Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
13/17.3SWLSB.L1.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: NUNO GONÇALVES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
REINCIDÊNCIA
COAUTORIA
MEDIDA DA PENA
Data do Acordão: 05/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão:
NEGADO PROVIMENTO.
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – RECURSOS / RECURSOS ORDINÁRIOS / DECISÕES QUE NÃO ADMITEM RECURSO / RECURSO PERANTE O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Doutrina:
- A. Robalo Cordeiro, Jornadas de Direito Criminal CEJ, p. 240;
- J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 201 ; Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A doutrina geral do crime, T I, 2.ª ed. p. 791/796 ; Direito, Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, p. 227;
- M. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, p. 151;
- M. Leal Henriques e M. Simas Santos, Código Penal, 1.º vol., p. 597 e 606;
- M. Maia Gonçalves, Código Penal, anotado e comentado, 18.ª ed., p. 288, 292 e 293;
- Souto de Moura, A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena, p. 6.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 400.º, N.º 1, ALÍNEAS E) E F) E 432.º, N.º 1, ALÍNEA B).
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, APROVADO PELO DL N.º 15/93 DE 22/01: - ARTIGO 21.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 14/2013, IN DRE 1.ª SÉRIE N.º 219 DE 12-11-2013;
- DE 28-11-2007, PROCESSO N.º 07P3981, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 04-06-2008, PROCESSO N.º 08P1668, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 06-11-2014, PROCESSO N.º 161/05.2JAGRD.C2.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 17-12-2014, PROCESSO N.º 114/12.4TRPRT.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 118/08.1GBAND.P1.S2, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 18-02-2016, PROCESSO N.º 35/14.6GAAMT, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 25-10-2017, PROCESSO N.º 46/15.4PEFIG.S1;
- DE 10-10-2018, PROCESSO N.º 5/16.0GAAMT.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:

- ACÓRDÃO N.º 595/2018, IN DRE N.º 238/2018, SÉRIE I DE 11-12-2018.
Sumário :


I. A norma que se extrai das disposições conjugados do art. 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª e) do CPP, no sentido de não admitir recurso para o STJ de acórdão da Relação que agravou a pena de prisão aplicada na decisão condenatória da 1ª instância, aumentando a medida e decretando a efectividade da prisão, não padece de inconstitucionalidade material, não ofendendo o direito ao recurso, o direito de defesa nem o princípio da igualdade perante a lei.
II. A reincidência é a resposta politico-criminal à reiteração no cometimento de crimes conexos por parte do mesmo arguido.

III. A elevação da pena obedece à necessidade de responder em maior medida perante um crime no qual se verificam condições que o tornam merecedor de maior censura, e que reclamam reforço da prevenção especial.
IV. Conexão existirá entre crimes que violam o mesmo bem jurídico, mas também, em princípio, entre crimes da mesma natureza, a não ser que se interrompa por circunstâncias especiais.

V. É uniforme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de afirmar a conexão entre os crimes anterior e reiterado quando o bem jurídico violado é o mesmo e, designadamente nos crimes de tráfico de estupefacientes

VI. No caso, os factos provados compravam que a condenação anterior em pena de prisão efectiva (que o arguido cumpriu) não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, ofensivo do mesmo bem jurídico-penalmente tutelado, isto é, que admonição penal anterior falhou na finalidade de prevenir a reincidência do arguido no tráfico de estupefacientes.

VII. A ilicitude assume densidade, expressa numa actividade com uma organização, com o objectivo de tráfico de drogas da qual o arguido era o vértice, assumindo a liderança de um grupo de pessoas que, diariamente, baseada num estabelecimento de restauração, vendia heroína e cocaína a um número expressivo de compradores e consumidores.

VIII. O cúmplice não decide levar a cabo a acção típica, não participa na execução do facto de outrem. Ficando fora da decisão e da execução do acto típico, no entanto favorece aquela ou auxilia nesta, mas sem que o seu contributo efetivo, moral ou material, exceda a mera acessoriedade.

IX. Comparticipando na resolução criminosa ou na execução do crime, é co-autor.

X. A realização conjunta não exige que todos e cada um dos elementos constitutivos do tipo sejam executados pelos co-autores.

XI. o tráfico de estupefacientes está tipificado no art. 21º n.º 1 do Dl 15/93 de 22/01 como crime de mera actividade, de risco ou perigo (abstracto) ou de resultado cortado, que se realiza e se consuma por quem leve a cabo qualquer ato ou actividade do catálogo.

XII. Consequentemente, a prática de qualquer uma das acções ou actividades exaustivamente descritas no art. 21º n.º 1 citado, preenche, só por si, o tipo incriminador

XIII. O parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar

XIV. Parâmetro co-determinante é também a culpa, estabelecendo o limiar máximo acima do qual a pena é excessiva, subalternizando a dignidade pessoal do agente à «paz» comunitária.

XV. O bem jurídico fundamental tutelado pela incriminação do tráfico de estupefacientes - a saúde física e mental dos consumidores - demanda penas suficientes a reafirmar a validade comunitária daquela tutela e a restabelecer a paz social e jurídica dos cidadãos.

Decisão Texto Integral:

O Supremo Tribunal de Justiça, 3ª secção criminal, acorda:

I.       RELATÓRIO:

1. a condenação:

O Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 8, por acórdão de 15 de junho de 2018, proferido nestes autos, julgando parcialmente procedente a acusação pública, condenou os arguidos:
- AA pela prática, como autor material, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 e do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma, na pena de 5 (cinco) anos de prisão efetiva;
- BB pela prática, como cúmplice, de:
-um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma e artºs 27º e 73º do C.P., na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período;
- CC pela prática, como cúmplice, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma e artº 27º e 73º do C.P., na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva;
- DD pela prática, como cúmplice, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma e artº 27º e 73º do C.P., na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período.
- EE pela prática, como cúmplice e na qualidade de reincidente, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 e do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma, e artºs 27º, 73º, 75º e 76º do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão efetiva.
- FF pela prática, como cúmplice, de:
- um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma e artº. 27º do C.P., na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa por igual período.
*
Recorreu o Ministério Público pedindo a condenação:
- do arguido AA como reincidente, em pena necessariamente superior a 6 anos e tendo ainda em conta as necessidades preventivas decorrentes do passado criminal do arguido, das suas condições pessoais e da concreta ilicitude dos factos pelos quais foi condenado no neste processo;
- dos arguidos CC, DD, EE, FF, e GG, como co-autores do crime p. e p. pelo art. 21º, nº 1, do D.L. 15/93, em penas de prisão ajustadas à respectiva culpa e à ilicitude dos factos praticados.
*
Recorreu o arguido CC pretendo:
          - a absolvição:
          - ser condenado pelo crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art. 25.º do DL 15/93 de 22/01;
            - a redução da pena por via de requalificação jurídica;
            - a suspensão da execução da pena; ou
            - a aplicação do regime da obrigação da permanência em habitação; ou
            - a substituição por trabalho a favor da comunidade.
*
Recorreu a arguida EE, pretendendo:
          - ser absolvida, por falta de provas; ou
- a suspensa da execução da pena, com regime de prova.
*
O Tribunal da Relação de Lisboa no acórdão datado de decidiu:
a) - negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos CC e EE;
b) - conceder integral provimento ao recurso do Mº.Pº., e assim revogando nesta matéria o acórdão recorrido e, no demais decidido se mantendo, condenou os arguidos:
1- AA pela prática, como co-autor material, de um crime de tráfico de estupefacientes, como reincidente, p.p. art.º 21.º, n.º 1 e do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma e artºs 26º, 75º, 76º do C.P., na pena de 8 (oito) anos de prisão efetiva.
2- BB pela prática, como co-autora, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma na pena de 4 (quatro) anos e 4 (quatro) meses de prisão efectiva;
3- CC pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma na pena de 6 (seis) anos de prisão efectiva;
4- DD pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva;
5- EE pela prática, como co-autora e na qualidade de reincidente, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 e do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma, e artºs 26º,75º e 76º do C.P., na pena de 7 (sete) anos de prisão efetiva.
6- FF pela prática, como co-autor, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p. art.º 21.º, n.º 1 do Dec. Lei n.º 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B anexas a esse diploma na pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva.

2. os recursos:

Inconformados recorrem para o Supremo Tribunal de Justiça os arguidos:
1) AA
Remata a alegação com as seguintes:
- CONCLUSÕES -:
1. Não se desconhece o teor do art. 400º n.º 1 al. f) do CPP.
Todavia, no presente caso, o douto Tribunal da Relação não se limitou a confirmar a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto, antes considerou a existência de reincidência, negada na primeira instância, para subir de 5 anos iniciais para os 8 anos de prisão de que ora se recorre.
2. Assim sendo e por mera cautela, desde já se argui a inconstitucionalidade do art. 400º nº 1 al. f) do CPP., por violação do art. 32º nº 1 do C.R.P., quando interpretada no sentido de considerar inadmissível o recurso interposto para o STJ de uma decisão do Tribunal da Relação que considere a existência de uma reincidência que não havia sido ponderada anteriormente pelo Tribunal de primeira instância e, nesse acto, tenha subido a condenação anterior de 5 anos para 8 anos de prisão.
3. Evoca-se, ainda, o douto Acordão do TC no processo nº 53/09.6GAGMR.S1.G1 que julgou inconstitucional aquele preceito segundo a interpretação normativa do STJ segundo a qual são irrecorríveis os Acordãos da Relação que revoguem condenações em pena suspensa e apliquem pena privativa de liberdade inferior a 5 anos.
4. Para efeitos de reincidência conta-se à partida com o tempo que medeia entre os factos provados.
Com relevância neste caso temos que ter em conta que entre a data de 1-5-2008 que corresponde ao facto criminoso pelo qual o recorrente foi condenado no processo 107/08SWLSB da 3ª Vara Criminal de Lisboa e a data de 2-7-2017 pelo qual foi condenado nestes autos, OITO ANOS E ONZE MESES se passaram.
5. A estes oito anos e onze meses que o recorrente viveu sem cometer crimes haverá, obviamente que descontar o período de 4 anos, 2 meses e 1 dia em que esteve privado da liberdade por efeito da condenação anterior.
6. Tudo isto significa que o recorrente se achava, ao tempo do cometimento de novo crime, de que tratam estes autos, a CERCA DE TRÊS MESES DO TERMO DE CINCO ANOS PARA EFEITOS DE REINCIDÊNCIA.
7. Pois muito bem, não será despiciendo concluir que, por estes CERCA DE TRÊS MESES, viu o recorrente subir a sua condenação de CINCO ANOS DE PRISÃO, PARA OITO ANOS DE PRISÃO.
A tudo isto acresce que a REINCIDÊNCIA não é de aplicação automática.
8. Não obstante o preenchimento do pressuposto formal da reincidência, entendemos não estarem preenchidos os pressupostos materiais para a condenação por reincidência. É que para tal agravação das penas não basta a contagem temporal entre a prática dos factos criminosos e a verificação de que entre os mesmos mediam menos de 5 anos.
9. Só através da análise do caso concreto, do seu específico enquadramento, de uma avaliação judicial concreta das circunstâncias que enformam a vivência do arguido no período em causa, se poderá concluir estarmos, ou não, perante um caso de culpa agravada, ou antes, face a uma falta de fundamento para a agravação da pena, por se estar perante simples pluriocasionalidade.
10. A pluriocasionalidade ocorre quando a reiteração na prática do crime seja devida a causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, que não radicam na personalidade do agente. Trata-se de repetição, de renovação da actividade criminosa meramente ocasional, acidental, esporádica, em que as circunstâncias do novo crime não revelam maior culpabilidade e em que, consequentemente, desaparece a indiciação de especial perigosidade, normalmente resultante da reiteração dum crime.
11. Apenas a pluriocasionalidade fica atestada, certificada, face à mera constatação da “sucessão” de crimes, o que é um menos em relação à reincidência, cuja certificação está dependente de concreta apreciação em sede de decisão judicial.
12. Pelo que conclui a Defesa, não existir nexo necessário com a anterior condenação (não é bastante a mera natureza do ilícito), por forma a ser possível concluir que essa condenação não constituiu suficiente advertência.
13. Aquilo que se imporia ao MP, durante a audiência de julgamento, indagar através, de documentos, relatórios, ou mesmo testemunhas, a razão da anterior condenação não ter surtido o desejado efeito ressocializador.
14. Pelo exposto, ainda que se considere o mero lapso do acórdão recorrido, entende a Defesa não estarem reunidos os pressuposto materiais necessários ao preenchimento da agravante da reincidência, e por conseguinte, estarmos perante uma mera repetição do acto ilícito sem nexo causal.
15. Recordamos o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa com o nº 35/15.9PJLRS.L1 da 9ª secção criminal, de 19/4/2018, que fixa a pena do ali recorrente em 5 (cinco) anos e 7 (sete) meses de prisão, no transporte, por 3 vezes, de uma quantidade elevada de estupefaciente, i.e., +10kg de heroína.
16. No caso dos autos o estupefaciente não totaliza 500 (quinhentos) gramas.
17. A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspetiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade.
18. O quantum da pena, a sua medida deverá situar-se num plano que procure interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior à vigência da norma e servirá, como efeito dissuasor da conduta assumida.
Mas tal quantum não poderá colocar em crise a ressocialização do indivíduo e a sua recuperação para a sociedade, dado o fim último da pena.
19. A necessidade de prevenção geral é elevada porquanto o tráfico de estupefaciente é um crime que atenta contra a saúde pública. Sempre se dirá no entanto, que as posições políticas de combate a este crime tem vindo a mudar, assistindo-se gradualmente a uma liberalização da comercialização de estupefaciente (é o caso da liberalização da cannabis nos Estados Unidos da América e Canadá), pelo que não poderemos ficar indiferentes a uma mudança de mentalidades.
20. Quanto às exigências de prevenção especial, sempre se dirá que os hábitos de trabalho por si desenvolvidos, aliado ao suporte familiar, permitem concluir pelo juízo de prognose favorável na sua reinserção.
21. Acresce ainda que APENAS NA QUINTA SESSÃO DE JULGAMENTO - 9-04-2018 é que o Mº Pº levantou a questão da reincidência e o fez requerer ao douto Tribunal uma alteração não substancial dos factos, tendo a Defesa, chamado a responder, que, nesse caso, não prescindiria do prazo legal para preparar a sua resposta.
A tudo isto o douto Tribunal colectivo decidiu “pronunciar-se oportunamente”.
22. Mormente, não procurou o esclarecimento sobre os efeitos de condenação anterior na sua personalidade com especial atenção para a sua vivência posterior à libertação e esforço que terá efeito (ou não) para se reintegrar na sociedade.
23. Na verdade, desconhece-se se tentou arranjar trabalho, se o conseguiu ou não, se o facto de ter cadastro criminal lhe dificultou ou não a sua reinserção laboral, se teve ou não ajuda de familiares, amigos ou instituições, se as suas intenções eram no sentido de levar uma vida assertiva e se assim não foi, o que é que correu mal.
24. Nada disto foi efectuado, no local, no tempo e fase processual adequada.
25. Sendo certo que tal omissão fez descansar a defesa até porquanto, mesmo em termos matemáticos faltavam apenas cerca 3 meses para cumprimento total do prazo legal de CINCO ANOS.
26. Ao fim e ao cabo encontramo-nos perante TRÊS LAPSOS, a saber:
a) a do douto Tribunal que errou (em cerca de três meses) a contagem do prazo para a reincidência segundo o artº 75º nº 2 do C.P.
b) a do Mº Pº que requereu uma alteração não substancial dos factos para debate sobre esta questão e, para isso solicitando as fichas prisionais dos arguidos.
c) a do douto Tribunal que concedeu o debate pouco antes da publicação do Acordão ao mesmo tempo que informa todos do seu convencimento de que estava excedido o prazo de cinco anos e por isso mesmo não se poderia falar em reincidência.
27. Assim sendo, e perante tudo isto deveria o Acordão recorrido ordenar o reenvio do processo para concreto esclarecimento dos factos imprescindíveis a uma condenação por reincidência.
28. Sem o que à Defesa do recorrente foi coartado o duplo grau de jurisdição em matéria de facto.
29. Os presentes autos circunscrevem-se a um tráfico de estupefacientes na base da pirâmide, conexo intimamente com a venda directa a consumidores, em pequenas doses (não superior a €10,00) a partir de um estabelecimento de restauração sito na Rua ...de Lisboa.
30. Nesta base procedeu o douto Tribunal de primeira instância a condenações adequadas a essa mesma dimensão do tráfico, guardando a sua severidade para formas mais organizadas e de maiores quantidades de droga traficada.
31. Procedimento esse que tem em conta a necessidade de administração de uma Justiça relativa, focada nos diversos graus de culpa em cada plataforma da chamada pirâmide do tráfico.
32. No caso dos autos, o Acórdão da Relação de que ora se recorre aparece desfasado da realidade que vivemos subindo as penas de forma francamente brutal, apesar de nunca ter tido contacto directo com os seres humanos que foram julgados em primeira instância segundo o princípio da IMEDIAÇÃO E ORALIDADE princípios esses a que o Tribunal da Relação não teve acesso na sua decisão).
33. De notar ainda que o Mº Pº ao mesmo tempo que requereu a alteração não substancial dos factos (acta de 9-04-2018 – a quinta no julgamento) também solicitou “fichas prisionais do recorrente a fim de verificar os exactos períodos em que os arguidos estiveram detidos”.
34. Ora, tal significa que estes factos ainda, nessa altura, não se encontravam nos autos, razão pela qual todos desconheciam estes elementos de facto essenciais à ponderação do tempo a adicionar para efeitos de reincidência.
35. Em consequência, o douto Tribunal da Relação “a quo”, não poderia decidir sobre reincidência, cabendo-lhe apenas reenviar o processo para novo julgamento.
36. Na verdade, só assim poderá haver duplo grau de jurisdição sobre a questão, não só sobre a verificação de todos os pressupostos da coincidência como também pela dosimetria da pena a aplicar
37. Com efeito, antes de publicar o Acórdão, na sexta sessão, o Tribunal de primeira instância, submeteu a questão da alteração não substancial dos factos de à defesa do recorrente AO MESMO TEMPO QUE INFORMOU QUE TINHA EFECTUADO A ANÁLISE DESSA QUESTÃO E TINHA CONCLUÍDO TER JÁ PASSADO O PRAZO DE CINCO ANOS E POR ISSO NÃO HAVER LUGAR A REINCIDÊNCIA.
38. Razão pela qual o recorrente se limitou a prescindir do prazo de defesa, uma vez que não foram facultadas as referidas fichas prisionais dos arguidos (as quais nem sequer foram solicitadas pelo Tribunal).
Registando-se lapso, sobre lapso a única correcção possível de tudo isto será o reenvio do processo para primeira instância.
39. De notar ainda que, ao condenar em 8 anos de prisão (subindo assim a pena de 5 anos sem reincidência) o douto Tribunal da Relação estará assim a superar a agravação pela reincidência em três anos.
40. Assim quase atingindo a limitação legal segundo a qual a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores – artº 77º nº 1do C.P.
41. Isto é, com o limite de 4 nos e 6 meses (condenação no processo anterior) a agravação de3 anos fica próximo do limite máximo.
42. Aliás, a pena da agravação (3 anos) quase se equipara à pena de 5 anos propriamente dita.
O que parece/injusto, por excessivo (cfr.: fls. 258 a 277 do Direito Penal Português de Jorge Figueiredo Dias – Coimbra Editora.
43. – Assim sendo, a agravação por reincidência não deve ser superior a um ano de prisão, - montante adequado à agravação da culpa sem constituir uma nova pena – fixando-se a pena final não superior a 6 anos de prisão.
VIOLARAM-SE AS SEGUINTES DISPOSIÇÕES LEGAIS - artº 75º nº 1 do C.P., porquanto, embora satisfeitos os requisitos formais da reincidência, sempre importaria considerar, após debate entre os diversos intervenientes processuais sobre elementos de facto a retirar da restante prova produzida, que, de “acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação anterior não ter servido de suficiente advertência contra o crime” - artº 75º nº 2 do C.P., porquanto a questão da decorrência do prazo de 5 anos se achava praticamente satisfeita, faltando apenas três meses para que o prazo de 5 anos tivesse sido excedido.
Tal situação, haveria de colocar com mais rigor e enfase a procura de elementos de facto suscetíveis de atingir a personalidade do agente, e esclarecer todo o percurso de vida nos 8 anos e 11 meses que mediaram entre os factos criminoso.
- artº 358º do C.P.P. – porquanto até à quinta sessão de Julgamento não figuravam ainda nos autos as fichas prisionais do recorrente a fim de estabelecer o esclarecimento sobre a satisfação ou não do requisito formal da passagem de 5 anos de liberdade entre os factos criminosos, depois de descontado o tempo de privação da liberdade.
- artº 410º do C.P.P.- porquanto o erro de contagem do tempo efectuada pelo tribunal de primeira instancia, configura uma contradição insanável entre a fundamentação e a decisão e também erro notório na apreciação da prova, a determinar o reenvio do processo para repetição do julgamento já com todos os elementos de facto – mormente fichas prisionais dos arguidos – e para apreciação dos restantes pressupostos da reincidência a que se seguirá a dosimetria da agravação a aplicar à pena inicial de 5 anos de prisão efectiva.
- artº 283º do C.P.P. – porquanto a acusação do Mº Pº , embora promovendo à reincidência, não contem os elementos de facto – fichas prisionais dos arguidos – imprescindíveis para a apreciação da reincidência.

Termina pedindo a anulação do Acórdão recorrido e o reenvio do processo para “debate dos requisitos da reincidência”, “para além da correcção do lapso matemático”.
Ou, se assim se não entender, pede a redução da pena, resultante da reincidência, fixando-a em medida não superior a 6 anos.
2) EE:
Remata a sua alegação com as seguintes:
- CONCLUSÕES -:
A) A arguida não foi notificada do acórdão que alterou a condenação da 1ª instância.
B) O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Fixação de Jurisprudência nº 6/2010, de 21 de Maio, publicado no DR nº 99, I ª Série, de 21.05.201, estabeleceu o seguinte:
C) I – Nos termos do nº 9 do artigo 113º do Código Processo Penal, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como a condenado.
D) A arguida não foi notificada da decisão.
E) A Arguida EE foi condenada por acórdão proferido a 03.05.2018 , pela prática, como cúmplice, e na qualidade de reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às Tabelas I.A e I-B, anexas a esse diploma , e artºs 27º, 73º, 75º e 76º do C.P. na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.
F) A arguida interpôs recurso pugnando para que fosse absolvida da prática do crime, por falta de provas ou, caso não seja atendido que a pena fosse suspensa na sua execução.
G) O Ministério Público também interpôs recurso e por acórdão do Tribunal da Relação a arguida viu a sua pena ser deveras aumentada, ou seja de 2 para 7 anos.
H) A arguida não pode, de forma alguma conformar-se com tal agravamento da pena.
I) É um facto que a decisão proferida pelo Tribunal da Relação agrava a decisão da 1ª Instância, pois para além de aumentar a condenação, não suspendeu a execução das penas; no entanto e mesmo assim as condenações são inferiores a 8 anos, conforme previsão legal do artº 399º do C.P. Penal
J) Neste sentido temos o acórdão do STJ fixador de jurisprudência que sustenta o facto de considerar assegurada aos arguidos uma instância de recurso, mesmo quando foi o Ministério
Público que efectuou a interposição do recurso, porquanto o arguido tem oportunidade de responder e se defender face à argumentação ou motivação aduzida pelo Ministério público.
K) No caso em apreço, a arguida não poderia ser condenada pela prática do crime, pois nada se provou quanto à arguida como entendemos.
L) Porém o tribunal a quo não perfilhou o mesmo entendimento e condenou a arguida como cúmplice, na pena de 2 anos. Agora pelo Tribunal da Relação, vê a arguida a sua condenação ser aumentada de 2 para 7 anos.
M) No caso em apreço a arguida ao ser confrontada com uma decisão que é profundamente desfavorável, que altera radicalmente a decisão anterior e lhe impõe uma pena efectiva de 7 anos, é mais que evidente que deve impugnar tal decisão
N) Nesse sentido o Tribunal Constitucional considera que apesar de se limitar o acesso ao Supremo tribunal de Justiça em ordem a prevenir a sua eventual paralisação, tal não deve, todavia, ser alcançado à custa das garantias de defesa dos arguidos.
O) O artº 32º, nº 1 da Constituição da República assegura ao arguido todas as garantias de defesa, incluindo o direito de recurso, designadamente da decisão condenatória. A consagração deste direito de recurso obriga à recorribilidade pelo arguido de acórdão condenatório em pena privativa da liberdade proferido em segunda instância, em revogação de absolvição da primeira instância.
P) O direito ao recurso é o efectivo poder de suscitar uma reapreciação da decisão jurisdicional condenatória.
Q) Para tal, o arguido tem de conhecer os fundamentos dessa decisão, o que não é possível garantir com a norma em apreciação, desde logo porque a decisão condenatória pode integrar matéria não abrangida pela decisão de primeira instância, designadamente no que respeita ao acervo factual relevante para a escolha e determinação da medida da pena aplicada.
R) Neste sentido, que perfilhamos é de concluir que a irrecorribilidade da decisão condenatória em pena de prisão proferida em segunda instância e em revogação da absolvição proferida em primeira instância, viola as garantias de defesa do arguido, em especial o seu direito ao recurso consagrado no artigo 32º, nº 1 da Constituição. O mesmo se aplica ao agravamento da pena condenada em 1ª instância e pelo tribunal da Relação.
S) Nesse sentido o acórdão nº 429/2016 que decidiu por maioria:
Julgar inconstitucional a norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1ª Instância, condena os arguidos em pena de prisão efectiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400º, nº 1, alínea e), do Cód. Processo penal, na redacção da Lei nº 20/2013, de 21 de Fevereiro, por violação do direito ao recurso enquanto garantia de defesa em processo criminal, consagrado no artigo 32º, nº 1 da constituição.
T)– FACTOS DADOS POR PROVADOS QUANTO A ARGUIDA
 Por acórdão de 03.05.2018, foi decidido condenar a arguida EE, pela prática, como cúmplice e na qualidade de reincidente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. artº 21º, nº 1 do D.L. 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas a esse diploma, e artºs 27º, 73º, 75º e 76º do C.P., na pena de 2 (dois) anos de prisão efectiva.
U) O Tribunal a quo deu como provados os seguintes factos relativos à arguida:
1. Para tanto, o arguido AA contava com a colaboração de vários indivíduos que consigo aceitaram colaborar, designadamente os arguidos FF conhecido por “...”, HH, conhecido por “...”, CC, conhecido por “...” e EE, incumbindo-lhes as tarefas de proceder à venda de heroína e de cocaína aos clientes, vigiar e controlar a presença de elementos policiais no local, e encaminharem os consumidores para o interior do café (ponto 3 dos factos provados).
2. No dia 04 de Abril de 2017, pelas 10h00, o arguido CC chegou junto d Café “---”, tendo permanecido nas suas imediações (ponto 72 dos factos provados).
3. Pelas 11h05, chegou a este local o arguido AA, fazendo-se transportar na sua viatura “Volkswagen Golf de matrícula ---XX (ponto 73 dos factos provados).
4. Após, parquear a viatura, viu a arguida EE que, entretanto, também ali chegara e, (ponto 74 dos factos provados).
5. Acederam juntos ao interior do referido café (ponto 75 dos factos provados).
6. A arguida EE procedeu à abertura do estabelecimento ao público (ponto 78 dos factos provados).
7. Cerca das 11h30m, o arguido AA saiu do interior daquela habitação e arremessou uma bolsa, contendo várias embalagens de cor castanha, em direcção ao pátio sito nas traseiras do “cantinho da <meia”, onde a arguida EE se encontrava (ponto 80 dos factos provados).
8. Tendo a arguida EE recolhido a bolsa e regressado para o interior do café (ponto 81 dos factos provados).
9. Pelas 11h50m, o arguido AA saiu do interior da habitação sita no Patamar Superior da -- e arremessou a bolsa, contendo várias embalagens de cor castanha par ao pátio das traseiras do “...”, em direcção à arguida EE, que a recolheu, regressando, logo após, par ao interior do café ( ponto 84 dos factos provados).
10. Este comportamento repetiu-se às 12h00, 12h15, 12h35, 12h40, tendo, nestas ocasiões, o arguido AA voltado a sair do interior da residência onde se encontrava, e arremessando bolsas idênticas, contendo várias embalagens de cor castanha para a arguida EE, que após as recolher, regressou ao interior do café (ponto 88 dos factos provados).
11. Pelas 12h45, o arguido AA saiu, de novo, do interior da habitação, e arremessou mais uma bolsa contendo embalagens para o pátio das traseiras do café (ponto 89 dos factos provados).
12. Bolsa esta que foi, de imediato, recolhida pela arguida EE (ponto 90 dos factos provados).
13. De seguida, os Agentes revistaram a arguida EE, tendo encontrado na sua posse e apreendido:
- um telemóvel de marca “Samsung”, modelo “Duos”, de cor creme, com os IMEIs: -- e --, com dois cartões de voz das operadoras “Moche”, com o nº -- e operadora “Moche”, com o nº -- e respectivo cartão de memória de 8 Gb (ponto 101 dos factos provados:
14. No interior do estabelecimento comercial “...”, sito nos nºs -- da Rua --, em Lisboa, foi encontrado e apreendido:
- Em cima do balcão:
- a quantia monetária de €130,00 (cento e trinta euros) em notas do banco central (notas de 5 euros);
No interior da caixa registadora:
- A quantia monetária de €109,60 (cento e nove euros e sessenta cêntimos) (fraccionado em 3 notas de 30 euros, 1 nota de 5 euros, 40 moedas de 1 euro, 34 moedas de 50 cêntimos, 65 moedas de 20 Cêntimos e 46 moedas de 10 cêntimos);
(após foi solicitado à arguida EE que imprimisse o talão do montante total registado durante as horas em que o estabelecimento esteve em funcionamento no dia 04.04.2017, tendo-se verificado que era de €8,80 (oito euros e oitenta cêntimos) (ponto 105 dos factos provados).
15. Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente da cocaína e da heroína apreendidas (ponto 114 dos factos provados).
16. Todos os arguidos, que actuaram em colaboração mútua e em conjugação e concertação de esforços e vontades, sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei (ponto 115 dos factos provados).
17. Agiram, assim, os arguidos de forma concertada, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei (ponto 116 dos factos provados).
18. Igualmente a arguida EE possui antecedentes criminais pela prática de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenada:
- na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, no âmbito do processo nº 280/03.0TDLSB, que correu termos na 4ª Vara Criminal de Lisboa;
- na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, no âmbito do processo nº 282/10.0 PVLSB, que correu termos na 6ª Vara Criminal de Lisboa,
Encontrando-se em liberdade condicional até 14.12.2017 (ponto 119 dos factos provados).
19. Assim, os arguidos AA e EE já haviam sido julgados e condenados em penas de prisão efectiva pela prática de factos integrantes de ilícitos penais dolosos (ponto 120 dos factos provados).
20. No entanto tais condenações, as solenes advertências aí feitas e o cumprimento de pena de prisão efectiva não foram suficientes para obstar a que os arguidos AA e EE cometessem novos ilícitos penais dolosos (ponto 121 dos factos provados).
21. Também resulta dos factos descritos que os arguidos AA e EE revelam uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir depois de terem sido condenados, estando claramente, cada um, desenquadrado das regras de vivência em sociedade (ponto 122 dos factos provados).
22. Verifica-se que, entre os factos que determinaram a última condenação da arguida EE e aqueles pelos quis foi agora acusada não mediaram cinco anos (ponto 123 dos factos provados).
23. A arguida EE regista os seguintes antecedentes criminais:
b) Tribunal: 4ª Vara Criminal de Lisboa;
Proc. Nº 280/03.Otdsb
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 4 anos e 3 meses de prisão efectiva;
Factos: 12.01.2004
Decisão: 18.07.2005;
Trânsito: 21.03.2006.
B) Tribunal: 6ª Vara Criminal de Lisboa;
Proc. Nº 282/10.0PVLSB
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 4 anos e 3 meses de prisão efectiva;
Factos: 23.04.2010;
Decisão: 06.06.2012;
Trânsito: 30.11.2012. (ponto 126 dos factos provados).
24. A arguida EE foi condenada no Proc. Nº 282/10.0PVSB na pena de 4 anos e 6 meses de prisão (ponto 130 dos factos provados).
25. O termo da pena foi fixado em 14.12.2017, pelo que o seu início ocorreu em 14.06.2013 (ponto 131 dos factos provados).
26. Neste processo foi-lhe concedida a liberdade condicional em 30.05.2016, tendo estado detida 2 anos, 11 meses e 16 dias (ponto 132 dos factos provados).
27. A DGRSP elaborou relatório à arguida EE, tendo informado o seguinte:
f) O processo de socialização de EE foi marcado por diminutos recursos académicos e pela proximidade com grupos de pares desviantes, os quais parecem ter influenciado o seu trajecto criminal.
g) Do mesmo modo, as condenações anteriores pela prática de crimes congéneres, parecem não se ter revelado agentes dissuasores par ao alegado cometimento de idêntico ilícito criminal. Acresce ainda que o facto de o presente ter surgido no decurso da execução de uma medida na comunidade, o que se poderá revelar indiciador de fraca interiorização do desvalor da conduta, caso venha a ser condenada.
h) No contexto vivencial actual, o modo da arguida parece pautar-se por motivações pró-sociais, assumindo uma postura diligente perante a manutenção de uma ocupação laboral estruturada e beneficia de apoio material e emocional prestado pelo irmão, os quais se poderão configurar potenciais agentes dissuasores face a comportamentos criminais futuros.
i) Não obstante EE se desvincular da matéria acusatória em apreço, consideramos que reúne condições para o cumprimento de uma pena ou medida de execução na comunidade, sendo nosso entender que beneficiará com uma sanção de carácter probatório, com supervisão institucional.
j) Adicionalmente, somos de parecer que o afastamento de grupos de pares desviantes associados a estupefacientes, poder-se-á assumir como variável positiva na adoção continuada de um estilo de vida pró-social (ponto 17 dos factos provados).
V) O Tribunal fundou-se nas regras de experiência e da ponderação de toda a prova produzida em audiência, designadamente e com especial relevância para as declarações testemunhas e do próprio arguido AA
X) O TRIBUNAL DA RELAÇÃO considera que a arguida fez uma parca interpretação dos depoimentos.
Ora não é o caso.
Z) É que a falta de prova no que respeita à arguida é de tal forma que a mesma não poderia de forma alguma ser condenada nos moldes e que o foi.
AA) Mais a ser condenada a arguida deverá ser como cúmplice, mas com uma pena suspensa na sua execução.
BB) A arguida não pode ser condenada pura e simplesmente porque já tem antecedentes criminais.
CC) Erros do passado não podem por si só condenar a arguida.
DD) Em nosso entender, o Tribunal a quo deveria ter apurado toda a prova, nomeadamente a prova testemunhal (depoimentos dos agentes da psp), pois a prova produzida é deveras insuficiente para se concluir como o Tribunal concluiu.
Isto quer dizer que o Tribunal a quo ao apreciar a prova produzida como o fez errada apreciação da mesma.
EE) Segundo preceitua o art. 410º, nº 2 alínea c) do CP.C.” Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum: C) Erro notório na apreciação da prova.”
FF) O Tribunal ao analisar as provas como analisou violou o disposto no artº 374º, nº 2 do CPP, o que tem como consequência a nulidade da sentença, nos termos do artº 379º, nº 1 alínea c) do CPP.
GG) Mais, o Tribunal violou o princípio in dúbio pro reo ao considerar provas que não são conclusivas e que não poderiam ser tidas como válidas.
Ora, perante as provas:
HH) O Tribunal a quo teria forçosamente que absolver a arguida da prática do crime que vem acusada, por falta de provas.
II) Acresce que, o Tribunal a quo concluiu e condenou a arguida pela prática, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes.
JJ) Segundo o artº 27º do Cód. Penal, no seu nº 1 :” É punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso. No seu nº 2: É aplicável ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada"
KK) Por sua vez, no art. 73º, nº 1 do Cód. Penal: Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
e) O limite máximo da pena é reduzido de um terço;
f) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a três anos e ao mínimo legal se for inferior:
g) …..
h) Se o limite da pena de prisão não for superior a três anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites gerais.
LL) Por sua vez, o art. 73º, nº 2 do C. P. preceitua que: “A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, incluída a suspensão, nos termos gerais”.
na habitação – artº 43º, nº 1 al. a) ou até mesmo pena suspensa- artº 50º , todos do cód. Penal.
MM) O Tribunal ao condenar a arguida como cúmplice e por reincidência (artº 75º , nº 2 do C.P.) na pena de 2 anos e tendo em conta a pena atenuada (artº 27º, e 73 do C.P.) considerou que a culpa da arguida é no mínimo reduzida.
NN) Como tal deveria tê-la substituído ou por trabalho a favor da comunidade, nos termos do art. 58º, nº 1, ou regime de permanência na habitação – art. 43º, nº 1 al. a) ou até mesmo pena suspensa- art. 50º, todos do cód. Penal.
OO) O Tribunal a quo no caso aplicou à arguida uma pena de 2 anos de prisão efectiva, pela prática, como cúmplice de um crime de tráfico de estupefacientes – artº 21º do D:L. 15/93, de 22 de janeiro.
PP) E nesta conformidade deveria suspender a pena na sua execução, à arguida, uma vez que o próprio Tribunal considerou ser mínima a culpa da arguida. A arguida está enquadrada familiar e social, encontra-se a trabalhar, apesar de não ser primária.
QQ) Ora, segundo o Artº 50º do Cód. Penal: O Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
RR) A arguida não é de todo primária mas mesmo assim atendendo às circunstâncias acima descritas merece uma chance.
SS) O Tribunal a quo baseou-se no seu essencial ao facto da arguida ter antecedentes criminais pelo mesmo tipo de ilícito.
TT) No entanto deveria ser tido em conta as razões especiais no que respeita à arguida, como sobejamente já foi falado: não faz do tráfico modo de vida, estar enquadrada familiar e profissionalmente e a prisão já sofrida já deixou marcas profundas.
UU) Estes factos são para nós mais que suficiente para que a medida da pena a aplicar ao arguido seja suspensa na sua execução.
VV) A correcta interpretação do estipulado pelo legislador (art. 70º do Cód. Penal) deve conduzir á prevalência de considerações de prevenção especial positiva ou de socialização, sobre outras, por serem sobretudo elas que justificam, em perspectiva político-criminal, todo o movimento de luta contra a pena de prisão.
XX) Neste contexto a prevenção geral surge aqui sob a forma de conteúdo mínimo de prevenção de integração indispensável à defesa do ordenamento jurídico, como limite à actuação das exigências de prevenção especial de socialização.
ZZ) Tudo ponderado, à luz e atentos os critérios nos artºs 50º, 70º e 71º, do Cód. penal, deverá o presente recurso ser julgado procedente determinando-se se for entendimento que a arguida seja condenado numa pena de 2 anos, sendo suspensa na sua execução por igual período, embora com regime de prova (artº 50º, nº 5 do C.P.).
A decisão recorrida violou, entre outros, os artigos 27º , 50º, 53º, nº 3, 43º, 58º , 70º e 71º, 73º e 108º, todos do Código Penal, artº 374º , 410º do Cód. Proc. Penal e artº 32º da Constituição da República Portuguesa.
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE ACÓRDÃO SER REVOGADO E EM SUA SUBSTITUIÇÃO PROFERIDO OUTRO QUE ABSOLVA A ARGUIDA DA PRÁTICA DO CRIME QUE VM ACUSADA ,
ASSIM NÃO SENDO ENTENDIDO DEVE SER PROFERIDO ACÓRDÃO QUE CONDENE A ARGUIDA COMO CÚMPLICE, MAS NUMA PENA SUSPENSA NA SUA EXECUÇÃO.
3) FF (fls. 1358/1359).
Remata a respetiva alegação com as seguintes:
– Conclusões:
1.º Veio o Douto Acórdão recorrido revogar a decisão de primeira Instância, que condenava o recorrente como cúmplice pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, na pena de um ano e nove meses de prisão, suspensa por igual período, passando a condenado o recorrente como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de quatro anos de prisão efetiva.
2.º O recorrente, tendo-se conformado com a aplicação de uma pena suspensa, pelo período de 1 ano e nove meses, não se pode conformar com a aplicação de uma pena de 4 anos de prisão efetiva.
3.º Salvo melhor entendimento, a alteração da posição processual do recorrente, que tendo sido condenado como cúmplice numa pena suspensa na sua execução, se deparou, em virtude do Douto Acórdão recorrido, numa condenação como co-autor, numa pena de 4 anos de prisão efetiva, é de tal forma substancial e inovadora, que os princípios constitucionais que protegem o direito ao recurso se mostram violados pela aplicação do limite previsto na al. e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade se invoca.
4.º Tal entendimento torna-se premente porquanto, salvo melhor entendimento, o douto Acórdão recorrido desconsiderou, para efeitos da aplicabilidade do regime da suspensão da aplicação da pena de prisão, a factualidade que ficou provada em sede de audiência de julgamento e que consta da decisão de primeira Instância, respeitante às condições pessoais do arguido FF.
5.º Com o devido respeito por diversa opinião, não poderia o Douto Acórdão recorrido caracterizar o ora recorrente como integrante de um grupo descrito da seguinte forma:
a) “(…) como resulta dos factos assentes todos os arguidos se encontram desocupados, sem qualquer integração profissional remunerada, convivendo com ambientes familiares sem estabilidade e em ambiente social de alguma forma ligado ao consumo /tráfico de estupefacientes.”, bem como na parte em que se menciona que “Não verificamos atenuantes de relevo a favor de qualquer dos arguidos.” (sublinhado nosso).
6.º Nenhuma das caracterizações que constam do Douto Acórdão recorrido se aplicam ao ora recorrente, nem ao que ficou provado relativamente a este, que é:
7.º O ora recorrente não tem qualquer inscrição do seu registo criminal.
8.º O ora recorrente encontra-se empregado de forma estável num organismo público (Junta de Freguesia).
9.º O ora recorrente vive em agregado familiar estruturado com mulher e filho.
10.º O ora recorrente sustenta o seu agregado familiar com o produto do seu trabalho.
11.º O ora recorrente, numa situação de desconforto perante o ilícito, decidiu voluntariamente afastar-se de tal ambiente, despedindo-se e indo trabalhar para outro local.
12.º Com o devido respeito por diversa opinião, a factualidade dada como provada e assente, foi incorretamente interpretada no Douto Acórdão recorrido, em sede da apreciação de direito, relativamente à possibilidade de aplicação ao arguido FF do regime da suspensão da pena de prisão em que foi condenado, conforme resulta dos artigos 50.º e seguintes do Código Penal.
13.º Tendo em consideração a matéria de facto dada como provada nos autos, deveria admitir-se uma prognose favorável relativamente ao ora recorrente, considerando-se que o mesmo cumpre todos os requisitos legais previstos no artigo 50.º do Código Penal, e que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
14.º Não se vislumbra qualquer justiça em retirar a liberdade a um cidadão que contribui de forma ativa para a sociedade e se retirou voluntariamente de um ambiente propício à prática de crimes, condenando-o da mesma forma em que foram condenados os outros intervenientes processuais cuja situação nada tem em comum com a do recorrente.
15.º Pelo que se requer que seja revogada a decisão proferida pelo Douto Tribunal da Relação de Lisboa, relativamente ao arguido FF, devendo a mesma ser substituída por outra que reconheça todas as condições pessoais do arguido que lhe são favoráveis e aplique o regime da suspensão da execução da pena de prisão em que o mesmo vem condenado.

Termina pedindo a revogação do acórdão da Relação, na parte em que o condena à pena de 4 anos de prisão efectiva. Peticionando ainda a suspensão da execução da pena de prisão em que vem condenado por entender que estão preenchidos os requisitos legais previstos no artigo 50.º do Código Penal e que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
4)  CC (Fls. 1350 verso/1351)
Remata a respetiva alegação com as seguintes:
- Conclusões -:
1) Entende o arguido que uma vez que não estamos perante a dupla conforme, que deve o presente recurso ser admitido e ser revista novamente a situação em causa.
2) A matéria de facto deixa-nos sem a menor dúvida que o arguido no máximo terá sido cúmplice, mas não co-autor.
3) Os factos ter-se-iam praticado com ou sem a ajuda do arguido CC.
4) Pelo que não foi essencial a sua conduta para que o crime tenha sido praticado.
5) Nem sequer podemos dizer que existia alguma espécie de plano entre os arguidos para a prática do crime.
6) Quanto aos fins das penas, no caso em apreço parece-nos que não se verificaram em rigor os fins da pena havendo ainda margem para a aplicação da suspensão da execução da pena.
7) Nos mesmos termos não se ponderou substituir a pena de prisão por trabalho a favor da comunidade, mantendo-se assim integrado profissionalmente e socialmente.
8) As finalidades da punição devem ser a tutela dos bens jurídicos e a reinserção social do condenado, e não a mera clausura.
9) Condenar o arguido numa pena de 6 anos de prisão efetiva será provavelmente afastar mais do que aproxima a inclusão deste indivíduo na sociedade;
10) Defende o arguido que a pena poderá rondar os 2 anos e 6 meses de prisão já anteriormente decretados, mas que a mesma deve ser suspensa na sua execução.

Termina pedindo a revogação do acórdão recorrido e a confirmação da condenação decretada na primeira instância.
5) HH (Fls. 1446/1448)
Remata a respetiva alegação com as seguintes:
- Conclusões -
1º O arguido DD, por Douto Acordão proferido pelo Tribunal Criminal de Lisboa, foi condenado a uma a pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática, a título de cumplicidade, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1, do D.-L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e 27.º, n.º 1, do Código Penal.
2º O M.P. interpôs recurso daquele Acordão para o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, que por Douto Acordão proferido no dia 27-09-2018 alterou a qualificação jurídica atribuída aos factos ao considerar que o arguido actuou não como cúmplice mas como autor, e decidiu alterar a medida da pena imposta e aplicar ao arguido uma pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva.
3.º O arguido não pode conformar-se com tão drástica alteração e tão severo agravamento da pena, pelo que se impõe a impugnação do Douto Acordão de 27-09-2018.
4.º Não obstante o estabelecido no art. 399.º, als. e) e f), do CPP., e no respectivo Acordão do STJ. fixador de jurisprudência n.º 14/2013, atentos os particulares contornos do caso deverá ser admitido o recurso para o Colendo STJ.
5.º Relativamente a este e a outros casos equivalentes, a interpretação e aplicação do dispositivo legal e do Acórdão do STJ. no sentido de negar a possibilidade de recurso para o referido STJ. implica incorrer numa inconstitucionalidade.
6.º A não admissão do recurso representaria pois uma grave violação do prescrito no art. 29.º, n.º 6, da CRP.
7.º Após uma condenação injusta, consubstanciada num imprevisível e injustificável agravamento da decisão em primeira instância, e na imposição de uma pena de prisão excessivamente extensa e sobretudo já não com execução suspensa mas efectiva, impõe-se que haja possibilidade de a impugnar.
8.º Acresce que a decisão impugnada consubstancia também uma manifesta violação do princípio da igualdade constitucional e legalmente consagrado dado impor ao arguido uma pena de prisão efectiva, e logo com uma extensão de 4 (quatro) anos, enquanto no tocante à larga maioria de outros casos de similar ou até adicional gravidade, e envolvendo arguidos com mais e ou mais graves antecedentes criminais, e ao invés sem a integração social, familiar e laboral daquele, se verifica a imposição de penas de menor extensão e ou suspensas na sua execução.
9.º Importa conferir efectiva aplicação à garantia constitucional de pelo menos uma instância de recurso, em sintonia com o art. 29.º, n.º 6, da CRP., e também ao princípio da igualdade que constitucionalmente se encontra consagrado no respectivo art. 13.º, sob pena de por qualquer destas vias se registar uma inconstitucionalidade.
10.º Devendo assim ser apreciado o presente recurso, cumpre destacar que seria até possível a subsunção dos factos ao art. 25.º do D.-L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, ou, tendo em conta que a actividade sempre teria lugar sem a participação deste arguido, conforme de resto ficou claro quer em sede acusatória quer em sede de julgamento, a condenação como cúmplice era perfeitamente justificável.
11.º De toda a sorte, a pena imposta ao recorrente deveria ter uma extensão inferior, e sobretudo deveria ser determinada a suspensão da respectiva execução.
12.º Com o devido respeito permitimo-nos discordar do Douto Tribunal recorrido, e do respectivo Acordão, segundo o qual não seria possível formular um juízo de prognose favorável, e portanto optar pela suspensão da execução da pena.
13.ºNão só poderia como deveria ter sido formulado tal juízo de prognose favorável!
14.º Os factos e sobretudo as condições pessoais do arguido justificavam plenamente essa formulação.
15.º Liberto da patologia aditiva, perfeitamente integrado a todos os níveis, designadamente social, familiar e laboral, angariando legitimamente meios de subsistência e contribuindo para o bem comum, e não tendo sequer antecedentes criminais ou um historial de prática delituosa que impusesse opção diversa, naturalmente que se impunha a formulação de um juízo de prognose favorável.
16.º O encarceramento nada de positivo poderia aportar, e ao invés ele sim acarretaria riscos e afastaria da comunidade alguém que presta um válido contributo.
17.º No plano legislativo temos desde logo que a própria Constituição da República Portuguesa, no seu art. 18.º, n.º 2, estabelece que “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
18.º No mesmo sentido temos que a Carta dos Direitos Humanos da União Europeia, à qual o estado português se encontra vinculado e que constitui portanto parte integrante da nossa ordem jurídica, no seu art. 49.º, n.º 3, afirma expressamente que “As penas não devem ser desproporcionadas em relação à infracção.”
19.º Escusamo-nos de iterar o explicitado no tocante à lei penal, bem como à jurisprudência e à doutrina que temos por relevante, na plena certeza de que Vs. Exas. tudo isso conhecem mil vezes melhor e não deixarão de o ter em devida conta.
20.º O Douto Acordão recorrido, ante a imposição neste caso e ao arguido em causa de uma pena de prisão efectiva, por injusta e injustificável, consubstancia a violação dos arts. 13.º e 18.º, n.º 2, da CRP., 49.º, n.º 3, da Carta dos Direitos Humanos da União Europeia, 40.º, 42.º, 50.º e 71.º do CP.

Termina peticionando a revogação do acórdão recorrido “na parte em determinou a condenação do arguido HH pela prática em autoria material e na forma consumada do crime previsto nos arts. 21.º, n.º 1, do D.-L. n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e substituído por outro que determine a sua absolvição por essa prática como autor, e ou subsidiariamente ser revogado na parte em que lhe aplicou uma pena de 4 (quatro) anos de prisão efectiva, e substituído por outro determinando que a pena imposta seja suspensa na sua execução por igual período, porventura mediante sujeição a regime de prova e/ou com a imposição de deveres e/ou regras de conduta, de obrigações e/ou proibições que se revelem adequados ao caso concreto,
6) GG /Fls. 1457 verso/1464):
Remata a respetiva alegação com as seguintes:
Conclusões:
1. No presente caso o douto Tribunal da Relação não se limitou a confirmar a decisão de primeira instância sobre a matéria de facto, antes considerou a existência de co-autoria, negada na primeira instancia em prol da cumplicidade, para subir a pena inicial de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução para 4 anos e 4 meses de prisão efectiva.
2. Tendo em conta o teor do art. 400 nº 1 al. e) do CPP, importa referir que ainda recentemente o Tribunal Constitucional se pronunciou num caso semelhante, processo nº 53/09.6 GAGMR.S1.G1 no sentido da inconstitucionalidade desta decisão e ordenando a subida dos autos ao STJ.
3. Assim sendo e por mera cautela, desde já aqui se argúi a inconstitucionalidade do artigo 400º nº1 al. e) do CPP por violação do artigo 32º nº1 da CR, quando interpretado no sentido de se considerar inadmissível o recurso interposto para o STJ de uma decisão do Tribunal da Relação que considere a existência de uma co-autoria de um recorrente em substituição de uma decisão de primeira instancia que tenha condenado por cumplicidade e, nesse acto, tenha subido a condenação anterior de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução por uma pena efectiva de 4 anos e 4 meses de prisão efectiva.
4. A recorrente veio inicialmente condenada na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução, pela prática como cúmplice, de um crime de tráfico de estupefacientes, p.p.p artigo 21º do dec-lei 15/93 e artºs 27º e 73º do CP.
5. O MºPº inconformado, recorreu da decisão referindo que a recorrida estaria dentro do plano previamente delineado pelos restantes co-arguidos e deveria ser condenada como co-autora e não como cúmplice.
6. Ora, reiteramos que não assiste razão ao MºPº.
7. Não só careceu o recurso do Digno Magistrado do MºPº de demonstrar, de facto e de direito, a razão porque deveria ter optado o Tribunal “a quo” pela co-autoria, designadamente demonstrando que a participação da recorrida não poderia encaixar no conceito de cúmplice, porque ultrapassava o mero auxilio material (o que não foi feito), mas também pela demonstração factica de que no caso em apreço os factos praticados pela recorrida estariam num plano de co-autoria, nomeadamente pela participação nos lucros, vigilâncias, transporte, vendas, embalamento, corte, aquisição, etc…
8. Reiteramos que a decisão de que ora recorremos, resultou do recurso do MP que, carecendo da enunciação de facto e de direito não devia permitir ao julgador do Tribunal da Relação de Lisboa sindicar o acórdão recorrido, e como tal não deve merecer provimento, por não provado.
9. Recordamos o mais recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, no sentido de que a inexistência de renovação da prova impede a reapreciação da prova produzida em audiência de julgamento, não sendo assim possível ao Tribunal de instância superior sindicar o princípio da imediação e da livre apreciação da prova
10. Acórdão do TRL, processo nº 102/17.4PEOER.L2-5- A ponderação da prova valorada em 1ª instancia será de privilegiar a menos que do reexame dessa prova resulte inequívoco que o tribunal valorou mal as provas ou que usou meios de prova não válidos ou não idóneos ou que as contradições nas provas produzidas conduziram a uma convicção inaceitável, quer por errada ponderação do nível de tais contradições, quer por errada ou não objectiva ponderação do valor de cada meio de prova, quer por errado uso dos princípios de avaliação das provas, como por exemplo do principio “in dubio pro reo.””. (fim de citação).
11. Refutamos igualmente a argumentação aduzida pelo acórdão recorrido quando inexplicavelmente qualifica a actuação da agora recorrente como sofisticada e elaborada.
12. Resultaram provados os seguintes factos relativos à recorrente: que No dia 02 de Fevereiro de 2017, deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado “...”, sito no nº... da Rua ..., onde permaneceu por alguns minutos, saindo do mesmo transportando um “molho” de sacos de plástico.11.- Regressou para junto do arguido AA e entregou-lhe os referidos sacos.12.- Na posse daquelas chaves, a arguida GG dissimulou-as num buraco existente numas escadas que dão acesso ao patamar superior do “...”.(…)20.- Pelas 10h25, o arguido FF dirigiu-se ao pátio interior daquele café, e assobiou.21.- Acto continuo, a arguida GG saiu da sua habitação, deslocou-se ao local onde tinha dissimulado as chaves que lhe tinham sido entregues pelo seu filho, recolheu-as e acedeu à residência onde o arguido AA tinha permanecido durante cerca de 50 minutos.22.- Após, a arguida GG saiu daquela habitação, trazendo na mão um embrulho, deslocou-se até junto do muro que separa o café, “o cantinho da meia” do ... e arremessou-o em direcção ao arguido ..., que o recolheu e transportou até ao interior do café.23.- Seguidamente, a arguida GG voltou a dissimular as chaves no mesmo local onde anteriormente o tinha feito, e regressou à sua residência.(…)38.- No dia 15 de Fevereiro de 2017, a arguida GG deslocou-se à porta desta residência e chamou pelo filho.40.- Após, a arguida GG entregou-lhe um molho de sacos de plástico.41.- De seguida, o arguido AA regressou ao interior da habitação, e a suspeita à sua residência , sita na já referida porta nº4 do “...”.(…)54.- Pelas 10h20, o arguido AA saiu do interior da habitação sita no piso superior da “Vila ---”, e entregou a chave da mesma à sua mãe, que a dissimulou num buraco existente nas escadas que dão acesso ao piso superior do pátio.(…)58.- Acto continuo, a arguida GG saiu da sua habitação, deslocou-se às escadas onde tinha guardado as chaves da residência onde o arguido AA tinha estado, retirou-as e, utilizando-as, entrou nesta habitação.59.- Tendo dali saído, pouco tempo depois.60.- Após, dissimulou as chaves no mesmo local onde tinha feito anteriormente e deslocou-se junto do muro que dá acesso ao “...”.61.- De seguida, arremessou um canto de saco de plástico transparente contendo várias embalagens, em tudo semelhantes àquela que fora apreendida na posse de CC .62.- Saco esse que foi, de imediato, recolhido pelo arguido FF, que retomou ao interior do estabelecimento.(…)72.- No dia 4 de Abril de 2017, pelas 10h00, o arguido CC chegou junto do Café “o ---”, tendo permanecido nas suas imediações.(…)91.- Após, pelas 13h00, o arguido AA saiu da habitação, fechou a porta, chamou pela sua mãe, a arguida GG (que se encontrava na sua residência), entregou-lhe a chave da habitação e deslocou-se ao interior do estabelecimento “...”, saltando o muro existente nas traseiras.92.- Na posse dessa chave, a arguida GG guardou-a/dissimulou-a junto da janela da habitação de onde saíra o arguido AA.(…)(fim de transcrição)
13. E perante tais factos o tribunal de 1ª instância concluiu da seguinte forma:
14. “Do confronto com as provas produzidas duvidas não restam de que o arguido AA era o proprietário dos produtos estupefacientes que foram vendidos e do que foi apreendido na chamada “casa de recuo” (nº244 do Pátio --- piso superior, onde foi apreendida quantidade apreciável de estupefaciente) à porta da qual foi fotografado e na qual foi visto entrar e sair pelos agentes policiais.
15. Durante as vigilâncias e mesmo do depoimento das restantes testemunhas não se detetou a presença ou a possibilidade de a “casa de recuo” ser utilizada por qualquer outro indivíduo (sem esquecer o depoimento da testemunhas -- que referiu ter visto sair da casa de sua filha - “a casa de recuo” – um obscuro “rapaz de barbas”, cuja existência não convenceu o tribunal.
16. Quanto à actuação dos restantes arguidos pode a mesma classificar-se como parcelar e não fundamental à prática dos factos.
17. O que significa dizer-se que prestaram auxílio ao arguido AA na venda do produto mas que este teria sido vendido de qualquer forma sem a sua comparticipação.
18. A arguida GG, mãe do arguido entregava ao filho sacos vazios de plástico cujos cantos servem como invólucro das doses de estupefaciente e, para além disso, recebeu sacos com produto estupefaciente, já dividido em doses individuais, estupefaciente que veio a ser vendido no interior do café que era explorado pelo seu filho AA.”(…)
19. “quanto aos restantes arguidos, apreciando o seu grau de comparticipação devemos concluir que apenas prestaram auxilio material à praticas do ilícito AA, pelo que a sua acção se deve classificar como de cumplicidade, nos termos previstos no artigo 27º do CP.
20. Com efeito, em face da matéria de facto provada, deve concluir-se que sem a intervenção dos restantes arguidos, o AA teria condições para praticar os factos apenas com a sua acção, uma vez que era ele quem transportava os estupefacientes para a casa de recuo (de forma desconhecida), era ele quem dividia e misturava o estupefaciente com produto de corte, quem o pesava e embalava, fincando, por isso, pronto para ser vendido. (Fim de transcrição)
21. Ora, resulta evidente a falta de domínio do facto da recorrente nos factos dados como provados e que motivaram a condenação da mesma como mera cúmplice da actuação do filho, não só pela pontualidade dos factos praticados como pela simplicidade de actuação.
22. Realçamos que a residência da recorrente situa-se no piso inferior da chamada casa de recuo, e que não fora outra situação que a disponibilidade permanente da recorrente naquele local que fez o seu filho aproveitar tal presença para a seu pedido, entregar sacos de plástico, ou arremessar um saco contendo produto estupefaciente para o pátio contíguo ao da sua residência.
23. O acórdão recorrido, ao contrário, refere que tal actuação consubstancia uma co-autoria e não uma cumplicidade, porquanto resulta dos factos dados como provados que os arguidos tinham tarefas definidas e que todos tinham acordado no plano gizado.
24. Como resulta da lei, o cúmplice presta um auxílio material, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime.
25. No caso em apreço, é dado como provado que todo o estupefaciente, transporte do mesmo, divisão, corte, embalamento e venda, eram protagonizados por outros que não a recorrente.
26. É também dado como provado que a casa de recuo era do co-arguido AA .
27. Resulta igualmente provado que das 5 vigilâncias efectuadas em dias diferentes entre Fevereiro e Abril de 2017, a recorrente é visualizada por 3 vezes, sendo que apenas em duas vezes é vista a arremessar os sacos de plástico contendo estupefaciente de um pátio para o outro. O que diz muito do grau de participação na actividade delituosa.
28. Tal como refere JESCHECK, “o auxílio do cúmplice não é determinante, já que se o fosse haveria instigação. A comparticipação por cumplicidade é, a um tempo, secundária e causal, a respeito da realização típica. Influencia a conduta, favorecendo-a, nos delitos de mera actividade, e contribui para a consecução do resultado tipico, nos delitos materiais, em termos de causalidade fortalecedora pela facilitação da actividade delitiva” (JESCHECK, cit. 4ª edição, 632/633).
29. A actuação da ora recorrente não foi em nenhum caso determinante para a actividade delituosa, uma vez que a mesma sempre teria acontecido sem a sua participação. De resto, tudo aponta para que as duas vezes em que foi visionada a arremessar um pequeno saco de estupefaciente, apenas o tenha feito numa ausência inesperada do seu filho e nunca numa prática reiterada. Estas duas vezes constituem apenas uma facilitação de uma actividade sem que a mesma constitua uma participação dentro de um plano.
30. A recorrente foi condenada em 1ª instância na pena de 1 ano e 9 meses de prisão suspensa na sua execução como cúmplice do co-arguido AA na pratica do crime de tráfico de estupefacientes. O acórdão recorrido sobe a pena da recorrente para 4 anos e 4 meses de prisão efectiva.
31. Inconformados com tal decisão, recorremos.
32. Resulta da matéria de facto dada como provada, que a actuação da recorrente se deveu, simplesmente, à entrega de sacos de plástico ao seu filho e ao arremessar de umas embalagens que continham estupefaciente, por cima de um muro, por duas vezes, num período temporal de um mês (Fevereiro de 2017)
33. A recorrente, não escondeu, não preparou, não dividiu, não cortou, não pesou, não embalou, não vendeu, quaisquer produtos estupefacientes. Nem saberia como proceder. Não beneficiou da actividade delituosa nem participou em qualquer divisão de lucros.
34. A actuação da recorrente não tinha qualquer domínio de facto sobre o destino desse mesmo estupefaciente.
35. Não se compreende assim, como o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, conclui, por uma actuação mais gravosa do que aquela que resulta provada, tecendo várias considerações sobre os produtos estupefacientes e a sua actividade, que não tem correspondência com o caso dos autos nem com a actuação da recorrente.
36. O Juizo de prognose favorável efectuado pelo tribunal de 1ª instancia, teve não só em conta a ausência de antecedentes criminais, mas a conjugação deste registo criminal “limpo” com a idade da recorrente (mais de 63 anos de idade) e com o teor do relatório social elaborado pela DGRSP que conclui, que em caso de condenação, a recorrente reúne condições para cumprir uma pena ou medida não privativa da liberdade, sem supervisão da DGRSP. (sic)
37. Tais factores, mais próximos da ressocialização da recorrente, permitem concluir que a ameaça da prisão e a censura do facto servem as finalidades da punição.
38. Por outro lado, e salvo o devido respeito por opinião contrária, o acórdão recorrido, confunde a pena suspensa na sua execução como um sinal de impunidade para a comunidade.
39. A pena suspensa na sua execução é uma verdadeira pena, que incute no condenado um sentimento acrescido de consciência do desvalor da sua conduta, que impõe não só uma serie de condutas obrigatórias, mas também a constatação de que a mesma pena pode a qualquer altura, ser revogada por incumprimento, funcionando como uma verdadeira espada de Dámocles.
40. O que não deixa de funcionar como uma restrição às suas liberdades, orientando-o nos ditames da sociedade.
41. Se a comunidade não compreende o alcance da suspensão da execução da pena, há que informá-la, ensiná-la, mas não obstar à aplicação desta pena por eventual descrédito da mesma, pois infelizmente a mesma comunidade vê as prisões apenas como um depositário de criminosos, quando na verdade são estabelecimentos de ressocialização e reintegração do cidadão delinquente.
42. Pelo que para efeito das necessidades de prevenção geral a pena suspensa na execução para uma cidadã primária de 63 anos de idade, com uma actuação diminuta e residual, sem domínio do facto, contribui da melhor forma para a sua reintegração, ao mesmo tempo protegendo o bem jurídico.
43. Não se nega a danosidade social que o consumo de drogas provoca, à integridade física e à sociedade pela criminalidade geralmente associada a este tipo de crime.
44. Não obstante, verificamos nos dias de hoje, fruto de políticas de prevenção, que os resultados nefastos estão mitigados, não só pela inclusão social de muitos toxicodependentes que conseguem conciliar as profissões com os consumos, mas também pela visão pioneira de tratar o toxicodependente como um doente, e que possibilitou o investimento estatal necessário ao seu tratamento, e que se tem revelado positivo.
45. Temos assistido e bem, a decisões judiciais que suspendem a execução da pena para arguidos primários que num determinado momento das suas vidas desenvolveram a actividade de tráfico de droga, independentemente, também, da qualidade do estupefaciente transaccionado.
46. Ora no caso em apreço, sendo a recorrente uma senhora com quase 64 anos, sem antecedentes criminais, que viveu toda a sua vida como costureira de profissão, sendo benquista na sociedade, e com uma actuação de mero auxílio material à actividade de estupefaciente, não choca nem à justiça nem à comunidade a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução por um episódio errático na sua vida.
47. Pelo que para efeitos da prevenção geral e especial, a determinação da pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa por igual período, está plenamente ajustada às finalidades da punição.
48. Vejam-se os seguintes casos e que mereceram de igual forma a suspensão da execução da pena:
49. Processo nº 452/12.6 JELSB que correu termos na 4ª Vara Criminal de Lisboa, que condenou a arguida .. na pena de 4 anos de prisão suspensa por igual período. (apreensão de 500gr. de cocaína)
50. Processo nº 8004/11. 1TDLSB que correu termos na 5ª Vara Criminal de Lisboa e condenou o arguido Gonçalo Vaz na pena de 5 anos de prisão suspensa por igual período. (apreensão de 2kg de haxixe)
51. Processo 89/12.0PAMTJ que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial do Montijo e que condenou o arguido .. na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa por igual período. (apreensão de 3kg de haxixe)
52. Processo 7536/12.9 TDLSB que correu termos na 8ª Vara Criminal de Lisboa e que condenou o arguido .. na pena de 4 anos e seis meses de prisão, suspensa por igual período. (apreensão de 58kg de haxixe)
53. Processo 282/13.8 PAMTJ, que correu termos na 2ª Secção Criminal de Lisboa e que condenou o arguido .. na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeito a regime de prova (apreensão de 150gr. de cocaína)
54. Processo nº 2/14.0 PEBRR, que correu termos na 2ª secção criminal de Lisboa, J5 e que condenou o arguido CC na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução (apreensão 20gr. de cocaína e heroina)
55. Processo nº 504/13.5 GAMTA que correu termos na 2ª secção criminal de Lisboa, J5 e que condenou o arguido .. na pena de 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução (apreensão de 80gr. de cocaina)
56. Processo nº 26/13.4 PEBRR que correu termos na 2ª secção criminal de Lisboa, J5 e que condenou o arguido .. na pena de 5 anos de prisão suspensa na execução (apreensão de 200gr. de cocaina).
57. No processo 7536/12.9 TDLSB, o douto acórdão refere o seguinte quanto à suspensão da execução da pena. “Tendo em conta o tempo entretanto decorrido e o facto de os arguidos, revelando embora alguns deles antecedentes criminais por este tipo de crime, e ponderada a gravidade dos factos, terem todas apoio familiar e estarem alguns presos preventivamente desde a investigação, entende o Tribunal que estão reunidas as condições de que a lei faz depender a aplicação de pena suspensa na execução a qualquer dos arguidos aqui condenados –quer em virtude de se ter apurado como circunstância o facto de viverem num meio referenciado com o tráfico de droga, sendo que, e, termos de quantidades de droga envolvidas, estas quantidades não se revelam sequer muito significativas para a droga que está em causa, deixando antever que o grosso do comércio da droga não tinha que ver com o que acabou por resultar deste julgamento, aceita-se que a simples ameaça da pena e censura dos factos bastam para assegurar as finalidades do processo e da própria punição (artº 50º CP)Pelo que, nesta conformidade, decide-se suspender na execução das penas de prisão aqui aplicada a todos os arguidos.” (fim de citação –pág.72 do acórdão 7536/12.9TDLSB)
58. Pois será neste contexto supra-referido que a sociedade deverá efectuar todos os esforços na ressocialização e reintegração da recorrente, permitindo e incentivando as condutas lícitas por que se rege, dando uma oportunidade, suspendendo lhe a execução da pena de prisão, com regime de prova se assim entender, e que deverá seguir, sob pena de ingressar ao Estabelecimento Prisional.
Violaram-se as disposições legais:
• Artigo 27º do CP, porquanto se condenou a recorrente como co-autora do crime de tráfico de estupefacientes.
• Artigo 50º do CP, porquanto não se suspendeu a execução da pena.
• Artigo 71º do CP, porquanto a medida da pena excede a culpa.
• Artigo 72º do CP, porquanto não se atenuou especialmente a pena.

Termina peticionando a revogação do acórdão recorrido “mantendo-se a decisão da primeira instância que condenou a recorrente na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução”.

3. resposta e parecer do Ministério Público:

O Ministério Público na instância recorrida, respondendo aos recursos dos arguidos pronuncia-se pela não admissão com fundamento na irrecorribilidade do acórdão da Relação, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 432° n° 1º alínea b) e 400° n° 1º alínea f) do CPP, porque a decisão recorrida confirmou a condenação da 1ª instância e não aplicou, em nenhum caso, pena superior a 8 anos de prisão.
A Digna Procuradora-Geral Adjunta neste Supremo Tribunal, na vista a que alude o art. 416º n.º 1 do CPP, emitiu douto parecer sobre a admissibilidade dos recursos e as questões apresentadas no recurso de cada arguido.
a) suscita duas questões prévias:
1. notificação da co-arguida EE:
O recurso da arguida para o STJ, foi interposto em 05.11.2018, , ou seja, no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo legal de 30 dias, sem que tenha procedido ao pagamento da respectiva multa (o acórdão recorrido, do TRL datado de 27.09.2018, considera-se notificado à arguida em 1.10.2018, tendo o postal registado sido expedido em 28.09.2018, pelo que o prazo de 30 dias ocorreu em 31.10.2018).
Não tendo sido paga de imediato a respectiva multa, pela interposição do recurso no 2º dia útil subsequente ao termo do prazo, promoveu que a secção notifique a arguida (na pessoa da sua mandatária) para pagar a mesma, querendo, com a cominação de o recurso poder ser rejeitado, por intempestividade. (art. 139º nº 6 e nº 5 do CPC actual).
2. Não admissão do recurso dos co-arguidos GG, HH e FF:
Pronuncia-se pela rejeição do recurso destes arguidos nos termos das disposições conjugadas dos arts. 400.º alíneas e) e f) e 432.º n.º 1 , do CPP , com a fundamentação seguinte:
1.1. A arguida GG, na 1ª instância, foi condenada, como cúmplice, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp pelo art. 21º do DL 15/93 de 22.01, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa por igual período.
Na Relação foi condenada, como co-autora, pela prática do referido crime, na pena de 4 anos 4 meses prisão, efectiva.
1.2.O arguido HH na 1ª instância foi condenado, como cúmplice, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp pelo art. 21º do Dl 15/93 de 22.01, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa por igual período.
Na Relação foi condenado, como co- autor, pela prática do referido crime, na pena de 4 anos de prisão, efectiva.
1.3 O arguido FF, na 1ª instância foi condenado, como cúmplice, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp pelo art. 21º do DL 15/93 de 22.01, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa por igual período.
Na Relação foi condenado, como co- autor, pela prática do referido crime, na pena de 4 anos de prisão, efectiva.
Não obstante a alteração, no acórdão recorrido, da qualidade de participação dos referidos arguidos da forma de cumplicidade para a de co-autoria, e de ter sido agravada a medida das penas, determinando-se a efectividade das penas de prisão, tendo-lhes sido aplicadas penas inferiores 5 anos de prisão, os respectivos recursos não são admissíveis, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 , do CPP.
Como se decidiu no Acórdão de Fixação jurisprudência 14/2013 (DR 219 SÉRIE I de 2013-11-12) «Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e) e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão».

3. Admissão do recurso dos co-arguidos CC, EE e AA:
Contrariando o entendimento do Ministério Público na Relação, pronuncia-se pela admissão do recurso dos co-arguidos CC, EE e AA, por terem sido condenados em pena de prisão superior a 5 anos -disposições conjugadas das alíneas e) e f) do nº1 do art. 400º e nº 1 do art. 432º, do CPP, desenvolvendo a fundamentação seguinte:
3.1. Relativamente aos arguidos CC e EE, alterou-se, a qualificação/modo de comparticipação de cada um na prática do crime de tráfico de estupefacientes: vinham condenados como cúmplices, no acórdão recorrido estão condenados como co-autores, agravando-se a pena, respectivamente de 2 anos e 6 meses de prisão para 6 anos de prisão, e de 2 anos de prisão para 7 anos de prisão.
3.2. O co-arguido AA, vinha condenado em 1ª instância, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, pp pelo art. 21º DL 15/93 de 22.01, na pena de 5 anos de prisão.
No acórdão recorrido considerou estarem preenchidos os requisitos de natureza formal e substancial da reincidência, agravando a medida da pena de 5 para 8 anos de prisão- fls. 1292/1293.
Nessa medida, não poderá afirmar-se ter ocorrido “confirmação da decisão de 1ª instância”, ainda que os factos se tenham permanecido inalterados.
Pelo que o recurso destes arguidos para o STJ é admissível, nos termos das disposições citadas.

b) quanto ao mérito dos recursos:
4. Recurso do arguido AA:
4.1.O arguido AA foi condenado em 1ª instância, como autor de um crime de tráfico de estupefacientes, pp pelo art. 21º DL 15/93 de 22.01, na pena de 5 anos de prisão (efectiva).
No acórdão recorrido, julgando-se verificados os pressupostos formais e materiais da reincidência- fls 1292/1293 -, foi condenado como reincidente, e a pena agravada para 8 anos de prisão.
1. O recorrente, nas conclusões 21 a 38, e parte final do recurso, alega ainda que o acórdão deve ser anulado, ordenando-se o reenvio dos autos à 1ª instância para debate dos requisitos da reincidência, para além da correção do lapso matemático”.
Pretensão que não tem suporte.
O TRL limitou-se a corrigir o lapso constante a fls. 45 do acórdão recorido, na parte de apreciação do direito a aplicar ao caso, salientando que o último facto criminoso aconteceu em 4/4/2017 e não em 4/4/2018, como constava erradamente do acórdão proferido em 1ª instância.
Como resulta dos factos provados sob os nºs 1 a 116, a actividade criminosa pela qual o arguido foi condenado neste processo teve início desde, “pelo menos, Fevereiro de 2017” (facto provado nº 1) e cessou em 4-4-2017, com a detenção e posterior sujeição a prisão preventiva do arguido (factos provados nºs 72 a 94).
2. Alega ainda que não obstante o preenchimento do pressuposto formal, entende não estarem preenchidos os pressupostos materiais necessários para a condenação por reincidência.
Por “não existir nexo necessário com a anterior condenação (não sendo bastante a mera natureza do ilícito), por forma a ser possível concluir que essa condenação não constitui suficiente advertência.
E “por se estar, apenas, perante uma mera repetição do ato ilícito sem nexo causal”.
Entende que “a agravação por reincidência não deve ser superior a um ano de prisão, fixando-se a pena final não superior a 6 anos de prisão”.
3. Alega que a pena de 8 anos de prisão quase atingindo a limitação legal prevista no art. 76º nº1 do CP, o que é excessivo.
Argumenta que “quanto às exigências de prevenção especial, os hábitos de trabalho por si desenvolvidos, aliado ao suporte familiar, permitem concluir pelo juízo de prognose favorável à sua reinserção.
Transcrevendo a motivação do acórdão recorrido pronuncia-se pela improcedência do recurso.

5. Recurso da arguida EE
5.1. A recorrente EE foi condenada, em 1ª Instância, como cúmplice e reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelos arts. 21º nº1 DL 15/93 de 22.01, na pena de 2 anos de prisão, efectiva.
No acórdão proferido pelo TRL, foi condenada, como co-autora e na qualidade de reincidente, pela prática do citado crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelo art. 21.º, n.º 1 e do DL 15/93, de 22.01, na pena de 7 anos de prisão.
5.2. Nas suas prolixas conclusões, pretende impugnar matéria de facto, como resulta da conclusão Z), alíneas AA) a HH) do recurso. Invoca que:
- “a prova produzida é deveras insuficiente, ocorreu vício previsto na alínea c) do nº2 do art. 410º do CPP;
- o tribunal ao analisar as provas como analisou violou o art. 374º nº2, gerando a nulidade da sentença nos termos do art. 379º nº1-c) do CPP;
-o tribunal violou o princípio in dúbio pro reo ao considerar provas que não são conclusivas e que não poderiam ser tidas como válidas”.
Entende que “o tribunal teria forçosamente de absolver a arguida, por falta de provas”.
Nos termos do art. 434º do CPP “sem prejuízo do disposto nos nºs 2 e 3 do art. 410º, o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame de matéria de direito.”
Relativamente à arguição do vício previsto na alínea c) do nº 2 do art. 410º do CPP, é jurisprudência pacífica do STJ que os vícios previstos no art. 410º são atinentes a matéria de facto e, por isso, o tribunal de recurso não conhece dos mesmos a solicitação do recorrente, mas exclusivamente a título oficioso, se o vício resultar do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum. (vd. Acs do STJ de 27.05.2010 (proc. 11704.7GCABT.C1.S1); de 27.06.2012 (proc. 127/10.0JABRG.G2:s1); de 18.04.2013 (proc. 180/05.9JACBR.C1.S1).
Nesse sentido, os vícios a que alude o art.410º do CPP, não podem constituir fundamento do recurso.
Não se vislumbrando que a decisão recorrida, de per si ou conjugada com as regras da experiência comum, padeça de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do citado art. 410º, ou de inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade, a matéria de facto deve considerar-se definitivamente assente.
Alega a recorrente que “o tribunal ao analisar as provas como analisou violou o art. 374º nº 2, gerando a nulidade da sentença nos termos do art. 379º nº 1-c) do CPP”, sem que fundamente minimamente tal alegação.
Considerando encontrar-se o acórdão recorrido suficiente e objectivamente fundamentado, com cumprimento do preceituado no nº2 do art. 374º do CPP, não se alcança que ocorra qualquer nulidade, mormente a prevista no art. 379º nº1-c) do CPP.
Relativamente à arguição de violação do princípio in dubio pro reo, como se fundamenta no Ac. STJ de 16-05-2007 ( CJ (STJ), T2, pág.182), a mesma “só pode ser aferida pelo STJ quando da decisão impugnada resulta, de forma evidente, que o Tribunal recorrido ficou na dúvida em relação a qualquer facto e que, nesse estado de dúvida decidiu contra o arguido. Posto que, saber se o Tribunal recorrido deveria ter ficado em estado de dúvida, é uma questão de facto, a mesma exorbita os poderes de cognição do STJ enquanto Tribunal de revista e, do exame dos acórdãos impugnados decorre que as instâncias não ficaram na dúvida em relação a qualquer facto.”
Pelo exposto, quanto à pretendida impugnação de matéria de facto, deverá o recurso ser rejeitado.

5.3. Em sede de impugnação de matéria de direito, alega a recorrente:
i) “não ter sido a arguida notificada do acórdão que alterou a condenação em 1ª instância”, invocando o decidido no AUJ nº 6/2010 de 21.05 que estabeleceu “ I- Nos termos do nº9 do art. 113º do CPP, a decisão de revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser notificada tanto ao defensor como ao condenado”.
Afigura-se não assistir razão à recorrente, pelos fundamentos aduzidos nos Acs. Do STJ de 25.09.2009 (proc. 2300/08, 3ª Secção) e de 03.05.2007 (proc. 1594/07, 5ª Secção) referenciados em” CPP Comentado”, em anotação ao art. 113º do CPP, transcrevendo-se segmento de fundamentação do último acórdão referido:
“(…) A notificação do acórdão proferido em recurso “aos recorrentes” e “aos recorridos” “pode” ser feita ao respectivo defensor (art. 113º nº9) não carecendo de o ser igualmente ao próprio arguido , porque “o defensor exerce os direitos que a lei reconhece ao arguido” (incluindo o direito ao recurso), “salvo os que ela reservar pessoalmente a este” (art. 63º nº1), sendo que a notificação da decisão do tribunal de recurso (diversamente da notificação da sentença) não representa um “direito que a lei reserve pessoalmente ao arguido “ (art. 113º nº9).
Este regime aplica-se, mesmo, ao “ acórdão [condenatório] proferido em recurso”. E isso, desde logo, porque a lei (arts. 63º nº1, 113º nº9, 411º nº1, 421º nº3 e 425º nº6, do CPP) não exige a notificação pessoal do próprio arguido e, ainda porque a não exigem as garantias constitucionais do processo criminal.”
Pelo exposto, deverá improceder a alegação da recorrente.
ii) Alega a mesma que “o tribunal ao condenar a arguida como cúmplice e por reincidência, na pena de 2 anos e tendo em conta a pena atenuada, considerou que a culpa da arguida é no mínimo reduzida, e, como tal, deveria tê-la substituído ou por trabalho a favor da comunidade, ou regime de permanência na habitação ou até mesmo pena suspensa” -conclusões II, alíneas JJ) a ZZ).
A recorrente labora em erro evidente: o acórdão recorrido é o acórdão , proferido em recurso, pelo Tribunal da Relação, no âmbito do qual a recorrente foi condenada, como co-autora e na qualidade de reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelos arts. 21º nº1 DL 15/93 de 22.01, 27º e 73º do CP, na pena de 7 anos anos de prisão.
A pena aplicada de 7 anos de prisão não é suscetível de ser suspensa na sua execução (art. 50º do CP), nem de ser substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade, ( art. 58º nº 1 do CP), nem por regime de permanência na habitação (art. 43º nº 1-a do CP).
iii) Na parte final do recurso conclui a recorrente pela “revogação do acórdão e sua substituição por outro que absolva a arguida da prática do crime por que vem acusada”; em alternativa, pugna por decisão que “condene a arguida como cúmplice, mas numa pena suspensa na sua execução”.
Admitindo que a recorrente pretende sindicar a valoração efetuada pelo TRL quanto ao seu modo de participação no crime de tráfico de estupefacientes, como autora, ao invés de cúmplice como ocorrera em sede de decisão de 1ª instância, limitamo-nos a transcrever excerto do acórdão do TRL, cujos fundamentos se acompanham:
São, portanto, requisitos da co-autoria:
- a intervenção directa na fase de execução do crime-execução conjunta do facto;
- o acordo para a realização conjunta do facto; acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;
- o domínio funcional do facto, no sentido de o agente “deter e exercer o domínio positivo do facto típico” ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão desse contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes execute todos os factos correspon-dentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.
Já a cumplicidade, pressupõe um mero auxílio material ou moral à prática por outrem do facto doloso, de forma que ao cúmplice falta o domínio do facto típico como elemento indispensável da co-autoria. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto; o autor não necessita sequer conhecer a cooperação que lhe é prestada (a chamada cumplicidade oculta).
No dizer do Prof. Eduardo Correia-Direito Criminal, 1971-p.260: “…para saber se uma certa comparticipação pode enquadrar-se ou não no conceito de autoria, é antes de tudo necessário averiguar se, sem ela, o facto deixaria ou não de ser cometido.”
E de Germano Marques da Silva (Direito Penal –II- p.290): “A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa) e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa ajudam os autores a praticá-la”;
Traduz-se “em mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é um concausa do crime”.
(….)
da matéria assente no acórdão recorrido, com particular ênfase nos pontos acima referidos [3,4,5,17,20,21,22,31,32,33,39,40,42,43,44,45,46,47,52,53,61,62,69,70,80,81,83 84,85,89,90,93,94,96,97,98,99,100,104,105,108,109110,111,112,113,114,115,116] , conclui-se que todos os arguidos acordaram na actividade , assumindo cada uma tarefa determinada, que enquanto acto de execução do plano antes congeminado realizava a obtenção do referido desiderato. Com feito, o co-autor é também um colaborador, justamente porque desenvolve uma actividade dirigida ao escopo comum previamente acordado, e a que, naturalmente, presta ajuda. Não pode ser a mera utilização dos termos de “auxiliares” ou “colaboradores” que reconduzem a actuação dos arguidos como cúmplices, pois que, como ficou sobejamente demonstrado, que nenhum deles assumiu um papel secundário ou acidental, não se limitando a prestarem ajuda, mas antes participaram activamente (no desempenho e de acordo com o critério e a divisão das tarefas distribuídas) na actividade criminosa traduzida na disseminação lucrativa de estupefacientes, tomando parte directa na execução, por acordo, e com consciência dessa colaboração repartida em tarefas e em conjunto com os demais, com vista ao mencionado objectivo lucrativo, sendo, assim, verdadeiramente, todos co-autores do crime - art. 26.° do Código Penal.
Assim, não se nos depara dúvida sobre a actuação em co-autoria do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21 nº. 1 da Lei 15/93.”

Relativamente à medida da pena, é de parecer que é adequada e proporcional à luz do estabelecido nos arts. 40º, 71º, 75º e 76º, do CP.
Pronuncia-se pela rejeição do recurso, no segmento em que pretende sindicar a matéria de facto fixada, e pela improcedência relativamente às demais questões suscitadas.

6. Recurso do arguido CC
6.1. O arguido CC foi condenado, em 1ª Instância, como cúmplice e reincidente, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, pp. pelo art. 21º nº 1 DL 15/93 de 22.01, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, efectiva.
No acórdão recorrido, alterando-se a sua forma de participação nos factos, foi condenado como co-autor do citado crime de tráfico, na pena de 6 anos de prisão.
6.2. Insurgindo-se contra a alteração argumenta que apenas “ajudou” algumas vezes, indicando onde podem as pessoas comprar produto estupefaciente, e também avisou uma vez que vinham as autoridades e que terá sido visto a vender produto diretamente”.
Versão contrariada pelos factos provados no acórdão. O recorrente teve intervenção direta em atos de tráfico nos dias 2, 3 e 15 de Fevereiro de 2017; no dia 8 de Março e no dia 4 de Abril de 2017, num universo alargado de consumidores de estupefaciente.
Quanto à medida da pena reforça que o arguido averba 5 condenações pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, tendo o trânsito em julgado da última ocorrido em 2016, data muito próxima do início da atividade de tráfico apurada nos presentes autos (2.02.2017)”.
Sustentando a proporcionalidade e adequação da pena de 6 anos de prisão aplicada no acórdão recorrido, é de parecer que o recurso deve improceder.

Conclui pronunciando-se pela improcedência dos recursos.
*
Observado o disposto no art. 417º n.º 2 do CPP, somente o recorrente FF exerceu o contraditório, contra-argumentando com a “ausência de pronúncia do Digno Parecer do Ministério Público relativamente à questão da inconstitucionalidade”, insistindo pela admissão do recurso.
*
Cumpre apreciar e decidir.
*
II- QESTÕES PRÉVIAS:

1ª- não admissão do recurso da arguida EE:
A Digna Procuradora-Geral Adjunta, verificando que a recorrente EE apresentou o requerimento de interposição do seu recurso e respetiva alegação, no 2º dia útil posterior ao termo do prazo de 30 dias, legalmente estabelecido para poder recorrer do acórdão da Relação, sem que tenha efetuado e comprovado o pagamento da multa processual previsto no art. 107º-A, al.ª b) do CPP, e sem que a secretaria tivesse cumprido com o estabelecido no art. 139º n.º 6 do Código de Processo Civil, promoveu a sua notificação, através da respetiva defensora, para, querendo, pagar a aludida multa processual com a advertência de que não o fazendo, o recurso podia ser rejeitado.
Examinando o processado, verifica-se que o acórdão recorrido está datado de 27/09/2018, tendo sido depositado no dia 28/09/2018.
Foi notificado à defensora da arguida EE por carta postal expedida em 28/09/2018 –fls. 1301 (uma sexta-feira).
Em conformidade com o disposto no art. 113º n.º 2 do CPP, a notificação presume-se feita “no terceiro dia posterior ao do seu envio, quando seja útil, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja”.
No caso, o 3º dia posterior ao do envio da carta postal registada foi uma segunda-feira, 1 de outubro de 2018.
Assim, o dia 2 de outubro marca o termo inicial do prazo para interpor recurso.
Prazo legal para recorrer do acórdão da Relação que é de 30 dias, contados a partir da notificação da decisão - art. 411º n.º 1 al.ª a) do CPP.
Consequentemente, 31 de outubro de 2018 (quarta-feira) foi o termo final do prazo legal (normal) para arguida interpor recurso.
Todavia, o recurso da arguida EE foi apresentado apenas em 5 de novembro de 2018. Ou seja e como bem nota a Digna Procuradora-Geral Adjunta, no 2º dia útil posterior ao termo do prazo legalmente concedido para poder recorrer do acórdão condenatório da Relação.
Ao abrigo do disposto no art. 107º n.º 5 do CPP, conjugado com o disposto no art. 139º n.º 5 do CPC, poderia ainda apresentar o recurso num dos três dias úteis seguintes, conquanto pagasse a sanção processual prevista no art. 107º-A al.ª b) do CPP.
Como não tinha sido observado o disposto no art. 139º n.º 6, foi a recorrente notificada já neste Tribunal para, querendo, pagar a sanção prevista na al.ª b) do citado art.º 107º-A do CPP.
Não pagou aquela sanção nem veio dizer nada.
Por isso e porque não pagou a multa processual prevista no art. 107º-A al,ª b) do CPP, o recurso desta arguida é extemporâneo.
É certo que o tribunal recorrido, em despacho meramente tabelar e genérico, admitiu os recursos apresentados pelos arguidos, incluindo, portanto, também o desta arguida.
É jurisprudência firme e unanime que o despacho do tribunal recorrido que admite o recurso não é definitivo, não vinculando o tribunal ad quem.
Assim, em conformidade com o exposto e de acordo com o estabelecido no art.º 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.º 2 do CPP, decide este Supremo Tribunal rejeitar, porque apresentado para além do prazo legal, o recurso da arguida EE.
A rejeição do recurso com o fundamento enunciado implica a condenação da recorrente na sanção processual prevista no art. 420º n.º 3 do CPP.
*
2ª- não admissão do recurso dos arguidos GG, HH e FF:
A Digna Procuradora-Geral Adjunta, pronuncia-se pela rejeição do recurso destes arguidos com fundamento em pena de prisão aplicada a cada um, não obstante ter sido agravada e efetiva, se manteve ainda em medida inferior a 5 anos de prisão.
No acórdão recorrido, a condenação destes arguidos que tinha sido em pena de prisão com execução suspensa, foi agravada e passou a efectiva nos seguintes termos:
-GG         de 1 ano e 9 meses           para 4 anos e 4 meses;
-HH        de 2 anos e 6 meses         para 4 anos; e
-FF          de 1 ano e 9 meses           para 4 nos de prisão.
i. constitucionalidade:
Os recorrentes, prevendo a não admissão dos respectivos recursos, por força do disposto no art. 400º n.º 1 al.ª e) e f) do CPP, invocam a inconstitucionalidade destas normas processuais penais:
- o arguido FF, sem que indique o princípio ou preceito da Constituição que deva ter-se por desrespeitado (cls. 3ª e 4ª);
- o arguido HH afirmando que ofende o art. 29º n.º 6, e o princípio da igualdade consagrado no art. 13º, ambos da Constituição (cls 4ª a 9ª);
-a arguida GG entendendo que viola o art. 32º n.º 1 da Constituição (cls. 2ª e 3ª).
A última convoca também uma antiga decisão do Tribunal Constitucional.
Depois dessa data, na sequência da mudança do entendimento que o Tribunal Constitucional perfilhava sobre a mesma questão, acabou por ser declarada a inconstitucional com força obrigatória geral daquela norma, num dos seus segmentos interpretativos, sem que semelhante situação se verifique nos autos (os arguidos não foram absolvidos na 1ª instância).
Efetivamente, o Tribunal Constitucional, em plenário, no recente Ac. n.º 595/2018, (DRE n.º 238/2018, Série I de 2018-12-11) declarou, “[declara] com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.

Aresto no qual expressamente se circunscreve a interpretação às situações em que a decisão da Relação reverteu a absolvição decretada na 1ª instância. Do texto deste aresto consta a advertência de que “levado ao limite, este argumento poderia parecer impor a garantia da recorribilidade de qualquer decisão condenatória que se apresente como inovatória, independentemente da pena concretamente aplicada. Poder-se-ia argumentar que, num caso de condenação que reverte uma absolvição de 1.ª instância, o direito ao recurso é tão afetado com a aplicação de pena de multa como com a aplicação da pena máxima de 25 anos de prisão.

Um tal raciocínio ad consequentiam (…) baseia-se, no entanto, num paralogismo inaceitável desde logo porque a restrição do direito ao recurso em ambos os casos não é equivalente”.

Na sequência da mudança do paradigma interpretativo do TC nos termos referidos, muitos e frequentes –como estes autos evidenciam - têm sido os pedidos de declaração de inconstitucionalidade de outros segmentos desta e bem assim de outras normas que limitam ao recurso para o STJ, pretendendo-se estender aquela declaração de modo a nela incluir toda e qualquer alteração da condenação decretada em 1ª instância, indiferentemente de a decisão proferida em sede de recurso agravar ou melhorar a medida da pena que tinha sido aplicada.

Todavia, o TC, confrontado com o “aluvião” de pedidos no sentido referido tem vindo a rejeitar, em regra por decisão sumária, o pretendido “paralogismo”.

Entre outros assim se decidiu no Ac. n.º 476/2018 (de 3 de outubro de 2018), em cuja fundamentação se pode ler: “Contrariamente ao caso que ditou o referido julgamento de inconstitucionalidade, nos presentes autos, a arguida foi condenada na 1ª instância. Ora, a decisão alcançada no referido Acórdão (…) fundamentou-se, precisamente, no específico caráter inovatório da condenação processada em 2ª instância.

Não ocorrendo semelhante circunstância no presente caso, resta concluir pela improcedência do juízo de inconstitucionalidade, e pela reafirmação da jurisprudência nesta matéria consolidada. À mesma conclusão tem o Tribunal Constitucional chegado em casos semelhantes, como decorre da recente Decisão Sumária n.º 37/2017 (disponível in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/decsumarias.html), a qual decidiu não julgar inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação dada pela Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, interpretada no sentido de que é vedado o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, em recurso, imponha ao arguido não recorrente pena privativa de liberdade não superior a 5 anos, em substituição de outra que não continha tal privação.

A referida decisão tem o seguinte teor, no que ao presente caso releva:
“(...)
Importa ainda frisar que as razões que estiveram na base do julgamento de inconstitucionalidade alcançado no Acórdão 429/2016 não são transponíveis para a avaliação da norma ora em análise, precisamente porque existe uma diferença substancial entre as questões colocadas ao Tribunal Constitucional. Como se salientou no aludido acórdão, «os elementos caracterizadores da norma que cumpre apreciar são o facto de, no caso presente, ter existido uma decisão absolutória da primeira instância que é revertida pela decisão do Tribunal da Relação e essa reversão resultar na condenação em pena de prisão efetiva».
Considerou então o Tribunal que, num caso de reversão de absolvição para condenação em pena de prisão efetiva, o julgamento do recurso não assegura plenamente a reapreciação da matéria relativa às consequências jurídicas do crime, por a mesma constituir um segmento inovador do acórdão condenatório.
Enquanto que nos casos abrangidos pela norma sindicada no Acórdão n.º 429/2016, o direito de resposta ao recurso não permite um exercício efetivo do direito de defesa, já que exige do arguido absolvido em primeira instância um elevadíssimo grau de antecipação de todos os juízos e argumentos que podem conduzir a uma condenação – v.g. eventual alteração da matéria de facto, discussão do enquadramento jurídico dos factos e operações de determinação judicial da pena concreta e demais consequências do crime – para os poder contraditar, nas situações subsumíveis à norma em apreciação nos presentes autos o quadro é radicalmente distinto.
De facto, no caso de recurso de decisão de primeira instância condenatória, que tenha aplicado pena não privativa da liberdade e em que o recorrente Ministério Público e/ou Assistente pugnem perante a Relação pelo agravamento daquela, o objeto do recurso encontra-se perfeitamente delimitado, balizando-se a possível decisão do mesmo dentro de apertados limites: a moldura penal abstrata aplicável ao crime imputado, a proibição da reformatio in pejus e o pedido do recorrente.
Nestes casos, existe uma efetiva reapreciação do segmento da decisão condenatória relativo às consequências do crime, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis pelo arguido. O objeto do recurso e os assinalados limites intrínsecos e extrínsecos à decisão a tomar pelo tribunal superior no julgamento daquele, permitem concluir que a faculdade de responder ao recurso, prevista no artigo 413.º do Código de Processo Penal, assegura um efetivo exercício do direito de defesa, permitindo ao arguido expor perante o tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa, em termos idóneos a persuadir o julgador da sua justeza e a influenciar o curso do seu processo decisório (veja-se, em termos análogos, o recente Acórdão n.º 652/2016)”.»

Idêntico entendimento foi subsequentemente sufragado nos já referidos Acórdãos n.°s, 804/2017, de 29 de novembro, e 101/2018, de 21 de fevereiro. Neste último se sublinhou uma vez mais que «os Acórdãos n.ºs 412/2015 e 429/2016 não apreciaram ‘a mesma norma’ que está em causa neste processo», mas «a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovatoriamente face à absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro.» Diversamente do que acontece em tais casos, «quando o recurso visa, precisamente, a revogação da decisão de primeira instância no segmento em que determinou a suspensão da execução da pena de prisão, o arguido recorrido pode, em contra-alegações, pronunciar-se sobre todas as questões de facto e de direito relevantes para a apreciação dessa pretensão recursória”.

Não é, pois, transponível para o caso dos autos a declaração de inconstitucionalidade firmada no Ac. n.º 595/2018 do Tribunal Constitucional. Neste processo, os arguidos não foram absolvidos na 1ª instância. Ao invés, os recorrentes ora em referência estavam já condenados, todos em pena de prisão, com execução suspensa. A condenação decretada pelo Tribunal da Relação, resultante da modificação da forma de comparticipação dos arguidos no crime cometido (da cumplicidade para a co-autoria), agravou a medida da pena aplicada pelo tribunal de 1ª instância e impôs a prisão efetiva.

De conformidade com o exposto –louvando-nos na argumentação do próprio TC, nos termos citados- entende-se que a norma que se extrai das disposições conjugados do art. 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª e) do CPP, no sentido de não admitir recurso para o STJ de acórdão da Relação que agravou a pena de prisão aplicada na decisão condenatória da 1ª instância, aumentando a medida e decretando a efectividade da prisão, não padece de inconstitucionalidade material, não ofendendo o direito ao recurso, o direito de defesa nem o princípio da igualdade perante a lei.

Quanto à al.ª f), do n.º 1 do art. 400º citado, entende-se não ser aplicável ao recurso interposto pelos arguidos ora em referência porquanto a pena de prisão que a cada um deles foi aplicada no acórdão recorrido não é superior a 5 anos de prisão. Consequentemente, a norma que rege os respectivos recursos é a da al.ª e). Somente seria aplicável a norma da al.ª f) se a pena tivesse sido alterada para medida superior a 5 anos de prisão e se situasse em medida que não ultrapassasse 8 anos de prisão.
ii. rejeição de recursos:
Afastada a invocada inconstitucionalidade da norma que se vem de referir subsiste a aplicação, aos três recursos ora em apreço, da interpretação adotada no Ac. (AUJ) deste Supremo Tribunal com o n.º 14/2013 (publicado no DRE 1.ª série n.º 219 de 12 de novembro de 2013) que fixou a seguinte jurisprudência:
Da conjugação das normas do artigo 400.º alíneas e)e f) e artigo 432.º n.º 1 alínea c), ambos do CPP, na redacção da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, não é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da Relação que, revogando a suspensão da execução da pena decidida em 1.ª instância, aplica ao arguido pena não superior a 5 anos de prisão”.
Assim e em conformidade com o exposto, na procedência da questão prévia suscitada pelo Ministério Público, e por não serem legalmente admissíveis para o STJ, decide-se rejeitar o recurso dos arguidos BB, DD e FF.
A rejeição do recurso com o fundamento enunciado implica a condenação de cada recorrente na sanção processual prevista no art. 420º n.º 3 do CPP.
*
Conhece-se dos recursos dos co-arguidos AA e CC.
*
III- OBJETO DO RECRSO:

Sumariamente, os recorrentes sucitam as seguintes questões:
1) arguido AA :
a. verificação do pressuposto material da reincidência;
b. medida da pena;
2) arguido CC:
a. co-autoria;
b. medida da pena.
*
IV- FUNDAMENTAÇÃO:
A. os factos:
O Tribunal julgou provados os seguintes:
- FACTOS -.
1.- Desde pelo menos, Fevereiro de 2017, que o arguido AA, conhecido por "...", se vem dedicando à venda de heroína e de cocaína a terceiros, na zona da ..., em Lisboa.
2.- Tais vendas eram efectuadas diariamente e no período da manhã - entre as 09h00 e as 15h00, no interior do estabelecimento comercial denominado "..", explorado pelo arguido FF, sito nos nºs ... da Rua ..., em Lisboa.
3.- Para tanto, o arguido AA contava com a colaboração de vários indivíduos que consigo aceitaram colaborar, designadamente os arguidos FF, conhecido por "..", HH, conhecido por "...", CC, conhecido por ".." e EE, incumbindo-lhes as tarefas de proceder à venda de heroína e de cocaína aos clientes, vigiar e controlar a presença de elementos policiais no local, e encaminharem os consumidores para o interior do café.
4.- Na prossecução da aludida actividade, o arguido AA contava, ainda, com a colaboração da arguida BB, sua mãe, tendo-lhe sido distribuída, na sequência do previamente acordado, a tarefa de abastecer de heroína e de cocaína o local de venda, procedendo ao transporte destes produtos desde o local de armazenamento (vulgo "casa de recuo") até ao café "--", sempre que tal lhe era solicitado.
5.- No tocante ao arguido AA, este não só supervisionava e coordenava a actividade levada a cabo pelos outros suspeitos, como também se encarregava da preparação e do embalamento/acondicionamento das doses individuais de heroína e de cocaína, para poderem ser comercializadas aos consumidores.
6.- No dia 02 de Fevereiro de 2017, pelas 09h00, os arguidos AA e FF chegaram ao estabelecimento comercial denominado "..", sito, conforme já referido, nos nºs ... da Rua ...
7.- De seguida, o arguido AA, utilizando uma saída nas traseiras deste estabelecimento, saltou um muro ali existente que dá acesso ao "Pátio .." indo ao encontro da sua mãe, a arguida GG, que se encontrava na sua residência, sita na Rua..., em Lisboa.
8.- Após, o arguido AA acedeu a uma habitação sita no patamar superior do aludido prédio nº 244, e aguardou à porta da mesma.
9.- Acto contínuo, a arguida GG saiu da sua habitação e dirigiu-se a uma outra residência do prédio nº 244, no patamar superior do "Pátio ..".
10.- De seguida, saiu da referida habitação e deslocou-se ao estabelecimento comercial denominado "Café ...", sito no nº .., onde permaneceu por alguns minutos, saindo do mesmo transportando um "molho" de sacos de plástico,
11.- Regressou para junto do arguido AA e entregou-lhe os referidos sacos.
12.- Após, O arguido AA entrou para a habitação sita no patamar superior do nº 244, onde permaneceu por cerca de 50 minutos,
13.- Dali saindo trazendo um embrulho que guardou no interior do bolso do casaco que trajava.
14.- Seguidamente, foi ao encontro da sua mãe e entregou-lhe as chaves da habitação, de onde tinha saído, momentos antes, e regressou às traseiras do café "o...".
15.- Na posse daquelas chaves, a arguida GG dissimulou-as num buraco existente numas escadas que dão acesso ao patamar superior do "Pátio ...".
16.- Seguidamente, o arguido AA saiu do café "...", dirigiu-se à sua viatura de marca e modelo "Volkswagen Golf', de matrícula ..-XX, ligou-a e saiu daquele local.
17.- Nessa altura, o arguido CC colocou-se à porta do café "o ...".
18.- Ao verem-no, diversos indivíduos, com características de consumidores de heroína, cujas identidades não se lograram apurar, entraram para este café.
19.- Tendo ali permanecido, por breves minutos.
20.- Pelas 10h25, o arguido FF dirigiu-se ao pátio interior daquele café, e assobiou.
21.- Acto contínuo, a arguida GG saiu da sua habitação, deslocou-se ao local onde tinha dissimulado as chaves que lhe tinham sido entregues pelo seu filho, recolheu-as e acedeu à residência onde o arguido AA tinha permanecido durante cerca de 50 minutos.
22.- Após, a arguida GG saiu daquela habitação, trazendo na mão um embrulho, deslocou-se até junto do muro que separa o café "..." do "Pátio ..." e arremessou-o em direcção ao arguido FF, que o recolheu e transportou até ao interior do café.
23.- Seguidamente, a arguida GG voltou a dissimular as chaves no mesmo local onde anteriormente o tinha feito, e regressou à sua residência.
24.- No dia 03 de Fevereiro de 2017, pelas 09h05, o arguido FF chegou ao estabelecimento "...", abriu a porta, entrou e fechou-a novamente.
25.- Momentos depois, chegou ao local o arguido AA, fazendo-se transportar na sua viatura "Volkswagen Golf", de matrícula ...-XX.
26.- Após estacionar a viatura, dirigiu-se ao café "...", bateu à porta e entrou.
27.- Pouco depois, a arguida GG saiu do "Pátio ..." e deslocou-se ao estabelecimento comercial "Café ..", sito no já referido n...., onde entrou.
28.- Breves minutos depois, saiu daquele café trazendo um volume na mão e regressou ao "Pátio...", transportando-o.
29.- Pelas 09h25, o arguido FF abriu a porta do estabelecimento "O...".
30.- Nessa altura, chegou ao local o arguido CC, que entrou café, tendo aí estabelecido contacto com o arguido FF.
31.- De seguida, o arguido CC colocou-se à porta do café e chamou cinco indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, que aguardavam do outro lado da Rua, junto a uma paragem de autocarros ali existente, e voltou a entrar no café.
32.- De imediato, estes indivíduos entraram no estabelecimento "O ...", tendo ali contactado com o arguido CC e lhe entregue quantias monetárias, recebendo deste, em troca, embalagens.
33.- Após ter recebido o dinheiro, o arguido CC entregou-o ao arguido FF, que o guardou atrás do balcão.
34.- Pelas 09h50, após ter saído do estabelecimento "O ...", ---, consumidor de heroína, foi abordado e revistado por Agentes da P.S.P.
35.- Nessa altura, foi encontrada na sua posse e apreendida:
- Uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,330 gramas, tendo a mostra cofre o peso líquido de 0,270 gramas que lhe tinha sido entregue, momentos antes, pelo arguido CC, no interior do café "O ---", pela qual pagou a quantia de € 10,00 (dez euros).
36.- Embalagem esta em tudo semelhante àquelas que o arguido CC tinha, momentos antes, entregado aos cinco indivíduos acima referidos.
37.- Por estes factos foi instaurado contra II o respectivo procedimento contra-ordenacional.
38.- No dia 15 de Fevereiro de 2017, pelas 08h50, o arguido AA deslocou-se ao "---" sito na Rua---, e acedeu já referida residência sita no patamar superior deste imóvel.
39.- Pouco depois, a arguida GG deslocou-se à porta desta residência e chamou pelo filho.
40.- Após, a arguida GG entregou-lhe um molho de sacos de plástico.
41.- De seguida, o arguido AA regressou ao interior da habitação, e a suspeita à sua residência, sita na já referida porta nº 4 do "Pátio --".
42.- Pelas 09h20, o arguido FF dirigiu-se às traseiras do estabelecimento comercial "O--" e começou a assobiar.
43.- Acto contínuo, o arguido AA saiu da habitação e arremessou na direcção daquele algumas embalagens.
44.- Após recolher as embalagens, o arguido FF retomou ao interior do café.
45.- Pelas 09h30, um indivíduo, cuja identidade não se logrou apurar, entrou no "--", tendo aí contactado com o arguido FF.
46.- Volvidos breves instantes este indivíduo saiu do café e permaneceu nas suas imediações, tendo aí sido contactado por CC , consumidor de heroína, que lhe solicitou uma embalagem deste produto, para seu consumo.
47.- Ato contínuo, este indivíduo entregou a CC uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,269 gramas, tendo a mostra cofre o peso líquido de 0,197 gramas, embalagem essa em tudo semelhante às referidas em 43.° e 44.°, recebendo deste último em troca, a quantia de €10,00 (dez euros).
48.- Esta embalagem foi apreendida por Agentes da P.S.P. na posse de CC, tendo contra o mesmo sido instaurado o respectivo procedimento contra-ordenacional.
49.- Pelas 09h45 o arguido CC chegou ao estabelecimento comercial "O...".
50.- Após ali ter estabelecido um breve diálogo com o arguido Sérgio, colocou-se à porta deste café.
51.- Nesse momento, o arguido HH chegou àquele local, entrou e permaneceu no interior do café.
52.- Seguidamente, vários indivíduos foram vistos a entrar para interior deste café, onde permaneceram por breves instantes.
53.- Nessa altura, o arguido CC aguardava à porta do estabelecimento, olhando em seu redor, vigiando e controlando a presença de Agentes da autoridade no local.
54.- Pelas 10h20, o arguido AA saiu do interior da habitação sita no piso superior da "...", e entregou a chave da mesma à sua mãe, que a dissimulou num buraco existente nas escadas que dão acesso ao piso superior do pátio.
55.- Seguidamente, o arguido AA deslocou-se ao "...", tendo aí contactado com o arguido FF e com os arguidos CC e HH.
56.- Após, abandonou o local, fazendo-se transportar na sua viatura de marca e modelo "Volkswagen Golf", de matrícula ...-XX.
57.- Pelas 10h45, o arguido FF deslocou-se às traseiras do "..." e assobiou.
58.- Acto contínuo, a arguida GG saiu da sua habitação, deslocou-se às escadas onde tinha guardado as chaves da residência onde o arguido AA tinha estado, retirou-as e, utilizando-as, entrou nesta habitação.
59.- Tendo dali saído, pouco tempo depois.
60.- Após, dissimulou as chaves no mesmo local onde o tinha feito anteriormente e deslocou-se junto do muro que dá acesso ao "...".
61.- De seguida, arremessou um canto de saco de plástico transparente contendo várias embalagens, em tudo semelhantes àquela que fora apreendida na posse de CC .
62.- Saco esse que foi, de imediato, recolhido pelo arguido FF, que retomou ao interior do estabelecimento.
63.- No dia 08 de Março de 2017, pelas 08h35, o arguido AA chegou à Rua ..., fazendo-se transportar na sua viatura de marca e modelo "Volkswagen Golf", de matrícula ...-XX, tendo permanecido no seu interior.
64.- Cerca das 08h38, o arguido FF chegou ao estabelecimento "--" e abriu a porta.
65.- Nessa altura, o arguido AA saiu do seu veículo e entrou no café.
66.- Acto contínuo, FF fechou a porta do estabelecimento.
67.- Pelas 09h30, o arguido FF abriu a porta do café.
68.- Cinco minutos depois, os arguidos HH e CC surgiram na Rua
... e dirigiram-se ao interior do "...".
69.- Pouco depois, o arguido CC colocou-se à porta do estabelecimento e gesticulou para uns indivíduos que aguardavam, junto de uma paragem de autocarros ali existente, entre eles JJ, consumidor de heroína, que, de imediato, entraram no café, tendo ali permanecido por breves minutos.
70.- No interior daquele estabelecimento JJ adquiriu ao arguido HH uma embalagem de heroína, com o peso líquido de 0,362 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 0,297 gramas, tendo-lhe pago, para esse efeito, a quantia de €10,00 (dez euros).
71.- Esta embalagem foi apreendida por Agentes da P.S.P., na posse de JJ, tendo contra este sido instaurado o respectivo procedimento contra-ordenacional.
72.- No dia 04 de Abril de 2017, pelas 10h00, o arguido CC chegou junto do Café "...", tendo permanecido nas suas imediações.
73.- Pelas 11h05, chegou a este local o arguido AA, fazendo-se transportar na sua viatura "Volkswagen Golf' de matrícula ...-XX.
74.- Após, parque ar a viatura, viu a arguida EE, que, entretanto, também ali chegara e,
75.- Acederam juntos ao interior do referido café.
76.- Pelas 11h15, chegou ao local o arguido HH, que se dirigiu para junto de uma paragem de autocarros ali existente.
77.- Nessa altura, o arguido AA, saltando um muro existente nas traseiras do estabelecimento comercial "O ---", acedeu à habitação sita no patamar superior da -- e
78.- A arguida EE procedeu à abertura do estabelecimento ao público,
79.- E os arguidos CC e HH entraram para o café.
80.- Cerca das 11h30, o arguido AA saiu do interior daquela habitação e arremessou uma bolsa, contendo várias embalagens de cor castanha, em direcção ao pátio sito nas traseiras do "--", onde a arguida EE se encontrava,
81.- Tendo esta recolhido a bolsa e regressado para o interior do café,
82.- Enquanto o arguido AA regressou ao interior da habitação.
83.- Pelas 11h35, o arguido CC colocou-se à porta do estabelecimento "--", efectuando sinais gestuais a indivíduos que aguardavam nas imediações, após o que estes entraram para o interior do café.
84.- Pelas 11h50, o arguido AA saiu do interior da habitação sita no Patamar Superior da -- e arremessou uma bolsa, contendo várias embalagens de cor castanha, para o pátio das traseiras do "--", em direcção à arguida EE, que a recolheu, regressando, logo após, para o interior do café.
85.- Este comportamento repetiu-se às 12h00, 12h15, 12h35, 12h40, tendo, nestas ocasiões, o arguido AA voltado a sair do interior da residência onde se encontrava, e arremessado bolsas idênticas, contendo várias embalagens de cor castanha, para a arguida EE, que após as recolher, regressou ao interior do café.
86.- Durante este espaço temporal, vários indivíduos deslocaram-se e entraram para o estabelecimento "--", onde permaneceram por breves minutos.
87.- Pelas 12h40, Agentes policiais, que se encontravam no local, a vigiar as movimentações dos arguidos, abordaram e revistaram LL, que saíra do interior do estabelecimento "O cantinho da Meia", onde adquirira embalagens de heroína ao arguido José, tendo encontrado na sua posse e apreendido:
- 9 embalagens de heroína, com o peso líquido de 2,851 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 2,772 gramas.
88.- Por estes factos, foi instaurado contra -- procedimento criminal no âmbito do inquérito nº 38/17.9SWLSB.
89.- Pelas 12h45, o arguido AA saiu, de novo, do interior da habitação, e arremessou mais uma bolsa contendo embalagens para o pátio das traseiras do café,
90.- Bolsa esta que foi, de imediato, recolhida pela arguida EE.
91.- Após, pelas 13h00, o arguido AA saiu da habitação, fechou a porta, chamou pela sua mãe, a arguida BB (que se encontrava na sua residência), entregou-lhe a chave da habitação e deslocou-se ao interior do estabelecimento "O...", saltando o muro existente nas traseiras.
92.- Na posse dessa chave, a arguida BB guardou-a/dissimulou-a junto da janela da habitação de onde saíra o arguido AA.
93.- Cerca das 13h05, o arguido AA apareceu à porta do estabelecimento "..." e, após ter estabelecido um breve diálogo com o arguido CC, deslocou-se, apeado, em direcção à sua viatura, que se encontrava parqueada na Rua ....
94.- Nessa altura, foi abordado e revistado por Agentes da P.S.P. que encontraram na sua posse e apreenderam:
- A quantia monetária de € 872,65 (oitocentos e setenta e dois euros e sessenta e cinco
cêntimos);
- Um (l) telemóvel de marca Landvo de cor dourada com IMEI1 ... e
IMEI2 ..., com cartão MEO e cartão de memoria;
- Uma (1) etiqueta da "MEO" referente ao nº 966091069;
- A viatura de marca "Volkswagen", modelo "Golf ", de cor preta, matrícula 12-62
XX, com respectiva chave e Documento Único.
95.- Após, os Agentes dirigiram-se ao interior do estabelecimento "...".
96.- Nessa altura, ao vê-los, o arguido CC gritou: "OLHA OS HOMENS!!!", pretendendo alertar os outros arguidos da presença de autoridades no local.
97.- Ao entrarem no estabelecimento, os Agentes viram o arguido HH com um canto de saco de plástico, contendo várias embalagens de cocaína e de heroína, na mão.
98.- Este, assim que viu os Agentes, de imediato arremessou o canto de saco de plástico para o solo, tendo o mesmo sido recolhido pelos Agentes.
99.- De seguida, o arguido DD foi revistado, tendo no decurso desta diligência sido encontrado e apreendido na sua posse:
- A quantia monetária de €45,00 (quarenta e cinco euros), fraccionados em 1 nota de 20€, 1 de 10€ e 3 de 5€;
- 4 (quatro) embalagens contendo cocaína (cloridrato), com peso líquido de 0,428 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 0,363 gramas;
- 3 (três) embalagens contendo heroína, com o peso de 0,849 gramas, tendo a amostra cofre o peso líquido de 0,753 gramas;
- 1 (um) telemóvel de marca "Sony", modelo "xperia", de cor preta, com respectiva bateria e cartão da operadora Optimus com o nº ....
100.- Na mesma altura, os Agentes revistaram o arguido CC, tendo encontrado na
sua posse e apreendido:
- A quantia monetária de €11,80 (onze euros e oitenta cêntimos);
- 1 (Um) telemóvel de marca "Alcatel", de cor preta, com o número de série POJC04BM7GX8081, com respectiva bateria e cartão "TMN" com o número ... e cartão de memória.
101.- De seguida, os Agentes revistaram a arguida EE, tendo encontrado na sua posse e apreendido:
- 1 (Um) telemóvel de marca "Samsung", modelo "Duos", de cor creme, com os IMEIs: ... e ..., com dois cartões de voz da operadoras "Moche", com o nº ... e operadora "Meche", com o nº ... e respectivo cartão de memória de 8Gb.
102.- Seguidamente, os Agentes da P.S.P. interceptaram a arguida BB, junto à entrada da sua residência, tendo encontrado na sua posse e apreendido:
- 1 (Uma) Chave que permite o acesso à residência utilizada pelo arguido AA, e de onde este saíra, pouco tempo antes, sita na Rua ..., porta sem número, em Lisboa.
103.- Após, os Agentes da P.S.P. deram cumprimento aos mandados de busca emitidos nos autos.
104.- No interior do referido imóvel sito na Rua ...,
porta sem número, em Lisboa foi encontrado e apreendido:
No quarto:
- I (um) telemóvel de marca "Nokia", modelo "63I0i", de cor cinza, com o IMEI nº
... e cartão MOCHE nº ... (sendo que no visor do mesmo estavam registadas 7 chamadas não atendidas).
- No interior do Roupeiro:
- 1 (uma) balança de precisão, de cor cinza, com vestígios de produto estupefaciente;
- 43 (quarenta e três) embalagens de Heroína;
- 12 (doze) embalagens de Cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,725 gramas,
tendo a amostra cofre o peso líquido de 1,614 gramas;
- Vários sacos de plástico, utilizados para embalar produto estupefaciente;
- Vários excedentes de sacos de plásticos, utilizados para embalar produto estupefaciente;
Escondido no interior das tomadas de electricidade:
- 3 (três) embalagens de heroína.
Na cozinha:
- Em cima da bancada:
- 1 (um) moinho de marca "Selecline", com vestígios de Produto Estupefaciente,
O peso total líquido das 46 embalagens de heroína apreendidas no interior desta
residência era de 359,14 gramas, tendo as respectivas amostras cofre o peso líquido total de 358,911 gramas.
105.-No interior do estabelecimento comercial “O Cantinho da Meia”, sito nos nºs ... da Rua ..., em Lisboa, foi encontrado e apreendido:
Em cima do balcão:
- A quantia monetária de €130,00 (cento e trinta euros) em notas do banco central euro notas de 5 euros);
No interior da caixa registadora:
- A quantia monetária de €109,60 (cento e nove euros e sessenta cêntimos) (fraccionado em 3 notas de 30 euros, 1 nota de 5 euros, 40 moedas de 1 euros, 34 moedas de 50 cêntimos, 65 moedas de 20 cêntimos e 46 moedas de 10 cêntimos);
(após foi solicitado à arguida EE que imprimisse o talão do montante total registado durante as horas em que o estabelecimento esteve em funcionamento no dia 04.04.2017, tendo-se verificado que era de €8,80 (oito euros e oitenta cêntimos).
106.- No interior da residência da arguida BB, sita na Rua ..., foi encontrado e apreendido:
- Um (1) telemóvel, de cor dourada, de marca "LANDVO", modelo "XM100", dual sim, com os IMEI'S ... (IMEI 1) e ... (IMEI 2), respectiva bateria e cartão "NOS" com o nº ...
107.- No interior da residência do arguido AA, sita na Rua ..., foi encontrada e apreendida:
- A quantia monetária de €551,00 (quinhentos e cinquenta e um euros).
108.- A cocaína e heroína apreendidas nas circunstâncias acima descritas, destinava-se à venda a terceiros, pelos arguidos, conforme supra descrito.
109.- As quantias monetárias apreendidas tinham sido obtidas com os proventos resultantes de transacções de cocaína e de heroína efectuadas.
110.- Os telemóveis e cartões telefónicos apreendidos eram usados pelos arguidos nos contactos necessários à comercialização dos referidos produtos e tinham sido adquiridos com proventos daí resultantes.
111.- Os arguidos destinavam a balança, os sacos de plástico e o moinho apreendidos à pesagem, acondicionamento/embalamento, e moagem dos produtos que comercializavam.
112.- A viatura apreendida era usada pelo arguido AA no transporte da cocaína e da heroína comercializada.
113.- Através da venda de cocaína e de heroína, os arguidos angariavam lucros que constituíam a sua única fonte de rendimentos, não lhes sendo conhecida qualquer actividade profissional.
114.- Todos os arguidos conheciam a natureza estupefaciente da cocaína e da heroína apreendidas.
115.- Todos os arguidos, que actuaram em colaboração mútua e em conjugação e concertação de esforços e vontades, sabiam que a aquisição, detenção e comercialização de produtos estupefacientes é criminalmente punida por lei.
116.- Agiram, assim, os arguidos de forma concertada, livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente punida por lei.
117.- Importa, ainda, referir que o arguido AA já foi condenado anteriormente pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, designadamente:
- No processo nº 45/00, que correu termos na 9ª Vara Criminal de Lisboa, tendo sido condenado na pena de 8 anos de prisão;
- No processo nº 107/08.6SWLSB, que correu termos na 3ª Vara Criminal de Lisboa, tendo sido condenado na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
118.- Também o arguido CC possui antecedentes criminais pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado:
- Na pena de 7 anos e 6 meses de prisão, no âmbito do processo nº l00/99, que correu termos na 3ª Vara Criminal de Lisboa;
- Na pena de 2 anos de prisão, no âmbito do processo nº 95/06.3SWLSB, que correu termos no 6° Juízo Criminal de Lisboa;
- Na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, no âmbito do processo nº 089/13.2SWLSB, que correu termos no 1º Juízo Criminal de Lisboa;
- Na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, no âmbito do processo nº 096/13.5SWLSB, que correu termos no 6° Juízo Criminal de Lisboa;
- Na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, por Acórdão cumulatório proferido no âmbito do processo nº 32/14.1SWLSB, por factos datados de 20.12.2012.
119.- Igualmente a arguida EE possui antecedentes criminais pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenada:
- Na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, no âmbito do processo nº 280/03.0TDLSB,
que correu termos na 4ª Vara Criminal de Lisboa;
- Na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, no âmbito do processo nº 282110.0PVLSB,
que correu termos na 4ª Vara Criminal de Lisboa,
Encontrando-se em liberdade condicional até ao dia 14.12.2017.
120.- Assim, os arguidos AA e EE já haviam sido julgados e condenados em penas de prisão efectiva pela prática de factos integrantes de ilícitos penais dolosos.
121.- No entanto tais condenações, as solenes advertências aí feitas e o cumprimento de pena de prisão efectiva não foram suficientes para obstar a que os arguidos AA e EE cometessem novos ilícitos penais dolosos.
122.- Também resulta dos factos descritos que os arguidos AA e EE revelam uma especial apetência para o crime, não se inserindo socialmente, voltando a delinquir depois de terem sido condenados, estando claramente, cada um, desenquadrado das regras de vivência em sociedade.
123.- Verifica-se que, entre os factos que determinaram a última condenação da arguida EE e aqueles pelos quais foi agora acusada não mediaram cinco anos.
124.- O arguido AA regista os seguintes antecedentes criminais:
a) Tribunal: Criminal de Lisboa, 1º Juízo – 2ª secção;
Processo: 723/94.1SQ;
Crime: Consumo de estupefacientes;
Pena: 30 dias de multa;
Factos: 28-06-94;
Decisão: 31-01-97;
Trânsito:.
b) Tribunal: 9ª Vara Criminal de Lisboa – 2ª Secção;
Processo: 45/00;
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 8 anos de prisão;
Factos: 02-1999;
Decisão: 30-10-2001;
Trânsito: 14-11-2001.
c) Tribunal: 3ª Vara Criminal de Lisboa;
Processo: 107/08.6SWLSB;
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 4 anos e 6 meses de prisão;
Factos: 01-05-2008;
Decisão: 28-06-2010;
Trânsito: 13-12-2010.
125.- O arguido CC regista os seguintes antecedentes criminais:
a) Tribunal: 3ª Vara Criminal de Lisboa;
Processo: 100/99;
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 7 anos e 6 meses de prisão;
Factos: ;
Decisão: 21-12-99;
Trânsito: 02-05-2000.
b) Tribunal: 6º Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção;
Processo: 95/06.3SWLSB;
Crime: tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
Pena: 2 anos de prisão efetiva;
Factos: 18-09-2006;
Decisão: 03-10-2007;
Trânsito: 23-10-2007.
c) Tribunal: J. L. P. C. de Lisboa – Juiz 5;
Processo: tráfico de estupefacientes;
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 2 anos e 2 meses de prisão suspensa;
Factos: 02-12-2013;
Decisão: 19-05-2014;
Trânsito: 17-12-2014.
d) Tribunal: J. L. C. de Lisboa – Juiz 3;
Processo: 96/13.5SWLSB;
Crime: tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
Pena: 3 anos de prisão, suspensa;
Factos: 20-12-2013;
Decisão: 13-02-2015;
Trânsito: 16-03-2015.
e) Tribunal: J. Central Criminal de Lisboa – Juiz 22;
Processo: 32/14.1SWLSB;
Crime: tráfico de estupefacientes de menor gravidade;
Pena: 2 anos e 8 meses de prisão, suspensa;
Factos: 08-04-2014;
Decisão: 07-12-2015;
Trânsito: 19-01-2016.
126.- A arguida EE regista os seguintes antecedentes criminais:
a) Tribunal: 4ª Vara Criminal de Lisboa;
Processo: 280/03.0TDLSB;
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 4 anos e 3 meses de prisão efetiva;
Factos: 12-01-2004;
Decisão: 18-07-2005;
Trânsito: 21-03-2006.
b) Tribunal: 6ª Vara Criminal de Lisboa;
Processo: 282/10.0PVLSB;
Crime: tráfico de estupefacientes;
Pena: 4 anos e 3 meses de prisão efetiva;
Factos: 23-04-2010;
Decisão: 06-06-2012;
Trânsito: 30-11-2012.
127.- O arguido AA foi condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes praticados em 01-05-2008, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
128.- Iniciou o cumprimento da pena em 27-04-2009;
129.- Foi-lhe concedida a liberdade condicional em 28-06-2013.
130.- A arguida EE foi condenada no Procº 282/10.0PVSB na pena de 4 anos e 6 meses de prisão.
131.- O termo da pena foi fixado em 14-12-2017, pelo que o seu início ocorreu em 14-06-2013.
132.- Neste processo foi-lhe concedida a liberdade condicional em 30-05¬2016, tendo estado detida 2 anos, 11 meses e 16 dias.
133.- A DGRSP elaborou relatório social ao arguido AA, tendo informado o seguinte:
a) Trata-se de um indivíduo cujo processo de socialização realizado em contexto social com características de marginalidade e criminalidade ligadas ao consumo e tráfico de estupefacientes pelo qual foi negativamente influenciado e que se constituiu como principal fator de desequilíbrios psicossociais que veio a revelar aos níveis das limitações das habilitações escolares e profissionais e essencialmente terá estado na base da assunção de condutas marginais e associais ligadas ao desenvolvimento de um comportamento aditivo a estupefacientes, posteriormente aparentemente controlado e ao tráfico de estupefacientes pelos quais foi condenado de forma reincidente, vindo a cumprir duas penas de prisão efetiva de prisão, que parecem não ter tido o desejado efeito.
b) Apesar de, durante este período, ter constituído duas relações maritais, em que na primeira veio a nascer o seu filho mais velho e na segunda veio a casar-se, as mesmas revelaram-se pouco estruturadas e responsáveis, não conseguindo alcançar uma estabilização de vida e autonomia pessoal e socioeconómica, sendo que o cumprimento das penas de prisão, terão contribuído diretamente para os défices e dificuldades que apresentou na estruturação das suas competências pessoais e organização da sua vida, no geral.
c) Após a saída da ultima reclusão em 2012, o arguido terá conseguido reestruturar a sua vida de forma mais estável ao nível pessoal, familiar e profissional, mantendo-se, aparentemente, abstémio dos consumos, constituindo agregado familiar próprio com a companheira e filha, vivendo o seu filho mais velho com os pais do arguido e explorando um café, atividade que complementava com outras, situação que lhe permitia apresentar uma condição socioeconómica mais autónoma e sustentável.
d) Em termos de reinserção social verificam-se factores de risco ao nível dos contactos que já manteve com a justiça, das falhas na forma como perceciona as causas das suas condutas criminais passadas e sempre ligadas ao tráfico de estupefacientes, que se revela de forma desculpabilizante, com externalização da culpa, do seu comportamento aditivo passado, que embora já aparentemente controlado necessitará de avaliação e acompanhamento clínico especializado e dos contextos sociais de características marginais e criminais, onde estabeleceu as suas amizades e diretamente ligadas às problemáticas comportamentais pelas quais o arguido teve os contactos com a justiça.
e) Apresenta como factores de protecção e facilitadores do seu processo de ressocialização os apoios investidos da atual companheira e enquadramento familiar, a motivação para manter o seu comportamento aditivo controlado, embora ainda não tenha realizado tratamento estruturado e a perceção da necessidade de afastamento do meios social de origem, a verbalização crítica que revela quanto aos comportamentos disfuncionais passados, bem como maior equilíbrio de vida aos seus mais variados níveis que apresentava à data da prisão.
f) Consideramos que será necessário, caso o arguido seja condenado no presente processo e para uma favorável e real mudança no plano pessoal, uma intervenção ao nível dos factores de risco acima mencionados por forma a que AA consiga modificar comportamentos e atitudes e obviar uma eventual reincidência dos seus comportamentos futuros socialmente menos adaptados.
134.- A DGRSP elaborou relatório social à arguida GG, tendo informado o seguinte:
a) Do processo de socialização de GG, salientam-se os seguintes fatores: o seu crescimento num agregado familiar aparentemente estruturado e, embora marcado por dificuldades económicas e inserido num meio social conotado com problemáticas de exclusão social, foi capaz de assegurar a subsistência dos seus elementos; a frequência escolar marcada por dificuldades de aprendizagem, a que se seguiu uma interrupção por iniciativa da própria, ingressando num curso de formação profissional de costureira, aos 14 anos de idade.
b) A arguida integrou precocemente o mercado de trabalho, porém, em menos de cinco anos de experiência profissional, decidiu interromper a atividade laboral por motivo de matrimónio, passando a dedicar-se às lidas domésticas, embora tenha continuado a desempenhar trabalhos de costura em casa, que ainda mantém na atualidade.
c) Saliente-se, ainda, um agregado familiar que reside num apartamento anexo a um local de suspeita conotação com condutas ilícitas, inserida num bairro conotado com o consumo e tráfico de estupefacientes. Acrescido a isso, o agregado familiar apresenta atualmente uma débil situação económica.
d) Face ao exposto, somos de parecer que, em caso de condenação, a arguida reúne condições para cumprir uma pena ou medida não privativa da liberdade, sem supervisão desta DGRSP.
135.- A DGRSP elaborou relatório social ao arguido CC, tendo informado o seguinte:
a) O processo de socialização de CC ficou cunhado pelo contacto prematuro com os estímulos pró-criminais presentes no meio habitacional e no seio familiar constituído, conjuntura que contribuiu para o seu envolvimento em práticas antissociais e cuja escalada resultou na intervenção penal do Sistema de Justiça, com o cumprimento de penas de prisão efetiva prolongadas, pela prática de crimes da mesma natureza aos que responde na atualidade.
b) O enquadramento vivencial do arguido não apresenta agentes de proteção sólidos que permitam fazer face aos fatores de risco de replicação criminal que patenteia, caso venha a ser condenado. Com efeito, para além da inserção num contexto socialmente estigmatizado devido à marginalidade (e.g. tráfico e consumo de substâncias estupefacientes), a sua resignação ante esta realidade e não procura de alternativas que possibilitem minimizar a exposição a estes contextos - não obstante as imposições judiciais -, reforçam o cenário de risco.
c) Ao supramencionado acresce o facto de o presente processo judicial emergir nunca fase em que o arguido está vinculado ao cumprimento de uma medida judicial de cariz probatório, o que reforça a ausência de responsividade e do impacto dissuasor das sanções que vem sendo alvo. Adicionalmente, o arguido continua sem uma ocupação laboral, estilo de vida ocioso facilitador do convívio com pares que adotam uma forma de estar congénere e promotor da manutenção de hábitos desviantes no seu quotidiano, nomeadamente o consumo de substâncias aditivas.
d) Face ao exposto, somos de parecer que, em caso de condenação, objetivamente, CC não reúne condições para cumprir uma pena ou medida não privativa da liberdade, sendo os factores de risco identificados carecentes de uma intervenção num meio contentor, de molde a trabalhar a gestão do risco de reprodução da atividade criminal.
136.- A DGRSP elaborou relatório social ao arguido HH, tendo informado o seguinte:
a) Do processo de socialização de HH, salientam-se fatores de desinserção social tais como ausência de supervisão adulta, carência económica vivenciada e desinvestimento emocional e afetivo da parte dos seus progenitores.
b) Do seu percurso escolar, denota-se uma trajetória marcada por absentismo e retenções, tendo interrompido os estudos aos 17 anos de idade. A adolescência é ainda marcada pela vulnerabilidade aos pares, tendo iniciado os consumos de produtos estupefacientes aos 16 anos de idade, mantendo esses consumos de forma regular, até meados do ano transato.
c) Como fatores de risco, evidenciamos a permeabilidade e vulnerabilidade relatada ao longo do seu percurso de desenvolvimento, sobretudo quando munido de recursos financeiros que o permitissem aceder aos produtos estupefacientes, adquirindo-os para consumo.
d) Como fatores proteção evidenciamos a adesão ao programa de desabituação com suspensão dos consumos de estupefacientes, o enquadramento laboral estruturado e a relação positiva com a sua filha adolescente.
e) Face ao exposto, somos de parecer que, em caso de condenação, o arguido reúne condições para cumprir uma pena ou medida não privativa da liberdade, com supervisão desta DGRSP, que incida sobre a manutenção do seu processo terapêutico, bem como na continuidade da sua inserção laboral.
137.- A DGRSP elaborou relatório social ao arguido EE, tendo informado o seguinte:
a) O processo de socialização de EE foi marcado por diminutos recursos académicos e pela proximidade com grupos de pares desviantes, os quais parecem ter influenciado o seu trajeto criminal.
b) Do mesmo modo, as condenações anteriores pela prática de crimes congéneres, parecem não se ter revelado agentes dissuasores para o alegado cometimento de idêntico ilícito criminal. Acresce ainda que o facto de o presente processo ter surgido no decurso da execução de uma medida na comunidade, o que se poderá revelar indiciador de fraca interiorização do desvalor da conduta, caso venha a ser condenada.
c) No contexto vivencial atual, o modo de vida da arguida parece pautar-se por motivações pró-sociais, assumindo uma postura diligente perante a manutenção de uma ocupação laboral estruturada e beneficia de apoio material e emocional prestado pelo irmão, os quais se poderão configurar potenciais agentes dissuasores face a comportamentos criminais futuros.
d) Não obstante EE se desvincular da matéria acusatória em apreço, consideramos que reúne condições para o cumprimento de uma pena ou medida de execução na comunidade, sendo nosso entender que beneficiaria com uma sanção de caráter probatório, com supervisão institucional.
e) Adicionalmente, somos de parecer que o afastamento de grupos de pares desviantes associados a estupefacientes, poder-se-á assumir como variável positiva na adoção continuada de um estilo de vida pró-social.
138.- A DGRSP elaborou relatório social ao arguido FF, tendo informado o seguinte:
a) A socialização de FF, ao que apuramos, processou-se num ambiente familiar socioeconómico modesto, tendo integrado precocemente o mercado de trabalho, e constituído família aos 23 anos de idade, apresentando enquadramento familiar e social, pese embora pautado por um período de consumo de canábis, e cumprimento efetivo de pena de prisão pelo crime de tráfico de estupefacientes.
b) No plano judicial, mediante informação do OPC rececionada nestes Serviços, não existem registos de contactos com a Justiça além das acusações que constam no processo em causa e o cumprimento de pena de prisão, ocorrida há mais de 17 anos.
c) Em caso de condenação, consideramos que o arguido dispõe de condições para cumprimento de uma medida de execução na comunidade, sem necessidade de supervisão por parte da DGRSP.


B. o direito:


1. recurso do arguido AA:

O arguido AA dando por assentes os pressupostos formais da reincidência, esgrime com a não verificação do pressuposto material.

Argumenta, em síntese, “não existir nexo necessário com a anterior condenação (não é bastante a mera natureza do ilícito), por forma a ser possível concluir que essa condenação não constituiu suficiente advertência (cls 13ª). Afirma, “por conseguinte, estarmos perante uma mera repetição do acto ilícito sem nexo causal (cls 14ª).


a) da reincidência:

“Agravante qualificativa” a denomina M. Maia Gonçalves[1]. “Circunstância modificativa comum que altera a medida abstracta da pena, agravando-a” segundo M. Leal Henriques e M. Simas Santos[2]. “Circunstância qualificativa comum” é como a define M. Cavaleiro de Ferreira[3]. Incluída nas “circunstâncias modificativas agravantes comuns” foi como a considerou A. Robalo Cordeiro[4]. Circunstância agravante comum ou geral é como a classifica J. Figueiredo Dias[5].

Na definição deste mestre “circunstâncias são, nesta aceção, pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo directamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objectivo ou subjectivo), nem ao tipo-de-culpa, nem mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam por isso directamente para a doutrina da determinação da pena[6]Verdadeiras circunstâncias, são hoje pois, apenas, face ao CP vigente, as circunstâncias modificativas[7]. E mais adiante afirma que a reincidência é um caso especial de determinação da pena, por contraposição as regras aplicáveis nos casos «normais»[8].

No regime do Código Penal eleva o limite mínimo da pena aplicável, mas sem que possa ultrapassar a pena mais grave aplicada nas condenações anteriores[9].

Em suma, circunstâncias agravantes da responsabilidade criminal, são factos adjacentes de carácter subjetivo ou objectivo que, concorrendo no cometimento de um crime doloso, podem incrementar a pena estabelecida no tipo de ilícito.

Regra geral[10], os sistemas jurídico-penais, designadamente os europeus, consagram a reincidência, fazendo-a funcionar como circunstância modificativa da pena (Itália, Bélgica e Áustria) ou como mera agravante (Finlândia, Dinamarca e Espanha), ainda que com diferenças significativas[11].

Expressão viva da ineficácia e falência da prevenção especial de reintegração; podendo também indiciar perigosidade do agente. A reincidência é a resposta politico-criminal adequada à reiteração no cometimento de crimes conexos ppelo mesmo arguido. A elevação da pena obedece à necessidade politico-criminal de responder em maior medida perante um crime no qual se verificam condições que o tornam merecedor de maior censura, e que reclamam reforço da prevenção especial.

Regra geral, o desprezo e rebeldia do reincidente aos comandos do ordenamento jurídico-criminal, se não radicar na sua perigosidade (normalmente pouco sensível à condenação), evidencia que a pena efectiva pelo anterior crime não produziu o efeito preventivo especial esperado.

De certo modo, assim se deixa subentendido na Introdução ao Código Penal de 1982, quando se afirma que “é, na verdade, da conjugação do papel interveniente das instâncias auxiliares da execução das penas privativas de liberdade e do responsável e autónomo empenhamento do delinquente que se poderão encontrar os meios mais adequados a evitar a reincidência”.

Apresentam-se diversas justificações para a elevação da pena em razão do funcionamento desta agravante (no nosso regime aplicável a qualquer crime doloso).

A doutrina e a jurisprudência justificam a punição agravada do reincidente radicando-a numa culpa mais elevada “consubstanciada numa atitude pessoal de desconsideração pela solene advertência contida na condenação anterior; e se revele assim uma mais grave traição da tarefa existencial de conformação da personalidade do agente com o tipo de personalidade suposta pela ordem jurídica[12] ou, por outras palavras, “assenta, essencialmente, num maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir em praticar o mal, em desrespeitar a ordem jurídica[13]

Reconhecendo, uma e a outra, que a reiteração pode indiciar também “maior perigosidade e, logo por a partir daí, fazer-se sentir exigências acrescidas de prevenção”, “ou seja, o perigo revelado, face à persistência em delinquir, de voltar a cometer outros crimes”.

Segundo J. Figueiredo Dias, no Código Penal seguiu-se “a tradição do nosso direito de fazer avultar na reincidência a vertente da culpa agravada do agente, só de forma mediata podendo entrar em linha de conta com a sua perigosidade eventualmente aumenta[14].

Todavia, no Ac. n.º 8/2014[15] do Tribunal Constitucional sustenta-se: “O artigo 75.º do Código Penal enuncia os pressupostos de que depende a punição como reincidente, assumindo-se como nuclear, na caracterização jurídico-penal desse fundamento de agravação da responsabilidade criminal, o facto de o agente, desrespeitando a advertência contra o crime contida em condenação anterior (em pena de prisão efetiva superior a 6 meses pela prática de crime doloso), praticar novo crime (igualmente doloso e que também deva ser punido com prisão efetiva superior a 6 meses). Por isso, o que determina a punição agravada é a existência de uma demonstrada conexão material entre o crime desse modo punido e a condenação anterior, apenas se justificando essa punição agravada quando a prática do crime revele ou encerre uma censurável desatenção, desrespeito ou desconsideração pela advertência contida na condenação anterior (culpa agravada), ficando, pois, claro, que esta não logrou realizar os fins de prevenção especial que pretendia atingir.

(…) o que justifica a punição agravada do crime cometido após uma condenação transitada, e apesar dela, é o desrespeito para com a advertência contida nessa condenação prévia, que se evidencia quando o crime seguinte é cometido num momento (antes de decorridos cincos desde a prática do crime anterior) em que era de supor que uma tal advertência ainda produzisse efeitos inibidores”.

A agravação da reincidência justifica-se pela manifesta ineficácia preventiva que a condenação penal transitada teve em relação ao agente.

A dogmática doutrinária referida influiu decisivamente no recorte normativo da reincidência, operado em 1995, de que, entre outras alterações, sobressai a substituição da palavra “prevenção” por “advertência”, consagrando-se assim a doutrina sustentada pelo mestre penalista citado[16] (que presidiu à Comissão criada para rever o Código Penal de 1982).

Alteração que, no entanto, deve compatibilizar-se com os fins das penas, designadamente com o realinhamento resultante do mesmo diploma (DL n.º 48/95), no qual se justifica: “a inovação constante do artigo 40.º ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», “sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa”.

Na mesma linha, o artigo 43.º sublinha que a execução da pena de prisão, servindo a defesa da sociedade e prevenindo a prática de crimes, deve orientar-se no sentido de reintegração social do recluso, preparando-o para conduzir a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes[17].

Independentemente da posição dogmática sobre a natureza, fundamentos e razão de ser da reincidência, não pode ignorar-se que a pena (ou penas) efectiva, anteriormente imposta ao agente não produziu os efeitos esperados, ao nível da protecção dos bens jurídicos, mas também e sobretudo quanto à prevenção especial ou de reabilitação do arguido para o capacitar no dever de respeito pelos direitos fundamentais da vivência em sociedade.

Como toda e qualquer sanção criminal, a pena judicial aplicada ao reincidente não pode deixar de ser primariamente informada pela finalidade de tutelar os bens jurídicos violados, reafirmando e estabilizando a percepção comunitária da sua vigência e da validade ético-jurídica, e assim repondo e garantindo a paz jurídica dos cidadãos.

Por opção de política criminal, o Código Penal consagrou, - de modo evidente após a reforma de 1995 -, o entendimento segundo o qual é agravada a culpa do arguido que, tendo sido anteriormente condenando em pena de prisão, reincide na prática de crime doloso (de qualquer natureza), verificados os demais pressupostos da reincidência. Insistindo na sua referência ao facto (e num «direito penal da culpa»), entende-se que a agravação da culpa resulta do desrespeito pela solene advertência contida na condenação anterior. Ainda que se termine justificando “que esta culpa agravada implique sempre a aceitação, como diria Bockelmann, de «um pedaço de culpa na condução da vida», é coisa que nada tem de raro na dogmática jurídico-criminal, nem põe em causa (…) o dogma da culpa referida ao facto[18].

Nem podia ser de outro modo. O Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 95/2001[19], considerou que “o princípio da culpa, enquanto princípio conformador do direito penal de um Estado de Direito, proíbe – já se disse – que se aplique pena sem culpa e, bem assim, que a medida da pena ultrapasse a da culpa. Trata‑se de um princípio que emana da Constituição”. “Sendo a culpa não apenas princípio fundante da pena, mas também o seu limite, é em função dela (e obviamente também, das exigências de prevenção) que, em cada caso, se há-de encontrar a medida concreta da pena, situada entre o mínimo e o máximo previsto na lei para aquele tipo de comportamento”.

Consagrando a Constituição da República, sem dúvida, o princípio da culpa como princípio estrutural básico do direito penal, no seria constitucionalmente legítimo um direito penal «de autor» que determinasse as penas em função da personalidade do arguido e não segundo a culpa deste pelo cometimento dos factos.

Recusando que a punição da reincidência seja informada, predominantemente, por finalidades de prevenção especial, no entanto, concede-se proeminência à «culpa na condução da vida» como justificante do aumento da medida da culpa e somente por esta razão, do agravamento da punição do facto.

Centrar a culpa na personalidade, ainda que não seja já a culpa na formação desta, mas culpa pela condução da vida, parece encerrar alguma antinomia com a culpa pelo facto. A decisão consciente do agente pela recidiva na realização do facto ilícito doloso (somente este interessa à reincidência criminal) não é, por certo (a não ser que se trate de um jurista dotado), gradativamente diferente em função da posterior declaração (ou não) da reincidência. Interpretação fortemente reforçada desde logo pelo não funcionamento automático desta, ainda que estejam verificados os pressupostos formais. Mas também agasalhada pela convicção, que o agente normalmente acalenta de que não resulte preenchido, ou de que não seja declarada a verificação do pressuposto substancial.

Aceitando-se, sem dúvida, um reforçado juízo de censura ético-jurídica, isto é, de uma culpa materialmente agrava sempre que o agente do tipo de ilícito doloso tem uma recaída, assim se elevando a medida da culpa pelo facto (culpa que limita a medida da pena), a agravação da punição pelo funcionamento da reincidência tem também finalidade preventiva especial. Não por quaisquer razões dogmáticas diversas daquelas que o nosso legislador verteu em forma de lei, mas em razão da insuperável operatividade da conceção que também adotou sobre os fins das penas. A medida da pena na reincidência visa necessariamente a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, e claro está, em caso algum pode ultrapassar a medida da culpa – art. 40º n.º 1 n.º 2 do Cód. Penal.

Também aqui a necessidade, proporcionalidade e adequação são os princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável ao agente que recaiu na violação de um bem jurídico fundamental e, por via disso, deva ser sancionado como reincidente.

O Tribunal está vinculado aos critérios e regras estabelecidos pelo legislador, e é com estes que tem de operar, tanto na verificação e declaração da reincidência, como também na dosimetria da pena concreta.


b) pressupostos:

Os pressupostos da reincidência estão estabelecidos no art. 75º n.ºs 1 e 2 do Código Penal, dispondo:
1 - É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão efectiva superior a 6 meses, depois de ter sido condenado por sentença transitada em julgado em pena de prisão efectiva superior a 6 meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de 5 anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade.

i. formais:
São, assim, pressupostos ditos formais:
- a prática de um crime doloso, sob qualquer forma de participação:
- que deva ser punido com pena de prisão efectiva superior a 6 meses;
- o agente tenha sido anteriormente condenado, por decisão transitada em julgado, também em pena de prisão efectiva superior a 6 meses, por outro crime doloso;
- entre a prática dos referidos crimes não tenham decorrido mais de 5 anos, prazo que se suspende durante o tempo em que o arguido tenha estado privado da liberdade, em cumprimento de medida de coacção, de pena ou de medida de segurança.
*
O recorrente AA não só questiona como até admite que a sua conduta preenche os pressupostos referidos.
Todavia, não é bastante a concorrência no caso dos elementos objectivos da reincidência. Não funcionando esta automaticamente, impõe-se avançar para a apreciação, no caso, do pressuposto substancial.
*
          ii. substancial:
É pressuposto dito material da reincidência que:
- de acordo com as circunstâncias do caso, o agente seja de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime.
Do referido anteriormente resulta, na conceção adotada no Código Penal que, para poder funcionar a agravante qualificativa da reincidência em qualquer caso concreto, exige-se (ademais dos pressupostos formais) que a recidiva do agente demande um juízo de censura agravado relativamente aquele que seria o juízo de censura do mesmo crime se não se fosse sucessivamente reiterado.
Como se aludiu, a maior censura do crime reiterado, reside no desrespeito ou desatenção do agente pela advertência contra o crime doloso que deveria ter representado a sua anterior condenação em pena de prisão efectiva em medida superior a 6 meses.
Maior censura que, nos termos no Cód. Penal, fundamenta a elevação do limiar mínimo da moldura penal do crime cometido.

E, como também se mencionou, a recidiva no crime evidencia que a pena ou penas de prisão anteriormente aplicadas não produziram os efeitos preventivos especiais esperados.

Trata-se, como se disse, de responder com maior medida da pena a crime cometido reiteradamente pelo agente, quando na sua prática concorrem as circunstâncias elencadas na lei –art. 75º do CP.

Sendo essa medida agravada a que o legislador elegeu para responder satisfatoriamente à repetição de condutas similares ou à reiteração no cometimento de crimes por parte do mesmo arguido.

Como salienta J. Figueiredo Dias, “só relativamente a crimes que tenham sido previstos e queridos pelo agente e se fundamentem numa atitude pessoal contrária ou indiferente às normas jurídico-penais ganha sentido o pressuposto material da reincidência da não motivação do agente pela advertência contida na condenação ou condenações anteriores[20].
Acrescentando “o critério essencial da censura ao agente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores (…) exige de todo o modo, atentas as circunstâncias do caso, uma íntima conexão entre os crimes reiterados, que deva considerar-se relevante do ponto de vista daquela censura e da consequente culpa[21].
Conexão existirá entre crimes que violam o mesmo bem jurídico, mas também e em princípio entre crimes da mesma natureza, a não ser que se interrompa por circunstâncias especiais[22].
Situações podem dar-se em que a recidiva no crime pode resultar de causas meramente fortuitas ou exclusivamente exógenas, caso em que não existe fundamento para a agravação da pena, por não poder afirmar-se uma maior culpa referida ao facto. Quando assim sucede não se está perante um verdadeiro reincidente, antes face a um simples multiocasional[23].
A jurisprudência deste Supremo Tribunal tem ido no sentido de afirmar a conexão quando se está perante crimes que protegem o mesmo bem jurídico e, especialmente, nos crimes de tráfico de estupefacientes.
Nesta linha jurisprudencial, sustenta-se no Ac. de 29-02-2012 deste Supremo Tribunal: “estando em causa uma reincidência homogénea, ou específica, é lógico o funcionamento da prova por presunção em que a premissa maior é a condenação anterior e a premissa menor a prática de novo crime do mesmo tipo do anteriormente praticado (tráfico de estupefacientes): se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e agora volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que foi indiferente ao sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir.
IV. Na verdade, se o que se pretende são provas que permitam fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido, então é particularmente legítimo o apelo a uma regra de experiência comum que nos diz que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes do mesmo tipo. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo.

Também assim se sustenta no Ac. de 18-02-2016, deste Supremo Tribunal[24]: “se o arguido foi condenado anteriormente por crimes do mesmo tipo e volta a delinquir pela mesma prática é liminar a inferência de que lhe foi indiferente o sinal transmitido, não o inibindo de renovar o seu propósito de delinquir. Se em relação a uma criminalidade heterogénea ainda se pode afirmar a possibilidade de uma descontinuidade, ou fragmentação do sinal consubstanciado na decisão anterior, pois que o contexto em que foi produzida pode ser substancialmente distinto, provocando a falência das premissas para o funcionamento da presunção, não se vislumbra onde é que a mesma afirmação se possa produzir perante crimes do mesmo tipo. Pelo que, não existem dúvidas de que no caso se verifica a reincidência como qualificativa da pena a aplicar aos arguidos.

Na mesma linha sustenta-se no Ac. de 28/11/2017 deste Supremo (já citado): “a censura do delinquente por não ter atendido a admonição contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores pressupõe e implica uma íntima conexão entre os crimes reiterados, conexão que poderá, em princípio, afirmar-se relativamente a factos de natureza análoga (…).o juízo necessário quanto à verificação deste pressuposto material da reincidência é distinto, consoante estejamos perante reincidência homótropa ou própria ou reincidência polítropa ou imprópria.
 Com efeito, e como se consignou no Ac. do STJ de 09-06-2004, Proc. n.º 1128/04 - 3.ª, na reincidência específica ou homótropa a verificação da ausência de efeitos positivos de anterior condenação surge, em regra, deduzida in re ipsa, sem necessidade de integração através de verificações adjacentes ou complementares: in re, porém, não como uma qualquer decorrência automática, apenas no sentido em que a relação entre a condenação anterior e a prática posterior de um mesmo crime, em condições semelhantes (como é o tráfico de estupefacientes), e logo durante o período de liberdade condicional, revela suficientemente, em tal relação, que a condenação anterior não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, isto é, que prevenisse a reincidência”.
É, pois, uniforme a jurisprudência deste Tribunal no sentido de afirmar a conexão entre os crimes anterior e reiterado quando o bem jurídico violado é o mesmo e, designadamente nos crimes de tráfico de estupefacientes.
c) censura agravada:

Dos factos provados resulta que o arguido AA já tinha sido anteriormente condenado em pena de prisão efetiva, com trânsito em julgado, pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes, respetivamente:

- no proc. nº 45/00, da 9ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão de 30-10-2001, transitada em julgado em 14-11-200, na pena de 8 anos de prisão, por crime cometido em 02-1999; e

- no proc. nº 107/08.6SWLSB, da 3ª Vara Criminal de Lisboa, por decisão de 28-06-2010, transitada em julgado em 13-12-2010, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, por crime cometido em 01-05-2008.

Iniciou o cumprimento desta última pena (4 anos e 6 meses de prisão) em 27-04-2009;
Foi-lhe concedida a liberdade condicional em 28-06-2013.
O crime de tráfico de estupefacientes pelo qual foi condenado nos presentes autos iniciou-se em 2 de fevereiro de 2017 e o último facto criminoso aconteceu em 4 de abril de 2017 (e não em 4/4/2018 como consta erradamente do acórdão da 1ª instância, na folha 45).
Ou seja, reincidiu no tráfico de estupefacientes antes de se completarem 5 anos sobre a data em que foi restituído à liberdade.
Como o arguido concorda e se disse, no caso estão preenchidos todos os pressupostos formais da reincidência.
Quanto ao pressuposto de ordem material, motiva-se no acórdão recorrido:
Relativamente a esta matéria, encontramos nos factos provados os pontos 124, 127, 128, 129 e 133 a) a f) que relevantemente nos levam a concluir da personalidade de “alto” risco de continuação da actividade delituosa por parte deste arguido, ou seja, forçoso é concluir que o crime da actual condenação foi praticado há menos de cinco anos relativamente à anterior condenação do arguido por crime da mesma natureza, indicando que as anteriores condenações (conta ainda mais uma anterior à penúltima também por crime de tráfico de estupefacientes- ponto 124 da matéria fixada no acórdão) não foram advertência suficiente para o afastar da prática do crime”.
“Note-se que para concluirmos desta forma não houve necessidade de qualquer alteração factual; a matéria de facto naturalisticamente considerada é exactamente a mesma que constava da acusação, do despacho que a recebeu, do próprio acórdão do Colectivo e da motivação do recurso (devidamente notificada e conhecida do arguido), que, nos factos provados fixou tal matéria, e, apenas na apreciação do direito incorreu em erro manifesto na data que aceitou como ocorrência da prática dos factos constitutivos da conduta criminosa do arguido AA Barata Alves”.
Salienta J. Figueiredo Diasdecisiva será, em todas as situações, a resposta que o juiz encontre para a questão de saber se ao agente deve censurar-se o não se ter deixado motivar pela advertência contra o crime resultante da condenação ou condenações anteriores[25].
*
No caso, os factos provados, incluindo a história criminal recente do arguido, e também os que constam do relatório social reproduzido no acórdão condenatório, compravam, por um lado a conexão inegável entre as condenações anteriores em pena de prisão efectiva (que cumpriu), e a prática posterior de igual crime (tráfico de estupefacientes), e pelo outro lado demonstram que os crimes foram cometidos em condições semelhantes. Circunstancialismo que revela suficientemente que a condenação anterior em pena de prisão efectiva (que o arguido cumpriu) não teve o efeito de advertência contra a prática de novo crime, ofensivo do mesmo bem jurídico-penalmente tutelado, isto é, que admonição penal anterior falhou na finalidade de prevenir a reincidência do arguido no tráfico de estupefacientes.
Evidentemente que o recorrente sempre haverá de argumentar que assim não é, que cometeu mais este crime por mero acaso (que é um agente multiocasional no cometimento, - só por coincidência em série - de crimes de tráfico de estupefacientes), que a recidiva não é reveladora de acentuada tendência para a prática deste tipo de crime, mesmo estando já muito próximo de poder vir a ser condenado numa pena relativamente indeterminada. Todavia, certo é que em face de uma actuação duplicada (triplicada) na prática do mesmo tipo de crime por agente empenhado no tráfico de estupefacientes, nenhuns dados de facto fortuitos ou circunstâncias exógenas concretas e demonstradas se apresentaram que possam interromper a conexão entre os crimes que cometeu. Está, pois, fora de questão poder falar-se aqui de multiocasionalidade. Aliás, como se citou, a jurisprudência deste Supremo é firmemente no sentido de que “se o que se pretende são provas que permitam fundamentar a convicção de que a condenação anterior não teve qualquer relevância na determinação posterior do arguido, então é perfeitamente legitimo o apelo a uma regra de experiência comum que nos diz que a condenação anterior não produziu qualquer inflexão na opção pela prática de crimes do mesmo tipo”.
Afirmando a validade e admissibilidade da prova indiciária ou prova por evidência acrescenta-se que dos factos provados, extraídos do relatório social, consta que o arguido enveredou pela prática de crimes de “tráfico de estupefacientes pelos quais foi condenado de forma reincidente, vindo a cumprir duas penas de prisão efetiva, que parecem não ter tido o desejado efeito”.
Consta também quanto à reintegração do arguido: “verificam-se factores de risco ao nível dos contactos que já manteve com a justiça, falhas na forma como perceciona as causas das suas condutas criminais passadas e sempre ligadas ao tráfico de estupefacientes, que se revela de forma desculpabilizante, com externalização da culpa”.
E termina apontando a necessidade “de real mudança no plano pessoal” do arguido, de maneira a “modificar comportamentos e atitudes e obviar uma eventual reincidência dos seus comportamentos futuros socialmente menos adaptados”.
Factos provados (materiais e do relatório social) demonstrativos de que o crime cometido pelo arguido, e que aqui está em apreciação, foi levado a cabo em circunstâncias que revelam desrespeito pela admonição que deveria ter representado a anterior (as anteriores) condenação(ões) em pena efectiva de prisão e que deveria ter sido suficiente para que não insistisse, em tão curto espaço de tempo, na prática do crime de tráfico de estupefacientes.
É, pois, este crime merecedor de maior censura, em razão do maior grau de culpa, decorrente da circunstância de, apesar de já ter sido condenado, insistir na violação do mesmo bem jurídico-criminalmente tutelado.
E as necessidades de prevenção especial também reclamam esposta com maior intensidade.
Não restam, pois dúvidas de que o arguido é reincidente no crime de tráfico pelo qual foi condenado nestes autos.
A pretensão do recorrente é infundada, desmentida como está pelos factos assentes, não tendo suporte jurídico-penal.
Improcede, por isso, o seu recurso, nesta parte.

d) medida da pena:

Insurge-se o recorrente AA contra a pena de 8 anos de prisão, entendendo que “a agravação por reincidência não deve ser superior a um ano de prisão”, medida que considera corresponder à culpa agravada.

Alega que a sua actividade de “tráfico de estupefacientes [está] na base da pirâmide, conexo intimamente com a venda directa a consumidores, em pequenas doses (não superior a €10,00) a partir de um estabelecimento de restauração sito” em Lisboa.

Defendendo a adequação da pena da “primeira instância (…) a essa mesma dimensão do tráfico”, devendo reservar-se a “severidade para formas mais organizadas e de maiores quantidades de droga traficada”, focando-se “nos diversos graus de culpa em cada plataforma da chamada pirâmide do tráfico”.

Pugna por que se fixe em medida “não superior a 6 anos de prisão” (cls. 43).

i.  determinação da pena a reincidente:

Regendo sobre os efeitos desta circunstância agravante modificativa, dispõe o art. 76.º n.º 1 do Cód. Penal: “Em caso de reincidência, o limite mínimo da pena aplicável ao crime é elevado de um terço e o limite máximo permanece inalterado. A agravação não pode exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores”.
De acordo com a doutrina[26] e a jurisprudência[27], estabeleceu-se um procedimento especial para determinação da moldura penal, e para a dosimetria da pena concreta quando, no crime reiterado concorre aquela agravante modificativa.

Sustenta-se no Ac. de 4-06-2008[28] deste Supremo Tribunal:

“VI. - Na concretização da medida da pena do reincidente o tribunal deve proceder às seguintes operações:

- em primeiro lugar, determina a pena que concretamente deveria caber ao agente se ele não fosse reincidente, seguindo o procedimento normal de determinação da pena. O fundamento de tal actividade reside em duas ordens de razões: para assim apurar se se verifica um dos pressupostos formais da reincidência, qual seja o de o crime reiterado ser punido com prisão efectiva, e para tornar possível a última operação, imposta pela 2.ª parte do art. 76.º, n.º 1, do CP;

- em seguida, desenha a moldura penal da reincidência: esta terá o limite máximo previsto pela lei para o respectivo tipo de crime e o limite mínimo legalmente previsto para o tipo, elevado de um terço;

- por último, compara a medida da pena a que chegou sem entrar em conta com a reincidência com aquela que encontrou dentro da moldura da reincidência. O fundamento de tal operação reside no disposto na 2.ª parte do art. 77.°, n.º 1, do CP: a agravação determinada pela reincidência não poderá exceder a medida da pena mais grave aplicada nas condenações anteriores – a justificação de uma tal doutrina deriva do intuito de evitar que uma condenação anterior numa pena pequena possa, por efeito da reincidência, agravar desproporcionadamente a medida da pena.

VII - A operação de determinação da medida da pena dentro da moldura penal da reincidência pode suscitar algumas dúvidas e reservas sob o ponto de vista do princípio da proibição da dupla valoração. Os factos anteriores constituem pressupostos formais de aplicação da moldura penal agravada, pelo que não podem ser de novo valorados em sede de medida da pena da reincidência. O mesmo se diria do pressuposto material do desrespeito pela advertência contida na condenação ou condenações anteriores. Mas importa não esquecer que o princípio da proibição de dupla valoração não impede que se valore, para efeito de medida da pena, o grau de intensidade da realização de um elemento ou de violação de um dever determinante da aplicação da moldura penal.

No mesmo sentido sustenta-se no recente Ac. de 10-10-2018, deste Supremo Tribunal: “Em face desta redação legal ― e considerando ainda o teor do artigo 75.º, n.º 1 na parte em que diz que o agente terá de ser punido com pena de prisão efetiva superior a 6 meses ― são quatro as operações de determinação da pena da reincidência (segue-se Jorge de Figueiredo Dias, As consequências cit., págs. 269 a 275; Maria João Antunes, Consequências cit., 2013, págs. 52 a 54):

1.ª, determinação da medida da pena independentemente da reincidência;

 2.ª, determinação da moldura penal da reincidência;

3.ª, determinação da medida concreta da pena na moldura penal da reincidência; e

4.ª, limitar a pena da reincidência à pena mais grave aplicada na condenação ou condenações anteriores.

ii. a pena aplicada:

Vejamos como procedeu o acórdão recorrido, para fixar a medida da pena judicial.

Motivou do modo seguinte:
“Podendo este Tribunal decidir sobre a aplicação da pena a aplicar ao arguido AA, como reincidente da prática do crime de tráfico de estupefacientes, passamos a ponderar a respectiva medida da mesma.
Como se refere no acórdão recorrido: os arguidos, pelo menos durante cerca de 2 meses, transformaram o local onde se processava o tráfico de estupefacientes num verdadeiro supermercado, conhecido dos consumidores e, por isso, potenciador da disseminação do vício.
Com especial ilicitude quanto ao arguido AA porque o motor da atuação de todos os restantes arguidos.
Este arguido regista antecedentes criminais na área do tráfico e estupefacientes o que o desfavorece.
O desinvestimento na exploração de um estabelecimento comercial de café eleva a sua culpa uma vez que poderia desenvolver esta atividade comercial para ganhar a vida e optou, ao invés, por fazê-lo através da venda de estupefacientes, o que também o desfavorece.
A quantidade de estupefaciente apreendia na chamada “casa de recuo”, 358,911 gramas de heroína é muito expressiva, o que agrava a ilicitude da sua conduta.
Por outro lado, o arguido AA denota uma personalidade de risco, socialmente desintegrado, como é patente na matéria fixada acima e relatada no seu relatório social (ponto 133 a) a f), não lhe tendo servido de advertência a anterior condenação em pena de prisão efectiva. Portanto, para além da relevante ilicitude e grau de culpa, também as exigências da prevenção geral e especial apontam para uma pena adequadamente grave. Assim, considerando a pena abstracta cominada para o crime da condenação – 4 a 12 anos de prisão, com a agravação prevista nos artigos 75 e 76 do C.Penal que eleva o limite mínimo em 1/3, temos por adequada a pena de prisão de 8 anos para a prática do crime de tráfico que o arguido/reincidente AA praticou”.

Tendo-se remetido a uma fundamentação escassamente linear, e muito genericamente, consegue-se alcançar que deu por cumprida a primeira daquelas operações, isto é, a determinação da pena como se não tivesse havido reincidência, com a pena concreta aplicada na decisão da 1ª instância: -5 anos de prisão (também parece ter sido essa a perceção do recorrente quando, no pedido, a esta pena adiciona 1 ano pela reincidência).

Quanto à segunda operação refere-se, secamente, a moldura penal do crime e a elevação em um terço do limiar mínimo em razão da reincidência. Consegue assim perceber que a moldura do crime de tráfico de estupefacientes com reincidência é de prisão de 5 anos e 4 meses a 12 anos.

A terceira operação está justificada, completando-se com a transcrição da motivação da decisão da 1ª instância e referências aos factores normativos que orientam o juiz na determinação da pena judicial.

Relativamente à quarta operação isto é, se a pena respeita o limite máximo da agravação estabelecido na 2ª parte do n.º 1 do art. 76º do Cód. Penal, ainda que nada ali se refira, é evidente que a pena aplicada fica aquém do máximo da agravação que seria legalmente permitida. Máximo que é de 9 anos e 6 meses de prisão (5 anos [pena sem a reincidência]+4 anos e 6 meses [condenação anterior]).

Consequentemente, a pena de prisão com a agravação resultante da reincidência, imposta ao recorrente no acórdão recorrido, não viola o procedimento legalmente estabelecido, situando-se dentro dos limites impostos pelo art. 76º n.º1 do Cód. Penal.

*

Em consonância com o que acima se referiu, importa apreciar se a pena de 8 anos de prisão se revela proporcional e adequada às finalidades que o legislador quis assacar às penas criminais.

Resumidamente, argumenta o recorrente ser pequena a quantidade de estupefaciente que foi apreendida, a sua actividade de tráfico era pouco mais que rudimentar, situando-se praticamente na base da pirâmide e que, por isso, a pena em que foi condenado é excessiva, apontando para 6 anos de prisão.

No acórdão recorrido motiva-se a dosimetria da pena judicial imposta ao recorrente AA, aduzindo os fundamentos seguintes:
“Neste caso, as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, uma vez que os arguidos, pelo menos durante cerca de 2 meses, transformaram o local onde se processava o tráfico de estupefacientes num verdadeiro supermercado, conhecido dos consumidores e, por isso, potenciador da disseminação do vício.
(…) Com especial ilicitude quanto ao arguido AA porque o motor da atuação de todos os restantes arguidos.
Este arguido regista antecedentes criminais na área do tráfico e estupefacientes o que o desfavorece.
O desinvestimento na exploração de um estabelecimento comercial de café eleva a sua culpa uma vez que poderia desenvolver esta atividade comercial para ganhar a vida e optou, ao invés, por fazê-lo através da venda de estupefacientes, o que também o desfavorece.
A quantidade de estupefaciente apreendia na chamada “casa de recuo”, 358,911 gramas de heroína é muito expressiva, o que agrava a ilicitude da sua conduta.
*
Dos factos provados, incluindo aqueles que respeitam ao passado criminal do arguido, e os aportados pelo relatório social, bem como da motivação da decisão da matéria factual, extrai-se que o arguido traficou heroína e cocaína diariamente, das 9h às 15h, durante «pelo menos» dois meses (de 2 de fevereiro a 4 de abril), para o efeito rodeando-se de colaboradores (os restantes co-arguidos), aos quais incumbia tarefas diversas. Supervisionava e coordenava a actividade levada a cabo pelos outros suspeitos, como também se encarregava da preparação, do embalamento e do acondicionamento das doses individuais de heroína e de cocaína.

Através da venda de cocaína e de heroína, angariava “lucros que constituíam a sua única fonte de rendimentos, não lhes sendo conhecida qualquer actividade profissional”.

Assim, a ilicitude assume densidade, expressa numa actividade com uma organização, com o objectivo de tráfico de drogas da qual o arguido era o vértice, assumindo a liderança de um grupo de pessoas que, diariamente, baseada num estabelecimento de restauração, vendia heroína e cocaína a um número expressivo de compradores e consumidores.

Além da anterior condenação por crime de tráfico e que fundamentou a reincidência, já anteriormente a essa tinha sido condenado também por crime de tráfico e igualmente (como agora) na pena de 8 anos de prisão.

O arguido, confrontado com a acusação e as provas apresentadas, incluindo fotogramas, negou os factos, afirmando que “não estava nesta vida do tráfico”.

São muito elevadas as necessidades de prevenção especial, apresentando o arguido “falhas na forma como perceciona as causas das suas condutas criminais passadas e sempre ligadas ao tráfico de estupefacientes, que se revela de forma desculpabilizante, com externalização culpa”.

Não dá sinais de querer seriamente “modificar comportamentos e atitudes e obviar uma eventual recidiva em comportamentos futuros socialmente menos adaptados, apartando-se do tráfico de drogas e de factores de risco”.

O bem jurídico fundamental tutelado pela incriminação do tráfico de estupefacientes - a saúde física e mental dos consumidores - demanda penas que sejam suficientes para reafirmar a validade comunitária daquela tutela e a eficiência da protecção conferida e, quando violados, que sejam capazes de restabelecer a paz social e jurídica dos cidadãos.

Se bem que aos propósitos de prevenção geral, ou especial, sejam condicionados pelas concretas circunstâncias de culpa, no caso do arguido, como resulta dos factos provados. e acaba de se sublinhar, dedicou-se ao tráfico conhecedor e bem consciente do seu significado e desvalor, fazendo-o como forma de obter proventos fáceis que sabia bem serem ilícitos, e dos quais fazia a sua única fonte de rendimentos.
Neste contexto, dentro da moldura do crime de tráfico com reincidência, que vai de um mínimo de 5 anos e 4 meses a um máximo de 12 anos de prisão, a pena de 8 anos de prisão fixada em 2.ª instância é necessária e proporcional à gravidade da conduta criminosa do arguido e, consequentemente, não carece de intervenção corretiva.
Por infundado, improcede, pois, também nesta parte, o recurso do arguido AA.
*
2. recurso do arguido CC:

Pugna o recorrente CC pela revogação da decisão recorrida, pretendendo que se confirme a condenação em 1ª instância (da qual até tinha recorrido).
Numas conclusões realmente sintéticas argumenta que “no máximo terá sido cúmplice, mas não co-autor” porque a sua colaboração “não foi essencial”, não podendo dizer-se que existia plano para a prática do crime (cls 2ªa a 4ª).

a)- co-autoria:

Estabelece o art. 26.º do Cód. Penal que é punido como “autor quem (…) tomar parte directa na sua execução, por acordo ou juntamente com outro ou outros”.

Nas palavras de J. Figueiredo Dias, esta “é a situação de co-autoria”. “O que nesta figura existe de caraterístico é a existência, por um lado de uma decisão conjunta; por outro lado de uma determinada medida de significado funcional da contribuição do co-autor para a realização típica”.

Quanto ao acordo, confere relevo ao papel ou função de cada co-autor para o facto, exigindo-se uma contribuição “como parte da actividade total e, correspondentemente, as ações dos outros se revelem como um complemento da sua participação própria”.

Quanto à execução conjunta considera essencial “a repartição de tarefas, que assinala a cada participante contributos para o facto”. “Tendo o contributo do co-autor de reflectir-se na totalidade da execução”, todavia, “a contribuição de cada autor singular não tem de ser em si mesma necessariamente causal, bastando que o seja o conjunto dos contributos dos diversos co-autores[29].

Reportando-se o autor citado e bem assim a jurisprudência a «decisão conjunta», certo é que a letra da lei, ademais do acordo, que pode ser implícito –como, aliás, também sublinha-, se basta com a execução conjunta. Não se exige uma decisão de todos os comparticipantes num crime. A adesão posterior ou a conjugação de esforços na execução são suficientes para se afirmar a co-autoria.

E, claro está, a co-autoria exige a consciência da cooperação na acção comum.

Sustenta-se no Ac. de 17-12-2014, deste Supremo Tribunal que deve “ser considerado co-autor aquele que realiza uma parte da execução do plano criminoso, ainda que com a sua conduta apenas contribua com um acto não típico, mas essencial para a realização da decisão comum. Na co-autoria cabe a actividade, mesmo parcelar, na realização do objectivo acordado, ainda que não entre formalmente no arco da acção típica, desde que seja essencial à execução do concerto criminoso.

VI- Assim sendo, são de imputar a cada um dos co-autores, como próprios, os contributos de outro ou dos outros para o facto, como se todos os tivessem prestado[30].

*

Por sua vez, no art. 27º n.º 1 do Cód. Penal estabelece-se que é “cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso”.

O cúmplice não decide levar a cabo a acção típica, não participa na execução do facto de outrem. Ficando fora da decisão e da execução do acto típico, no entanto favorece aquela ou auxilia nesta, mas sem que o seu contributo efetivo, moral ou material, exceda a mera acessoriedade. Comparticipando na resolução criminosa ou na execução do crime, é co-autor.

Com acuidade para a definição e para a diferenciação da co-autoria e da cumplicidade sustenta-se no Ac. de 27-05-2009[31] deste Supremo Tribunal:

XVII- Na comparticipação criminosa sob a forma de co-autoria são essenciais dois requisitos: uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado, e uma execução igualmente conjunta.

XVIII- O co-autor executa o facto, toma parte directa na sua realização, por acordo ou juntamente com outro ou outros, ou determina outrem à prática do mesmo. A co-autoria é a execução colectiva do facto, comunitária, em que cada comparticipante quer causar o resultado como próprio, mas com base numa decisão conjunta e com recurso a forças conjugadas.

XIX- A comparticipação criminosa exige um elemento subjectivo e um outro objectivo. O primeiro reclama uma decisão conjunta – que pode consistir num acordo, expresso ou tácito, ou, pelo menos, numa consciência de colaboração com carácter bilateral – e uma participação na execução do facto criminoso, conjuntamente com outro ou outros, num exercício conjunto do domínio do facto, ou numa contribuição objectiva para a consumação do tipo legal visado, isto é, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes cometa integralmente o facto punível, que execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.

XX- A componente subjectiva «basta-se com o simples acordo tácito, com a simples consciência bilateral, reputado ao facto global, com o conhecimento pelos agentes da recíproca cooperação», não se exigindo que os co-autores se conheçam entre si, na medida em que cada um esteja consciente de que junto a ele vai estar outro (ou outros) e estes se achem imbuídos da mesma ideia – cf. Ac. do STJ de 11-03-1998, Proc. n.º 1133/97 - 3.ª, CJSTJ 1998, tomo 1, pág. 220.

XXI- A cumplicidade é a cooperação dolosa com outro na realização de um seu (dele) facto antijurídico dolosamente cometido. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto; o autor não necessita sequer de conhecer a cooperação que lhe presta (a chamada cumplicidade oculta) – cf. Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, ed. Bosch 1981, vol. II, pág. 962.

XXII- Na comparticipação criminosa, de que a cumplicidade é um dos modos, «cada comparticipante responde pelo mesmo facto típico, porque todos os comparticipantes concorrem para a prática do mesmo facto. O modo de cooperação é que é diverso; o objecto a que se dirige a cooperação de todos é o mesmo: o facto, o crime». A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, e num duplo sentido: de dependência da execução do crime ou começo de execução e de menor gravidade objectiva, na medida em que não é determinante da prática do crime, que seria sempre realizado, embora eventualmente de modo e em tempo, lugar ou circunstâncias diversos. Traduz-se «num mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é uma concausa do crime» – cf. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Verbo, 1998, vol. II, págs. 280, e 291-292.

XXIII- A cumplicidade experimenta uma subalternização relativamente à autoria, estando-se face a actividade que se fica pelo auxílio, perante uma causalidade não essencial. A infracção sempre seria praticada, só que o seria em outro tempo, lugar ou circunstância – cf. Faria Costa, Formas do Crime, in Jornadas de Direito Criminal, Fase I, CEJ, 1983, pág. 174.

Acrescenta-se que o tráfico de estupefacientes está tipificado pelo art. 21º n.º 1 do Dl 15/93 de 22/01 como crime de mera actividade, de risco ou perigo (abstracto) ou de resultado cortado, que se realiza e se consuma por quem leve a cabo qualquer ato ou actividade catalogada no tipo de ilícito, ou seja, por quem, fora das condições legais: “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver” plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III anexas àquele DL.

Não é elemento do crime a intenção específica do agente, os seus motivos ou os fins que se propõe.

O dolo – em qualquer das modalidades enunciadas no art. 14.º do Cód. Penal, consubstancia-se no conhecimento e na intenção de praticar, pelo menos, uma das acções típicas descritas.

Consequentemente, a prática de qualquer uma das acções ou actividades exaustivamente descritas no art. 21º n.º 1 citado, preenche, só por si, o tipo incriminador, sendo proibida e punida (não interessando para o caso em apreço a detenção para consumo).

*

No acórdão recorrido, sobre a co-autoria e a cumplicidade, discorre-se:
São, (…) requisitos da co-autoria:
- a intervenção directa na fase de execução do crime: execução conjunta do facto;
- o acordo para a realização conjunta do facto; acordo que não pressupõe a participação de todos na elaboração do plano comum de execução do facto; que não tem de ser expresso; e que não tem de ser prévio ao início da prestação do contributo do respectivo co-autor;
- o domínio funcional do facto, no sentido de o agente “deter e exercer o domínio positivo do facto típico” ou seja o domínio da sua função, do seu contributo, na realização do tipo, de tal forma que, numa perspectiva ex ante, a omissão desse contributo impediria a realização do facto típico na forma planeada.
No que respeita à execução propriamente dita, não é indispensável nem necessário que cada um dos agentes execute todos os factos correspondentes ao preceito incriminador, que intervenha em todos os actos a praticar para obtenção do resultado pretendido, bastando que a actuação de cada um, embora parcial, seja elemento componente do todo e indispensável à produção do resultado.
Já a cumplicidade, pressupõe um mero auxílio material ou moral à prática por outrem do facto doloso, de forma que ao cúmplice falta o domínio do facto típico como elemento indispensável da co-autoria. O cúmplice limita-se a favorecer um facto alheio, não toma parte no domínio do facto; o autor não necessita sequer conhecer a cooperação que lhe é prestada (a chamada cumplicidade oculta).
No dizer do Prof. Eduardo Correia-Direito Criminal, 1971-p.260: “…para saber se uma certa comparticipação pode enquadrar-se ou não no conceito de autoria, é antes de tudo necessário averiguar se, sem ela, o facto deixaria ou não de ser cometido.”
E de Germano Marques da Silva (Direito Penal –II- p.290): “A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa) e como cúmplices aqueles que não realizando a acção típica nem lhe dando causa ajudam os autores a praticá-la”;
Traduz-se “em mero auxílio, não sendo determinante da vontade dos autores nem participa da execução do crime, mas é sempre auxílio à prática do crime e nessa medida contribui para a prática do crime, é um concausa do crime”.
E motiva-se a decisão pela co-autoria nos seguintes termos:
“da matéria assente no acórdão recorrido, com particular ênfase nos pontos acima referidos, conclui-se que todos os arguidos acordaram na actividade, assumindo cada uma tarefa determinada, que enquanto acto de execução do plano antes congeminado realizava a obtenção do referido desiderato. Com feito, o co-autor é também um colaborador, justamente porque desenvolve uma actividade dirigida ao escopo comum previamente acordado, e a que, naturalmente, presta ajuda. Não pode ser a mera utilização dos termos de “auxiliares” ou “colaboradores” que reconduzem a actuação dos arguidos como cúmplices, pois que, como ficou sobejamente demonstrado, que nenhum deles assumiu um papel secundário ou acidental, não se limitando a prestarem ajuda, mas antes participaram activamente (no desempenho e de acordo com o critério e a divisão das tarefas distribuídas) na actividade criminosa traduzida na disseminação lucrativa de estupefacientes, tomando parte directa na execução, por acordo, e com consciência dessa colaboração repartida em tarefas e em conjunto com os demais, com vista ao mencionado objectivo lucrativo, sendo, assim, verdadeiramente, todos co-autores do crime - art. 26.° do Código Penal.
Assim, não se nos depara dúvida sobre a actuação em co-autoria do crime de tráfico de estupefacientes, p.p. pelo artigo 21 nº. 1 da Lei 15/93 (na última versão da Lei 7/2017 de 2.3) de todos os arguidos.

*

No caso, ademais do que já se referiu sobre a conduta do co-arguido AA, (contava com a colaboração de vários indivíduos que consigo aceitaram colaborar, designadamente os arguidos (…), CC, conhecido por "Canina" (…), incumbindo-lhes as tarefas de proceder à venda de heroína e de cocaína aos clientes, vigiar e controlar a presença de elementos policiais no local, e encaminharem os consumidores para o interior do café) resulta dos factos provados e com especial relevância para a questão suscitada pelo recorrente CC:

31 (…) o arguido CC colocou-se à porta do café e chamou cinco indivíduos, cujas identidades não se lograram apurar, que aguardavam do outro lado da Rua, junto a uma paragem de autocarros ali existente, e voltou a entrar no café.

32.- De imediato, estes indivíduos entraram no estabelecimento "O ...", tendo ali contactado com o arguido CC e lhe entregue quantias monetárias, recebendo deste, em troca, embalagens.

33.- Após ter recebido o dinheiro, o arguido CC entregou-o ao arguido FF, que o guardou atrás do balcão.

Resulta ainda provada a sua presença na porta do café fazendo gestos ou sinais para chamar os compradores-consumidores e encaminha-los para o interior e bem assim a vigiar a presença e avisar da intervenção das autoridades policiais.

E resulta também provado:

115.- (…) os arguidos, (…) actuaram em colaboração mútua e em conjugação e concertação de esforços e vontades (…).

116.- Agiram, assim, os arguidos de forma concertada, (…).

O recorrente não se limitou a vigiar ou sequer a chamar e encaminhar os compradores dos estupefacientes. Ele próprio “aviou” alguns entregando-lhes directamente as substâncias, e cobrou-lhes o preço da heroína vendida, como demonstram os factos assentes nos pontos 31 a 35 (dessa vez foram 5, a quem vendeu).

O recorrente CC esteve sempre presente aquando das vigilâncias que presenciaram as vendas aos consumidores, sendo que estes somente entravam no café onde se efectuavam as entregas, quando o arguido apareceria à porta e os chamava.
Como se referiu, são co-autores os que realizam conjuntamente o crime. A realização conjunta não exige que todos e cada um dos elementos constitutivos do tipo sejam executados pelos co-autores. Necessário é, para que se possa afirmar a realização conjunta de um facto e para que o mesmo seja atribuído, em co-autoria, a quem nele intervém, que todos aportem, na fase de execução, um elemento essencial para a realização do propósito comum.

É precisamente o que demonstra a factualidade que o tribunal julgou assente relativamente à conduta empreendida pelo ora recorrente.

Factos provados que configuram, de pleno, a co-autoria material do co-arguido CC no crime de tráfico julgado no presente processo.

É, pois, infundada a esta sua pretensão.

Assim e em conformidade com o exposto, improcede, nesta parte, o recurso do referido recorrente.

*

b) medida da pena:
Alega o recorrente CC que a pena de 6 anos de prisão efectiva que lhe foi imposta no acórdão recorrido, “provavelmente” o vai “afastar mais do que” aproximar da inclusão na sociedade.
No demais, insiste com as pretensões do recurso apresentado contra a condenação em prisão efectiva decretada na 1ª instância, ou seja, na substituição da pena pela prestação de trabalha a favor da comunidade ou suspensão da execução da pena de prisão.

i. motivação no ac. recorrido:

No acórdão recorrido motivou-se a determinação da pena de prisão imposta ao recorrente CC, aduzindo os fundamentos seguintes:
“(…) A determinação da medida concreta da pena será, pois, efectuada segundo os critérios estatuídos no artigo 71º do Código Penal, onde se explicita que a medida da pena se determina em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, no caso concreto, a todas as circunstâncias, que não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele.
É que, a prevenção geral, no Estado de Direito, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, e coloca assim a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum. Assim, numa perspectiva de reacção e castigo em termos de culpa, o direito penal intervém e previne em termos de segurança comunitária.
No caso em apreço, o Tribunal colectivo ponderou a aplicação das penas da seguinte forma: (transcreve-se)
(…) Tendo o legislador optado por consagrar no direito português um direito penal da culpa, é esta que deve determinar a medida da pena.
Neste caso, as exigências de prevenção geral revelam-se elevadas, uma vez que os arguidos, pelo menos durante cerca de 2 meses, transformaram o local onde se processava o tráfico de estupefacientes num verdadeiro supermercado, conhecido dos consumidores e, por isso, potenciador da disseminação do vício.
(…) Com especial ilicitude quanto ao arguido AA porque o motor da atuação de todos os restantes arguidos.
Este arguido regista antecedentes criminais na área do tráfico e estupefacientes o que o desfavorece.
O desinvestimento na exploração de um estabelecimento comercial de café eleva a sua culpa uma vez que poderia desenvolver esta atividade comercial para ganhar a vida e optou, ao invés, por fazê-lo através da venda de estupefacientes, o que também o desfavorece.
A quantidade de estupefaciente apreendia na chamada “casa de recuo”, 358,911 gramas de heroína é muito expressiva, o que agrava a ilicitude da sua conduta.
(…) O arguido CC regista antecedentes criminais na área do tráfico de estupefacientes, o que o desfavorece.
A ilicitude da sua ação é, contudo, elevada, mas sendo o seu grau de culpa mediano tendo dentro da moldura penal abstrata aplicável.
Não lhe sendo conhecido meios de prover ao seu sustento, esta circunstância também o desfavorece, uma vez que não se demonstrou preocupar-se com esta situação.
Assim e, como resulta dos factos assentes todos os arguidos se encontram desocupados, sem qualquer integração profissional remunerada, convivendo com ambientes familiares sem estabilidade e em ambiente social de alguma forma ligado ao consumo /tráfico de estupefacientes, o que, como é evidente supõe um risco para cada um, no que se refere à prevenção especial e um risco social, que eleva as exigências cautelares da prevenção geral.
(…) Com as suas condutas contribuíram para a disseminação da praga que é o consumo de drogas e, demonstraram mesmo alguma organização na prática do crime, com distribuição de tarefas definidas e cordenadas, sendo relevantes as quantidades transaccionadas e a espécie de drogas como a heroína e a cocaína. Não verificamos atenuantes de relevo a favor de qualquer dos arguidos. Sendo que os arguidos EE e AA são reincidentes, com registo de outros crimes de idêntica natureza, o que também acontece com o arguido CC (conta com registo de 5 condenações anteriores. Assim, em conformidade com a culpa manifestada nos factos, com as exigências da prevenção que acima referimos e dentro da moldura abstracta do crime praticado, temos por adequadas as penas seguintes:
(…) Arguido CC, a pena de 6 anos de prisão.

ii. recurso de «revista»:

Importa sinalizar que o arguido recorre de decisão da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, funcionando este, por isso, na “sua vocação essencial de tribunal de revista, pois a revisão das penas aplicadas traduz-se na aplicação de matéria de direito. Os poderes cognitivos do STJ abrangem, no tocante a esta matéria, entre outras, a avaliação dos factores que devam considerar-se relevantes para a determinação da pena: a questão do limite ou da moldura da culpa, a actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e também o quantum da pena, quando se mostrarem violadas regras da experiência ou quando a quantificação operada se revelar de todo desproporcionada[32].
iii. fatores da fixação da pena judicial:

É de 4 a 12 anos de prisão a moldura penal (normal) do crime de crime de tráfico (de estupefacientes e substâncias psicotrópicas) previsto no artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01, pelo qual o arguido CC vem condenado.

Estabelecida a moldura penal, o primeiro e decisivo fator a considerar no procedimento de determinação da medida concreta da pena é a finalidade da punição, firmada pelo legislador no art. 40.º do Código Penal: a aplicação da pena visa a protecção do bem jurídico violado e a ressocialização do agente (n.º 1); e tem como limite inultrapassável “a medida da culpa” –n.º 2.

Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa[33].

A função primária do direito penal é a de prevenir a violação dos bens jurídicos elegidos pelo legislador, de modo a assegurar a paz jurídica dos cidadãos. Se não fossem ofendidos as outras finalidades da punição nunca entrariam em ação. Uma vez lesados impõe-se fazer atuar a reacção criminal, orientada pelas finalidades legalmente estabelecidas.

No nosso regime penal, “as finalidades de aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida possível, na reinserção do agente na comunidade. Por outro lado, a pena não pode ultrapassar, em caso algum a medida da culpa. Nestas duas proposições reside a fórmula básica de resolução das antinomias entre os fins das penas; pelo que também ela tem de fornecer a chave para a resolução do problema da medida da pena[34].

Deste modo, o parâmetro primordial do «modelo» de determinação da pena judicial é primariamente fornecido pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos violados estabelecendo, in concreto, o limiar mínimo abaixo do qual se perde aquela função tutelar ou, noutra expressão, não satisfaz a necessidade de reafirmação estabilizadora das normas, isto é, a pena aplicada não alcança a necessária, suficiente e adequada “prevenção geral positiva ou prevenção de integração[35]” .

Parâmetro co-determinante do modelo de determinação da medida da pena judicial é também a culpa na execução do facto[36], estabelecendo o limiar máximo acima do qual a pena aplicada é excessiva, subalternizando a dignidade pessoal do agente à «paz» comunitária.

Entre aquele limiar mínimo e este limiar máximo, o modelo de determinação da medida da pena completa-se com a finalidade de reintegração do agente na sociedade, ou finalidade de prevenção especial de socialização.

O modelo é já muito, mas é também apenas isso mesmo, um modelo que define as linhas mestras ou parâmetros nos quais devem atuar as “circunstâncias do complexo integral do facto que relevam para a culpa e a prevenção”.

Por isso, o Código Penal, no art. 71.º estabelece: “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” (nº 1), atendendo o tribunal “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando” as circunstâncias que enuncia, exemplificativamente, nas alíneas do n.º 2, e que se reportam à culpa ou à prevenção, às quais a doutrina adiciona outros factores, designadamente relativos à vitima ou relacionados com a necessidade da pena.

Desde logo proíbe, nesta sede, a valoração de quaisquer circunstâncias que façam parte do tipo de crime cometido pelo agente (proibição da dupla valoração). O que “não obsta a que a medida da pena seja elevada ou baixada em função da intensidade ou dos efeitos do preenchimento de um elemento do tipo”[37].

Fatores enunciados no art. 71.º n.º 2 que, groso modo, podem respeitar:

-à execução do concreto facto cometido pelo agente, agrupando circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídico-penal cometida, que servem para caracterizar a medida da censurabilidade, e (quando tal suceder) o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

-à personalidade do agente revelada no facto, agrupando as condições pessoais, sociais e económicas, a sensibilidade à pena e à influência que esta pode exercer, as qualidades da personalidade comparadas com as do «homem fiel ao direito».

-à conduta anterior e posterior ao facto, agrupando a história vivencial e criminal do agente e o comportamento posterior empreendido no sentido de assumir todas consequências do crime cometido.

A jurisprudência deste Supremo Tribunal sustenta que “para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (…), estando vinculado aos módulos-critérios de escolha da pena constantes do preceito.

Sustenta também que tais critérios e circunstâncias “devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”[38].

*

Por outro lado e como já se referiu, “a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que «no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada»”.

No mesmo sentido conclui Souto de Moura[39]: “sempre que o procedimento adoptado se tenha mostrado correcto, se tenham eleito os factores que se deviam ter em conta para quantificar a pena, a ponderação do grau de culpa que o arguido pode suportar tenha sido feita, e a apreciação das necessidades de prevenção reclamadas pelo caso não mereçam reparos, sempre que nada disto seja objecto de crítica, então o “quantum” concreto de pena já escolhido deve manter-se intocado”.

 O que bem se compreende, porque a fixação do quantum da pena concreta aplicada em cada caso não é uma operação aritmética em que os factores a ponderar possam assumir um coeficiente numérico ou uma valoração tabelada.
iv. a pena concreta:

No caso, o arguido cometeu um crime de tráfico de estupefacientes. Que está legalmente definido como criminalidade grave (altamente organizada) –art. 1º al.ª m) do CPP.

O tráfico é um tipo de ilícito em que se fazem sentir prementes necessidade da protecção dos bens jurídicos tutelados (genericamente a saúde pública), isto é, de prevenção geral de integração. O sentimento jurídico da comunidade apela ao combate incessante e sem tréguas do tráfico de estupefacientes, pela sua elevada frequência, por corromper, por vezes irreparavelmente, a saúde mental e física dos consumidores, degradar a dignidade humana destes, destruir a vivência socialmente útil dos dependentes, arruinar o sossego e harmonia das respectivas famílias, e muitas vezes, também o património, e por fomentar fortemente a criminalidade associada (furto, roubo, recetação, burla, lenocínio, etc.).

Para determinar o grau da ilicitude, tem-se em conta por um lado que o arguido traficou (conjuntamente com os restantes co-arguidos) heroína e cocaína, sendo aquela um dos opiáceos mais aditivos e devastadores para a saúde dos consumidores. Traficaram diariamente quantidades significativas durante um período de, «pelo menos», 2 meses, vendendo directamente a um número expressivo de compradores consumidores. Por outro lado a quantidade de estupefaciente apreendido, 365,882 gramas (num só lote 359,14 gramas) não sendo elevada é já considerável se se tiver em conta que correspondia ao que os arguidos traficam num curto período de tempo. Os meios empregues não são sofisticados (diversos telemóveis e cartões para os contactos, uma balança de precisão e o automóvel para o transporte), impressionando, no entanto, o «disfarce» do café “O Cantinho da Meia” em “supermercado de estupefacientes”, como bem comprovam as entregas e ilustra a quantia apreendida da caixa registadora (continha €109,60 quando o registo do apuro era de apenas €8,80). Os valores monetários apreendidos - €1.7017,05 - são baixos, mas não conformes com a mera distribuição. Também impressiona a existência de uma “casa de recuo” onde os estupefacientes eram preparados, e de dai transitavam para o “supermercado”, conforme as demandas.

*

O tráfico é fortemente censurado pela comunidade, sobretudo pelas razões já acima apontadas, mas também por propiciar elevados e fáceis lucros ilícitos, permitindo um modo de vida parasitário, como sucedia com os arguidos, especialmente com o recorrente CC.

Resulta dos factos provados, extraídos do relatório social que “não apresenta agentes de proteção sólidos que permitam fazer face aos fatores de risco de replicação criminal que patenteia”; está resignado a viver num contexto socialmente marginal “e não procura de alternativas que possibilitem minimizar a exposição a estes contextos - não obstante as imposições judiciais -, reforçam o cenário de risco”.

Acresce o facto de o presente processo judicial emergir nunca fase em que o arguido está vinculado ao cumprimento de uma medida judicial de cariz probatório, o que reforça a ausência de responsabilidade e do impacto dissuasor das sanções que vem sendo alvo. Adicionalmente, o arguido continua sem uma ocupação laboral, estilo de vida ocioso facilitador do convívio com pares que adotam uma forma de estar congénere e promotor da manutenção de hábitos desviantes no seu quotidiano, nomeadamente o consumo de substâncias aditivas.

Não reúne condições para cumprir uma pena ou medida não privativa da liberdade”.

Com o cumprimento de penas de prisão efetiva prolongadas, pela prática de crimes da mesma natureza aos que responde na atualidade.

A sua actividade delituosa foi comandada pela intenção de obter lucros ilícitos, indiferente às consequências que adviessem para a saúde dos consumidores.

Tinha consciência plena da ilicitude e da forte censurabilidade desta sua conduta, tendo agido com dolo direto e intenso.

As necessidades de prevenção especial de integração, aferidas, sobretudo, tendo em conta a impressionante história criminal registada, e a conduta de vida social e a personalidade revelada no cometimento dos factos, são muito vivas e prementes. Resulta dos factos provados que o arguido averba seis condenações pelo crime de tráfico de estupefacientes, respectivamente nas penas de:

- 7 anos e 6 meses de prisão, no processo nº 100/99, da 3ª Vara Criminal de Lisboa;

- 2 anos de prisão, no processo nº 95/06.3SWLSB, do 6° Juízo Criminal de Lisboa;

- 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, no processo nº 089/13.2SWLSB, do 1º Juízo Criminal de Lisboa;

- 3 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, no processo nº 096/13.5SWLSB, do 6° Juízo Criminal de Lisboa;

- 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 anos, por Acórdão cumulatório proferido no processo nº 32/14.1SWLSB, por factos datados de 20.12.2012.

Cometeu o crime a que se refere o presente processo enquanto decorria a suspensão da execução da pena de prisão referida em último lugar.

Evidencia-se assim que o arguido manifesta forte tendência, ou até, no limite, com uma carreira criminosa neste tipo específico de criminalidade altamente organizada (na definição processual penal –art. 1º al.ª m) do CPP).

O arguido, não obstante a firmeza da prova, negou a evidência dos factos dizendo “ter ido ao Café da Meia só para beber café”; que tenha dito “Olha os homens”; e que não sabe quem é o co-arguido HH.

Não reconheceu a responsabilidade pessoal pela actividade delituosa cometida e a necessidade de, em situações análogas, adotar condutas que respeitem o direito.

Identificam-se assim na situação do arguido fatores sérios de risco na reiteração da mesma actividade ou na reincidência no mesmo tipo de crime.

Por outro lado, a necessidade da pena com este medida é imposta pela comprovada insensibilidade do arguido às anteriores condenações, que não foram de molde a alcançar a almejada finalidade de reintegração do arguido na sociedade, e tão pouco lograram a finalidade de advertência individual ou de intimidação.

Conclui-se do exposto que o procedimento judicial de fixação do quantum da pena de prisão aplicada ao arguido por ter cometido o crime de tráfico provado nos autos, respeitou as finalidades da punição e os critérios legais de determinação da medida da pena.

A pena imposta no acórdão recorrido não justifica, por isso, intervenção correctiva.

Atenta a medida concreta da pena aplicada -6 anos de prisão- a pretensão do recorrente na substituição por trabalho (pena de prisão não superior a 2 anos), assim como a suspensão da execução (prisão não superior a 5 anos), nem sequer se colocam, inverificados como resultam os respectivos pressupostos formais.

Em consonância, também neste ponto, improcede o recurso do arguido CC.


I.  DECISÃO.

Nos termos expostos, o Supremo Tribunal de Justiça, 3ª Secção Criminal, acorda em: ----

a)- rejeitar, por extemporâneo, o recurso da arguida EE;

b)- condenar a recorrente EE a pagar a sanção processual prevista no arts. 420º n.º 3 do CPP, que se fixa em 3UCs;

c)- rejeitar, ao abrigo das disposições conjugados dos arts. 432º n.º 1 al.ª b) e 400º n.º 1 al.ª e) do Código de Processo Penal, o recurso da arguida BB, e o recurso dos arguidos DD, e FF;

d)- condenar cada um dos recorrente BB DD e FF a pagar a sanção processual prevista no arts. 420º n.º 3 do CPP, que se fixa em 3UCs;

c) negar provimento ao recurso do arguido AA e ao recurso do arguido CC, confirmando, no que aos mesmos respeita, o decidido no acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

*

Lisboa, 9 de maio de 2019

Nuno Gonçalves (relator)

Pires da Graça (adjunto)

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[1] Código Penal, anotado e comentado, 18º ed., pag. 288.
[2] Código Penal, 1º vol. pag. 597
[3] Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, pág. 151.
[4] Jornadas de Direito Criminal CEJ, pag. 240.
[5] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 201.
[6] Autor e ob. cit, pag 199/200
[7] Ibidem, pag. 201.
[8] Ibidem, pag. 257.
[9] Artigo 76º n.º 1.
[10] No Código Penal da Alemanha nem sequer se prevê.
[11] LIVRO VERDE sobre a aproximação, o reconhecimento mútuo e a execução das sanções penais
na União Europeia, 2004.
[12] J. Figueiredo Dias, As Consequências … cit., pag. 261.
[13] Ac. STJ de 28/11/2007, 28-11-2007, proc. 07P3981, www.dgsi.pt.
[14] Ob. cit., pag. 262.
[15] Processo n.º 936/2013 3ª Secção.
[16] Ob. cit., pag. 2648
[17] Exposição de Motivos do DL n.º 48/95.
[18] J. Figueiredo Dias, ob. cit. pag. 271.
[19] DRE n.º 96/2002, Série II de 2002-04-24.
[20] Ob. cit. pag. 264.
[21] Ob. cit. Pag. 268/269.
[22] Assim também J. Figueiredo Dias, ob cit. pag. 269.
[23] e Ac. STJ de  28-11-2007, proc. 07P3981, in www.dgsi.pt.
[24] 3ª sec, proc. 35/14.6GAAMT, www.dgsi.pt.
[25] Ob. cit. pag 269.
[26] Entre outros ver: J. Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, cit., pag. 270/274; M. Maia Gonçalves, Código Penal anotado e comentado, cit., pags. 292/293; Leal Henriques e M. Simas Santos, Código Penal anotado, vol. I, pag. 606.
[27] Máxime: Ac. a seguir citado e, entre outros, Ac. STJ de 25-10-2017, proc.   
46/15.4PEFIG.S1; Ac. STJ de 10-10-2018, 3ª sec., proc. 5/16.0GAAMT.S1, www.dgsi.pt.
[28] 3ª sec., proc. 08P1668, www.dgsi.pt.
[29] Direito Penal, Parte Geral, Questões Fundamentais, A doutrina geral do crime, T I, 2ª ed. pag. 791/796
[30] 3ª sec., proc. 114/12.4TRPRT.S1, www.dgsi.pt.
[31] Proc. de27-05-2009, www.dgsi.pt.
[32] Ac. STJ de 6-11-2014, proc. 161/05.2JAGRD.C2.S1, www.dgsi.pt/jstj.
[33] Ac. STJ de 18/02/2016,  proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, www.dgsi.pt/jstj.
[34] J. Figueiredo Dias, Direito, Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pag. 227.
[35] “isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida” – J. Figueiredo Dias, ob. citada, pag. 72/73.
[36] A censura ético-pessoal por ter violado bens jurídicos tutelados.
[37] J. Figueiredo Dias, ob. citada, pag. 235.
[38] Ac. STJ de 18/02/2016,  proc. n.º 118/08.1GBAND.P1.S2, www.dgsi.pt/jstj.
[39] A Jurisprudência do S.T.J. Sobre Fundamentação e Critério da Escolha e Medida da Pena,  pag. 6.