Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1848/16.0YLPRT.L1.S2
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: FERNANDA ISABEL PEREIRA
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
ATUALIZAÇÃO DE RENDA
COMUNICAÇÃO
REQUISITOS
RESOLUÇÃO
INEFICÁCIA
VALOR DO PRÉDIO ARRENDADO
APLICAÇÃO DA LEI NO TEMPO
ACÇÃO DE DESPEJO
AÇÃO DE DESPEJO
ARRENDAMENTO PARA FINS NÃO HABITACIONAIS
Data do Acordão: 05/24/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
ARRENDAMENTO URBANO – NORMAS TRANSITÓRIAS / CONTRATOS HABITACIONAIS E CONTRATOS NÃO HABITACIONAIS / ÂMBITO / ACTUALIZAÇÃO DE RENDAS / ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO / RENDAS PASSÍVEIS DE ACTUALIZAÇÃO / PRESSUPOSTOS DA INICIATIVA DO SENHORIO / ARRENDAMENTO PARA FIM NÃO HABITACIONAL / COMUNICAÇÃO DO SENHORIO.
Doutrina:
-Francisco de Castro Fraga, Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação: António Menezes Cordeiro, Almedina, 2014, p. 483;
-Maria Olinda Garcia, Arrendamento Urbano Anotado, Regime substantivo e processual, Coimbra Editora, 3.ª Edição, 2014, p. 142, 163 e 164.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS (CIMI): - ARTIGO 38.º
NOVO REGIME DO ARRENDAMENTO URBANO (NRAU): - ARTIGOS 27.º, 33.º, N.º 5, ALÍNEA B), 35.º, N.º 2, ALÍNEAS. A) E B), 50.º E 54.º, N.º 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 14-03-2013, PROCESSO Nº 849/16.8YLPRT.L1.S1;

-DE 20-12-2017.

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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

-DE 27-06-2017, PROCESSO N.º 2058/16.1.YLPRT:L1.7.

Sumário :
I - A Lei n.º 6/2006, de 27-02 que aprovou o NRAU consagrou uma norma transitória em matéria de actualização das rendas (art. 27.º), prevendo a aplicação da nova lei aos contratos de arrendamento celebrados para fins não habitacionais antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30-09.

II - O procedimento de actualização da renda por iniciativa do senhorio, em contrato de arrendamento para fim não habitacional, passou a ficar sujeito às formalidades previstas nos arts. 50.º e ss. do NRAU, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14-08 (não sendo aplicável, no caso, as alterações introduzidas pela Lei n.º 79/2014, de 19-12, uma vez que o procedimento para actualização da renda decorreu antes da sua entrada em vigor).

III - A transição para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, o qual deve comunicar ao arrendatário a sua intenção, indicando: (i) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; (ii) o valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI constante da caderneta predial urbana; e (iii) cópia da caderneta predial urbana (art. 50.º da Lei n.º 31/2012).

IV - A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos arts. 38.º e ss. do CIMI, prende-se com a possibilidade desse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos arts. 33.º, n.º 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a) e b), e 54.º, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário.

V - Se in claris no fit interpretativo, e a norma em apreço não podia encerrar maior grau de clareza, o valor do locado que o senhorio deve comunicar ao arrendatário é o valor patrimonial tributário que lhe foi atribuído pelos serviços de finanças competentes, com base em declaração do sujeito passivo e após avaliação realizada de acordo com os critérios previstos no CIMI, para efeitos de incidência de IMI.

VI - Considera-se ineficaz – e, por conseguinte, inexiste fundamento para a pretendida resolução do contrato de arrendamento – a comunicação efectuada pela autora (senhoria) à ré (arrendatária) do valor do locado, avaliado nos termos do CIMI, ao indicar, para esse efeito, o valor patrimonial tributário correspondente ao 2.º andar, no seu todo, quando o arrendado respeita a uma parte deste – o seu lado direito – sendo, portanto, prédio distinto daquele que figura na matriz.

Decisão Texto Integral:
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I. Relatório:


AA requereu contra BB, LDA., procedimento especial de despejo do 2° andar direito do prédio situado na Rua …, …, em Lisboa, e o pagamento das rendas em atraso.

Invocou, para o efeito, a celebração de contrato de arrendamento com a ré, que teve por objecto daquele andar, e, bem assim, a actualização, por si, da renda do locado, a redução unilateral e injustificada da renda em 20% por parte da ré e a comunicação à ré da resolução do contrato de arrendamento.

Foi deduzida oposição, peticionando a ré que fosse o requerimento de despejo julgado não provado e improcedente. Para o efeito pretendido, invocou como questões prévias o carácter prematuro da instauração da acção de despejo, a sua própria falta de interesse em agir, a ilegitimidade da autora e a ausência de causa de pedir. Mais se pronunciou sobre a dimensão e pagamento das rendas, a realização de obras e a sua consequente opção unilateral de redução do valor dessas prestações.


Os autos foram remetidos à distribuição como «acção especial de despejo».

A Autora respondeu à oposição, concluindo como na petição inicial.

Foram realizadas a instrução, a discussão e o julgamento da causa, tendo sido proferida sentença que decretou:

 «Nestes termos, julga-se integralmente procedente, por provado, o presente procedimento especial de despejo e, em consequência, condena-se a R. a despejar o 2° andar direito do imóvel sito na Rua …, …, em Lisboa, entregando-o à A. livre de pessoas e bens, bem como, condena-se a R. no pagamento à A. da quantia total de € 16.196,38 (dezasseis mil cento e noventa e seis euros e trinta e oito cêntimos), referente ao remanescente da renda relativa a Março de 2015 e às rendas dos meses de Abril de 2015 a Maio de 2016».


   Inconformada apelou a ré BB, Lda.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 13 de Julho de 2017, julgou a apelação improcedente e confirmou a sentença recorrida.


De novo inconformada, a ré interpôs recurso de revista excepcional e concluiu (sic):

«1. A recorrida e autora/requerente na ação que agora se decide considera estar em atraso o pagamento de rendas pela Ré, agora Recorrente, e por isso a notificou da rescisão do contrato de arrendamento celebrado relativo ao 2.º andar direito da Rua …, n° … em Lisboa.

2. A Ré agora Recorrente, afirmou por sua vez não o ter feito em virtude, conforme arguiu na sua resposta e posterior oposição e recurso, de não ter aceitado como legal esse aumento e por isso não ter pago o valor atualizado da renda por ela, autora/recorrida, unilateralmente estabelecido, para além de parte da renda ter também sido alvo já posteriormente a uma redução parcial nos termos legais. Acrescente-se no entanto que sempre e mesmo após essa notificação a renda foi paga nos termos e pelos valores constantes do contrato celebrado e em vigor.

3. Os fundamentos concretos para a não-aceitação do valor unilateralmente estabelecido, conforme consta da oposição da Ré ao requerido e não aceites nas decisões da 1.ª instância e agora sufragada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, prendem-se pelo não cumprimento pela Recorrida, aquando da notificação para esse aumento unilateral de renda, das regras legais impostas pelo art° 54° e 35°, n° 2 ai. a) e b) do NRAU - lei 6/2006 de 27/2, ou seja um valor decorrente do valor da avaliação realizado especificamente ao 2o andar direito nos termos do CIMI, atendendo a que a inquilina, agora recorrente, era e é uma micro entidade, conforme consta dos autos e dos documentos neles existentes.

4. Na verdade a Recorrente considerou que, existindo um contrato de arrendamento celebrado e especificamente respeitante ao 2.º andar direito da Rua … em Lisboa, a junção pela senhoria, agora recorrente, nessa notificação de aumento de renda, duma única avaliação fiscal, por si requerida, para a totalidade do 2o andar, incluindo o 2.º andar direito, que aliás agora discute em resultado da ação proposta pela autora que assim o definiu, mas também um 2.º andar esquerdo, não estavam preenchidos os requisitos legais que permitiam eleger a renda legal exata e concreta para o arrendado, decorrente exatamente desses critérios - valor patrimonial do 2.º andar direito, agora em causa - e assim sendo continuou a pagar somente o valor sempre pago e decorrente do contrato celebrado.

5. Assim sendo a Recorrida não respeitou a norma legal que impõe a existência duma avaliação nos termos do art. 35.º da Lei 6/2006 de 27/2, por remissão do art° 54° do mesmo diploma legal e consequente informação dessa avaliação, especificamente para o imóvel em causa, concretamente e neste caso o 2º andar direito do prédio sito na Rua …, n° … em Lisboa e que assim é exigido em virtude de só assim se poder aferir da bondade, justiça e legalidade do aumento imposto e, consequentemente, a inquilina, agora Recorrente poder livremente decidir da aceitação, ou não, dessa renda e da manutenção da relação contratual.

6. Consequentemente, não foi legal a notificação feita pela Recorrida do aumento da renda e por isso não estava a Recorrente obrigada ao seu cumprimento, não devendo também por isso ser eficaz essa notificação, nem ser considerado incumprido o pagamento da renda pelos valores anteriores e contratualmente estabelecidos, como se processou.

7. Assim sendo não deverá ser a Ré/Recorrente condenada ao despejo do imóvel sito na Rua …, n° … em Lisboa nem ao pagamento da quantia peticionada pela Autora/Recorrida.

8. Também e posteriormente e durante uns meses e por existirem durante largos meses obras no prédio, e não somente nas partes comuns do mesmo, que afetaram o desenvolvimento normal da atividade por si, recorrente, desenvolvida, reduziu esta parcialmente e nos termos da lei – art. 1040° C.C.-, concretamente em 20% do valor mensal normal, valor esse que continuou a pagar.

9. Redução essa que respeitou os requisitos legais plasmados no art° 1040° C.C. e que se aplicam ao caso, ou seja, o motivo atinente à redução não é da responsabilidade da agora recorrente pois emanam e são consequência dos transtornos causados à Ré e à sua atividade empresarial decorrentes das obras efetuadas no prédio pela senhoria agora Recorrida a maior parte deles em áreas não comuns do mesmo, alterando e diminuindo o direitos que emergiam do contrato de arrendamento celebrado, tendo sido essa redução meramente parcial do valor de renda normalmente pago e proporcional ao tempo em que tais obras decorreram.

10. Foi pois uma redução que, também por ter sido primeiramente requerida e posteriormente anunciada pela Recorrente à Recorrida, foi-o de boa-fé e no estrito cumprimento, repete-se, dos requisitos legais e por isso justificadora do não pagamento do valor total da renda normalmente paga.

11. Se no entanto e em consequência duma decisão de V. Exs. somente proceder o pedido na parte relativa à redução da renda paga pela Recorrente, considerando-a um incumprimento, o que tem que se admitir por necessidade de raciocínio, restaria aferir se essa quantia relativa à redução parcial da renda efetuada pela Ré/Recorrente seria suficiente para poder, só por si, permitir a rescisão do contrato de arrendamento.

12. Ora, conforme decorre dos documentos junto aos autos com as importâncias retidas e registadas no doc. 64, entregue pela ré na audiência de julgamento, percebe-se que essa redução foi no montante mensal de € 122,51 (cento e vinte e dois euros e cinquenta e um cêntimos), quantia essa que, multiplicada por 12 meses, os equivalentes aos meses decorridos desde o seu início, em Abril 2015 - renda relativa ao mês de Maio 2016 - até ao mês reclamado pela autora no seu requerimento - Maio de 2016, perfaz a quantia de € 1 470,12 (mil quatrocentos e setenta euros e doze cêntimos), o valor portanto em suposto incumprimento.

Ou seja e mesmo utilizando o método da autora que afetou, nos termos do art° 784° do C.C., todos os pagamentos aos meses que nele couberam as quantias efetivamente pagas e atendendo a que a renda reclamada é € 1 135,19 (mil cento e trinta e cinco euros e dezanove cêntimos), tal quantia - € 1 470, 12 - não será suficiente para considerar dois meses de renda em atraso (1 135,12 x 2= 2 270,24). Muito longe disso.

14. Em conformidade, se esse Supremo Tribunal de Justiça se pronunciar concluindo somente como procedente o incumprimento decorrente da redução parcial de renda efetuada pela ré, nunca haveria, nos termos do art° 9, n° 7 al. b) do NRAU e art° 1084°, n° 2 do C.C., como indicado pela Autora no seu requerimento, tal rescisão ser possível por ilegal e desrespeitadora dos prazos indicados na lei e consequentemente inadmissível a rescisão do contrato por incumprimento das rendas devidas, por ser o incumprimento de valor inferior ao valor das rendas pedidas x 2.

15. Assim sendo não poderá, nesse caso, proceder à rescisão unilateral do contrato com a correspondente entrega do imóvel.

Nestes termos e nos melhores de Direito que Vs. Ex. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, serem julgados improcedentes os pedidos da autora, agora Recorrida devendo a Recorrente ser absolvida, concretamente, dos pedido de despejo do imóvel sito no 2° andar direito do prédio sito na Rua …, n° … em Lisboa bem como do pagamento dos valores peticionados».


A Formação a que se refere o artigo 672.º, n.º 3, do Código de Processo Civil admitiu o recurso de revista excepcional.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar.


II. Fundamentos:

De facto:

Vêm provados os seguintes factos:

1 - Mediante escritura pública lavrada no dia 24 de Abril de 1986, no 9° Cartório Notarial de Lisboa, a folhas 48 a 50, do Livro 661-C, a A., na qualidade de senhoria e a R., na qualidade de inquilina, celebraram contrato de arrendamento mediante a qual a primeira deu de arrendamento à segunda o segundo andar direito do prédio sito na Rua …, n. ° …, em Lisboa, pelo prazo de seis meses, a contar de 1 de Março de 1986, renovável sucessivamente nas mesmas condições e por iguais períodos de tempo, mediante a renda anual no valor de 420.000$00, a pagar em prestações mensais de 35.000$00, com vencimento no 1° dia útil do mês anterior a que a prestação dissesse respeito e destinando-se o local arrendado a escritórios, exercício de profissões liberais, exploração de serviços vários com cedência onerosa de espaços, galeria de arte e comércio em geral.

2 - Na data referida em 1., a A. e a R. celebraram três contratos de arrendamento relativos ao 1.° andar, ao 2.° andar direito e ao 2° andar esquerdo da Rua …., número …, em Lisboa.

3 - Ao 2° andar esquerdo e ao 2° andar direito sempre corresponderam dois contratos e duas rendas distintas.

4 - As rendas, apesar de distintas e correspondentes a cada um dos lados direito e esquerdo do segundo andar, sempre foram do mesmo valor.

5 - Em Dezembro de 2013 a renda paga pelo 2° andar direito era no montante de € 612,53 (seiscentos e doze euros e cinquenta e três cêntimos), a que correspondeu um valor líquido, após retenções legais, de € 459,40 (quatrocentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos).

6 - E a renda paga pelo 2° andar esquerdo, também em Dezembro, era igualmente no montante de € 612,53 (seiscentos e doze euros e cinquenta e três cêntimos), a que correspondeu um valor líquido, após retenções legais, de €459,40 (quatrocentos e cinquenta e nove euros e quarenta cêntimos).

7 - No dia 31 de Julho de 2013, a A., através da sua representante legal, enviou uma carta à R. onde vinha comunicar «a iniciativa de actualização da renda» do 2° andar da Rua …, n.° …, apresentando as novas condições contratuais.

8 - Na mesma carta a representante legal da A. juntou a cópia da caderneta predial urbana do referido imóvel.

9 - A R. veio responder à A., por carta datada de 11 de Setembro de 2013, onde alegou que «existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público e que é uma micro-entidade», carta essa recebida pela Autora no dia 13 de Setembro de 2013.

10 - Em resposta à mesma carta da R. de 11 de Setembro de 2013, veio a A. responder, através de carta datada de 27 de Setembro de 2013, na qual consta, designadamente, o seguinte:

«O facto de alegar e provar que "existe no locado um estabelecimento comercial aberto ao público de forma contínua, que é uma micro-entidade" não se traduz na impossibilidade de a Senhoria proceder ao aumento de renda, mas, apenas nas seguintes salvaguardas:

O contrato só fica submetido ao NRAU no prazo de cinco anos a contar da data de recepção, pelo Senhorio, da resposta do arrendatário:

No período de cinco anos, supra referido, o valor actualizado da renda tem como limite máximo o valor anual correspondente a 1/15 do valor do locado;

Findo o período de 5 anos, o contrato transitará para o NRAU, sem possibilidade de a arrendatária poder invocar, novamente, qualquer das circunstâncias previstas no n." 4 do artigo 51°.

Face ao exposto, a Senhoria não aceita as rendas propostas para o 2° andar esquerdo e 2.°andar direito, cada uma no valor de € 765,00 (setecentos e sessenta e cinco euros), num montante global de € 1.530,00 (mil quinhentos e trinta euros).

Assim, e cumprindo o disposto no artigo 54. ° do NRAU, o valor das rendas deverá ser determinado nos termos e de acordo com os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 35.° do NRAU.

Deste modo, sendo o limite da renda anual correspondente a 1/15 do Valor Patrimonial do locado (€ 408.670,00 - quatrocentos e oito mil seiscentos e setenta euros), o valor actualizado da renda para a totalidade do andar será de € 2.270,00 (dois mil duzentos e sessenta euros e trinta e oito cêntimos).

Nos termos do n. ° 4, do artigo 54. ° do NRAU, a renda é devida no 1° dia do 2.° mês ao da recepção, por V.Ex.a, da comunicação com o respectivo valor, ou seja, a nova renda será devida a partir do próximo dia 1 de Novembro de 2013».

11 - A esta carta veio a R. responder por carta, datada de 21 de Outubro de 2013, da qual consta, designadamente, que "lembramos o que referimos na nossa carta de 11 de Setembro de 2013, em que chamámos a atenção de que temos dois contratos separados e não um único que abranja o 2° andar na totalidade, pelo que devem ser tratados separadamente e de igual modo ao que fez para o 1.° andar direito".

12 – Por carta datada de 1 de Novembro de 2013, a A. voltou a enviar nova carta à R. para actualização de renda, apenas para o 2° andar direito.

13 - A carta referida em 12. foi acompanhada pela cópia da caderneta predial urbana e da mesma constava, designadamente, o seguinte:

«Na qualidade de representante da senhoria dos escritórios, correspondente ao 2° andar direito, do prédio urbano sito na Rua …, n" …, freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n. ° 350 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 579, de que V. Ex.a é arrendatário, venho comunicar a iniciativa de actualização da renda, ao abrigo da nova Lei do Arrendamento Urbano.

Assim, nos termos do disposto no artigo 30°, da Lei 31/2012, de 14 de Agosto, apresento as novas condições contratuais:

Tipo de Contrato de Arrendamento - Contrato de Arrendamento a Termo Certo;

Duração do Contrato de Arrendamento - 5 (cinco) anos;

Valor da Renda - Euros 1.135,19 (mil cento e trinta e cinco euros e dezanove cêntimos);

Mais informo que o valor patrimonial do andar ou divisão com utilização independente relativo ao 2° andar direito é de Euros 204.335,00 (duzentos e quatro mil trezentos e trinta e cinco euros).

Considerando que a renda ora comunicada já foi calculada com base no disposto no artigo 54° do NRAU, nos termos e de acordo com os critérios estabelecidos nas alíneas a) e b) do n.° 2 do artigo 35.° do NRAU, sendo o limite da renda anual correspondente a 1/15 do Valor Patrimonial do locado, não existe qualquer possibilidade de alteração ao valor da renda enunciado supra.

Assim sendo, a renda actualizada vence no dia 1 de Janeiro de 2014».

14 - A esta carta veio, ainda, a R. responder, por carta datada de 5 de Dezembro de 2013, alegando, entre outras, que «não nos são enviados os dados exigidos na legislação em vigor para que nos seja possível fazer essa confirmação, já que está em falta uma avaliação autónoma da fracção correspondente ao respectivo contrato, conforme se verifica pela caderneta predial que nos enviou».

15 - A A. veio, ainda, responder a esta missiva da R., por carta datada de 27 de Dezembro de 2013, da qual consta, designadamente, que «o valor actualizado da renda para cada metade do 2° andar será de Euros 1.135,19", e que "caso V. Exas não cumpram o pagamento integral da renda, no valor indicado supra, actuaremos em conformidade e nos rigorosos termos das disposições legais aplicáveis ao caso concreto».

16 - O prédio sito na Rua …, n.° 5…-7…em Lisboa, encontra- se descrito na matriz predial urbana como prédio em propriedade total, correspondendo o 2° andar deste imóvel a uma única unidade susceptível de utilização independente.

17 - O 2° andar direito e o 2° andar esquerdo encontram-se interligados, inexistindo separação física interna entre ambos.

18 - Até Dezembro de 2013, a A. emitia um só recibo relativo às rendas do 2° andar.

19 - No mês de Dezembro de 2013, e a pedido da R., a A. emitiu dois recibos, um para o 2º andar esquerdo e outro para o 2° andar direito.

20 - De Janeiro de 2014 a Março de 2015 a R. efectuou pagamentos de renda à A. no valor mensal de € 612,53, a que descontou a retenção legal (IRS prediais), perfazendo o valor final de € 459,40.

21 - A A. deixou de passar recibos à R. desde Janeiro de 2014.

22 - Em Dezembro de 2014 começaram obras gerais no prédio, designadamente a substituição integral da cobertura, instalação de novas infraestruturas como esgotos, condutas de água e rede eléctrica e, bem assim, a reabilitação de todas as partes comuns do edifício, incluindo as fachadas.

23 - As obras destinavam-se também a obras de remodelação do 3° andar, novo telhado e instalação no saguão de um elevador para uso exclusivo dos 3° e 4° andares, bem como, à ocupação do espaço do sótão, ao nível do 4° andar, com dois apartamentos.

24 - E implicaram a colocação de andaimes, malha protetora em ambas as fachadas do edifício durante vários meses, reduzindo a luz natural para os vários compartimentos dos vários andares, bem como, criou uma forte barreira visual do interior para o exterior do edifício, para além de interditar o acesso ao jardim/pátio das traseiras.

25 - Bem como implicou também a colocação de um telhado falso de proteção do edifício que entretanto ficou sem o telhado original.

26 - Bem como, por vezes, a colocação de andaimes nas escadas comuns.

27 - E a produção de poeiras constantes e por vezes muito intensas que causaram lixo nos vários compartimentos dos andares.

28 - Para além do barulho constante e por vezes insuportável, produzido pelos vários trabalhos realizados, bem como a infiltração de água.

29 - A R. exerce, decorrente dos contratos de arrendamento celebrados com a A., a atividade de exploração de um centro de escritórios no arrendado.

30 - O tapamento das fachadas com malha, ruídos, poeiras e infiltrações de água, causaram transtornos e incómodos à exploração comercial de escritórios existente nos andares a que a R. se dedica, tal como às próprias atividades que os seus clientes exercem.

31 - São exercidas no segundo andar direito, a atividade de arquitetura, advocacia ou formação profissional.

32 - Em Abril de 2015 a R. informou a A. que atendendo às circunstâncias em que as obras decorriam e se prolongavam no tempo, iria proceder à redução do valor das rendas pagas, em 20% da renda mensal.

33 - A A. transmitiu à R. que não aceitava a redução da renda.

34 - De Abril de 2015 a Julho de 2105 ao valor final referido em 20. a R. descontou o valor decorrente da redução de 20% efectuada na renda, perfazendo o valor final líquido transferido para a A. de € 367,52.

35 - De Agosto de 2015 a Dezembro de 2016 a quantia paga sofreu novo desconto cifrando no total líquido de € 277,52, decorrente de compensações no valor correspondente por obras urgentes no andar.

36 - Nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2016, foram pagas pela R., respectivamente, as quantias líquidas de € 400,02 e € 155,01 que refletem um acerto de retenção de IRS predial.

37 - No mês de Março de 2016 a R. pagou a quantia líquida de € 277,52.

38 - No mês de Abril de 2016 a R. transferiu para a A. a quantia líquida de € 349,52 em resultado do acerto final de desconto de obras urgentes efectuadas, mantendo-se ainda a redução de 20%.

39 - Através de contacto pessoal de solicitador de execução, datado de 8 de Abril de 2016, a A. comunicou à R. a resolução do contrato de arrendamento e interpelou, também, para o pagamento do valor de € 15.821,82, referente ao remanescente da renda de Fevereiro de 2015 e dos meses de Março, Abril, Maio, Junho, Julho, Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro de 2015 e Janeiro, Fevereiro e Março de 2016.

40 - No dia 8 de Abril de 2016 a R. efectuou um novo pagamento no valor de € 584,59.

41- Em Maio de 2016, a R. informou a A. que iria diminuir a redução de renda, cifrando-se esta em 7,5%.

42 - Durante os meses de Maio e Junho de 2016, por força da diminuição da redução na renda para 7,5%, bem como, por compensações por obras, a quantia líquida transferida pela R. para a A. foi de € 424,94, correspondendo a uma renda no valor de € 566,59.

43 - A necessidade da realização de obras foi inúmeras vezes salientada pela R. através do envio de cartas e e-mails à A..

44 - Em carta enviada à A. pela R., datada de 25 de Maio de 2011, consta, designadamente, o seguinte:

«1. Vãos em situação de risco de provocar danos materiais e pessoais

Como tem conhecimento, por volta do mês de Outubro de 2010, o vidro de uma das janelas virada a Norte caiu, estilhaçando-se no páteo a cerca de um metro de um casal que frequentava o estabelecimento ….

(…)

Esta situação é fruto da degradação constante do edifício, que não tem obras de fundo há cerca de 45 anos.

(...)

2. Queda de tecto passível de provocar danos materiais e pessoais

Também no interior das instalações, por motivo de infiltrações que ocorreram há alguns anos e agravado recentemente por um possível deslocamento do prédio, o tecto de um compartimento que utilizamos como sala de reuniões está em perigo de derrocada.

3. Danos causados por infiltrações

Têm sido constantes os danos causados por infiltrações provenientes do 3° andar, muitas das vezes por esgotos de águas residuais sujas.

(...)

4. Danos causados por eventuais deslocações do prédio

Há cerca de 5 meses, num período de 2 dias, caíram azulejos de 2 casas de banho do 2° andar, em pontas opostas do edifício.

5. Escada do Prédio

A seguir à fachada é a imagem principal do prédio.

A degradação tem sido constante, sobretudo desde que o prédio deixou de ter porteira, evidenciando um desinteresse absoluto pela sua imagem.

(...)

6. Conclusão

- Solicitamos a vistoria e reparação urgente do referido nos pontos 1 e 2.

- A reparação dos danos causados pela infiltração do último dia 11.5.2011, conforme Ponto 3.

- Reparação/beneficiação das situações descritas nos pontos 4 e 5.».

45 - Em e-mail, de 25 de Outubro de 2013, enviado peio gerente da R. consta, designadamente, o seguinte: «aconteceu esta noite a queda parcial do telhado do edifício e abatimento do teto do 3° andar. Isto motivou uma inundação nas nossas instalações, tanto no 2° andar como no 1° andar, que originou estragos nomeadamente em tetos, pavimentos e ainda em material informático».

46 - E, ainda, por carta datada de 20 de Novembro de 2013, enviada pela R. à A., em que esta refere: «Conforme a temos vindo a alertar em anterior correspondência, nomeadamente a nossa carta registada de 25 de Maio de 2011, há necessidade de obras muito urgentes em vãos de fachada e escada de acesso ao jardim. (...) Restam ainda por resolver outras situações referidas na mesma carta de 25 de Maio de 2011; danos causados em tetos e pavimentos por entrada de água proveniente do 3.º andar e a degradação da escada do prédio, que tem sido motivo para que alguns dos nossos clientes nos tenham deixado ou exigido valores mais baixos para nos alugarem as salas

47 - Da carta enviada para a A. pela R., datada de 27 de Março de 2015, consta, designadamente, que «tais obras são referentes a partes comuns do prédio a delas necessitarem há vários anos».

48 - Para a realização das obras foi necessário contratar projectistas e arquitectos e legalizar todo o projecto na Câmara Municipal de Lisboa.

49 - Tendo em conta a dimensão da obra que, de facto, iria, como veio a acontecer, incluir a reabilitação de todas as partes comuns do edifício, cobertura incluída, foi realizada uma reunião, no dia 13 de Janeiro de 2015, para onde foi convocada a Ré.

50 - Nessa reunião esteve presente o Arq.° CC, gerente da Ré, que pôde consultar todo o projecto de obras, bem como inteirar-se de tudo o que iria ser realizado no imóvel em questão e do tempo estimado para a obra -  um ano.

51 - Nos últimos 40 anos a A. tinha efectuado reparações parciais no imóvel.

52 - O telhado apresentava-se poroso e a estrutura de madeira não tinha capacidade para ser recuperada, sendo necessário realizar uma nova estrutura e a colocação de um novo telhado.

53 - As obras não decorreram no interior do locado da R..

54 - A R. subarrendou o jardim/pátio das traseiras, sendo que o arrendatário deste continuou a pagar integralmente a renda à R.

55 - A R. dispõe de 9 salas no 2° andar direito, designadamente, as salas 21, 22, 37 e 38.

56 - Em Abril de 2016, os utentes das salas 21 e 22 saíram, permanecendo as salas vazias.

57- O utente da sala 37 teve uma redução de renda de €100,00 durante cerca de um ano, tendo saído em Maio de 2016.

58 - A sala 37 foi reocupada em Junho de 2016, sendo a renda no valor de cerca de € 400,00.

59 - O utente da sala 38 saiu em Julho de 2016, tendo-lhe sido descontado pela R. meio mês de renda em Julho de 2016.

60 - A sala 38 foi novamente subarrendada em Outubro de 2016, pelo valor de cerca de € 700,00.

61 - As salas 37 e 38 estiveram ocupadas durante cerca de 1 ano até à saída dos respectivos utentes.

62 - Actualmente a R. tem duas salas vazias no seu Centro de Negócios.

63 - As obras ainda não terminaram.

           

      De direito:

     Em face da síntese conclusiva com que a ré, recorrente, finalizou a sua alegação, balizadora do objecto do recurso, (artigos 635º n.º 4, 639º n.º 1 e 679º do Código de Processo Civil), as questões nucleares a decidir no presente recurso são as seguintes:

1. Comunicação à arrendatária do valor do locado, em procedimento de actualização/aumento de renda;

2. Redução parcial da renda devida, em 20%, nos termos do artigo 1040.º do Código Civil, face à realização de obras no locado.

           

1. Comunicação à arrendatária do valor do locado, em procedimento de actualização/aumento de renda.

A 1.ª instância, que julgou a acção integralmente procedente e condenou a ré a despejar o 2.º andar direito do imóvel sito na Rua …, …, em Lisboa, entregando-o à autora livre de pessoas e bens, considerou que, de acordo com os factos provados sob 12 e 13, a autora cumpriu o ónus de enviar a cópia da caderneta predial, a única de que dispunha e que se refere àquele ao 2.º andar como uma única divisão (o que é consentâneo com a inexistência de separação física entre o lado direito e o esquerdo), sendo válida a comunicação efectuada pela autora à ré, devendo, em consequência, ter-se por actualizado o montante da renda para o valor de € 1135, 19 mensais.

A Relação afirmou entendimento semelhante, acrescentando que, face ao facto provado sob 16 – “O prédio sito na Rua …., n.º 5…-7…, em Lisboa, encontra-se descrito na matriz predial urbana em propriedade total, correspondendo o 2.º andar deste imóvel a uma única unidade susceptível de utilização independente” –, que alterou em sede de decisão da impugnação fáctica, não podia a avaliação ser autónoma e abranger, separadamente, os lados direito e o esquerdo.

Em seu entender, uma avaliação autónoma «contrariaria o inscrito na matriz predial urbana e introduziria nela insanável contradição», sendo «que surge desconexo que não se conforme agora com a divisão por dois do valor patrimonial do segundo andar por referência a cada contrato, particularmente atendendo às diferenças físicas e jurídicas agora sublinhadas se, conforme resulta do n.º 4 dos factos provados, nunca pugnou por rendas distintas relativamente a cada um dos lados, particularmente pelo pagamento mais dilatado pela área que refere como maior, como pareceria ser coerente com a tese que apresentou em juízo».

A recorrente discorda. Aduz, em síntese, que se o valor patrimonial tributário se reporta a um único andar não pode este, objectivamente, corresponder ao lado direito do mesmo piso – o local arrendado –, por ser uma parte e não a unidade, carecendo de cariz objectivo o critério aplicado pela autora e secundado pela Relação, de dividir o valor total em duas partes iguais e aplicar o montante assim obtido a cada um dos lados direito e esquerdo.

Invocou a favor deste entendimento o decidido no Acórdão da Relação de Lisboa, de 27-06-2017 (proc. n.º 2058/16.1.YLPRT:L1.7) proferido em acção de despejo que teve por objecto a resolução do contrato de arrendamento relativo ao 2.º andar esquerdo do mesmo prédio, onde se colocava exactamente a mesma questão.

À data da interposição do recurso de revista excepcional pela recorrente o referido acórdão não tinha, como referiu no texto das suas alegações, transitado em julgado, visto que dele havia sido interposto recurso de revista pela autora, aqui recorrida.

Neste âmbito, o Supremo Tribunal de Justiça proferiu já acórdão, em 20 de Dezembro de 2017, entretanto transitado em julgado.

Perscrutando o decidido pelo mencionado Acórdão da Relação de Lisboa, de 27-06-2017, nele destaca-se o seguinte:

“A caderneta predial urbana enviada à apelante com a comunicação do aumento de renda, constante de fls. 20 e segs., refere como andar com utilização independente o 2.º andar do prédio em questão (o prédio sito na Rua …, n.º … – aditamento nosso), com o valor patrimonial actual de € 408 670,00, avaliado em 26.05.2013. Não consta deste documento qualquer menção a divisão do 2.º andar em lado direito e lado esquerdo, nem, obviamente, ao valor de cada um deles, pelo que a determinação do máximo legalmente possível da renda a actualizar para o contrato de arrendamento que tem como objecto o 2.º esquerdo não pode ser feita pela simples aplicação dos critérios referidos.

Ciente da impossibilidade de transpor para o 2.º esquerdo um valor apurado com referência a todo o 2.º andar, a autora optou por dividir esse valor pelos dois arrendamentos – o do 2.º esquerdo e o do 2.º direito – em partes iguais, mas este critério não é adequado, apesar de ambos os contratos virem tendo rendas do mesmo valor, como consta do facto n.º 12 da resposta.

Sendo referido nos autos que o 2.º direito e o 2.º esquerdo têm áreas distintas, o apuramento deste eventual diferença ou da sua inexistência poderá constituir um critério mais atendível, face à lei, para se repartir entre ambos o valor patrimonial global do 2.º andar e daí se extrair, por aplicação das mencionadas als. a) e b), o valor máximo de renda exigível.

Ou poder-se-ia também partir da alegada existência, no 2.º andar, de duas portas de acesso às escadas para se obter o reconhecimento de que esse andar corresponde, afinal, a duas unidades susceptíveis de utilização independente, com a consequente inscrição matricial separada de ambos os andares, ao abrigo do art. 12.º, n.º 3, do CIMI, apesar de as mesmas se encontrarem, agora, ligadas entre si.

De qualquer modo, o que agora importa salientar é que, não tendo a comunicação da nova renda para o 2.º esquerdo valor vinculativo porque não correspondeu às indicações da lei e não foi aceite pela arrendatária, o seu não pagamento por esta não é fundamento de resolução do contrato pela senhoria, sendo ineficaz a declaração nesse sentido por ela feita.”.

Recolocada a questão em recurso de revista, o STJ, no referido acórdão de 20-12-2017, decidiu o seguinte:

“No cerne desta controvérsia está, assim, desde logo, a questão de saber se no procedimento de actualização da renda relativa ao 2.º andar esquerdo do prédio sito na Rua …, n.º …, a senhoria comunicou à arrendatária o valor do locado.

(…) constitui condição para o senhorio exercer o direito de requerer a actualização do valor da renda, a indicação, na carta que dirige ao arrendatário, do valor do locado constante da caderneta predial urbana, avaliado de acordo com o critério previsto nos arts. 38.º e segs. do CIMI, bem como a respectiva caderneta predial.

(…) estando demonstrada, no caso dos autos, quer a falta de identidade entre o imóvel objecto do contrato de arrendamento (2.º andar esquerdo do prédio sito na Rua …, n.º … em Lisboa), cuja resolução se pretende obter através da presente acção, e o prédio que surge indicado na caderneta predial que instruiu o procedimento de actualização (todo o 2.º andar do prédio sito na Rua …, n.º …, Lisboa, com o valor patrimonial de € 408 670,00), quer a falta de comunicação, por parte da autora/senhoria à ré/arrendatária, do valor patrimonial do locado, impõe-se concluir não ter a autora cumprido o formalismo previsto no art. 50.º da citada Lei n.º 31/2014.”.

Inexistindo identidade da causa de pedir (o locado a que se reporta o acórdão é fisicamente distinto do locado dos autos), arreda-se a possibilidade de aplicação do efeito negativo do caso julgado – enquanto excepção dilatória, para cuja verificação se exige a tríplice identidade (sujeitos, pedido e causa de pedir (artigo 581.º do Código de Processo Civil).

Contudo, o prestígio dos tribunais e o valor da certeza e da segurança jurídicas, que são, no fundo, as razões que constituem o fundamento do instituto do caso julgado, demandam que na decisão a proferir neste processo tenhamos em consideração o entendimento que o Supremo Tribunal de Justiça já teve oportunidade de ditar sobre a mesma questão, entendimento para o qual é absolutamente irrelevante a localização, do lado esquerdo ou do lado direito, do mesmo 2.º andar do mesmíssimo prédio e que não podemos deixar de acolher.

A Lei n.º 6/2006, de 27-02 (posteriormente alterada pelas Leis n.º 31/2012, de 14-08, e n.º 79/2014, de 19-12), aprovou o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), onde, para além do mais, estabeleceu um regime especial de actualização das rendas antigas.

Consagrou, para esse efeito, uma norma transitória em matéria de actualização das rendas (artigo 27º) a prever a aplicação da nova lei aos contratos de arrendamento celebrados para fins não habitacionais antes da entrada em vigor do DL n.º 257/95, de 30-09.

Logo, ao contrato de arrendamento em causa nos autos, celebrado em 1986, é aplicável a lei nova (NRAU com as alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012, de 14-08) no segmento respeitante à actualização do valor da renda.

Já a Lei n.º 79/2014, de 19-12, que reviu o regime jurídico do arrendamento urbano e, para além do mais, alterou algumas normas respeitantes ao procedimento de actualização de rendas, não tem aplicação, in casu, visto o procedimento para actualização da renda ter decorrido antes da sua entrada em vigor (cfr. artigo 6.º)

O procedimento de actualização da renda por iniciativa do senhorio, em contrato de arrendamento para fim não habitacional, passou, assim, a ficar sujeito às formalidades previstas nos artigos 50.º e seguintes do NRAU, na redacção da Lei n.º 31/2012, de 14-08.

A especificidade e o rigor impresso às formalidades exigidas explicam-se, em boa parte, pela circunstância de este não configurar um procedimento ordinário, mas antes um procedimento tendente a uma actualização extraordinária da renda.

Como nota Francisco de Castro Fraga (Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação: António Menezes Cordeiro, Almedina, 2014, pág. 483), «A expressão “actualização de renda” (…) não tem em vista a que vem regulada no 1077.º do CC (estipulada pelas partes ou, supletivamente, com periodicidade anual, de acordo com os coeficientes de actualização correspondentes à variação de preços no consumidor, sem habitação – 24.º desta Lei) mas uma correcção ou actualização extraordinária que não se confunde e se sobrepõe a ela. Pena foi que o legislador não tivesse optado por uma destas expressões, que evitaria confusões terminológicas e chamaria desde logo a atenção para a diferente natureza de uma e outra

A transição para o NRAU e a actualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, o qual deve comunicar ao arrendatário a sua intenção, indicando: (i) o valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos; (ii) o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI constante da caderneta predial urbana; (iii) cópia da caderneta predial urbana (art.º 50.º da Lei n.º 31/2012).

Desencadeado o procedimento de actualização da renda previsto no aludido artigo 50º, mediante carta registada com aviso de recepção ou escrito entregue em mão, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, ou n.º 6 da Lei n.º 6/2006, «o senhorio tem plena liberdade para transmitir ao arrendatário o valor da renda pretendida (…) mas tem o ónus de enviar ao arrendatário, nessa comunicação, uma cópia da caderneta predial urbana da qual conste o valor do local arrendado (calculado nos termos do artigo 38.º do CIMI» (MARIA OLINDA GARCIA, Arrendamento Urbano Anotado, Regime substantivo e processual (Alterações introduzidas pela Lei n.º 31/2012), Coimbra Editora, 3.ª edição, 2014, páginas 142, 163 e 164).

A razão de ser da exigência da comunicação do valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, prende-se com a possibilidade de esse valor vir a ser determinante no cálculo da renda, nas situações previstas nos artigos 33.º, n.º 5, al. b), 35.º, n.º 2, als. a), e b), 54.º, n.º 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012, especialmente, quando se verifique oposição do arrendatário, conforme sucedeu no caso dos autos.

Se in claris non fit interpretatio e a norma em apreço não podia encerrar maior grau de clareza, o valor do locado que o senhorio deve comunicar ao arrendatário é o valor patrimonial tributário que lhe foi atribuído pelos Serviços de Finanças competentes, com base em declaração do sujeito passivo e após avaliação realizada de acordo com os critérios previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos de incidência do imposto municipal sobre imóveis (IMI).

   Integrada em competência exclusiva da Administração Tributária, a avaliação fiscal dos prédios, ainda que para o efeito da actualização da renda, não está na disponibilidade das partes, nem aos tribunais comuns, como é sabido, cabe o papel de classificar ou avaliar prédios.

No presente caso, os factos que permitem concluir pela legalidade do procedimento são constitutivos do direito que o senhorio pretende fazer valer – direito à actualização/aumento de renda -, pelo que sobre si impende o ónus da respectiva alegação e prova (artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil).

A autora, senhoria, alegou e provou que comunicou, por carta, à ré, arrendatária, o valor patrimonial tributário do 2.º andar, entregando-lhe cópia da caderneta predial urbana respectiva.

Respeitando o valor patrimonial indicado a todo o andar e tendo o locado por objecto apenas o que designaram ser o seu o lado direito, a própria natureza das coisas nos diz que estão em causa realidades distintas. Se o valor comunicado respeita a um prédio ou andar que não coincide integralmente com o locado não pode considerar-se cumprida a exigência de comunicação do valor do locado, imposto pelo artigo 50.º, n.º 1, al. b).

A razão da complexidade do processo de actualização das rendas nos contratos anteriores a 1990 prende-se com o facto de, por um lado, não se tratar de um mero aumento da renda, pois que em causa está também a negociação de um novo contrato integrado num verdadeiro processo negocial obrigatório, e, por outro lado, com a necessária e articulada conjugação entre o mercado do arrendamento e a avaliação fiscal do património a tributar.

Em função dessa complexidade é evidente a exigência do cumprimento rigoroso dos critérios objectivos fixados pelo legislador conducentes à actualização da renda, que não se compadece com a transposição para esse efeito de uma ficção – o arrendamento de uma unidade (2º andar) como se duas realidades autónomas se tratassem (lados esquerdo e direito) – que não encontra correspondência na realidade que foi, concretamente, objecto de avaliação para efeitos do cálculo do valor patrimonial tributário que o envio de cópia da caderneta predial ao locatário visa documentar.

Tanto mais que o legislador tomou por referência esse valor para o cálculo da renda actualizada, em caso de oposição fundamentada do locatário e inexistência de acordo entre as partes, impondo como limite máximo da renda actualizada, precisamente, o valor anual correspondente a 1/5 do valor tributário do locado, como decorre das disposições conjugadas dos já citados artigos 35.º, n.º 2, als. a), e b), 54.º, n.ºs 1 e 2, do NRAU, na versão dada pela Lei n.º 31/2012.

A falta dos requisitos materiais previstos no citado artigo 50.º ou o não cumprimento das regras relativas à forma e destinatário da comunicação tem como consequência a ineficácia da comunicação, tudo se passando como se ela não tivesse sido feita.

Em função do exposto, considera-se ineficaz a comunicação efectuada pela autora (senhoria) à ré (arrendatária) do valor do locado, avaliado nos termos do CIMI, ao indicar, para esse efeito, o valor patrimonial tributário correspondente ao 2.º andar, no seu todo, quando o arrendado respeita a uma parte deste – o seu lado direito –, sendo, portanto, prédio distinto daquele que figura na matriz.

Afastada a eficácia da comunicação da nova renda, por preterição do requisito material previsto no referido artigo 50.º, al. b), não existe fundamento para a pretendida resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes, relativo ao 2.º andar direito do prédio sito na Rua ..., em Lisboa, fundado na falta de pagamento da renda actualizada pela autora.


2. Redução parcial da renda.

No tocante à redução da renda, em 20%, realizada pela ré, arrendatária, com fundamento na diminuição do gozo do locado em virtude das limitações decorrentes da realização de obras no prédio pela autora, ao abrigo do estatuído no artigo 1040º do código Civil, verificamos que o pedido de pagamento das rendas vencidas por inteiro deduzido por esta tem por base ou referência o valor actualizado comunicado à arrendatária e que esta não aceitou.

Sucede que a improcedência da acção, alicerçada na falta de pagamento do valor da renda actualizada nos termos pretendidos pela autora, inviabiliza não só o pedido de resolução do contrato de arrendamento, como também o conhecimento desta questão, que resta prejudicada (artigo 608º nº 2 do Código de Processo Civil).

Com efeito, esta questão surge enquadrada no quantitativo em dívida resultante do cálculo efectuado a partir do montante das rendas que a recorrida passou a exigir à recorrente no seguimento do aumento por si declarado e está intrinsecamente interligada com o mesmo.

Sempre se dirá, todavia, que, em caso similar (respeitante ao 1º andar do mesmo prédio) apreciado no âmbito de acção em que foram, igualmente, partes as ora autora e ré, já julgado neste Supremo Tribunal de Justiça por Acórdão de 14 de Março de 2013 (processo nº 849/16.8YLPRT.L1.S1), a questão da redução unilateral da renda foi ali expressamente suscitada pela autora como facto gerador de incumprimento contratual da ré (causa de pedir), não tendo a tese da autora sido sufragada.


III. Decisão:

Pelo exposto, concedendo a revista, acorda-se no Supremo Tribunal de Justiça em revogar o acórdão recorrido e, em consequência, julgar improcedente a acção e absolver a ré dos pedidos contra si formulados.

Custas pela autora em todas as instâncias.


Lisboa, 24 de Maio de 2018


Fernanda Isabel Pereira (Relatora)

Olindo Geraldes

Maria do Rosário Morgado