Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | REFORMA DE ACÓRDÃO PRESSUPOSTOS ERRO DE JULGAMENTO LAPSO MANIFESTO INDEFERIMENTO NULIDADE DE ACÓRDÃO OBSCURIDADE AMBIGUIDADE OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE PROCESSUAL CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO OMISSÃO CONSTITUCIONALIDADE DIREITO AO RECURSO PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS | ||
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Data do Acordão: | 06/02/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - A reforma da decisão não é um recurso – nem na modalidade de reapreciação ou reponderação, nem na de reexame (aqueles, ao contrário destes, sem possibilidade de jus novarum), pelo que não pode servir para mera manifestação de discordância do julgado, mas apenas, e sempre perante o juízo decisor – para tentar suprir uma deficiência notória. II - Terá, assim, mais a estrutura da reclamação acerca de um erro sobre a previsão, nas suas modalidades de erro na qualificação ou na subsunção, afinal a violação primária da lei que tem de ter como causa um lapso manifesto. III - Não se trata de verdadeiro recurso, do qual tem apenas o perfil substancial, mas de maneira de corrigir o que mais não é do que um erro de julgamento. IV - Terá, contudo, de ser erro resultante de lapso manifesto, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, quer na desconsideração de documentos que constem do processo. V - Neste incidente trata-se, enfim, de mera discordância do julgado. A ser acolhida esta perspectiva, todas as decisões passariam a ser objecto de pedido de reforma pois, e sempre, a parte vencida (e não convencida, por em desacordo com o decidido) viria alegar que o julgador se enganou manifestamente o que não foi o caso. Daí que nenhuma razão assista ao reclamante. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam em Conferência no Supremo Tribunal de Justiça 1. Nos presentes autos em que é autor AA e ré Companhia de Seguros Tranquilidade (ora Generali Seguros, SA), foi proferido acórdão em 18 de Março de 2021 que negou provimento à revista do autor e confirmou o acórdão recorrido. O autor e recorrente, invocando o disposto no artigo 616º nº 2 alª a) do CPC, veio requerer a reforma do acórdão, arguindo ainda a sua nulidade, invocando o disposto nos artigos 615º nº 1 alªs c) e d) e no artigo 195º nº 1. Quanto à reforma do acórdão referiu, em síntese e em substância, que o acórdão de 18 de Março de 2021deve ser reformado em conformidade com o disposto no artigo 616º nº 2 alª a) do Código de Processo Civil. Em termos formais, não existe coincidência entre as conclusões do recurso subordinado interposto pelo autor da sentença da primeira instância e o recurso de revista onde o recorrente apresentou quatro conclusões completamente inovadoras. Em termos substanciais, o recorrente, nas conclusões das suas alegações do recurso subordinado, termina alegando que a “sentença em crise violou o disposto nos artigos 562.º, 564.º e 566.º do Código Civil”, enquanto nas das alegações do recurso de revista, refere, como normas violadas, os artigos “496.º, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil”. Conclui assim, que, em termos de matéria de direito, o recorrente indicou como normas violadas artigos diferentes e, por isso, sempre teriam que levar a consequências diferentes. Acresce que, enquanto que nas conclusões das alegações do recurso subordinado, o recorrente faz referência ao dano patrimonial futuro em cinco conclusões (nºs 2 a 6) e ao dano não patrimonial numa única (nº 7), nas do recurso de revista refere-se ao dano patrimonial futuro em seis conclusões (nºs 2 a 7) e ao dano patrimonial em quatro (nºs 8 a 11). Ou seja, como já supra mencionado, nas conclusões das alegações do recurso de revista foram acrescentadas pelo recorrente quatro conclusões completamente novas e, por isso, sem qualquer correspondência às das alegações do recurso subordinado, porque aqui inexistentes. Conclui o recorrente que apresentou conclusões marcadamente distintas nas suas alegações de recurso subordinado de apelação e nas suas alegações de recurso de revista. O recorrente não desconsiderou nem se abstraiu, em qualquer medida, do vertido no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, pelo contrário, tomou posição clara sobre o mesmo, insurgindo-se contra o mesmo e alegando, expressamente, que a decisão proferida fosse alterada e o sentido e modo em que o peticionava. Mais referiu que houve um manifesto lapso na apreciação e julgamento das alegações apresentadas pelo recorrente em sede de recurso de revista, o que, implica, forçosamente, de acordo com o vertido no artigo 616º do Código de Processo Civil, a reforma do acórdão. A nulidade do acórdão e a inconstitucionalidade Alega o recorrente que a motivação ou fundamentação vertida no acórdão em apreço mostra-se insuficiente, tornando a decisão obscura e ininteligível, pelo que o acórdão proferido encontra-se ferido de nulidade, por via do disposto no artigo 615.º n.º1, alínea c), 2ª parte do Código de Processo Civil. Refere que, independentemente das semelhanças entre algumas das conclusões formuladas pelo recorrente nas duas sedes recursivas, que não se reconhecem como supra exposto, é, também, inegável que a motivação do recurso subordinado de apelação em nada se confunde com a motivação das alegações do recurso de revista. Mais alegou que, caso assim não seja entendido, sempre se dirá que tal decisão assenta numa interpretação do citado artigo 639.º n.º1 e n.º2 que, para além de gerar uma contradição e/ou ambiguidade no acórdão proferido, está ferida de ilegalidade, por coartar o direito ao duplo grau de jurisdição nos presentes autos (cfr. artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), bem como de inconstitucionalidade, por violação do preceituado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, impedindo o direito à tutela jurisdicional efectiva. Por outro lado, o acórdão é ainda nulo, por haver contradição entre a fundamentação e a decisão proferida – artº 615.º n.º 1, alínea c) 1ª parte do CPC. Mostra-se manifesto e mesmo indiscutível que as alegações de recurso apresentadas em sede de recurso subordinado de apelação e recurso de revista são claramente distintas, não só em número (forma), como em argumentos (substância). Ora, ainda que se entendesse que se verificava uma cópia de conclusões entre os recursos, subordinado de apelação e recurso de revista, o que não se aceita como supra explanado, ainda assim o acórdão emanado pelo Supremo Tribunal de Justiça nos presentes autos errou ao extrapolar tal raciocínio à identidade de motivação de recurso, gerando uma contradição entre a fundamentação da decisão e a própria decisão. Assim, existe, in casu, uma contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, uma vez que na fundamentação do acórdão em apreço é alegada uma cópia das conclusões de recurso, mas a decisão proferida parte de um pressuposto não considerado na fundamentação dessa mesma decisão, mais concretamente a de que no recurso de revista interposto não existe texto argumentativo inovador e adaptado à decisão proferida pelo tribunal a quo. Invoca ainda o recorrente o que denominou por “nulidade por falta de acto processual devido”. Argumenta ainda o recorrente que, nos casos em que se verifique deficiência ou obscuridade das conclusões de recurso, é processualmente previsto um poder-dever atribuído ao relator do acórdão de convidar o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões de recurso apresentadas, tal como vem previsto no nº 3 do artigo 639º Não o tendo feito, verificou-se a omissão de um acto processual de manifesto relevo para o desfecho dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil. Consequentemente, todos os actos praticados após a omissão do poder-dever de convite ao aperfeiçoamento/esclarecimento das conclusões do recurso devem ser anulados, nos termos do disposto no artigo 195.º n.º 2 do Código de Processo Civil, nulidade que expressamente se invoca e argui para todos os efeitos legais. Deve o acórdão proferido ser declarado nulo e, nesse seguimento, ser o recorrente notificado nos termos e para os efeitos previstos no artigo 693º nº 3 do Código de Processo Civil. Nulidade por omissão de pronúncia Invoca ainda o recorrente a nulidade por omissão de pronúncia, alegando, em síntese, que o acórdão não se pronunciou sobre questões inovadores alegadas pelo recorrente, sobre as matérias em que se encontrava - e encontra - em desacordo com o decidido pelo Tribunal da Relação designadamente na conclusão 7ª das alegações da revista. Esta nulidade integra a previsão do artigo 615º nº 1 alª d) do CPC. Termina, pedindo que seja ordenada a reforma do acórdão proferido nos autos em 18-03-2021, e consequentemente, a prolação de novo acórdão que conheça do recurso de revista interposto, sem prejuízo de se assim for entendido e por mero dever de patrocínio, sempre deverá ser aplicado ao caso o vertido no artigo 639.º n.º 3 do Código de Processo Civil. Subsidiariamente, para o caso de improcedência do pedido anterior, requer que seja declarada a nulidade do acórdão proferido nos autos em 18-03-2021 e ordenar, em consequência, a prolação de novo acórdão que conheça do recurso de revista ou, caso assim não seja entendido, ordenar a prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento / esclarecimento das conclusões de alegações de recurso de revista. ** A recorrida Generali Seguros, SA respondeu, dizendo, em síntese, que as alegações de revista nada diferem daquelas que o autor apresentou no seu recurso subordinado, não obstante os argumentos do acórdão da Relação e da sentença da primeira instância serem manifestamente distintos. Por outras palavras, no seu recurso de revista, o recorrente não manifestou qualquer desacordo com o acórdão recorrido, mas apenas com a decisão de primeira instância, limitando-se, como tal, a copiar as mesmas conclusões do recurso subordinado. Mais referiu que a decisão em mérito não padece de qualquer vício que mereça os reparos que o recorrente lhe faz no requerimento a que ora se responde, nem, muito menos, de qualquer das nulidades ali apontadas. Termina, pedindo que seja julgado improcedente o requerimento do autor, mantendo-se a decisão recorrida. 2. Cumpre decidir. Importa conhecer da aventada reforma do acórdão, tal como expresso no requerimento do recorrente. O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), aplicável por força do disposto nos artigos 685º e 666º, preceitua o seguinte: “1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes. O artigo 616º (Reforma da sentença) preceitua no seu nº 2 alínea a) o seguinte: “ 2 Não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos”. É pressuposto desta reforma a existência de “lapso manifesto”, ou na determinação da norma aplicável, ou na qualificação jurídica dos factos (alíneas a) e b)), ou, finalmente, (alínea b)) na desconsideração de elementos de prova (documental ou outra) constantes dos autos e que, se atendidos, implicariam necessariamente decisão diversa da proferida. Atentemos apenas na alínea a), a única que serviu de suporte ao requerimento apresentado pelo autor/recorrente. O lapso manifesto na escolha da norma ou na subsunção dos factos tem de ser aferido com extremo cuidado por estar situado entre duas figuras muito próximas – o lapso material e o erro de julgamento – com tratamentos completamente diversos. O legislador criou o incidente da reforma, porventura para dar abertura a situações não resolúveis pela via da simples rectificação e, que justifiquem uma maior celeridade incompatível com a via recursória. A reforma da decisão não é um recurso – nem na modalidade de reapreciação ou reponderação, nem da de reexame (aqueles, ao contrário destes, sem possibilidade de “jus novarum”), pelo que não pode servir para mera manifestação de discordância do julgado, mas apenas, e sempre perante o juízo decisor – tentar suprir uma deficiência notória. Terá, assim, mais a estrutura da reclamação acerca um erro sobre a previsão, nas suas modalidades de erro na qualificação ou na subsunção, afinal a violação primária da lei que tem de ter como causa um lapso manifesto[1]. No seguimento daquele acórdão, “não se trata de verdadeiro recurso, do qual tem apenas o perfil substancial, mas de maneira de corrigir o que mais não é do que um erro de julgamento. Terá, contudo, de ser erro resultante de “lapso manifesto”, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, quer na desconsideração de documentos que constem do processo. Porém, aqui, a determinação do direito só pode ser o resultado de erro grosseiro, por total e errada interpretação dos preceitos legais (…). No caso dos autos o requerente, tecendo várias considerações em sentido oposto ao acórdão reformando, mais não faz do que manifestar o seu desacordo sobre o mesmo acórdão, na parte em que este concluiu que: “Limitando-se o recorrente a copiar as suas conclusões em sede de contra-alegações ao recurso de apelação, tanto basta para se concluir que as alegações do recorrente não obedecem ao figurino desenhado no artigo 674º do Código de Processo Civil, desconhecendo-se mesmo o fundamento da revista. E violou também o recorrente o disposto no artigo 639º do mesmo código, não tendo em conta o conteúdo e os fundamentos do acórdão da Relação. Embora formalmente o recorrente tenha apresentado as alegações, o certo é que, em substância, não deduziu oposição ao acórdão recorrido, desconsiderando-o em absoluto, não especificando os motivos de discordância com os respectivos fundamentos, o que equivale a falta de alegações. No recurso de revista não poderia o recorrente argumentar da mesma forma que o fez nas alegações anteriormente apresentadas, copiando as conclusões do recurso subordinado, não indicando os concretos motivos por que discorda do acórdão da Relação, pois o acórdão recorrido contém novos fundamentos que alteram a decisão da primeira instância e os valores nela fixados”. Discordando do acórdão em causa, o recorrente não apontou qualquer lapso manifesto por ter ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos. Terminando, para concluir, e nas palavras do citado acórdão de 12.02.2009, “neste incidente trata-se, enfim, de mera discordância do julgado”. A ser acolhida esta perspectiva todas as decisões passariam a ser objecto de pedido de reforma pois, e sempre, a parte vencida (e não convencida, por em desacordo com o decidido) viria alegar que o julgador se enganou manifestamente o que não foi o caso. Daí que nenhuma razão assista ao reclamante. Por conseguinte, improcede o pedido de reforma do acórdão. Nulidades do acórdão - decisão obscura e ininteligível Alega o recorrente que a motivação ou fundamentação vertida no acórdão em apreço mostra-se insuficiente, tornando a decisão obscura e ininteligível. A nulidade invocada pelo recorrente é a que vem prevista no disposto no artigo 615.º n.º 1, alínea c), 2ª parte do Código de Processo Civil. Importa conhecer da aventada nulidade do acórdão, tal como expresso no requerimento do recorrente. O artigo 613º do Código de Processo Civil, sob a epígrafe (Extinção do poder jurisdicional e suas limitações), preceitua o seguinte: “1. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa. 2. É lícito, porém, ao juiz rectificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença, nos termos dos artigos seguintes. 3…”. O artigo 615º (Causas de nulidade da sentença) preceitua o seguinte: 1 - É nula a sentença quando: c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; É esta a alínea onde o requerente se baseia para invocar a nulidade do acórdão. Tende por vezes a confundir-se com o erro de julgamento. Anselmo de Castro[2] considera que a alínea c) nem tem autonomia em relação à alínea b) (falta de fundamentação de facto e de direito). E em relação à alínea sublinha que só existe nulidade quando falta em absoluto a fundamentação. Não faltando em absoluto, haverá fundamentação errada, que contende apenas com o valor lógico da sentença, sujeitando-a a alteração ou revogação em recurso, mas não produzindo nulidade. Esta nulidade remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica. Não está em causa o erro de julgamento, quer quanto aos factos, quer quanto ao direito aplicável, mas antes a estrutura lógica da sentença, ou seja, quando a decisão proferida seguiu um caminho diverso daquele que apontava os fundamentos. Por vezes torna-se difícil distinguir o error in judicando – o erro na apreciação da matéria de facto ou na determinação e interpretação da norma jurídica aplicável – e o error in procedendo, que é aquele que está na origem da decisão. No acórdão do STJ de 30/9/2010[3], refere-se que “o erro de julgamento (error in judicando) resulta de uma distorção da realidade factual (error facti) ou na aplicação do direito (error juris), de forma que o decidido não corresponda à realidade ontológica ou à normativa”. Porque assim é, as nulidades da decisão, previstas no artigo 615º do CPC são vícios intrínsecos da própria decisão, deficiências da estrutura da sentença que não podem confundir-se com o erro de julgamento que se traduz antes numa desconformidade entre a decisão e o direito (substantivo ou adjectivo) aplicável. Nesta última situação, o tribunal fundamenta a decisão, mas decide mal; resolve num certo sentido as questões colocadas porque interpretou e/ou aplicou mal o direito. Ora, no caso dos autos, a verdade é que a recorrente invoca abusivamente esta nulidade a propósito da sua discordância quanto ao erro de julgamento, ou seja, quanto à apreciação por este Supremo Tribunal de Justiça a propósito do que acima se transcreveu. Importa agora decidir se se verificam as apontadas obscuridades ou ininteligibilidades. No entendimento de Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro[4] “A novidade contida nesta alínea, isto é, a relevância dada à ambiguidade ou obscuridade da sentença em sede de tipificação das causas da sua invalidade, prende-se com a exclusão de tais elementos viciadores como fundamentos do pedido de esclarecimento da sentença (artº 669º nº 1 alª a) do CPC-95/96, no contexto da abolição da possibilidade da sua aclaração (arts. 616º e 617º)”. (…) A ambiguidade ou obscuridade da fundamentação passível de gerar a ininteligibilidade da decisão pode resultar da circunstância de ser “obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto”, quando estes vícios, por se referirem a factos essenciais, “inviabilizam a decisão jurídica do pleito” (arts. 662º nº 2 alª c) e 682º nº 3). Recorde-se que os factos essenciais julgados provados são, a um tempo, decisão da matéria de facto e fundamentação de facto da sentença”. Importa reforçar, em conclusão, que o vício oriundo da fundamentação só é relevante quando comprometa inquestionavelmente a decisão: a ambiguidade ou obscuridade pontual da fundamentação são irrelevantes, neste contexto, quando não provoquem a ininteligibilidade da decisão”. Por conseguinte e para concluir, diremos que o acórdão não é obscuro pois não contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e também não é ambíguo, pois nenhuma passagem se presta a interpretações diferentes, sendo a fundamentação do mesmo suficiente. Nesta conformidade, improcede a arguida nulidade. A Inconstitucionalidade A decisão assenta numa interpretação do citado artigo 639.º n.º1 e n.º2 que está ferida de ilegalidade, por coarctar o direito ao duplo grau de jurisdição nos presentes autos (cfr. artigo 671.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), bem como de inconstitucionalidade, por violação do preceituado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, impedindo o direito à tutela jurisdicional efectiva. Cumpre decidir. O artigo 20º da Constituição da República Portuguesa (Acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva) preceitua o seguinte: 1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos. 2. (…). 3. (…). 4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo. 5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos. Os argumentos que o reclamante deduziu nesta reclamação para a Conferência, tendentes a inverter a decisão proferida no acórdão, não determinam uma modificação do resultado a que se chegou. Com efeito, nem a lei ordinária nem a Constituição da República Portuguesa têm interferência decisiva para a decisão do caso, nem permitem que se conclua em sentido contrário ao aqui pugnado, nem a interpretação que se fez do artigo 639º do Código de Processo Civil colide com qualquer princípio constitucional. Por outro lado, o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente consagrado não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A Constituição não exige a consagração de um sistema de recursos sem limites ou ad infinitum (cf. Acórdão do TC nº 125/98). A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema, decorrente da chegada de todas (ou da esmagadora maioria) das acções aos diversos “patamares” de recurso (cf. Acs do TC. nºs 72/99, 431/02 e 106/06)[5]. Com efeito, tal como o Tribunal Constitucional tem vindo a afirmar, não resulta da Constituição nenhuma garantia genérica de direito ao recurso de decisões judiciais; nem tal direito faz parte integrante e necessária do princípio constitucional do acesso ao direito e à justiça, consagrado no citado artigo 20° da Constituição. A Constituição não contém preceito expresso que consagre o direito ao recurso para um outro tribunal, nem em processo administrativo, nem em processo civil, apenas o contendo no âmbito do processo penal. Todavia, como a Lei Fundamental prevê a existência de tribunais de recurso, pode concluir-se que o legislador está impedido de eliminar pura e simplesmente a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, ou de a inviabilizar na prática. Já não está, porém, impedido de regular, com larga margem de liberdade, a existência dos recursos e a recorribilidade das decisões. Não se vislumbra, por isso, que a interpretação normativa efectivada no despacho reclamado ofenda aquele preceito constitucional[6]. Soçobra, assim, com os presentes fundamentos e sem necessidade de mais considerações, a pretensão do recorrente. Nulidade por contradição entre a fundamentação e a decisão recorrida Alega o recorrente que existe uma contradição entre a fundamentação e a decisão proferida, uma vez que na fundamentação do acórdão em apreço é alegada uma cópia das conclusões de recurso, mas a decisão proferida parte de um pressuposto não considerado na fundamentação dessa mesma decisão, mais concretamente a de que no recurso de revista interposto não existe texto argumentativo inovador e adaptado à decisão proferida pelo tribunal a quo. Cumpre decidir. Valem aqui por completo os argumentos que deixámos dito a propósito da obscuridade e ininteligibilidade nos termos do disposto no artigo 615º nº 1 alª c), 2ª parte do Código de Processo Civil, podendo concluir com segurança que não existe a apontada contradição. “Nulidade por falta de acto processual devido” Argumenta ainda o recorrente que, nos casos em que se verifique deficiência ou obscuridade das conclusões de recurso, é processualmente previsto um poder-dever atribuído ao relator do acórdão de convidar o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões de recurso apresentadas, tal como vem previsto no nº 3 do artigo 639º. Não o tendo feito, verificou-se a omissão de um acto processual de manifesto relevo para o desfecho dos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 195º nº 1 do Código de Processo Civil. Cumpre decidir. Preceitua o nº 3 do artigo 639º do Código de Processo Civil o seguinte: “Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afectada”. O artigo 195º (Regras gerais sobre a nulidade dos actos) preceitua no seu nº 1 o seguinte: “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um acto que a lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”. Não está em causa a apontada nulidade e em parte alguma do acórdão se referiu que as conclusões das alegações de revista do autor, tinham os vícios descritos no nº 3 do mencionado artigo 639º, pelo que não havia necessidade do convite a que refere o nº 3 do artigo 639º. Apenas se referiu e com ênfase, que as conclusões das alegações da revista apresentada pelo autor em nada diferem daquelas que apresentou no recurso subordinado. Nesta conformidade e sem necessidade de maiores considerações, improcede a invocada nulidade. Nulidade por omissão de pronúncia Finalmente, invoca o recorrente a nulidade por omissão de pronúncia, alegando, em síntese, que o acórdão não se pronunciou sobre questões inovadoras alegadas pelo recorrente, sobre as matérias em que se encontrava - e encontra - em desacordo com o decidido pelo Tribunal da Relação designadamente na conclusão 7ª das alegações da revista. Cumpre decidir Quanto à invocada nulidade prevista na alínea d) do artigo 615º nº 1 do CPC, a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento. Esta nulidade está directamente relacionada com o artigo 608° n° 2 do CPC, segundo o qual "o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras". Neste circunspecto, há que distinguir entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos pelas partes. Como já ensinava o Professor Alberto dos Reis[7] " São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão". Esta nulidade só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fácticos jurídicos estruturantes da posição dos pleiteantes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções e não quando tão só ocorre mera ausência de discussão das "razões" ou dos "argumentos" invocados pelas partes para concluir sobre as questões suscitadas[8]. Assim, incumbe ao juiz conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente deve conhecer (artigo 608° n° 2 do CPC) à excepção daqueles cujo conhecimento esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outros. O conhecimento de uma questão pode fazer-se tomando posição directa sobre ela, ou resultar da ponderação ou decisão de outra conexa que a envolve ou a exclui[9]. Tomadas estas considerações, diremos que a arguida nulidade é manifestamente descabida, pois a respectiva argumentação não constitui mais do que uma simples consideração ou argumento lateral produzido pelo recorrente, sem qualquer interesse para a boa decisão da causa. Foram especificados os fundamentos de facto e de direito da parte dispositiva do acórdão, que não são contraditórios com este, e houve pronúncia sobre todas as questões que cumprira conhecer, sem que tenha ocorrido qualquer omissão de pronúncia. Para tal conclusão basta percorrer o acórdão na sua forma e substância. Assim, nos termos conjugados dos artigos 685º, 666º, nº 1 e 2, 615º nº 1 alª d) todos do C.P.Civil, não há que suprir qualquer nulidade do acórdão. SUMÁRIO - A reforma da decisão não é um recurso – nem na modalidade de reapreciação ou reponderação, nem da de reexame (aqueles, ao contrário destes, sem possibilidade de “jus novarum”), pelo que não pode servir para mera manifestação de discordância do julgado, mas apenas, e sempre perante o juízo decisor – tentar suprir uma deficiência notória. - Terá, assim, mais a estrutura da reclamação acerca um erro sobre a previsão, nas suas modalidades de erro na qualificação ou na subsunção, afinal a violação primária da lei que tem de ter como causa um lapso manifesto. - Não se trata de verdadeiro recurso, do qual tem apenas o perfil substancial, mas de maneira de corrigir o que mais não é do que um erro de julgamento. - Terá, contudo, de ser erro resultante de “lapso manifesto”, quer na determinação da norma, quer na subsunção dos factos, quer na desconsideração de documentos que constem do processo. - Neste incidente trata-se, enfim, de mera discordância do julgado. A ser acolhida esta perspectiva todas as decisões passariam a ser objecto de pedido de reforma pois, e sempre, a parte vencida (e não convencida, por em desacordo com o decidido) viria alegar que o julgador se enganou manifestamente o que não foi o caso. Daí que nenhuma razão assista ao reclamante. 3. Assim, nos termos conjugados dos mencionados artigos 616º nº 2 alª a), 666º nºs 1 e 2, 685º e 615º nº 1 alªs c) e d) todos do Código de Processo Civil, indefere-se o pedido de reforma do acórdão e improcedem as arguidas nulidades. Custas pelo requerente. Lisboa, 02 de Junho de 2021 Ilídio Sacarrão Martins (Relator) (Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 15º-A do Decreto-Lei nº 20/20, de 01 de Maio, atesto que, não obstante a falta de assinatura, os Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos deram o correspondente voto de conformidade). Nuno Manuel Pinto Oliveira Ferreira Lopes ________ [1] Ac STJ de 12.02.2009, Pº nº 08A2680, in www.dgsi.pt/jstj |