Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
04A2781
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MOREIRA CAMILO
Descritores: DIVÓRCIO
EFEITOS PATRIMONIAIS
REQUERIMENTO
PRAZO
Nº do Documento: SJ200410190027811
Data do Acordão: 10/19/2004
Votação: UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Tribunal Recurso: T REL LISBOA
Processo no Tribunal Recurso: 8588/03
Data: 12/04/2003
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: AGRAVO.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário : 1 - Em acção de divórcio em que, como fundamento ou, pelo menos, da declaração de culpa se alegue a cessação da coabitação, o requerimento a que alude o artigo 1789º, nº 2, do CC tem de ser apresentado até à prolacção da sentença.
2 - Não poderá, assim, tal pretensão ser requerida posteriormente, em incidente autónomo, no próprio processo, por ter ficado precludido esse direito.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I - Transitada em julgado a sentença proferida em 13.07.2001, nos autos nº 139/99, que correram seus termos no 2º Juízo do Tribunal de Família e de Menores de Cascais, segundo a qual foi decretado o divórcio entre o Autor A e a Ré/reconvinte B (então, dos ...), declarando-se o cônjuge-marido o único culpado do divórcio, veio aquela, em 16.01.2003, como incidente dos autos, requerer que, uma vez provado na sentença que, pelo menos, desde Novembro de 1996, cessou a coabitação entre os cônjuges, e tendo o cônjuge-marido sido declarado único culpado do divórcio, se declare que os efeitos do divórcio se retrotraem à data em que a coabitação cessou por culpa exclusiva do requerido A, ou seja, pelo menos, desde Novembro de 1996, produzindo-se os efeitos do divórcio a partir do trânsito em julgado da referida sentença, mas retrotraindo-se à referida data de Novembro de 1996, com as legais consequências.

Em 28.02.2003, foi proferido despacho, onde se diz que, "Notificado, o requerido nada disse", e se julgou o pedido procedente, decidindo-se "que os efeitos do divórcio se retrotraiam a pelo menos Novembro de 1996".

Inconformado com tal decisão, dela agravou o requerido, tendo, nas respectivas alegações e suas conclusões, invocado que, ao contrário do que se refere no despacho impugnado, respondeu ao requerimento apresentado por sua ex-mulher e que, para que os efeitos do divórcio se pudessem retrotrair à data da cessação da coabitação, era preciso que esse pedido tivesse sido feito antes da sentença e ficasse decretado na própria sentença.

Foi, então, proferido, no Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão, onde, depois de se demonstrar a falta de razão do agravante quanto à questão da falta ou não de resposta, se decidiu conceder provimento ao recurso, revogando-se o despacho agravado e indeferindo-se o requerimento apresentado pelo cônjuge-mulher.

Veio, então, a requerente interpor o presente recurso de agravo, o qual foi admitido.

A agravante apresentou alegações e respectivas conclusões, invocando a nulidade do acórdão recorrido e pedindo a sua revogação.

Contra-alegou o agravado, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - 1. A única questão aqui a dilucidar consiste em saber se o requerimento a que alude o nº 2 do artigo 1789º do Código Civil tem de ser apresentado antes de ser proferida a sentença a decretar o divórcio ou se é permitida a sua apresentação depois da prolação dessa sentença.

Na 1ª instância, entendeu-se que tal requerimento pode ser apresentado mesmo depois do trânsito em julgado da sentença.

Assim, pode ler-se no despacho aí proferido:
"Faço notar que a lei apenas exige que a data da cessação da coabitação fique fixada na sentença, como facto provado, podendo qualquer dos cônjuges, e mesmo após o trânsito da sentença e por forma incidental, requerer que o Tribunal decida a retroacção dos efeitos do divórcio àquela data. De facto, e cumprido o ónus de prova da falta de coabitação e da culpa do outro cônjuge na violação deste dever, nada obsta a que, mesmo depois da sentença, seja dado efeito útil a essa prova, efeito esse que é o de protecção do cônjuge inocente, retroagindo os efeitos do divórcio à data da cessação da coabitação".

Entendimento diferente teve a 2ª instância, não só por razões de ordem literal, como ainda tendo em conta as relações entre os cônjuges e as relações destes para com terceiros.

2. Segundo o nº 1 do citado artigo 1789º, "Os efeitos do divórcio produzem-se a partir do trânsito em julgado da respectiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da acção quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges".
"Se a falta de coabitação entre os cônjuges estiver provada no processo, qualquer deles pode requerer que os efeitos do divórcio se retrotraiam à data, que a sentença fixará, em que a coabitação tenha cessado por culpa exclusiva ou predominante do outro" - seu nº 2.

"Os efeitos patrimoniais do divórcio só podem ser opostos a terceiros a partir da data do registo da sentença" - seu nº 3.

Temos, assim, que a retroacção prevista no citado nº 2 constitui um benefício concedido ao cônjuge inocente ou menos culpado, exigindo-se dois requisitos: a prova da cessação da coabitação e a culpa exclusiva ou predominante do outro cônjuge nessa cessação.
Por isso - e como bem se diz no acórdão recorrido -, a faculdade que o preceito concede não é aplicável no divórcio por mútuo consentimento, visto que aqueles dois requisitos exigem a produção de prova, sendo inadmissível a confissão das partes em matéria que versa sobre direitos indisponíveis, e, mesmo no divórcio litigioso, só abarcará, em princípio, aquelas situações em que se mostre alegada e provada a violação do dever de coabitação como fundamento do divórcio ou, pelo menos, como fundamento da declaração de culpa - artigo 1787º do Código Civil (cfr. Teixeira de Sousa, in "O Regime Jurídico do Divórcio", 1991, pág. 195).

O acórdão da Relação do Porto de 17.01.1989 (CJ, Ano XIV-1989, Tomo 1, pág. 180, e BMJ 383º-608) refere que a letra do preceito não é suficientemente elucidativa e permite que se adopte qualquer das soluções, acabando por decidir que o pedido de retroacção dos efeitos do divórcio à data em que cessou a coabitação entre os cônjuges pode ser feito mesmo depois do trânsito em julgado da sentença, constituindo esse pedido, em tais condições, embora formulado no próprio processo, incidente autónomo (apontando neste mesmo sentido, podemos ver o acórdão da Relação de Lisboa de 16.01.1996 - CJ, Ano XXI-1996, Tomo I, pág. 85).

3. Assim não entendemos.

Na verdade, decorre dos termos do normativo legal em causa que a data da cessação da coabitação entre os cônjuges só pode ser fixada na sentença que decretou o divórcio, não podendo ser fixada em momento posterior, no processo de divórcio (por via incidental) ou noutra acção.

Como se diz no acórdão deste STJ de 22.01.1997 (CJ/STJ, Ano V, Tomo I-1997, pág. 63), o nº 2 do artigo 1789º exige, desde logo, que a falta de coabitação entre os cônjuges esteja provada no processo (processo de divórcio, claro está).
Depois, é indispensável requerimento do cônjuge a pedir que os efeitos do divórcio se retrotraiam à data da cessação de coabitação, pedido que, necessariamente, terá de ser formulado no processo de divórcio, antes da prolação da respectiva sentença.
E isto porque essa data terá de ser fixada na sentença que decretar o divórcio litigioso, apurada que esteja a culpa exclusiva ou predominante do requerido na cessação da coabitação (neste sentido, acórdãos do STJ de 11.07.1989 - AJ 1º/1-11 - e de 06.02.1992 - JSTJ00014226 -, da Relação do Porto de 18.03.1996 - BMJ 455º-570 - e de 19.01.1998 - JTRP00022691 -, de 19.04.1999 - JTRP00025762 -, e de 15.04.2004 - JTRP00035538 -, em http://www.dgsi.pt, e da Relação de Coimbra de 19.02.1991 - BMJ 404º-519 -, e Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, pág. 47, Pereira Coelho e Guilherme Oliveira - embora sem analisar detidamente a questão -, Curso de Direito de Família, I, pág. 657, Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, IV, 2ª edição revista e actualizada, pág. 561, Abel Delgado, O Divórcio, 2ª edição, pág. 131).

4. Alega a recorrente que o acórdão recorrido padece da nulidade prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 668º do CPC, pois não se pronunciou sobre a possibilidade de o requerimento ser também deduzido como incidente - caso dos autos -, não obstante tal matéria ter sido expressamente alegada nas conclusões da contra-alegação do agravo interposto da decisão de primeira instância.

É manifesta a sua carência de razão.

Desde logo, porque, tendo-se entendido que o requerimento tem de ser apresentado no processo de divórcio litigioso até à prolação da sentença, é manifesto que se está a decidir que o requerimento não pode ser apresentado em incidente autónomo após ter sido proferida a sentença.

Depois, tal entendimento - sufragado na apreciação do objecto do recurso interposto pelo requerido - teve como consequência a revogação da decisão proferida na 1ª instância, onde - erradamente, quanto a nós - se defendeu precisamente a possibilidade de o requerimento a que se reporta o nº 2 do artigo 1789º do Código Civil ser apresentado em incidente autónomo suscitado depois do trânsito em julgado da sentença que decretara o divórcio dos cônjuges com culpa exclusiva do cônjuge-marido.

Não ocorre, pois, a apontada nulidade.

5. Refere a recorrente que só depois de decidida a matéria de facto se fica a saber a data em que o tribunal fixou a cessação da coabitação entre os cônjuges, pelo que, nos casos em que não há base instrutória (por exemplo, nos divórcios não contestados) já não seria possível tal requerimento, a menos que o pedido de retroacção fosse formulado condicionalmente, antes do julgamento, sendo que a lei adjectiva não contempla tal situação.

No citado acórdão da Relação do Porto de 17.01.1989, diz-se, na verdade, que, uma vez que só depois de proferida decisão sobre a matéria de facto é que fica a saber-se qual a data em que o tribunal fixou a cessação da coabitação entre os cônjuges, nos casos em que não há questionário não seria possível o requerimento, a menos que se entenda que o efeito retroactivo devia ser requerido, embora condicionalmente (para a hipótese de se provar a data da cessação da coabitação), antes do julgamento.

Diremos que o problema não será só o da data da cessação da coabitação; será concomitantemente o da culpa exclusiva ou predominante de um dos cônjuges.

De qualquer forma, não vislumbramos como, em divórcios não contestados, a situação possa ser diferente.

Em qualquer acção de divórcio litigioso, em que seja alegada a cessação da coabitação, nada impede qualquer dos cônjuges de, a todo o momento (mesmo em qualquer seu articulado) - mas antes da sentença -, requerer que, quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges, os efeitos do divórcio se retrotraiam à data da cessação da coabitação.

Tal requerimento será, então, deferido na sentença se se mostrarem preenchidos os requisitos exigidos por lei para o efeito: a prova da data da cessação da coabitação e a culpa exclusiva ou predominante do outro cônjuge nessa cessação.

Se estivermos perante uma acção que seja objecto de contestação, será proferido o despacho saneador, declarando-se os factos assentes (casamento e, eventualmente, filhos menores e outros factos provados por documento autêntico) e elaborando-se a base instrutória (cfr. artigos 510º e 511º do CPC).
Aquando do julgamento (discussão da matéria de facto) - cfr. artigo 652º -, há lugar aos debates, ou seja, aos advogados das partes é dada a palavra para alegações sobre a matéria de facto.
Após a decisão sobre a matéria de facto, isto é, depois das respostas aos diversos pontos da base instrutória (artigo 653º), os advogados poderão ainda apresentar, por escrito, alegações sobre o aspecto jurídico da causa, caso de tal faculdade não prescindam (artigo 657º).

Em qualquer destas fases poderá ser apresentado o requerimento a que se reporta o nº 2 do artigo 1789º do Código Civil, sendo que, na fase do artigo 657º, já os mandatários das partes têm conhecimento da decisão sobre a matéria de facto, o que lhes possibilitará melhor saber se, em princípio, ocorrem os requisitos para o deferimento de um requerimento no sentido apontado.

Em divórcio não contestado, em que não há base instrutória, o(a) Autor(a), não tendo ainda apresentado o requerimento, poderá fazê-lo em julgamento, logo que produzida a prova, designadamente ao usar da palavra para alegações (cfr. artigo 1408º).

Não vemos, assim - ao contrário do que alega a recorrente - que, em divórcios não contestados, não seria possível apresentar o requerimento.

Um requerimento desta natureza será sempre apresentado para ser atendido apenas no caso de se verificarem os requisitos acima aludidos.

Aliás, quantas vezes aparecem acções de divórcio (contestadas), em que, logo nos articulados, as duas partes apresentam tal requerimento.

Ora, como é óbvio, só um deles poderá - se for caso disso - ser atendido.

6. Infere-se, pois, do exposto que não colhem as conclusões da recorrente, tendentes ao provimento do recurso, pelo que a decisão recorrida não merece qualquer censura.

III - Podem extrair-se as seguintes conclusões:

1ª - Em acção de divórcio em que, como fundamento ou, pelo menos, da declaração de culpa se alegue a cessação da coabitação, o requerimento a que alude o artigo 1789º, nº 2, do CC tem de ser apresentado até à prolação da sentença.
2ª - Não poderá, assim, tal pretensão ser requerida posteriormente, em incidente autónomo, no próprio processo, por ter ficado precludido esse direito.

IV - Nos termos expostos, acorda-se em negar provimento ao agravo, confirmando-se, em consequência, a decisão recorrida.

Custas pela agravante, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.

Lisboa, 19 de Outubro de 2004
Moreira Camilo
Lopes Pinto
Pinto Monteiro (Embora não se tenha a questão como líquida, votei a decisão, retomando a tese que segui no Ac. R.L. de 14.3.95, recurso nº 9177/94, de que fui relator).