Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
138/17.5T8CVL.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: PAULA SÁ FERNANDES
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I- A lei dos acidentes de Trabalho (LAT), no seu artigo 11º, nº5, confere direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento. 
II- Deste preceito não resulta que a entidade responsável tenha o dever de reparar toda e qualquer doença do sinistrado manifestada durante o tratamento, mas, apenas, se essa doença for consequência do tratamento.
III- O nexo causal exigido neste dispositivo, para efeitos de responsabilidade infortunística, comporta assim uma causalidade indireta entre o acidente e a lesão ou doença, reconhecendo a necessidade de prever as situações em que se não fosse o acidente de trabalho, não tinha havido a necessidade do tratamento que veio a provocar lesão ou doença.
IV- Na verdade, no caso, não fora o acidente de trabalho e o sinistrado não tinha tido a necessidade de se deslocar sucessivas vezes ao hospital, num curto período de tempo, contraindo aí sépsis, que lhe veio a determinar a morte por falência orgânica.
Decisão Texto Integral:


Processo n.º 138/17.8T8CVL.C1. S1

Recurso de Revista

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.Relatório

AA, viúva do sinistrado BB, intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho, contra a GENERALI - COMPANHIA DE SEGUROS, S.A, com sede na Rua Duque de Palmela, 11, Lisboa, pedindo a condenação da ré a reconhecer que o acidente ocorrido no dia 9 de janeiro de 2017, pelas 23h00, em ..., ..., que vitimou BB, é de trabalho, devendo a ré, por conseguinte, ser condenada a:

a) Pagar à A. a quantia de € 88,20 (oitenta e oito euros e vinte cêntimos), a título de despesas medicamentosas, farmacêuticas e transportes, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, sendo os vencidos, na presente data, no valor de € 6,47 (seis euros e quarenta e sete cêntimos), e ainda dos juros de mora vincendos;

b) Pagar à A. a quantia que se vier a apurar, a título de consultas/episódios de urgência, exames clínicos e outros medicamentos, após a R. prestar informação, por ter tais elementos na sua posse;

c) Pagar à A. a quantia de € 289,88 (duzentos e oitenta e nove euros e oitenta e oito cêntimos), a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos que se cifram atualmente no montante de € 21,25 (vinte e um euros e vinte e cinco) e vincendos até efetivo e integral pagamento;

d) Pagar à A. um subsídio por morte no montante de € 5.561,42 (cinco mil quinhentos e sessenta e um euros e quarenta e dois cêntimos), acrescida da quantia de € 407,74 (quatrocentos e sete euros e setenta e quatro cêntimos), a título de juros de mora à taxa legal vencidos, e, ainda, nos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento;

e) Reembolsar a A. das despesas com o funeral, no montante de € 2.195,00 (Dois mil cento e noventa e cinco euros), acrescido da quantia de € 160,93 (cento e sessenta euros e noventa e três cêntimos), a título de juros de mora à taxa legal vencidos e, ainda, nos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento;

f) Pagar à A. uma pensão anual no valor de € 3.681,16 (três mil seiscentos e oitenta e um euros e dezasseis cêntimos), até à data em que perfizer a idade da reforma por velhice, acrescida de juros de mora vencidos à taxa legal, a partir do dia seguinte ao do falecimento, que se cifram atualmente no montante de € 251,31 (Duzentos e cinquenta e um euros e trinta e um cêntimos);

g) Pagar à A. uma pensão anual no valor de € 4.908,22 (quatro mil novecentos e oito euros e vinte e dois cêntimos), após a data em que perfizer a idade de reforma por velhice, sem prejuízo das atualizações anuais que tiverem lugar.

O Tribunal de 1ª instância proferiu sentença, tendo julgado parcialmente procedente a ação, considerou que o acidente sofrido pelo sinistrado foi um acidente de trabalho, condenou a Ré a pagar à viúva as quantias de € 258,83, e € 40,92, a título de indemnização por ITA e despesas por deslocações. Contudo, não considerou verificado o nexo causal entre a lesão causada pelo acidente de trabalho e a morte do sinistrado, pelo que, não condenou a Ré nos demais pedidos formulados pela Autora/beneficiária.

Inconformada a Autora interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Coimbra, impugnou a matéria de facto e pugnou pelo reconhecimento de que o tratamento da lesão sofrida no acidente de trabalho foi causa da morte do sinistrado, com as legais consequências.

O Tribunal da Relação considerou que foi durante o tratamento das lesões provocadas pelo acidente de trabalho e por causa dele que se manifestou uma nova lesão que foi a causa da morte do sinistrado e concluiu pela responsabilidade infortunística da Seguradora, tendo proferido a seguinte Decisão:

Termos em que se decide julgar a apelação procedente em função do que se decide:

1. Condenar a ré a reconhecer que o evento dos autos se trata de um típico e indemnizável acidente de trabalho.

2. Condenar a ré a pagar à autora:

a) Uma pensão anual no valor de € 3 681,16 até à data em que perfizer a idade de reforma por velhice (art.59.º n.º1 a) da Lei 98/2009 de 13/09 – 30% do valor da retribuição do sinistrado) acrescido de juros a partir do dia seguinte ao do falecimento (art. 56.º n.º 2 do CPT) e no montante de € 4 908,22 após a data em que perfizer a idade de reforma por velhice (art. 59.º n.º 1 a) da Lei 98/2009 de 13/09 – 4% do valor da retribuição do sinistrado), sem prejuízo das atualizações anuais a que haja lugar.

b) O subsídio por morte no montante de € 5 561,42 (art. 65.º n.º 1 e n.º 2 b) da Lei 98/2009 de 13/09).

3. Anular a sentença na parte relativa ao pedido de pagamento das despesas de funeral, e apenas nesta parte, devendo a 1ª instância decidir a matéria de facto atinente a este pedido, após o que decidirá conforme for de direito.

4. Manter, no mais, a sentença impugnada.”

A Ré/seguradora inconformada, interpôs recurso de Revista com seguintes Conclusões:

I. O acórdão da Relação de Coimbra de 08.05.2020, aqui recorrido, ao contrário da sentença da 1.ª instância, condenou a recorrente a pagar a pensão pedida pela recorrida, mas com base na aplicação do art.º 11.º/5 da LAT.

II. A aplicação do previsto no art.º 11º/5 da LAT pressupõe a prova de dois requisitos de facto: 1º - o de que se tenha verificado uma lesão [nova] durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho; 2º - que essa lesão [nova] seja uma consequência desse tratamento.

III. Nenhum desses requisitos de facto ficou provado nos autos dado que:

- Não ficou provada a causa da morte do sinistrado em 19.01.2017;

- Não ficou provado que a causa da morte do sinistrado fosse o choque séptico, como assumido pela Relação, apenas que o sinistrado sofreu um choque séptico;

- Não ficou provado que o choque séptico fosse causado pela infeção do sinistrado pela bactéria Staphylococcus aureus, como assumido pela Relação;

- Não ficou provado que a infeção do sinistrado pela bactéria Staphylococus aureus tivesse sido a causa da morte do sinistrado;

- Não ficou provado que o sinistrado tivesse sido infetado pela bactéria Staphylococcus aureus no hospital (aonde a Relação admitiu, por mera hipótese, que pudesse ter sido mais fácil de apanhar essa infeção!), ao contrário do depois considerado no acórdão, apenas que as sucessivas idas ao Serviço de Urgência determinaram a infeção do sinistrado pelo Staphylococcus aureus¸ sem, pois, se dizer em que concreto local se deu a infeção;

- Não ficou sequer provado que as dores sofridas pelo sinistrado a partir da noite de 12.01.2017 em diante, e até 19.01.2017, data da sua morte, tivessem alguma relação com a lesão sofrida no acidente - lombalgia aguda pós-traumática na região lombar, flanco esquerdo;

- Nem sequer quais elas fossem e aonde as sentia (considerando que, depois de 09.01.2017, data do acidente, lhe sobreveio alguma maleita nova! as dores em causa eram da lombalgia ou dessa maleita nova?? afinal aonde teve? na parte lombar? na parte cervical? nas pernas? em que parte do corpo ??);

- Não ficou provado que as idas do sinistrado ao Serviço de Urgência do hospital, para além da ida inicial, pelas 0h46 de dia 10.01.2017 (facto 18), fossem para tratamento da lesão do acidente - lombalgia aguda pós-traumática na região lombar, flanco esquerdo - desconhecendo-se se as restantes idas (a 13.01.2017, 17.01.2017 e 18.01.2017) também o foram.

IV. Por seu lado, lesão nova para efeitos da aplicação daquele preceito é uma ferida no 3.º espaço interdigital do pé esquerdo, pela qual poderá, eventualmente, ter entrado a bactéria Staphilococcus, ferida essa que não foi causada nem teve qualquer relação com o acidente de trabalho dos autos.

V. Por não terem, pois, ficado provados os respetivos pressupostos de facto e também por se dever antes considerar como lesão nova para efeitos do art.º 11º/5 da LAT a sobredita ferida no pé esquerdo, não causada pelo acidente, não podia, pois, o tribunal recorrido aplicar, ao caso, o previsto naquele preceito legal, pelo que, ao fazê-lo, fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do mesmo, devendo a sua decisão ser revogada, mantendo-se a proferida pela 1ª instância.

VI. Finalmente, ao estabelecer o nexo causal entre a lesão/lombalgia sofrida no acidente de trabalho em 09.01.2017 e a morte do lesado, ocorrida em 19.01.2017, por via da sobreveniência de lesão nova surgida por causa do tratamento àquela dita lombalgia, o tribunal recorrido fez, salvo o devido respeito, uma errada aplicação do previsto no citado art.º 11.º/5 da LAT e no art.º 563.º do CC, devendo, por não se dever considerar estabelecido aquele nexo causal e, como tal, ao menos esse requisito para a aplicação daqueles preceitos legais, ser revogada a sua decisão, mantendo-se antes o decidido pela 1.ª instância.

TERMOS EM QUE deverá ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído o mesmo por decisão que, como a 1.ª instância, absolva a recorrente do pedido de pagamento de pensão à recorrida, com o que se fará Justiça”

A Autora, nas contra-alegações, pugnou pela confirmação do acórdão recorrido.

A Exma. SrºProcuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de que o Tribunal da Relação decidiu bem, ao considerar que a morte do sinistrado ocorreu como consequência dos tratamentos ocorridos em virtude das lesões causadas pelo acidente de trabalho, pelo que a situação se enquadra no n.º 5 do artigo 11.º da LAT, como foi decidido.

Notificado o Parecer do Ministério Público às partes, não houve qualquer resposta.

II. Fundamentação

A questão suscitada nas conclusões do recurso de revista, que delimitam o seu objeto, é a de saber se a beneficiária, viúva do sinistrado, tem direito à reparação prevista no n.º 5 do artigo 11.º da LAT, para esse efeito, há que saber se a morte do sinistrado ocorreu por causa do tratamento recebido em consequência do acidente de trabalho que havia sofrido.

           

Fundamentos de facto

Resultaram provados os seguintes factos:

1. A A. é viúva de BB.

2. “Paulo de Oliveira, S.A.”, pessoa coletiva n.º 500 213 348, com sede na Quinta das Mineiras, Apartado 157, 6201-951 Covilhã, dedica-se à tecelagem de fio do tipo lã, e no exercício do seu escopo social.

3. Admitiu o sinistrado ao seu serviço, a 26.12.1991, com contrato de trabalho, para prestar, sob a sua autoridade e direção, as funções inerentes à categoria de operador de máquinas automáticas de acabamentos.

4. Recebendo como contrapartida remuneratória o vencimento de € 835,50 (oitocentos e trinta e cinco euros e cinquenta cêntimos), a título de salário base, em 14 meses por ano, e o montante de € 52,14 (cinquenta e dois euros e catorze cêntimos) em 11 meses por ano, a título de subsídio de alimentação.

5. A retribuição anual global anteriormente referida no montante de € 12.270,54 estava totalmente transferida para a seguradora ré.

6. A entidade patronal tinha a responsabilidade infortunística transferida para a R. seguradora, através da apólice n.º …-…5000.

7. O sinistrado foi vítima de um acidente no passado dia 09 de janeiro de 2017, pelas 23h00, em ..., ....

8. O acidente ocorreu durante o horário de trabalho e no seu local de trabalho.

9. O sinistrado, quando se encontrava a empurrar uma barca pelo rebordo superior, que continha fazenda molhada no interior, da lavadeira para a torre abridora, por meio de um corredor de circulação, sito no interior das instalações da entidade empregadora, escorregaram-lhe as mãos.

10. Tendo ido embater com a zona lombar num rolo de fazenda.

11. Tendo sofrido um traumatismo direto da região lombar.

12. O sinistrado dirigiu-se ao Centro Hospitalar ... ou CH... para receber os primeiros socorros.

13. Tendo-lhe sido diagnosticada uma lombalgia aguda pós-traumática na região lombar, flanco esquerdo.

14. Pelas 00:46h do dia 10.01.2017, o sinistrado deslocou-se ao CH..., porque sentia muita dor. (redação alterada pelo acórdão recorrido)

15. Foi-lhe dada alta pelas 08:09 de 10.01.2017, com indicação de repouso em casa, e foi medicado com ben-u-ron, nolotil e unisedil.

16. O sinistrado comprou umas canadianas, para o auxiliar a deslocar-se.

17. No dia 12.01.2017, o sinistrado foi visto pelo médico da entidade empregadora, a quem questionou se deveria ir ao médico de família, ao que lhe foi dito que não, uma vez que estava a ser acompanhado por bons médicos, devendo continuar com a medicação que lhe havia sido prescrita.

18. Durante essa noite, o sinistrado teve muitas dores.

19. No dia 13.01.2017, por volta das 8h30, o sinistrado, dirigiu-se novamente ao CH..., onde esteve a soro, foi-lhe ministrada uma injeção para as dores e dada novamente alta, com indicação de manter a medicação prescrita, e tendo, ainda, sido medicado com Arcoxia 90 ao pequeno-almoço.

20. O sinistrado, deitou-se no chão para aliviar as dores.

21. No dia 14.01.2017, o sinistrado foi à farmácia comprar Rimanal Gel 10/20 mg/g.

22. No dia 17.01.2017 o corpo do sinistrado começou a inchar e esperou que a esposa regressasse a casa do trabalho, tendo-lhe comunicado que não conseguia urinar.

23. A A. chamou de imediato o INEM, que após o auscultar no local, o levou para o CH..., apresentando-se o sinistrado com dificuldade de mobilização dos membros inferiores.

24. O sinistrado recebeu alta às 06:00.

25. No dia 18.01.2017, pelas 11h00, o sinistrado deslocou-se a uma farmácia ..., junto ao ..... Shopping, para levantar uma receita médica.

26. Quando o sinistrado se encontrava junto dessa farmácia, pelas 11h19, perdeu os sentidos e caiu ao solo, tendo sido novamente transportado de ambulância, pelos bombeiros, para as urgências do CH..., apresentando cianose periférica e hipotermia.

27. Por volta das 16h30 desse dia, ligou à A. pedindo-lhe que alguém fosse ao CH... levantar os seus pertences pessoais, porquanto iria ficar internado.

28. Uma vez ali, foi-lhe feito um tratamento à glicémia.

29. O sinistrado veio a falecer no dia 19.01.2017, pelas 07:15 no CH....

30. O sinistrado tinha 57 anos à data do acidente, tendo nascido em 20.11.1960.

31. Entre a data do acidente de trabalho e a data do falecimento, o sinistrado recorreu ininterruptamente ao serviço de urgências do CH... e ao médico do trabalho, por força das dores que se faziam sentir, sendo medicado com analgésicos.

32. Do relatório de autópsia resulta “doente com queixas dolorosas, persistentes atribuídas a acidente de trabalho, com traumatismo lombar, motivando repetidos episódios de urgências, o primeiro em 10/01/2017 e o penúltimo em 17/01/2017. Apresenta-se com quadro clínico compatível com choque séptico”.

33. O sinistrado teve despesas relacionadas com consultas/episódios de urgência, exames clínicos e outros medicamentos, designadamente deslocações (estando em causa sempre aproximadamente 3 km): Deslocação de 09.01.2017 do trabalho para o CH....

34. Deslocação de 18.01.2017 de casa para a farmácia.

35. Deslocação de 12.01.2017 de casa para a sede da entidade empregadora.

36. Deslocação de 13.01.2017 de casa para o CH....

37. Deslocação de 13.01.2017 do CH... para casa.

38. Deslocação de 18.01.2017 do CH... para casa.

39. Deslocação de 18.01.2017 de casa para a farmácia.

40. A autora deslocou-se ao Tribunal no dia 29.10.2018.

41. O sinistrado despendeu com a aquisição de medicação e tratamentos a quantia de € 31,201.

42. Na sequência do acidente, o período de ITA foi fixado em 14 dias.

43. Na sequência do acidente de trabalho, foi receitada ao sinistrado medicação específica destinada a debelar o mal-estar e os efeitos causados por aquele.

44. Na sequência do acidente, o sinistrado passou a sofrer dores que o impediam de dormir e de descansar devidamente.

45. A hemorragia pulmonar aguda subpleural e alveolar à direita, complicada de edema pulmonar marcado e difuso, foi a causa da morte segundo o relatório da autópsia (alterado pelo acórdão recorrido).

46. Eliminado pelo acórdão recorrido

Factos aditados pelo Tribunal da Relação:

47. O sinistrado sofreu um choque séptico. (aditado aos factos provados, eliminado dos não provados, como alínea Q))

48. As substâncias benzodiazepinicas e medicamentosas encontradas no sinistrado foram ministradas por serem adequadas às queixas do sinistrado. (aditado aos factos provados, eliminado dos não provados, como alínea G) e alterado na sua redação).

49. As sucessivas idas ao Serviço de Urgência determinaram a infeção do sinistrado pelo Staphylococcus aureus. (facto aditado pelo acórdão recorrido)

Factos não provados:

A. Da queda sofrida pelo sinistrado, no dia 18/01, resultou uma ferida sangrenta no couro cabeludo.

B. O CH... chamou um táxi ao sinistrado, a quem pagou a quantia de €6,00.

C. Nas suas deslocações ao CH..., instalações da entidade empregadora e farmácia o sinistrado deslocou-se, sempre, de táxi.

D. À data do acidente o sinistrado sofria já de uma complicação cardíaca.

E. Essa complicação foi a única causa da morte do sinistrado.

F. A medicação que foi prescrita ao sinistrado na sequência do acidente, e a falta de repouso provocado pelas dores sofridas, provocou um aumento de pressão arterial ao sinistrado que conduziu à cardiopatia isquémica associada a pleurite fibrinosa e hemorragia pulmonar aguda subpleural e alveolar à direita, complicada de edema pulmonar marcado e difuso.

G. Eliminado

H. As substâncias benzodiazepinicas e medicamentosas encontradas no sinistrado deram origem à cardiopatia isquémica associada a pleurite fibrinosa e hemorragia pulmonar aguda subpleural e alveolar à direita, complicada de edema pulmonar marcado e difuso.

I. A esteatose hepática macrovesicular, marcada (65%) e difusa foi originada pelo acidente.

J. A esteatose hepática macrovesicular, marcada (65%) e difusa foi originada pelo tratamento que teve de efetuar para as lesões sofridas pelo acidente.

K. A arteriosclerose renal moderada foi originada pelo acidente.

L. A arteriosclerose renal moderada foi originada pelo tratamento que teve de efetuar para as lesões sofridas pelo acidente de trabalho. M. A congestão vascular marcada e difusa dos órgãos foi originada pelo acidente.

N. A congestão vascular marcada e difusa dos órgãos foi originada pelo tratamento que teve de efetuar para as lesões sofridas pelo acidente de trabalho.

O. Caso não tivesse ocorrido o sinistro as complicações cardíacas de que o sinistrado padecia à data daquele, por si só, teriam ocasionado a sua morte nos termos em que ocorreu.

P. A morte do sinistrado resultou de uma doença interna, aguda ou crónica, que aconteceu sem a intervenção de qualquer fator externo ou exógeno.

Q. Eliminado.

R. O sinistrado sofria de uma cardiopatia isquémica associada a pleurite fibrinosa. (eliminado dos factos provados sob o n.º 46 e aditado aos factos não provados pelo acórdão recorrido).

Fundamentos de direito

A questão suscitada - saber se a viúva do sinistrado tem direito à reparação ao abrigo do artigo 11.º, n.º 5 da LAT – deve ser apreciada face factualidade fixada pelo Tribunal da Relação.

Da análise dos autos, face à matéria de facto dada como provada em 1ª instância, resultava inequivocamente que o sinistrado havia sofrido um acidente de trabalho, mas não permitia concluir que a sua morte tivesse decorrido do tratamento a que se havia submetido.

No recurso de apelação, o Tribunal da Relação reapreciou a matéria de facto, alterou-a, quer eliminando artigos, quer alterando a redação a outros, quer ainda procedendo aos aditamentos que entendeu que se impunham em face da reapreciação da prova, e considerou  que foi durante o tratamento das lesões provocadas pelo acidente de trabalho e por causa deste que se manifestou uma nova lesão que foi a causa da morte do sinistrado, tendo concluído pela responsabilidade infortunística da Ré/seguradora.

 A Recorrente/seguradora alega que o Tribunal da Relação não podia ter concluído desse modo por falta do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 11.º, n.º 5 da LAT, pois não  resultaram provados os respetivos pressupostos de facto e por se dever considerar como lesão nova, para efeitos do referido dispositivo, a  ferida no pé esquerdo, que não foi causada nem teve qualquer relação com o acidente de trabalho dos autos.

Importa começar por referir, que a invocada “ferida no pé esquerdo”, não consta da factualidade dada como provada, sendo que o Tribunal da Relação fixou a matéria de facto, nos termos do artigo 662.º, n.º 1 do CPC, segundo o qual: “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”

 Não pode, agora, este Tribunal sindicar tal fixação porquanto não houve qualquer violação de prova vinculada – artigos. 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3 e 682.º, n.ºs 1 e 2 – nem a recorrente o invoca - não sendo assim possível pôr em causa tal factualidade.

Deste modo, há que apreciar a questão suscitada com base nos factos fixados pelo Tribunal da Relação, assumindo particular relevância para a questão em análise os a seguir enunciados:

7. O sinistrado foi vítima de um acidente no passado dia 09 de janeiro de 2017, (…).

8. O acidente ocorreu durante o horário de trabalho e no seu local de trabalho.

11. Tendo sofrido um traumatismo direto da região lombar.

12. O sinistrado dirigiu-se ao Centro Hospitalar ... ou CH... para receber os primeiros socorros.

13. Tendo-lhe sido diagnosticada uma lombalgia aguda pós-traumática na região lombar, flanco esquerdo.

14. Pelas 00:46h do dia 10.01.2017, o sinistrado deslocou-se ao CH..., porque sentia muita dor.

19. No dia 13.01.2017, por volta das 8h30, o sinistrado, dirigiu-se novamente ao CH..., onde esteve a soro, foi-lhe ministrada uma injeção para as dores e dada novamente alta, com indicação de manter a medicação prescrita, e tendo, ainda, sido medicado com Arcoxia 90 ao pequeno-almoço.

22. No dia 17.01.2017 o corpo do sinistrado começou a inchar e esperou que a esposa regressasse a casa do trabalho, tendo-lhe comunicado que não conseguia urinar.

23. A Autora chamou de imediato o INEM, que após o auscultar no local, o levou para o CH..., apresentando-se o sinistrado com dificuldade de mobilização dos membros inferiores.

25. No dia 18.01.2017, pelas 11h00, o sinistrado deslocou-se a uma farmácia da ..., junto ao S... Shopping, para levantar uma receita médica.

26. Quando o sinistrado se encontrava junto dessa farmácia, pelas 11h19, perdeu os sentidos e caiu ao solo, tendo sido novamente transportado de ambulância, pelos bombeiros, para as urgências do CH..., apresentando cianose periférica e hipotermia.

29. O sinistrado veio a falecer no dia 19.01.2017, pelas 07:15 no CH....

31. Entre a data do acidente de trabalho e a data do falecimento, o sinistrado recorreu ininterruptamente ao serviço de urgências do CH... e ao médico do trabalho, por força das dores que se faziam sentir, sendo medicado com analgésicos.

32. Do relatório de autópsia resulta “doente com queixas dolorosas, persistentes atribuídas a acidente de trabalho, com traumatismo lombar, motivando repetidos episódios de urgências, o primeiro em 10/01/2017 e o penúltimo em 17/01/2017. Apresenta-se com quadro clínico compatível com choque séptico”.

45. A hemorragia pulmonar aguda subpleural e alveolar à direita, complicada de edema pulmonar marcado e difuso, foi a causa da morte segundo o relatório da autópsia

47. O sinistrado sofreu um choque séptico.

49. As sucessivas idas ao Serviço de Urgência determinaram a infeção do sinistrado pelo Staphylococcus aureus.

Desta factualidade resulta que o sinistrado sofreu um acidente de trabalho em 9 de Janeiro de 2017 – o que é pacífico entre as partes - tendo sofrido um traumatismo direto da região lombar;  na sequência dessa lesão,  entre dia 10 e 17 de Janeiro, dirigiu-se - ou teve de ser transportado - cinco vezes às urgências do hospital, essas deslocações sucessivas ao hospital determinaram a infeção do sinistrado pelo Staphylococcus aureus, vindo a sofrer um choque séptico que lhe causa a morte por hemorragia pulmonar aguda subpleural e alveolar à direita, complicada de edema pulmonar marcado e difuso.

Resulta, assim, que a morte do sinistrado ocorreu na sequência de uma infeção contraída nas sucessivas deslocações ao hospital após o acidente de trabalho que sofreu, concluindo o Tribunal da Relação pelo direito da Beneficiária à indemnização, ao abrigo do n.º5 do artigo 11º da LAT.

Vejamos então, se face à factualidade dada como assente, se estão reunidos os requisitos legais que permitem a à viúva do sinistrado beneficiar da reparação prevista no referido dispositivo da LAT.

Atentemos ao regime jurídico aplicável ao caso.

A legislação específica em causa é a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro, que regulamenta a reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, e que é mais comummente conhecida como LAT - Lei dos Acidentes de Trabalho.

O artigo 1.º n.º 1 da LAT, sobre o seu objeto da lei, dispõe: A presente lei regulamenta o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art.º 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de fevereiro.”

Por sua vez, o artigo 2.º, sobre os beneficiários da mesma, prevê: O trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na presente lei.

O artigo 8.º da LAT dá-nos o conceito de acidente de trabalho: É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

O conceito de acidente de trabalho exige, assim, a ocorrência do evento no local e no tempo de trabalho, um nexo de causalidade entre o evento e a lesão corporal, perturbação funcional ou doença, e um nexo de causalidade entre as lesões e a morte ou a incapacidade, sendo que a mesma LAT estabelece no seu artigo 10º uma presunção ilidível de que a lesão constatada  no local e no tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo antecedente  (artigo 9º, extensão do conceito) presume-se consequência do acidente de trabalho.

A Ré/seguradora não questiona a caracterização do acidente como um acidente de trabalho, tendo-lhe reconhecido e fixado um período de ITA de 14 dias (facto n. º 42).

O que a Recorrente questiona é o nexo de causalidade entre o acidente sofrido pelo sinistrado em 9.01.2017 e a sua morte, ocorrida em 19 de janeiro seguinte, pondo em causa o dever de reparar a autora/viúva, ao abrigo do artigo 11º, n.º 5 da LAT.

 

O referido dispositivo dispõe: Confere também direito à reparação a lesão ou doença que se manifeste durante o tratamento subsequente a um acidente de trabalho e que seja consequência de tal tratamento.”  

Deste preceito não resulta que a entidade responsável tenha o dever de reparar toda e qualquer doença do sinistrado manifestada durante o tratamento, mas, apenas, se essa doença for consequência do tratamento.

O nexo causal exigido neste dispositivo, para efeitos de responsabilidade infortunística, comporta assim uma causalidade indireta entre o acidente e a lesão ou doença, reconhecendo a necessidade de prever as situações em que se não fosse o acidente de trabalho, não tinha havido a necessidade do tratamento que veio a provocar lesão ou doença.

Na verdade, no caso, não fora o acidente de trabalho e o sinistrado não tinha tido a necessidade de se deslocar sucessivas vezes ao hospital, num curto período de tempo, contraindo aí sépsis, que lhe veio a determinar a morte por falência orgânica.  

 A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, já se pronunciou diversas vezes sobre a relevância de uma causalidade indireta no conceito de acidente de trabalho, vejamos, título de exemplo:

Acórdão de 8 de outubro de 2014, processo n.º 4028/10.4TTLSB.L1. S1, afirmou:

III - Deve ser considerado causa adequada da morte do sinistrado o acidente de trabalho que provoca fratura de um membro inferior deste e a sua imobilização, bem como o recurso a fisioterapia para recuperação de movimentos desse membro, tratamento que terá desencadeado a entrada em circulação de um coágulo sanguíneo, que ao alojar-se no pulmão, provocou a morte do sinistrado.

IV - Não obsta à conclusão referida no número anterior o facto de se não ter estabelecido médico- legalmente uma relação direta entre o acidente e a formação do coágulo sanguíneo em causa, uma vez que se deu como provado ser muito provável a existência de uma relação causal entre o acidente e a formação desse coágulo, cuja libertação foi provocada pelo tratamento de fisioterapia e não se provaram também quaisquer circunstâncias excecionais que desencadeassem aquela formação.

Acórdão de 25 de junho de 2008, no processo n.º 236/08 - 4.ª Secção afirmou:

(…)  - Por isso, verifica-se nexo causal entre o acidente de trabalho e a morte do sinistrado, no circunstancialismo em que se constata que a causa de morte foi embolia pulmonar, a qual se deveu ao facto de, na sequência das lesões resultantes do acidente de trabalho, o sinistrado ter ficado acamado com o membro inferior imobilizado sem que lhe fosse ministrado um determinado fármaco.

Acórdão de 4 de junho de 2003, proferido nos autos de Revista n.º 304/02, também decidiu de igual forma, ainda que a legislação aplicável ao caso se referia à antiga lei dos acidentes de trabalho de 3 agosto de 1965, a Lei n.º 2127. Afirmou-se nesse acórdão:

VI – Perante o modo como o nexo de causalidade se mostra regulado no n.º 1 da Base V da LAT (Lei n.º 2127 de 3 de agosto de 1965), basta uma relação de causalidade indireta entre as lesões sofridas no acidente e a morte do sinistrado para a afirmação do elemento causal caracterizador do acidente de trabalho.

VII – Nos casos da Base VIII, n.º s 1 e 2, bem como na própria configuração do nexo de causalidade exigido no n.º 1 da Base V (admitindo-se a causalidade indireta) e na solução que consagrou também no n.º 3 da Base VIII, o legislador afastou-se dos princípios gerais de responsabilidade extracontratual (cf. o art.º 563.º do C.C.), o que fez, tendo em consideração as dificuldades de prova e, também, por razões práticas de justiça social - a necessidade de proteção das vítimas dos acidentes.

Desta jurisprudência, que tratou situações semelhantes à dos presentes autos, conclui-se de forma inequívoca, que a secção social deste Tribunal tem considerado – desde a lei dos acidentes de trabalho de 1965, até à atual Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro – que o nexo causal que se exige, para efeito de responsabilidade infortunística, não tem de ser de uma causalidade direta, pois comporta, também, uma causalidade indireta. Com efeito, face à relevância social da matéria dos acidentes de trabalho, é a própria legislação relativa aos acidentes de trabalho que confere este grau de proteção aos sinistrados.

O próprio Direito Civil, no campo mais lato das obrigações, prevê desde logo, no art.º 563.º do Código Civil: A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Constatamos assim que o próprio Direito Civil não exclui a obrigação de indemnizar qualquer dano que o lesado tenha sofrido em consequência da lesão inicial. Por maioria de razão, verifica-se o mesmo em matéria de acidentes de trabalho.

Como afirmou Carlos Alegre[1], a propósito da evolução do Direito nesta matéria: Passou a entender-se que, quem beneficiava com a atividade do trabalhador, devia, igualmente, responder pelos riscos que são inerentes à atividade de quem trabalha, à semelhança do que acontece com os restantes riscos que afetam os outros fatores de produção (capital, matérias primas, etc.). Assente na máxima latina “ubi commoda ibi incommoda”, nasceu a teoria do risco profissional, que teve a primeira manifestação no início do sec. XX em Portugal, com a Lei n.º 83, de 24 de Julho de 1913.

Atualmente, a nossa legislação infortunística que já incorporou em si a teoria do risco económico ou de autoridade, que no entender de Carlos Alegre[2]: “ (…) substituindo o risco profissional pelo risco da autoridade, que não vincula a reparação à prestação direta do trabalho, constituiu uma evolução natural da teoria anterior, nascida da necessidade de autonomizar, ainda mais, a responsabilidade pelos acidentes de trabalho, nestes, incluindo aspetos já não diretamente ligados à sua prestação, como é o caso de acidentes de trajeto (ou “in itinere”), ou dos acidentes ocorridos durante os atos preparatórios do trabalho. A ideia mestra desta teoria é de que não se trata já de um risco específico de natureza profissional, traduzido pela relação direta, acidente de trabalho, mas sim de um risco genérico, ligada à noção ampla de autoridade patronal e às diferenças de poder económico entre as partes.”  

Daí, as extensões do conceito de acidente de trabalho previstos na LAT, bem como a admissibilidade do reconhecimento de um nexo de causalidade indireta, na proteção do sinistrado e/ou da sua família.

No caso presente, está em causa o reconhecimento de um nexo de causalidade indireta entre o acidente a morte do sinistrado pois não fora o acidente de trabalho, o sinistrado não tinha tido a necessidade de se deslocar sucessivas vezes ao hospital contraindo sépsis, que lhe determinou a morte por falência orgânica. Ora, é precisamente para este tipo de situações que a legislação em vigor consagrou o disposto no artigo 11.º, n.º 5 da LAT.

Assim e atenta a factualidade provada, bem andou o Tribunal da Relação, ao concluir pelo direito da Autora/viúva do sinistrado a ser indemnizada, ao abrigo do n. º5 do artigo 11.º, da LAT, e como tal, nenhuma censura merece o acórdão recorrido.  

III. Decisão

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista, interposto e confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pela Recorrente.

STJ, 14 de julho 2021.

Maria Paula Sá Fernandes (Relatora)

Júlio Gomes

Chambel Mourisco

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[1] Acidentes trabalho, Notas e Comentários à lei 2127, pág. 11.
[2] Obra citada, pág. 12 e 13.