Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07S1149
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: BRAVO SERRA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO TEMPORÁRIO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO
CONTRATOS SUCESSIVOS
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Nº do Documento: SJ200709120011494
Data do Acordão: 09/12/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : I - Encontrando-se o trabalhador vinculado por um contrato de trabalho a termo incerto com uma empresa de trabalho temporário entre 21 de Agosto de 2001 e 31 de Outubro de 2002, e trabalhando em continuidade neste período temporal para uma empresa utilizadora - que com aquela celebrara entretanto quatro contratos de utilização de trabalho temporário ao abrigo do disposto no art. 9.º, n.º 1, al. c) do DL n.º 358/89 de 17 de Outubro (LTT) -, é de considerar que se firmou entre o trabalhador e o utilizador um contrato de trabalho sem termo a partir do momento em que passaram dez dias sobre a data em que a utilização de trabalho temporário atingiu a duração máxima de doze meses, continuando o trabalhador ao serviço do utilizador (arts. 9.º, n.ºs 5 e 8 e 10.º da LTT).
II - Assim sendo, a celebração, operada em 1 de Novembro de 2002 entre o trabalhador e o empregador (empresa utilizadora), de um contrato de trabalho a termo, postergou o comando do n.º 3 do art. 41.º-A da LCCT, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 18/2001 de 3 de Julho, sendo nulo e de nenhum efeito este contrato por celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente .
III - Em face da nulidade incidente sobre esse contrato, e subsistindo a qualidade do autor como trabalhador da ré com esteio em contrato sem termo, é de configurar como um despedimento ilícito a cessação da relação jurídico-laboral estabelecida entre ambos por vontade unilateral da ré ancorada no desiderato de não renovação de um contrato cujos efeitos se não podiam produzir perante o vício da nulidade que o inquinava.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I


1. Pelo 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Loures intentou AA contra Empresa-A, acção com processo comum, solicitando a declaração de ilicitude do despedimento de que o autor foi alvo por parte da ré, e a condenação desta a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde a data do despedimento e a proferenda decisão e a reintegrá-lo ao seu serviço ou, se essa fosse a opção do autor, a pagar-lhe a indemnização de antiguidade igual a quarenta e cinco dias de retribuição por cada ano de antiguidade.

Para alicerçar o seu pedido, aduziu o autor, em síntese, que, tendo sido admitido ao serviço da ré em 1 de Novembro de 2002, mediante contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de doze meses, renovado em 1 de Novembro de 2003, e tendo sido consignado nesse contrato que o autor se encontrava na situação de primeiro emprego e que a ré tinha um acréscimo temporário de actividade motivado por um aumento não previsto de encomendas, a mesma ré, em 13 de Outubro de 2004, comunicou ao autor a sua intenção de pôr termo ao mencionado contrato, sendo certo que as estipulações no mesmo efectuadas não correspondiam à verdade, já que não só o autor já celebrara, anteriormente, um contrato de “trabalho sem termo a outra empresa”, tendo, em 21 de Agosto de 2001, celebrado um contrato de trabalho a termo incerto com uma empresa de trabalho temporário, ao abrigo do qual passou, desde 21 de Agosto de 2001, a trabalhar para a ré até 1 de Novembro seguinte, como não havia qualquer acréscimo temporário de actividade da ré, sendo que, após a cessação do contrato, a ré admitiu um novo trabalhador, proveniente, aliás, da mesma empresa de trabalho temporário.

Contestou a ré, deduzindo reconvenção consistente em, na hipótese de vir a ser decidido que o contrato de trabalho firmado com o autor deveria ser havido como um contrato sem termo, às importâncias que lhe seriam devidas haveria de compensar o valor pago pela ré – no montante de € 4.705,28 – a título de indemnização pela caducidade do contrato.

Posteriormente, veio a ré requerer que fosse convidada a corrigir ou completar a sua contestação, por forma a nela ser considerada factualidade não indicada naquela peça processual, pretensão que veio a ser objecto de indeferimento, o que levou a ré a, do assim decidido, interpor recurso de agravo.

Prosseguindo os autos seus termos, foram elaborados despacho saneador, fixação da matéria de facto assente e base instrutória, vindo a ré a reclamar destas últimas e, não tendo sido dado global atendimento à reclamação, agravou ela para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Tendo, por sentença proferida em 31 de Março de 2006, sido a acção julgada improcedente e, em consequência, sido a ré absolvida, da mesma apelou o autor.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 13 de Dezembro de 2006, negou provimento aos recursos de agravo e, julgando procedente a apelação, condenou a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir desde os trinta dias que precederam a propositura da acção – 29 de Maio de 2005 – até ao trânsito da decisão, deduzidas das importâncias que, comprovadamente, se viessem a apurar ter sido obtidas com a cessação do contrato e que não teriam sido obtida caso não tivesse ocorrido o despedimento, relegando-se a liquidação para execução de sentença.

Deste aresto pediu a ré revista, dizendo que mantinha “interesse no dois recursos de agravo oportunamente apresentados no âmbito do presente processo”.

O Desembargador Relator do Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 17 de Janeiro de 2007, não admitiu os recursos de agravo, admitindo, porém, o recurso de revista.

2. Rematou a ré a sua alegação formulando as seguintes «conclusões»: –

1. Andou bem o Sr. Juiz ‘a quo’ quando decidiu no sentido de declarar improcedente a acção instaurada pelo ora Recorrido;
2. Fez a dita sentença uma cuidada interpretação da matéria provada, tendo-a bem enquadrado juridicamente;
3. Ainda no que diz respeito à matéria de facto provada, o Sr. Juiz de primeira Instância, ponderou e fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada da totalidade da prova documental e testemunhal produzida, concretamente documentos juntos aos autos e nos depoimentos conjugado das testemunhas arroladas pela Recorrente;
4. Foi com base na ponderação de tal factualidade, que o Sr. Juiz de 1ª Instância concluiu pela improcedência da acção;
5. O Recorrido trabalhou na empresa Recorrente ao abrigo de vários contratos de utilização de trabalho temporário celebrados entre esta e a empresa Empresa-B, no período compreendido entre 21.08.01 e 31.10.02, a saber:
– 20.08.01 a 31.12.01;
– 01.01.02 a 30.04.02;
– 01.05.02 a 24.07.02;
e
– 19.08.02 a 31.10.02;
e continuou lá a trabalhar a partir do dia seguinte (01.11.2002), agora, ao abrigo do contrato referido na alínea A) da factualidade assente.
6. O Recorrido não trabalhou nas instalações da Recorrente no período compreendido entre 30.07.02 e 19.08.02, porquanto nessa altura não se encontrava em vigor qualquer contrato de utilização de mão-de-obra temporária entre esta e a Empresa-B, Lda.
7. O Recorrido foi detentor da seguinte relação contratual com a Empresa-B, Lda:
– contrato a termo incerto que durou no período compreendido entre 21.08.01 a 28.07.02 – com rescisão em 28.07.02;
– contrato a termo incerto que durou no período compreendido entre 19.08.02 a 31.10.02.
8. Não foram excedidos os limites de trabalho temporário previsto na lei, nem necessário seria requerer qualquer autorização à IGT para renovar tais contratos – autorização esta, diga-se aliás, cuja falta teria apenas como sanção a eventual aplicação de contra-ordenação laboral e nenhuma outra.
9. A contratação sucessiva, mas autónoma, não converte os contratos distintos num só contrato, para efeito de poder ser apreciada alguma duração total, é distinta da renovação dos contratos, esta sim relevante para a apreciação de uma eventual duração total (não liminarmente contratual), como resulta do n.º 8 do art. 9º do DL 358/89, cuja norma considera como único contrato aquele que seja objecto de uma ou mais renovações.
10. No sentido da conclusão anterior vide entre outros Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. N.º 1/2001, Acórdão de 15/03/2001 em que foi relator o Senhor Juiz Desembargador BB.
11. Foi o Recorrido quem fez cessar o segundo contrato de trabalho a termo incerto celebrado em 19.08.02 com a Empresa-B, Lda., em 31/10/2002, com vista a poder ser contratado pela Recorrida a termo certo.
12. A situação dos autos consubstancia abuso de direito numa das suas modalidades chamada ‘venire contra factum proprium’.
13. Os Senhores Desembargadores ao terem aditado matéria assente, não analisaram nem relevaram o teor do documento referido na conclusão 11, no qual é efectuada a demissão do Recorrido, da empresa de Trabalho Temporário, Empresa-B, Lda ..
14. Nesse documento, o Recorrido antes de celebrar um contrato a termo com a ora Recorrente, não só:
a) – Assume que é trabalhador de Empresa-B;
b) – Reconhece que não é trabalhador da Recorrente – tais factos justificam o pedido de demissão apresentado à Empresa-B, Lda, em 30/10/02.
c) Expressamente assume que não é ou era trabalhador por tempo indeterminado da Recorrente.
15. Por esse motivo se encontrava disponível para celebrar contrato a termo certo com a Recorrente em 1/11/02 (cfr. resulta da matéria provada/assente) .
16. Os direitos do Recorrido, caso os quisesse reclamar no âmbito do contrato de trabalho temporário celebrado com Empresa-B, Lda., ou decorrentes do mesmo, teriam que ser exercidos no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho (por si promovida) a termo incerto (celebrado com tal entidade);
17. Caso quisesse reclamar a nulidade de tal contrato ou invocar que era trabalhador da ora Recorrente, quando com esta celebrou contrato em 1 de Novembro de 2002, deveria tê-lo efectuado até 31 de Outubro de 2003 – o que não aconteceu.
18. Deveria ainda ter instado a Empresa-B, Lda., pois a Recorrente é totalmente alheia à relação contratual existente entre aquele e tal empresa, não pode ser penalizada por qualquer eventual ‘vicio’ – aliás não provado – nessa relação.
19. Pelo que se outros motivos não existissem, e existem, encontram-se prescritos quaisquer direitos do Recorrido, decorrentes da relação triangular (de T. T.) que oportunamente existiu entre ele, a Empresa-B e a ora Recorrida.
20. O Recorrido foi entrevistado pelos serviços de recursos humanos competentes com vista a ser contratado para a Recorrida e nessa entrevista referiu expressamente que estava à procura de primeiro emprego e que nunca tinha sido contratado por tempo indeterminado por outra entidade patronal.
21. Antes de ser contratado pela Recorrente preencheu um formulário (escrito) onde expressamente referia não ter sido nunca contratado por tempo indeterminado e que se encontrava à procura de primeiro emprego.
22. As empresas, como bem se refere a fls. 215 da sentença de fls ... dos autos, ‘não têm forma de saber se um candidato a um emprego já trabalhou ou não antes e que tipo de contratos celebrou, pelo que terá que fazer fé na declaração do próprio candidato e este, segundo o princípio da boa fé negocial, deve dizer a verdade. Se o não diz, não pode vir, posteriormente, querer tirar dividendos da sua própria mentira’
23. Muito bem andou o Tribunal ‘a quo’ na qualificação jurídica que efectuou a fls. 214 da sentença quando refere, à luz do art. 3º n.º 2 do D.L. n.º 257/86 de 27 de Agosto, ‘considerarem-se em situação de primeiro emprego os trabalhadores que nunca tenham sido contratados por tempo indeterminado’, como era o caso do Recorrido.
24. É este o entendimento da jurisprudência dominante e seguida pelos Tribunais superiores, à data da realização do contrato a termo certo entre as partes.
25. Resultou provado que nos sectores/unidades de negócio onde o Recorrido trabalhou existiu uma subida de encomendas face ao orçamentado e inicialmente previsto, traduzindo-se essa subida no aumento não previsto de encomendas provenientes dos clientes identificados no contrato a termo certo.
26. Ficou ainda provada a existência de acréscimo excepcional na actividade da Recorrente na pendência da duração do contrato de trabalho a termo certo celebrado entre esta e o Recorrido.
27. Acréscimo de trabalho esse que motivou a sua contratação a termo no período compreendido entre os meses de Novembro 02 e Outubro 04.
28. O Recorrido limitou-se a pôr em causa os motivos alegados nas als. a) e c) supra identificadas e não as demais (aceitou o previsto na al. b)) – este um outro argumento que levou à improcedência da acção.
29. Bastará a procedência de um dos motivos que justificaram o contrato a termo certo celebrado entre Recorrente e Recorrido para que o mesmo se encontre devidamente motivado.
30. De todo o exposto, se conclui COM PROFUNDA CONVICÇÃO que o Acórdão da Relação de Coimbra efectuou uma deficiente interpretação e por isso violou o disposto nos arts. 9º n.º 1, e 12º, n.º 5 e 13º do D.L. 64-A/89 de 27.12, art.º 18º, 20º e 27º n.ºs 1 e 2 da LCT e decidiu em sentido contrário ao Acórdão da Relação de Coimbra, Proc. N.º 1/2001, proferido em 15/03/2001 em que foi relator o Senhor Juiz Desembargador BB.
31. Incorreu o Acórdão Recorrido na violação dos normativos identificados na conclusão anterior;
32. Por tudo, deverá ser considerado que a Recorrente nada deve ao Recorrido, pela promoção de caducidade do contrato a termo certo que oportunamente (legalmente) promoveu;

Respondeu o autor à alegação da ré propugnando pela improcedência do recurso.

O Ex.mo Representante do Ministério Público neste Supremo Tribunal exarou «parecer» no qual sustentou não dever ser concedida a revista.

A esse «parecer» respondeu a ré, continuando a defender a sua posição exposta na alegação da revista.

Corridos os vistos, cumpre decidir.
II
1. Não se colocando aqui qualquer das situações a que se reporta o nº 2 do artº 722º do Código de Processo Civil, ter-se-á de atender à seguinte factualidade aceita pelo aresto impugnado: –

– a) O autor foi admitido ao serviço da ré em 1 de Novembro de 2002, celebrando com ela um contrato a termo certo pelo prazo de doze meses, contrato esse a que se reporta o documento junto a fls. 13;
– b) Na cláusula 6ª daquele contrato consta que “O presente contrato é celebrado a termo, nos termos e para efeitos da alínea b) e h) do nº 1 do art. 41º do D. L. 64-A/89 de 27 de Fevereiro, porquanto o trabalhador se encontra em situação de primeiro emprego e bem assim, devido a acréscimo temporário da actividade da primeira outorgante, motivada por um aumento não previsto de encomendas provenientes dos clientes relacionados com o mercado de Reposição de Ligeiros – Autores Lusa, Autores Ibéria e Autores Internacional –, incremento de Actividade de comboios Laminado e Temperado Metro do Porto e novas encomendas de novos Clientes do mercado de Barcos de Recreio – Rodmen, situação que se prevê se mantenha, pelo menos, na pendência da duração do presente contrato”.
– c) O mencionado contrato foi renovado em 1 de Novembro de 2003, pelo prazo de doze meses;
– d) Por carta datada de 13 de Outubro de 2004 a ré comunicou ao autor a intenção de não renovar o aludido contrato, cujo termo ocorria em 31 daqueles mês e ano;

– e) A ré pagou ao autor, aquando da cessação do contrato, a quantia de € 4.705,28;

– f) Aquando da mencionada cessação, o autor auferia a remuneração mensal de € 698,42;
– g) Em 21 de Agosto de 2001 o autor celebrou com Empresa-B – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª, um contrato de trabalho a termo incerto, cuja cópia se encontra a fls. 18 dos autos;
– h) No âmbito desse contrato de 21 de Agosto de 2001, o autor prestou trabalho à ré, sob as ordens e direcção da mesma;
– i) O autor trabalhou na empresa ré ao abrigo do contrato referido em g) até 31 de Outubro de 2002, e continuou lá a trabalhar a partir do dia seguinte – 1 de Novembro de 2002 –, agora ao abrigo do contrato referido em a);
– j) Antes de ter sido admitido pela ré no âmbito do contrato referido em a), o autor tinha sido admitido pela empresa Empresa-C, Ldª, no âmbito de um contracto a termo de seis meses, com início em 1 de Julho de 1998;
– k) Os fornecimentos para o Mercado de Reposição de Ligeiros pré-existiam à [data] da contratação do autor pela ré;
– l) A ré procedeu a entrevista do autor, com a finalidade da sua contratação, antes de celebrado o contrato referido em a);
– m) Aquando dessa entrevista, o autor preencheu e assinou os documentos juntos a fls. 47 a 50, constando do documento de fls. 48 que a sua situação era a de “Primeiro Emprego”;
– n) No documento junto a fls. 48 o autor declarou ter trabalhado na Empresa-C, durante dois anos, no âmbito de um contrato a prazo;
– o) Antes de ser contratado pela ré, o autor preencheu os documentos juntos a fls. 47, 48, 49 e 50;
– p) Enquanto o autor trabalhou na ré por conta da Empresa-B, esteve afecto ao sector de laminagens panorâmicas e, quando foi admitido pela ré, passou a laborar para o forno de Glass Robot;
– q) Nos sectores referidos na cláusula 6ª do contrato, mencionada em b), houve uma subida das encomendas face ao orçamentado e inicialmente previsto;
– r) Essa subida traduziu-se no aumento não previsto de encomendas provenientes dos clientes dos sectores referidos naquela mesma cláusula;
– s) Em 1 de Agosto de 2001, entre a ré e a Empresa-B – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª, foi celebrado um contrato denominado “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, invocando-se, para o efeito, a “necessidade de fazer face a acréscimos de trabalho que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no art. 9, n.º 1, al. c) do D.L. 358/89”, contrato esse mediante o qual a primeira contratava à segunda quinze trabalhadores para exercerem as funções de «praticante» no sector de veículos industriais, pelo período de quatro meses e dez dias, com início em 20 de Agosto de 2001 e fim em 31 de Dezembro de 2001;
– t) O autor figurava entre os trabalhadores contratados pela ré ao abrigo do contrato indicado no item anterior;
– u) Em 1 de Janeiro de 2002, entre a ré e a Empresa-B, foi celebrado um contrato denominado “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com a invocação referida em s), contrato esse mediante o qual a primeira contratava à segunda onze trabalhadores para exercerem as funções de «praticante» no sector de veículos industriais, pelo período de quatro meses, com início em 1 de Janeiro de 2002 e fim em 30 de Abril de 2002;
– v) O autor figurava entre os trabalhadores contratados pela ré ao abrigo do contrato indicado no item anterior;
– w) Em 1 de Maio de 2002, entre a ré e a Empresa-B, foi celebrado um contrato denominado “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com a invocação da “necessidade que tem de fazer face a acréscimo de trabalho – incremento da actividade de ligeiros, mercado reposição e incremento de actividade de comboios – vidro Temperado Laminado, que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no art.º 9º n.º 1 al. c) do D.L. 358/89”, contrato esse mediante o qual a primeira contratava à segunda quinze trabalhadores para exercerem as funções de «praticante» no sector de veículos industriais, pelo período de dois meses e vinte e oito dias, com início em 1 de Maio de 2002 e fim em 29 de Julho de 2002;
– x) O autor figurava entre os trabalhadores contratados pela ré ao abrigo do contrato referido no item anterior;
– y) Em 19 de Agosto de 2002, entre a ré e a Empresa-B, foi celebrado um contrato denominado “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário”, com a invocação referida em w), contrato esse mediante o qual a primeira contratava à segunda quinze trabalhadores para exercerem as funções de «praticante» no sector de veículos industriais, pelo período de dois meses e doze dias, com início em 19 de Agosto de 2002 e fim em 31 de Outubro de 2002;
– z) O autor figurava entre os trabalhadores contratados pela ré ao abrigo do contrato mencionado no item anterior.

2. O aresto sub iudicio, muito embora concluindo que a sentença prolatada em primeira instância incorrera em nulidade ao não se pronunciar sobre a questão, colocada na petição inicial – justamente a de saber, se previamente à celebração do contrato, ocorrida entre a ré e o autor em 1 de Novembro de 2002, se deveria já considerar este último como trabalhador da primeira, por força de um contrato de trabalho sem termo, atendendo ao estatuído no artº 10º do Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro – entendeu que podia o Tribunal ad quem conhecer de tal questão nos termos do artº 715º do Código de Processo Civil, uma vez que o processo continha todos os elementos necessários para tanto.
E, passando a apreciar esse problema, o acórdão recorrido discorreu assim: –

“(…)
Como verificámos, a aludida questão prende-se com a circunstância de se saber se, quando o autor celebrou com a ré o contrato a termo certo em 01/11/2002, se deveria já considerar como trabalhador da mesma ao abrigo de um contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado ao abrigo do disposto no art. 10º do Dec. Lei n.º 358/89 de 17.10.
Estabelecia então e estabelece ainda hoje aquele preceito legal – já que a Lei n.º 99/2003 de 27-08 que aprovou o Código do Trabalho apenas revogou os artigos 26º a 30º daquele diploma, cfr. o respectivo art. 21º n.º 1 al. n) – que «no caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário sem que tenha ocorrido a celebração de contrato que o legitime, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhador».
Com interesse para a apreciação desta questão, resultou demonstrado que, em 21/08/2001, o autor (na qualidade de 2º outorgante) celebrou com ‘Empresa-B – Empresa de Trabalho Temporário, Ld’ (na qualidade de 1º outorgante), um contrato de trabalho a termo incerto nos termos do documento junto a fls. 18 dos autos, referindo-se na respectiva cláusula 2ª que «O contrato é celebrado a termo incerto e justifica-se pela necessidade que o 1º Outorgante, tem em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-Obra celebrados até ao momento pelo 1º Outorgante.
O referido contrato enquadra-se assim na alínea c) do Art. 9º n.º 1 do Dec-Lei 358/89».
Por sua vez, na cláusula 4ª estipulava-se que «O presente contrato de utilização temporária é celebrado a termo incerto e tem como fundamento a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a SSGP, constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário, devido a novas encomendas para o mercado interno e externo».
Demonstrou-se também que, no âmbito e ao abrigo desse contrato, o autor prestou trabalho à ré, sob as ordens e direcção da mesma, até 31/10/2002 e continuou lá a trabalhar a partir do dia seguinte (01/11/2002), ao abrigo do contrato referido em A) da matéria de facto provada.
Finalmente, também se demonstrou que, entre a ora ré e a ‘Empresa-B – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª’ foram celebrados os contratos de utilização de trabalho temporário referidos nas alíneas S), U), W) e Y) da matéria de facto assente, figurando o autor entre os trabalhadores contratados pela aqui ré ao abrigo desses contratos.
Conforme se verifica a celebração destes contratos foi sucessiva e praticamente contínua, na medida em que apenas o último não vigorou imediatamente a seguir ao termo do penúltimo.
Ora, prevendo o art. 9º n.º 1 al. c) do referido Dec-Lei n.º 358/89 de 17-10 que «a celebração do contrato de utilização de trabalho temporário só é permitida nos seguintes casos: ... c) Acréscimo temporário ou excepcional de actividade, incluindo o devido a recuperação de tarefas ou da produção», estipula-se no respectivo n.º 5 que «Nos casos previstos na alínea c) do n.º 1, a duração do contrato não pode exceder 12 meses, podendo ser prorrogada até 24 meses desde que se mantenha a causa justificativa da sua celebração, mediante autorização da Inspecção-Geral do Trabalho» e estabelece o n.º 8 que «considera-se como um único contrato aquele que seja objecto de uma ou mais renovações».
Procurando, nitidamente, tornear estes dispositivos legais, a aqui ré e a mencionada ‘Empresa-B, Ldª’ estabeleceram entre si os referidos contratos de utilização de trabalho temporário, tentando criar a aparência de se estar perante contratos distintos uns dos outros, embora sucessivos e, todos eles, no essencial, mediante a invocação da mesma causa justificativa, ou seja, «fazer face a acréscimo de trabalho que se prevê temporário e cuja necessidade não deverá ultrapassar o tempo previsto no art. 9º n.º 1 al. c) D.L. 358/89».
Perante o que acabamos de referir, não restam dúvidas que entre a ré e a mencionada ‘Empresa-B, Ldª’ existiu, verdadeiramente, apenas um único contrato de utilização de trabalho temporário, ao abrigo do qual o aqui autor foi contratada por aquela, contrato esse que excedeu o mencionado prazo de 12 meses sem que a aqui ré tivesse demonstrado – sendo certo que, enquanto uma das respectivas outorgantes, era a ela que competia essa demonstração – ter sido, previamente, obtida autorização da entidade competente para permitir a prorrogação do mesmo para além daquele período de tempo.
Por esta razão e demonstrando-se que o autor trabalhou até 31/10/2002 ao serviço da aqui ré e que em 01/11/2002 celebraram entre si um contrato de trabalho a termo certo, não há dúvida que entre 01/09/2002 e 31/10/2002 existiu entre ambas as partes envolvidas no presente litígio, um contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado ao abrigo do disposto no referido art. 10º do Dec. Lei n.º 358/89 de 17-10.
Perante esta conclusão e relativamente à segunda das suscitadas questões deste recurso, sem dúvida que ao não reconhecer o que acabamos de referir, a sentença recorrida violou o disposto no referido normativo legal conjugado com os n.º 1 al. c) e n.º 5 do art. 9º do mesmo diploma.
Relativamente à última das suscitadas questões deste recurso de apelação, diremos que, tendo-se concluído, anteriormente, que a partir de 01/09/2002 passou a existir um contrato de trabalho por tempo indeterminado ou sem termo entre a aqui ré e o autor, não há dúvida que os mesmos, ao celebrarem em 01/11/2002 um contrato de trabalho a termo certo, o fizeram em manifesta violação do disposto no, então vigente, art. 41º-A n.º 3 da LCCT introduzid[o] pelo Dec. Lei n.º 64-A/89 de 27-02 e que estipulava que «sem prejuízo do disposto no artigo 5º, é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente». Com efeito, nessa altura, já o autor havia adquirido a qualidade de trabalhador permanente ao serviço da ré pelas razões apontadas.
Perante este normativo legal, não poderemos deixar de considerar o referido contrato a termo como um contrato nulo e de nenhum efeito, continuando, portanto, a vigorar entre ambas as partes o contrato de trabalho sem termo ou por tempo indeterminado a que fizemos referência, contrato que existia quando a ré, unilateralmente e mediante a carta que dirigiu ao autor em 13/1 0/2004, para produzir efeitos a partir de 31/10/2004, a ele pôs fim, não fazendo qualquer sentido a excepção de prescrição invocada pela ré, a dado passo da sua contestação, relativamente a créditos emergentes da relação triangular que havia existido entre as partes em litígio na presente acção e a empresa de trabalho temporário ‘Empresa-B, Ldª’, tanto mais que nem esses eventuais créditos são reclamados pelo autor na presente acção.
Aquela forma de cessação de contrato de trabalho tem, no entanto, de haver-se por ilícita face às disposições conjugadas dos artigos 382º, 429º a), ambos do Cód. Trab. aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27-08, com as consequências daí decorrentes e que se prevêem nos artigos 436º a 439º do mesmo diploma.
Deste modo, não poderemos acompanhar a sentença recorrida ao haver julgado a acção totalmente improcedente e ao haver absolvido a ré do pedido.
Face à ilicitude do despedimento de que foi alvo e tendo em consideração o pedido formulado na presente acção, sendo certo que esta foi instaurada apenas em 29/06/2005 e que o autor optou pela reintegração no seu posto de trabalho, assiste-lhe o direito ao recebimento das retribuições vencidas desde os 30 dias que precederam a propositura da acção, ou seja desde 29/05/2005, até ao trânsito des [ta] decisão, com dedução das importâncias que, comprovadamente, se venha a apurar ter o autor obtido com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento ilícito de que foi alvo, assistindo-lhe ainda o direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
(…)”


3. Do quadro fáctico que, como se disse já, este Supremo Tribunal tem de acatar, resulta que o autor laborou para a ré de 21 de Agosto de 2001 até 31 de Outubro de 2002 ao abrigo de um contrato a termo incerto celebrado com a Empresa-B – Empresa de Trabalho Temporário, Ldª [cfr. items g), h) e i) de II 1.], sendo que, por contratos outorgados entre a ré e esta empresa, a última cedeu à primeira trabalhadores, entre os quais se contava aquele autor, contratos que foram firmados para produzirem efeitos de 2 de Agosto de 2001 a 31 de Dezembro de 2001 [items s) e t) de II 1.], de 1 de Janeiro de 2002 a 30 de Abril de 2002 [items u) e v) de II 1.], de 1 de Maio de 2002 a 29 de Julho de 2002 [items w) e x) de II 1.] e de 19 de Agosto de 2002 a 31 de Outubro de 2002 [items y) e z) de II 1.].

Por isso, conforme se alcança do mesmo quadro fáctico e ficou acima mencionado em i) de II 1., contrariamente ao defendido na alegação da ora impugnante, é de considerar provado que desde 21 de Agosto de 2001 a 31 de Outubro de 2002, em continuidade, o autor – que se encontrava vinculado por um contrato de trabalho a termo incerto com a Empresa-B – laborou para a ré por cedência desta empresa.

Diferentes realidades, para o que agora releva apreciar, são o trabalho prestado durante todo aquele período e os contratos firmados entre a ré e a Empresa-B, não se podendo, em face da matéria dada por demonstrada, sustentar que não houve continuidade no trabalho efectuado pelo autor ao serviço da ré, por cedência daquela Empresa-B, com a qual o mesmo autor se encontrava vinculado por um contrato a termo incerto, desde 21 de Agosto de 2001 a 31 de Outubro de 2002.

Em face da fundamentação carreada ao acórdão recorrido e que levou ao juízo decisório nele contido, não interessa analisar aqui a correspondência ou não correspondência à realidade das estipulações apostas no contrato outorgado pela ré e autor em 11 de Novembro de 2002 e que foi objecto de renovação, no tocante à inesperada subida de encomendas a que a ré assistiria, à procura de primeiro emprego por parte do autor (apreciando-se, também, qual a situação a que, juridicamente, se deveria atender para integrar um tal conceito) e, a ser verdadeira esta estipulação, se a instauração da presente acção representa um abuso de direito fundado num venire contra factum proprium.

Efectivamente, o aresto em crise baseou-se na circunstância de, aquando da celebração do contrato de 11 de Novembro de 2002, já se dever considerar o autor como vinculado à ré por contrato sem tempo, e isso perante o que se dispõe no artº 10º do Decreto-Lei nº 358/89, de 17 de Outubro.

Segundo este preceito (na redacção conferida pela Lei nº 146/99, de 1 de Setembro, que era a aplicável à situação sub specie), no caso de o trabalhador temporário continuar ao serviço do utilizador decorridos 10 dias após a cessação do contrato de utilização de trabalho temporário sem que tenha ocorrido a celebração de contrato que o legitime, considera-se que o trabalho passa a ser prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre este e o trabalhador.

E, de harmonia com o artº 9º, nº 5 (redacção conferida pela citada Lei) do mesmo diploma, nos casos a que se reporta a alínea c) do seu nº 1 (de acréscimo temporário ou excepcional de actividade), a duração do contrato não pode exceder 12 meses, podendo ser prorrogada até 24 meses, desde que se mantenha a causa justificativa da sua celebração, mediante autorização da Inspecção-Geral do Trabalho.

Daqui decorre que, iniciando o autor a prestação do seu trabalho ao serviço da ré, por cedência da Empresa-B, em 21 de Agosto de 2001, e já que não foi alegado ou provado que houve lugar a prorrogação nos termos do supra indicado preceito, haveria que considerar que o contrato de utilização do trabalho temporário do autor finalizaria um ano depois daquela data.

Simplesmente, ficou apurado que o autor continuou a laborar para a ré até 31 de Outubro de 2002 (trabalhando, a partir daí, para a mesma ré, mas ao abrigo do contrato entre ambos firmado em 1 de Novembro de 2002).

Ora, após a data em que, legalmente, a duração do contrato de utilização de trabalho temporária do autor se haveria de considerar excedida, continuou este a laborar ao serviço da ré, e ainda sob a forma de utilização de trabalho temporário, perdurando essa situação por mais de dez dias – até 31 de Outubro de 2002.

Neste contexto, cobra aplicação o prescrito no falado artº 10º do Decreto-Lei nº 358/89, pelo que, passados que foram dez dias sobre a duração máxima do contrato de utilização do trabalho temporário do autor, se há-de considerar que o labor pelo mesmo desempenhado a partir daí passou a ser prestado ao utilizador – a ré – com base em contrato de trabalho sem termo.

Assim sendo, a celebração, operada entre a ré e o autor, do contrato datado de 1 de Novembro de 2002, postergou o comando do nº 3 do artº 41º-A do Regime Jurídico da Cessação Individual de Trabalho e da Cessação e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei nº 18/2001, de 3 de Julho (diplomas aplicáveis ao caso, atenta a verificação dos factos de que nos ocupamos), segundo o qual, sem prejuízo do disposto no artigo 5.º, é nulo e de nenhum efeito o contrato de trabalho a termo que seja celebrado posteriormente à aquisição pelo trabalhador da qualidade de trabalhador permanente. E, em face da nulidade incidente sobre esse contrato, subsistindo, desta arte, a qualidade do autor como trabalhador da ré com esteio em contrato sem termo, a cessação da relação jurídico-laboral estabelecida entre ambos por vontade unilateral da ora recorrente ancorada no desiderato de não renovação de um contrato cujos efeitos se não podiam produzir perante o vício de nulidade que o inquinava, é de configurar como um despedimento ilícito.

III
Pelo que se deixou exposto, nega-se a revista.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 12 de Setembro de 2007

Bravo Serra (Relator)
Mário Pereira
Maria Laura Leonardo