do CPC, a imediata rejeição do recurso nessa parte e, em consequência, este Tribunal não ouvirá a prova gravada.”

Sendo estas as razões aduzidas, vejamos se a Relação tem razão.

2.1---

Resulta do disposto no n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, que o recorrente deve apresentar a sua alegação na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.

E nesta lógica, quando o recurso tenha por objecto matéria de direito, as conclusões devem indicar:

as normas jurídicas violadas; o sentido com que no entender do recorrente as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas; e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que no entender do recorrente deveria ter sido aplicada, conforme determina o n.º 2 do mesmo artigo.

Por outro lado, e quando seja impugnada a decisão proferida sobre a matéria de facto, diz-nos o n.º 1 do artigo 640.º do mesmo código, que deve o recorrente, obrigatoriamente, especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa sobre os pontos da matéria de facto impugnados;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

O acórdão recorrido reconhece que a recorrente indica os factos que considera terem sido mal julgados, especifica os meios de prova que, em seu entender, impunham decisão diversa da recorrida, e indica a decisão que pretende seja proferida sobre tais factos.

Mas como não indica, nem nas alegações, nem nas conclusões, as passagens da gravação dos depoimentos em que se funda o recurso, limitando-se, apenas, a indicar o início e o termo de cada um desses depoimentos, considera a Relação que tal omissão determina, nos termos do nº 2 al. a) do artigo 640º do CPC, a imediata rejeição do recurso nesta parte.

Não podemos, no entanto, e quanto a este ponto, concordar com esta posição.

Efectivamente é inequívoco que a recorrente indica os factos que considera terem sido mal julgados e indica a decisão que pretende seja proferida sobre tais factos.

Por outro lado, especifica os meios de prova que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, embora não indique as passagens concretas da gravação que imporão uma resposta do tribunal consentânea com a sua pretensão, pois que se limita a indicar o início e o fim do depoimento.

Decorre do n.º 2, alínea a) do supracitado artigo 640º do CPC, que quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes - alínea a).

Quanto ao cumprimento deste ónus, a jurisprudência desta Secção Social tem decidido, com foros de unanimidade, que tendo o recorrente identificado no corpo alegatório os concretos meios de prova que impunham decisão diversa, não tem que fazê-lo nas conclusões do recurso, desde que identifique os concretos pontos da matéria de facto que impugna, vendo-se neste sentido os acórdãos de 1/10/2015, processo nº 824/11.3LRS.L1.S1 (Ana Luísa Geraldes); 14/1/2016, Processo nº 326/14.6TTCBR.C1.S1 (Belo Morgado); e de 11/2/2016, processo nº 157/12.8TUGMR.G1.S1 (Belo Morgado).

No caso presente a recorrente transcreveu nas suas alegações os depoimentos das testemunhas que, em seu entender, suportam a sua pretensão, conforme se colhe de fls. 631 a 640 dos autos. E indica o seu início e fim na gravação que lhe serve de suporte.

Consideramos que, apesar disso, deu cumprimento ao ónus imposto pela alínea b), do nº 1 do artigo 640º e pela alínea a) do seu número 2.

Efectivamente, e conforme doutrina do Acórdão deste Supremo Tribunal de 22.09.2015, P. 29/12.6TBFAF.G1.S1, 6ª Secção (Pinto de Almeida), quanto ao requisito previsto no n.º 2, al. a), justifica-se alguma maleabilidade, em função das especificidades do caso, da maior ou menor dificuldade que ofereça, com relevo, designadamente, para a extensão dos depoimentos e das matérias em discussão.

E ainda que possa faltar a indicação exacta das passagens da gravação, continua o aresto citado, esta omissão não dificulta, de forma substancial e relevante, o exercício do contraditório, nem o exame pelo tribunal, pelo que a rejeição do recurso, com este fundamento, se afigura uma solução excessivamente formal, rigorosa e sem justificação razoável.

Na situação presente, embora a recorrente não tenha levado às conclusões a indicação dos concretos meios probatórios em que fundamenta a sua pretensão, fá-lo de forma clara na sua alegação, transcrevendo as passagens dos depoimentos que suportam a sua pretensão, e indicando ainda os números correspondentes ao seu início e fim na gravação.

Assim, justifica-se a aplicação da doutrina acima exposta, não se podendo, por isso, manter a posição da Relação que rejeitou a apelação na parte respeitante à reapreciação da matéria de facto, tanto mais que a recorrida exerceu cabalmente o seu direito ao contraditório, convocando para infirmar o entendimento da recorrente os depoimentos das testemunhas EE, CC e DD, cujas passagens da gravação indica e cujos excertos também transcreve.

E assim sendo, não podemos manter o acórdão recorrido nesta parte.

3---

Termos em que se acorda nesta Secção Social em conceder a revista, pelo que, e revogando o acórdão recorrido, determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de …, a fim de se conhecer do recurso de apelação, na parte relativa à reapreciação da decisão da matéria de facto oportunamente impugnada e posterior conhecimento das questões jurídicas suscitadas no âmbito desse recurso.


As custas da revista são a cargo do recorrido.


Anexa-se sumário do acórdão.


Lisboa, 3 de Novembro de 2016


Gonçalves Rocha - Relator

Leones Dantas

Ana Luísa Geraldes