Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
509/08.8TBSCB-K.C1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
CONTRATO DE MÚTUO
PENHOR
COLIGAÇÃO DE CONTRATOS
GARANTIA REAL
COBRANÇA DE DÍVIDAS
ACÇÃO EXECUTIVA
CONCURSO DE CREDORES
PRIVILÉGIO CREDITÓRIO
INSOLVÊNCIA
ADMINISTRADOR DE INSOLVÊNCIA
PODERES DE ADMINISTRAÇÃO
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
ÓNUS DA PROVA
PRESUNÇÃO JURIS ET DE JURE
MÁ FÉ
CONSTITUCIONALIDADE
Data do Acordão: 07/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática: DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO EXECUTIVO
INSOLVÊNCIA
DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS E DEVERES FUNDAMENTAIS
Doutrina: - Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, págs. 217, 273 a 292, 509 a 510.
- Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, págs. 485 a 488.
- Catarina Serra, “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito – O Problema da Natureza do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência do Direito Português”, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, págs. 152, 391 e segs..
- Galvão Teles, Inocêncio, in “Manual dos Contratos em Geral”, 2010, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 475, 476, 477; in “Manual dos Contratos em Geral”, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, págs. 241, 256, 475 e segs..
- Gomes Canotilho, J.J. e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa - Anotada”, Coimbra, 2007, Coimbra Editora, págs. 788, 790.
- Gravato Morais, Fernando, in “Resolução em Beneficio da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, págs. 47, 50 a 52, 55, 61.
- Menezes Leitão, L.M. Teles, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado”, 2009, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, pág.158.
- Michele Taruffo, in “La Prueba”, 2008, Marcial Pons, Madrid, pág. 152.
- M. Gascón Abellán, in “Los Hechos en el Derecho”, 2004, Marcial Pons, Madrid, pág. 146.
- Pestana Vasconcelos, L. Miguel, in “Direito das Garantias”, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 231.
- Reis Novais, Jorge, in “Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa”, 2011 (reimpressão), Coimbra Editora, págs. 261 e segs..
Legislação Nacional: CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 1142.º.
CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS (CIRE): - ARTIGOS 18.º, 46.º, 47.º, Nº 4, AL. A), 88.º, N.º1, 102.º, 103.º A 115.º, 120.º A 126.º.
CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS (CSC): - ARTIGO 486.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGO 864.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 61.º.
DL N.º 495/88, DE 30-12: - ARTIGO 1.º, N.º1.
Sumário :
I - O contrato de mútuo, definido como aquele em que alguém empresta a outrem dinheiro ou outra coisa fungível (art. 1142.º do CC), configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assumpção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos os contraentes, e oneroso, porquanto dele resulta um benefício para uma das partes, o mutuante.

II - O penhor é um contrato, mediante o qual alguém, o devedor ou terceiro, entrega a outrem, o credor, uma coisa móvel ou direitos, ficando este com o direito a ser pago preferencialmente pelo valor de determinada coisa e adquirindo o direito de exigir a venda da coisa empenhada, na falta de cumprimento da obrigação garantida.

III - Na teoria da relação contratual ocorre uma situação de coligação ou união de contratos quando, celebrando-se mais de um contrato, eles mantêm a sua fisionomia e compleição próprias, vale dizer a sua individualidade, cumulando-se, sem que, contudo, se confundam na sua finalidade e funcionalidade.

IV - A figura da coligação de contratos não se compagina com a função que desempenha o penhor relativamente ao crédito garantido, no caso do penhor ter sido constituído como garantia real de um contrato de mútuo, celebrado entre uma instituição financeira e uma sociedade gestora de participações. Não ocorre, neste caso, uma relação de dependência (natural e intrínseca) mas uma contrapartida/garantia exigida pela entidade mutuante para a concessão do empréstimo.

V - A lei estabelece regras para a cobrança coerciva de dívidas, através dos meios processuais ao dispor do credor, não sendo lícito, por ser detentor de uma garantia real, pagar-se, de forma exclusiva e imediata, pelo valor ou à custa da coisa objecto de penhor, dado que conferindo, embora, uma preferência de pagamento pelo valor do penhor, o facto é que, no concurso para o pagamento poderiam comparecer outros credores com privilégios mobiliários que poderiam ser pagos com preferência.

VI - O processo executivo é o meio judicial próprio e adequado a obter o pagamento de uma dívida, esteja ela garantida ou não, sendo que quando acciona este meio o credor não executa a dívida somente pela garantia que está associada ou adstrita ao acto jurídico donde decorre a exigência do pagamento, mas todo o património do devedor.

VII - No caso concreto, o contrato de penhor, constituído por depósito a prazo com o capital objecto do mútuo, só poderia ser executado em acção executiva propulsionada pelo credor. O meio adequado à obtenção do pagamento de uma dívida é através da execução do património do devedor.

VIII - A insolvência tem como escopo axial a satisfação paritária dos interesses dos credores (par conditio creditorum), ou, pela negativa, impedir que após a declaração da insolvência algum credor possa vir a obter ou adquirir na satisfação do seu crédito uma posição privilegiada ou mais eficaz (mais rápida ou mais completa) do que os restantes credores.

IX - O administrador da insolvência, a partir do momento em que é declarado o estado de insolvência, de um particular ou de uma sociedade comercial ou empresa, fica investido no poder de gerir, administrar, zelar, conservar e reintegrar o património do devedor, facultando-lhe a lei a possibilidade de actuar e impulsionar as acções tendentes a evitar a depreciação do património que irá dar satisfação aos créditos que venham a apresentar-se ao concurso dos credores.

X - O instituto da resolução em benefício da massa insolvente, consagrado no CIRE, visou conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, qual seja o de dar satisfação, na medida das forças do património, aos créditos existentes à data da declaração da insolvência.

XI - A lei dispensa o declarante de demonstrar/provar os concretos factos de que resulta a prejudicialidade, consagrando uma presunção legal, juris et de jure – “sem admissão de prova em contrário”–, dentro das situações hipotisadas no n.º 3 do art. 120.º do CIRE, desde que alegados os factos materiais constantes da verificação do acto a resolver.

XII - A resolução condicional surge como forma de o administrador da insolvência agir ou actuar, relativamente a actos que tendo sido levados a cabo pelo devedor sejam ou possam, no seu recto e salutar critério, taxar-se de prejudiciais para o fim da insolvência.

XIII - In casu, o acto resolvido – resolução do contrato de penhor efectuado pela mutuante, de forma unilateral e exclusivista –, porque o seu objecto se encontrava no património da insolvente, ou seja, na sua esfera de disponibilidade jurídica, não pode deixar de ser considerado como um acto prejudicial, na justa medida que a sua subtracção à patrimonialidade da massa diminui o acervo de bens disponíveis para satisfação dos credores da massa e frustra a expectativa dos credores em verem os seus créditos satisfeitos com um montante substantivo pertencente à massa insolvente.

XIV - A instituição mutuante, enquanto entidade que está no comércio bancário, não podia deixar de conhecer a realidade comercial e a situação financeira da mutuária e suas associadas, pelo que tendo ocorrido a resolução do contrato de penhor em Junho de 2008 – dois meses antes da declaração de insolvência – não podia deixar de, pela especial relação que mantinha com a insolvente, saber da situação em que a mesma se encontrava. A má fé, neste caso, presume-se juris tantum, pelo que caberia à recorrente demonstrar que não agiu de má fé.

XV - A presunção de prejudicialidade estabelecida no art. 120.º, n.º 3, do CIRE, não está afectada de qualquer inconstitucionalidade. Esta presunção, porque estabelecida em benefício da massa, é conforme ao desígnio do processo de insolvência e aos interesses de todos os credores concorrentes ao pagamento dos créditos à custa da massa insolvente. Serve como mecanismo de reparação para a prática de determinados actos que a lei reputa e taxa de lesivos e prejudiciais para o interesse comum ou para a par conditio creditorum.
Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.

Em contramão com o decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra [[1]], que na procedência da apelação impulsada pela “AA. Lda.” revogou a decisão do Tribunal de Santa Comba Dão que tinha julgado improcedente a acção de impugnação de resolução impelida pelo administrador da recorrida “AA. Lda.”, recorre a demandada “BB, Lda.”, tendo rematado o acervo recursivo com o epítome conclusivo que a seguir queda extractado.     

“I – Surgem as presentes alegações na sequência do recurso de revista interposto do douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra que julgou procedente o recurso de apelação interposto por AA, Lda.” e, consequentemente, revogou a sentença proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância que havia julgado totalmente procedente a Acção de Impugnação da Resolução do Contrato de Penhor de Depósito a Prazo instaurada pela aqui Recorrente contra a agora Recorrida AA, Lda..

II – Com relevância para o objecto do presente recurso foram apreciadas pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra as seguintes questões:

a) saber se a sentença proferida pelo Colendo Tribunal de Primeira Instância era nula por violação da al. b) do n.º 1 do art. 668.º do Código do Processo Cível;

b) saber se a decisão recorrida violou o disposto nos artigos 120.º e 123.º do CIRE.

III. - O Colendo Tribunal de Relação de Coimbra entendeu não assistir razão à Apelante “AA, Lda.”, na questão de nulidade invocada tendo concluído que a decisão recorrida não era nula porquanto não padecia do vício a que alude a al. b) do n.º 1 do art. 668.º do Código do Processo Civil, sustentando de modo claro e inequívoco que a sentença proferida pelo douto Tribunal de Primeira Instância continha a especificação dos fundamentos de facto e de direito que a haviam justificado, mais concluindo que esta não era omissa na sua fundamentação quer de facto quer de direito.

IV – Entendeu no entanto o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra assistir razão à agora Recorrida na invocação que formulou de a sentença proferida pelo douto Tribunal de primeira instância ter violado o disposto nos artigos 120.º e 123.º do CIRE

V – Entende a ora Recorrente, nesta questão, ter existido manifesto erro de julgamento nos fundamentos e no enquadramento jurídico na análise que é feita da questão apreciada tendo o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra actuado com erro quer na análise e interpretação da matéria de facto quer no enquadramento e interpretação jurídica a dar à questão em apreço.

VI – Pelo Tribunal de Primeira Instância foi julgada a Matéria de Facto constante da base instrutória donde resulta e se afere ter sido dada como provada toda a factualidade alegada pela Autora, aqui Recorrente, na Acção de Impugnação de Resolução por esta instaurada contra a agora Recorrida AA, Lda. ao abrigo do estatuído no art. 125.0 do CIRE.

VII – Não se verificou reclamação alguma por qualquer das partes à resposta à Matéria de Facto constante da Base Instrutória fixada.

VIII – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra expressamente refere que a douta sentença proferida pelo Tribunal de Primeira Instância continha a especificação dos fundamentos de facto e de direito que a justificavam e não era omissa na sua fundamentação quer de facto quer de direito, sendo esta inequívoca quanto à inexistência de prejudicialidade no acto praticado.

IX – Não tendo a CC, S.A. participado no acto resolvido pelo Senhor Administrador da Insolvência (nem tal é alegado na carta de resolução por ele dirigida à ora Recorrente com esse fim) nem aproveitado do respectivo acto, de igual modo, foi produzida prova suficiente, no entendimento do Colendo Tribunal de Primeira Instância, para ilidir a presunção de má fé que se retira do n.º 4 do art. 120.º do CIRE.

X – Tanto mais que é a agora Recorrida, na pessoa do seu legal representante, que expressamente assume nos autos de Insolvência que a Insolvente, "até finais de 2007, apresentava viabilidade económica e financeira", sendo que o penhor foi constituído aos 23 de Novembro de 2006, muito antes de existirem sinais que pudessem sugerir a insolvência que muito mais tarde veio a ocorrer.

XI – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, ignorando a prova produzida, concluiu pela existência da prejudicialidade do acto em razão do estatuído na al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE por remissão do n.º 3 do art. 120.º do CIRE e concluiu de igual modo pela existência de má fé de terceiro simplesmente por esta se presumir com base no disposto no n.º 4 do art. 120.º do CIRE.

XII – Ignorando o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra que havia sido produzida prova de que não existiu aproveitamento do acto/penhor por pessoa especialmente relacionada com a Insolvente e de que não se verificou má fé de terceiro em quaisquer dos actos praticados.

XIII – Corno provado ficou em sede de Primeira Instância (e confirmado pela sentença que qualificou a insolvência corno culposa, nunca posta em causa pela ora Requerida) que se o acto da constituição do penhor não tivesse sido praticado não teria sido concedido o empréstimo à CC, S.A. e esta não disporia dos fundos para transferir para as suas participadas, ficando a Insolvente privada dos fundos necessários à constituição do Depósito a Prazo dado em penhor.

XIV – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra analisa a questão em discussão única e exclusivamente em face da resolução operada ao contrato de penhor, ignorando e desvalorizando a questão de o contrato de penhor em discussão ter sido celebrado corno consequência e garantia da celebração de um mútuo com sociedade em relação de grupo com a Insolvente, ou seja, ignora o circunstancialismo de se tratar de um contrato coligado.

XV – De facto, o Tribunal da Relação de Coimbra ao perfilhar o entendimento (ao contrário do entendimento tido pelo Tribunal de Primeira Instância) de que o acto resolvido e impugnado se circunscreve ao acto da Insolvente de dar em penhor à agora Recorrente, ignora, mal no entendimento da Recorrente, questão essencial na constituição do penhor em apreço, designadamente, a relação jurídica subjacente à sua constituição.

XVI – Entende a Recorrente, com todo o devido respeito, que, nesta interpretação distinta, a razão encontra-se do lado do Tribunal de Primeira Instância, tendo o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra feito urna errada interpretação jurídica dos factos dados corno provados.

XVII – A agora Recorrente discorda óbvia e veementemente do entendimento perfilhado pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, urna vez que é evidente que a dependência da celebração de um contrato (mútuo) em relação a outro (penhor) os toma necessária e objectivamente obrigados a serem apreciados à luz da coligação que os caracteriza.

XVIII – Estamos pois no domínio dos contratos coligados – coligação essa manifestamente ignorada pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra – e que no entendimento da aqui Recorrente, com o devido respeito, constitui evidente erro jurídico na interpretação dos factos.

XIX – A este propósito o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-09-2008 proferido por unanimidade donde se retira de modo claro e inequívoco que "uma das manifestações da coligação recíproca de contratos na sua disciplina que mais frequentemente é apontada é a da aplicação do principio expresso no brocardo “simul stabunt, simul cedent”, segundo o qual a extinção de um dos contratos coligados afectará o outro".

XX – É precisamente a situação do caso em discussão e ignorada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, mas bem assente pelo Tribunal de Primeira Instância, onde se demonstrou ter ficado provado que o empréstimo de € 2.500.000,00 concedido pela Autora à sociedade CC, S.A. foi efectuado sob condição sine qua non de ser constituído pela Insolvente AA Lda. a favor da Mutuante o Penhor de Depósito a Prazo no valor de € 2.500.000,00 constituído pelos fundos provenientes do empréstimo, ignorando e desvalorizando a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que a existência do Depósito a Prazo dado em Penhor "se deve, apenas e tão só, à constituição do mútuo à CC" (sublinhado nosso).

XXI – Neste domínio de contratos coligados é inequívoco que o penhor só foi celebrado por causa do contrato de mútuo, sendo que, sem mútuo não haveria penhor e para haver mútuo era necessário que houvesse penhor.

XXII – Entendimento este que, necessariamente, colide com a natureza jurídica e razão de ser do próprio penhor, que, como garantia real que é, visa conferir "ao credor o direito à satisfação de seu crédito, bem como dos juros, se os houver, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel, ou pelo valor de créditos ou outros direitos não susceptíveis de Hipoteca, pertencentes ao devedor ou a terceiro" (sublinhado nosso) – art. 666.º do Código Civil.

XXIII – Sendo inequívoco que, nos termos do estatuído no art. 677.º do Código Civil, a extinção do penhor em apreço apenas poderia verificar-se pelo pagamento à agora Recorrente do financiamento que concedeu e que lhe deu causa.

XXIV – Analisar-se a questão em apreço única e exclusivamente pela apreciação da resolução do contrato e ignorar a relação que lhe deu causa é manifestamente subverter a razão de ser da existência do instituto do Penhor em si mesmo considerado.

XXV – Desconsiderar a natureza da operação verificada é ignorar a sua natureza de contratos coligados que se trata., sendo que, entre ambos terá sempre de existir uma dependência funcional recíproca vital – o de penhor e o de mútuo que lhe deu causa e que permitiu a sua constituição, pois os dois contratos (mútuo/penhor) encontram-se coligados por um nexo funcional recíproco.

XXVI – A garantia (penhor) prestada foi constituída de acordo com a Lei e obedeceu a todos os formalismos legais exigíveis, sendo certo e inequívoco que, e apesar das duvidas suscitadas pelo Tribunal da Relação de Coimbra, a prestação de garantias reais por uma sociedade a outra sociedade em relação de domínio ou de grupo não é contrária ao fim da sociedade – n.º 3 do art. 6 do Código da Sociedades Comerciais, tratando-se mesmo de prática normal em grupos económicos que, no âmbito de uma gestão centralizada e especializada, a "Empresa-Mãe" – neste caso a sociedade CC, S.A. – funcione como centro de tesouraria do grupo, contratando em seu nome financiamentos para dotar as empresas dependentes dos meios necessários ao desenvolvimento destas.

XXVII – Apesar de reconhecer pela validade do penhor constituído entendeu no entanto o Colendo Tribunal da relação de Coimbra assistir razão à agora Recorrida AA, Lda., concluindo constituir este acto (penhor) um acto prejudicial à massa justificando o seu entendimento com fundamento em "estarmos perante a constituição de uma garantia real em simultâneo com a criação da obrigação garantida" sustentando tal afirmação em face do estatuído na al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE por remissão do estatuído no n.º 3 no art. 120.º do CIRE.

XXVIII – Tudo sem prejuízo de o Tribunal de Primeira Instância, bem ou mal, ter julgado e apreciado a questão da prejudicialidade do acto, e sem que tivessem existido impugnações à Matéria de Facto dada como provada, ter concluído que o acto em apreço em nada prejudicou a Insolvente AA, Lda., uma vez que, esta só dispôs dos fundos necessários para constituir o penhor em razão do financiamento concedido pela agora Recorrente à sociedade CC, S.A. e que a concessão do financiamento dependia da constituição desse mesmo penhor.

XXIX – A Recorrente discorda da interpretação que é feita pelo Colendo Tribunal da Relação de Coimbra na aferição da questão da prejudicialidade do acto ao sustentar a seu posicionamento unicamente com fundamento na interpretação que faz de que a situação em apreço corresponde à decorrente da al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE ao caso concreto.

XXX – Sem se discutir a remissão operada por via do estatuído no n.º 3 do art. 120.º do CIRE, questiona-se sim pela aplicação ao caso concreto da situação descrita na al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE.

XXXI – Estatui a al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE que são resolúveis em beneficio da massa Insolvente a "constituição pelo devedor de garantias reais em simultâneo com a criação de obrigações garantidas, dentro dos 60 dias anteriores à data do inicio do processo de Insolvência".

XXXII – Analisando o normativo em apreço à luz da coligação que caracteriza os dois contratos celebrados (mútuo/penhor) dúvidas não existem que a Insolvente AA, Lda. constituiu urna garantia real a favor da Aqui Recorrente – penhor de depósito a prazo – mas não assumiu a obrigação decorrente do mútuo que permitiu a sua constituição, urna vez que era à sociedade mutuada CC, S.A. que incumbia o ónus de pagamento do mútuo concedido.

XXXIII – À sociedade AA, Lda. não se encontrava adstrita qualquer obrigação de pagamento, esse ónus era da sociedade CC, S.A ..

XXXIV – A agora Recorrida AA, Lda. limitava-se a beneficiar dos juros do depósito a prazo constituído e, tivesse o mútuo concedido sido integralmente pago, a final, beneficiar do saldo do depósito a prazo dado em penhor, pelo que, a situação em apreço, por ausência de obrigações do devedor não tem enquadramento no normativo invocado.

XXXV – Analisada a questão única e exclusivamente em razão do acto de constituição do penhor, de igual modo aferimos não existir nenhuma "obrigação" para a agora Recorrida AA, Lda..

XXXVI – Esta limitou-se a, com o "fruto" do financiamento contraído pela sociedade CC, S.A., constituir a favor da aqui Recorrente penhor decorrente do "fruto" desse mesmo financiamento, sendo certo que, a celebração do penhor, corno já exposto e assente nos autos, resultou única e exclusivamente do financiamento concedido e constituía condição sine qua non à sua concessão.

XXXVII – O disposto na alínea e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE visa essencialmente impedir que alguém que estivesse em situação de insolvência onere o seu património prestando garantias a um terceiro visando prejudicar os demais credores, e daí a estipulação de um prazo tão reduzido de 60 dias, o que não sucede no caso concreto.

XXXVIII – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, ao aplicar ao caso concreto norma que lhe é inaplicável – al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE – actuou em manifesta violação à Lei, interpretando erroneamente a factualidade existente ao concluir pela aplicação do normativo em apreço para efeitos de reconhecimento da existência de prejudicialidade no caso em apreço, ignorando a prova produzida em sentido contrário pelo Tribunal de primeira Instância e a situação em si mesmo considerada.

XXXIX – A "resolução" operada e em discussão – a chamada Resolução Condicional – tem o seu enquadramento jurídico no estatuído no art. 120.º do CIRE, a qual, ao contrário do previsto para a resolução Incondicional (art. 121.º do CIRE) – depende da verificação imperativa dos requisitos gerais contemplados em tal normativo, designadamente, temporalidade, prejudicialidade e a existência de má fé do terceiro.

XL – Na análise da questão da Má Fé do Terceiro, conclui o Colendo Tribunal da Relação de Coimbra verificar-se pela sua existência por, em 1.º lugar, entre o acto/penhor e o início do processo de insolvência não haverem decorridos 2 anos; e por, em 2.º lugar, o acto/penhor aproveitar "a pessoa especialmente relacionada com o insolvente" (art. 120.º n.º 4 do CIRE), como é o caso da mutuária CC, detentora de 85% do capital da Insolvente e por isso com ela numa relação de domínio (art. 49.º, n.º 2 b) do CIRE).

XLI – Porém, na Resolução Condicional que se trata esta (Má Fé) não se presume – ela tem que ser demonstrada e comprovada – art. 120.º do CIRE.

XLII – A expressão "Salvo nos casos a que respeita o artigo seguinte" prevista no n.º 4 do art. 120.º do CIRE reporta-se às situações expressa e taxativamente indicadas no art.121.º do CIRE, sendo que al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE se refere a situações ocorridas "dentro dos 60 dias anteriores à data do inicio do processo de Insolvência", o que não sucede no caso concreto, onde quer o contrato de penhor quer o de mútuo que lhe deu causa foram celebrados aos 23 de Novembro de 2006, quase dois anos antes do início do processo de insolvência.

XLIII – A principal diferença entre a Resolução Condicional e a Incondicional reside precisamente no circunstancialismo de, nesta ultima, sequer se exigir a existência do requisito da má fé do terceiro, presumindo-se de forma inilidível, cedendo apenas perante normas legais que excepcionalmente exijam sempre a má fé – n.º 2 do art. 121.º do CIRE, que é precisamente o caso dos autos – resolução condicional que se trata – em que é sempre exigível a verificação do requisito da má fé – números 4 e 5 do art. 120.º do CIRE.

XLIV – Neste domínio – resolução condicional que se trata – art. 120.º do CIRE ­ decorre do estatuído no n.º 4 que a resolução operada (condicional que se trata) não dispensa a má fé de terceiro.

XL V – É inequívoco que à luz da resolução operada – Condicional que se trata – para haver a alegada má fé do terceiro, a sociedade CC, S.A. teria que ser conhecedora de qualquer uma das circunstâncias enumeradas no n.º 5 do art. 120.º do CIRE.

XL VI – Isto porque, tratando-se de resolução que foi operada ao abrigo do art. 120.º do CIRE e não tendo a situação em apreço sido praticada nos 60 dias anteriores ao inicio do processo de Insolvência – al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE, então estamos apenas perante uma presunção ilidível, ou seja, para haver má fé do terceiro, a Lei exige – n.º 5 do art. 120.º do CIRE – que, na data do acto (23 de Novembro de 2006), ele fosse conhecedor da situação que o devedor se encontrava em situação de insolvência, de que o devedor se encontrava à data em situação de Insolvência iminente ou do inicio do processo de insolvência.

XLVII – Resulta da Matéria de Facto dada como provada (e não impugnada) pelo douto Tribunal de Primeira Instância pela inexistência de má fé de terceiro quer pelo facto de o acto resolvido não ter aproveitado a pessoa especialmente relacionada com a Insolvente quer pela inexistência de qualquer acto que tipifique má fé.

XL VIII – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, ao eximir-se de se pronunciar quanto à existência dos pressupostos da "má fé do terceiro", fez uma errada interpretação de Lei porquanto a remição decorrente do n.º 4.º do art. 120.º do CIRE para o art. 121.º do CIRE reporta-se às situações imperativas estabelecidas neste ultimo normativo e o certo é que, independentemente da interpretação que se faça do estatuído na al. e) do n.º 1 do art. 121.º do CIRE, o certo é que, um dos elementos do requisito imperativo aí estatuído não estava preenchido, ou seja, o acto não foi praticado nos 60 dias anteriores ao início do processo de Insolvência.

XLIX – Com respeito à apreciação de facto desta questão, resulta da Matéria de Facto dada como provada pelo Tribunal de Primeira Instância pela Inexistência de qualquer acto de má fé na situação em apreço.

L – Inexistência de Má Fé essa igualmente suportada no relatório de Insolvência apresentado ao abrigo do estatuído no art. 155.0 do CIRE, donde resulta que "até finais de 2007 a sociedade Insolvente não apresentava quaisquer indícios dessa possibilidade, diga-se de Insolvência".

LI – Inexistência de Má fé essa igualmente suportada na sentença de qualificação da Insolvência da sociedade AA, Lda. donde resulta que à data da celebração do contrato de penhor a agora Recorrida não apresentava quaisquer indícios de situação de Insolvência ou que fosse possível prever essa possibilidade, tendo o acto praticado decorrido de uma normal e frequente operação bancária.

LII – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra incorre ainda em manifesto erro interpretativo na análise factual em discussão ao perfilhar a tese de que em causa nos autos estava a resolução do contrato de penhor, em nada relevando a relação jurídica ao mesmo subjacente, ignorando e desvalorizando a questão de o contrato de penhor em discussão ter sido celebrado como consequência e garantia da celebração de um mútuo com sociedade em relação de grupo com a Insolvente, ou seja, ignora o circunstancialismo de se tratar de um contrato coligado.

LIII – Contratos coligados estes (mútuo/penhor) que os toma necessária e objectivamente obrigados a serem apreciados à luz da coligação que os caracteriza.

LIV – Neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 30-09-2008 proferido por unanimidade donde resulta de modo claro e inequívoco que "uma das manifestações da coligação recíproca de contratos na sua disciplina que mais frequentemente é apontada é a da aplicação do principio expresso no brocardo “simul stabunt, simul cedent”, segundo o qual a extinção de um dos contratos coligados afectará o outro".

LV – O Colendo Tribunal da Relação de Coimbra, ao cingir a questão em discussão ao contrato de penhor e ignorando o mútuo concedido e necessário à sua constituição, ignora e subverte a lógica dos contratos celebrados, da qual resulta que, simultaneamente com a transferência do capital, também a Insolvente assumiu o ónus do penhor, condição indispensável para que a CC, S.A. dispusesse dos fundos que transferiu para a AA, Lda.

LVI – Ignorando e desvalorizando a conclusão do Tribunal de Primeira Instância de que a existência do Depósito a Prazo dado em Penhor "se deve, apenas e tão só, à constituição do mútuo à CC" (sublinhado nosso).

LVII – Neste domínio de contratos coligados é inequívoco que o penhor só foi celebrado por causa do contrato de mútuo, sendo que, sem mútuo não haveria penhor e para haver mútuo era necessário que houvesse penhor.

LVIII – Analisar-se a questão em apreço única e exclusivamente pela apreciação da resolução do contrato e ignorar a relação que lhe deu causa é manifestamente subverter a razão de ser da existência do instituto do Penhor em si mesmo considerado – art. 666.0 do Código Civil.

LVIX – Os dois contratos (mútuo e penhor) encontram-se coligados por um nexo funcional recíproco donde forçosamente teria de se concluir que a inclusão de diversos negócios na mesma operação complexiva – neste caso mútuo e penhor – impede que um dos contratos possa ser extinto ainda que, isoladamente considerado, houvesse fundamento para isso, de modo a evitar-se a extinção injustificada do outro contrato.

LX – Pelo que também nesta matéria carece de qualquer fundamento Fáctico/Jurídico a argumentação do Colendo Tribunal da Relação de Coimbra.

LXI – Violou o Acórdão recorrido o estatuído nos artigos 120.º e al. e) do n.º 1 e n.º 2 do art. 121.º do CIRE fazendo uma errada interpretação e aplicação dos normativos em apreço ao caso concreto.

LXII – Sem conceder, invoca ainda a aqui Recorrente pela Inconstitucionalidade da norma decorrente do n.º 3 do art. 120.º do CIRE ao fixar uma presunção de prejudicialidade, presunção essa inilidível, ou seja, sem possibilidade de prova em contrário e sem qualquer limite temporal anterior à data da verificação da Insolvência, uma vez que impede a apreciação efectiva do acto praticado, ou seja, de saber se esse acto à data em que foi praticado constituiu (ou não) um efectivo acto prejudicial à massa.

LXIII – Norma essa que ao considerar sem mais pela prejudicialidade de um acto sem se ter em razão motivos empresariais, económicos e ou estratégicos que levaram à celebração do mesmo coarcta a liberdade e iniciativa económica dos agentes e põe em causa a segurança jurídica dos contratos celebrados e dos terceiros que se encontrem de boa fé, violando o disposto no art. 610 da Constituição da Republica Portuguesa.

Nestes termos e nos mais de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, por via dele, ser revogado o douto acórdão recorrido e substituído por outro que mantenha a decisão produzida pelo Tribunal de Primeira Instância de procedência da Acção de Impugnação instaurada pela aqui Recorrente, (…)”.

Sem epítome conclusivo, a recorrida pugna pela manutenção do decidido – cfr. fls. 298 a 302.

I.1. – Antecedentes com interesse para a decisão.

- Por contrato de mútuo celebrado entre a recorrente, “BB” e “CC, SA”, em 26 de Novembro de 2006, a primeira comprometeu-se a disponibilizar à segunda a quantia de € 2.500.000,00, pelo prazo de 36 meses “a ser pago, após um período inicial de 12 meses de carência de amortização de capital, em 8 prestações trimestrais postecipadas de capital e juros […]”;

- Para “garantia e condição de concessão do mútuo” – cfr. artigo 13 da p. i. - foi constituído um “penhor de depósito a prazo” constituído a favor da A. por montante equivalente ao financiado à sociedade “CC...., S.A.” e por igual período – cfr. art. 15 da p.i.;

- Por carta datada de 03-09-2009 – cfr. fls. 34 a 36 - o administrador da massa  insolvente da declarada insolvente “AA, Lda.” foi declarado resolvido o contrato de penhor celebrado entre a “CC, SA” e o banco A. (artigos 120.º, n.º 1,2 e 3  a 123.º, n.º 1 do CIRE);

- Por declaração unilateral de 31 de Julho de 2008 a A. havia declarado resolvido o contrato de penhor, a seu favor – cfr. cláusula 5ª do contrato de mútuo constante de fls. 29 a 32 - por alegado incumprimento do contrato de mútuo;

- Termina – após alegação de questões de direito – por pedir “que seja julgada procedente, por provada a presente acção de acção de impugnação de resolução em beneficio da massa insolvente e em consequência, seja julgada inválida e de nenhum efeito e, nessa medida revogada, a resolução de contrato do contrato de penhor de depósito a prazo, por violação dos pressupostos de resolução invocados e decorrentes do artigo 120.º do CIRE”;                 

- Na contestação foi requestada a improcedência do pedido, por reputar que o contrato de penhor é prejudicial para a massa insolvente e que esta era devedora de duas quantias à Ré e a outra firma “DD, Lda.”;

- Por decisão proferida em 30-07-2010 – cfr. fls. 104 a 110 - foi a acção julgada procedente por não se ter considerado que “[…] a constituição de garantia de penhor de depósito bancário em beneficio de uma empresa especialmente relacionada com a insolvente não se traduziu num acto prejudicial à massa, motivo pelo qual e na falência do primeiro pressuposto da resolução efectuada, deve a presente acção ser julgada procedente e considerar--se sem qualquer efeito a resolução operada pelo Sr. Administrador da insolvência”;

- Em acórdão de 08-02-2011 – cfr. fls. 173 a 182 - o Tribunal da Relação de Coimbra, revogou a decisão proferida na 1.ª instância “[…] que substituem (não declarando sem efeito a resolução do contrato de penhor de depósito a prazo efectuada pelo Sr. Administrador da insolvência) pela absolvição do pedido”.

I.2. - Questões a merecer apreciação no recurso.

Em face das prolixas conclusões da recorrente estimamos deverem merecer apreciação as sequentes questões:

a) - Coligação de contratos (de mútuo e penhor (direito real de garantia);

b) - Resolução a beneficio da Massa Insolvente – Requisitos – Prejudicialidade – Má Fé.      

c) - Constitucionalidade (Da Presunção juris et de jure contida n.º 3 do artigo 120.º do CIRE relativa á prejudicialidade). 

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.A. – DE FACTO.

As instâncias deram por adquiridos os seguintes factos:

1. A autora é uma Instituição de Crédito que tem por objecto e exerce toda a actividade bancária permitida por lei.

 2. No exercício dessa actividade, a A., em 23 de Novembro de 2006, a pedido da sociedade CC, S.A. celebrou com esta um contrato de Empréstimo com Garantia Pessoal.

3. Por força de tal contrato e nos termos da cláusula 4ª, a aqui A. concedeu e disponibilizou à sociedade CC, S.A. um empréstimo destinado a Apoio de Tesouraria no montante de € 2.500.000,00 e que foi creditado na conta titulada por tal sociedade em 23 de Novembro de 2006.

4. Empréstimo concedido pelo período de 36 meses a ser pago, após um período inicial de 12 meses de carência de amortização de capital, em oito prestações trimestrais postecipadas de capital e de juros.

5. A empresa CC, S.A. não procedeu ao pagamento das prestações devidas nas datas dos respectivos vencimentos.

6. Como garantia e condição de concessão do mútuo foi, pela A., exigido à CC, S.A. a prestação de garantia em caso de incumprimento.

7. Garantia que veio a ser prestada pela insolvente, consubstanciada por um contrato de penhor de depósito a prazo, celebrado em 23 de Novembro de 2006.

8. Em 31 de Julho de 2008, a A. procedeu à aplicação do depósito dado em penhor com vista à liquidação do crédito resultante do mútuo concedido à CC, S.A..

9. A ré massa insolvente, representada pelo Sr. Administrador, remeteu carta registada com aviso de recepção, datada de 3 de Julho de 2009, comunicando-lhe a resolução do contrato de penhor de depósito a prazo.

10. A empresa CC, S.A. detém 85% do capital social da ré insolvente.

11. E tem dois sócios comuns, detentores dos restantes 15% do capital social da AA.

12. A ré, até finais de 2007, apresentava viabilidade económica e financeira.

13. A sociedade CC, S.A., com o produto do empréstimo da A., efectuou uma transferência de € 1.500.000,00 a favor da sociedade “CC, Lda.”.

14. E uma transferência de € 1.000.000,00 a favor da ré.

15. A qual se destinou a realização de aumento do capital da ré.

16. A L..... por sua vez, procedeu à transferência para a ré, de tal quantia.

17. Por três tranches.

18. Tais valores destinaram-se ao reembolso à ré de 3 empréstimos que esta havia efectuado à L......

19. Todos estes montantes foram depositados na conta de depósito a prazo titulada pela ré no Banco autor.

20. A qual tinha, antes dos mesmos, um saldo de € 913,41.

21. A ré beneficiou dos juros do depósito a prazo de € 2.500.000,00.

1) Aditam-se aos factos provados os seguintes:

a) “O processo de Insolvência da sociedade AA, Lda., deu entrada em Juízo no dia 07.08.2008, tendo a mesma sido declarada insolvente, por sentença proferida em 10.09.2008, publicada no DR. n.º 222, II Série, de 14.11.2008, transitada em julgado em 20.01.2009.”

b) “É o seguinte o teor da carta subscrita pela ora Recorrida, datada de 20 de Junho de 2008, enviada para a CC, S. A.:

“Serve a presente carta para lhe recordar que do empréstimo concedido pela BB por contrato celebrado em 23 de Novembro de 2006, no montante EUR 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros), a CC, S. A., se encontra vencida e não paga desde 23 de Maio de 2008 a segunda das oito prestações de capital e juros acordados para o seu reembolso, no valor de EURO 331.289,00 (trezentos e trinta e um mil duzentos e oitenta e nove euros), a que acresce juros de mora e imposto de selo sobre juros. 

Assim, na qualidade de Director da Agência de Viseu desta Entidade, fico a aguardar o contacto de V. Exa. a fim de regularizar a situação, lesiva dos interesses da “BB”, procedendo ao pagamento dos montantes em causa.

Caso o assunto não se encontre resolvido no prazo máximo de 3 (três) dias, a partir da data da recepção da presente carta, serão considerados automaticamente vencidas todas as prestações previstas neste empréstimo, ficando a “BB” liberada de qualquer acordo anterior, não restando outra alternativa, em defesa dos direitos que represento, que não seja proceder à respectiva cobrança pela via judicial.”

c) “E é o seguinte o teor da carta subscrita pela ora Recorrida, datada de 31 de Julho de 2008 – constante de fls. 162 –, enviada para a CC, S. A.:

“Como é do conhecimento de V. Exas., a “AA Lda.” constituiu em 23 de Novembro de 2006, formal e voluntariamente, penhor de Depósito a Prazo número 00000000000 para garantia do pontual cumprimento das obrigações ou responsabilidades assumidas pela sociedade “CC, S. A.”, junto da “BB”, designadamente de um empréstimo no montante de EUR 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil euros) concedido na mesma data da constituição do referido penhor.

Por carta datada de 20 de Julho de 2008 dirigida à “CC, S. A.”, a “BB”, deu por vencidas todas as prestações do empréstimo garantido pela penhor, no montante total de EUR 2.250.509,91 (dois milhões, duzentos e cinquenta e nove mil, quinhentos e nove euros, noventa e um cêntimos), pelo que, nos termos da alínea b) da cláusula sétima do Contrato de Penhor de Depósito a Prazo, o penhor se tornou imediatamente exigível.

Assim, a “BB” dá por resolvido o referido Contrato de Penhor de Depósito a Prazo e, em conformidade com o disposto na alínea c) da sua cláusula sétima, procedeu nesta data à compensação parcial do seu crédito sobre a CC, S. A., com o saldo actual, no valor de EUR 2.201.961,25 (dois milhões, duzentos e um mil, novecentos e sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), do depósito a prazo dado em penhor.”

II.B. – DE DIREITO.

II.B.1. – Coligação de Contratos (de Mútuo e direito real de Penhor) – Resolução a beneficio da Massa Insolvente: - Requisitos – Prejudicialidade – Má Fé.    

Do epítome extraído das alegações da recorrente é possível condensar três vectores essenciais em que se desdobra a argumentação jurídica da recorrente. Um primeiro, prende-se com a eventual existência de uma coligação ou união de contratos – para a recorrente a resolução do contrato de mútuo, por incumprimento da devedora, CC, arrastaria, inexoravelmente, o sucedâneo ou ancilar contrato de penhor; um segundo, prende-se com a necessidade de, no caso da resolução condicional – artigo 120.º do CIRE – a má fé ter de ser demonstrada; por último, a inconstitucionalidade do n.º 3 do artigo 120.º do CIRE na dimensão jurídica em que estatui uma presunção juris et de jure, sem dependência temporal, ao contrário do que está estabelecido na al. e) do n.º 1 do Artigo 121.º do mesmo livro de leis.       

II.B.1.a) – Coligação de contratos.

Na recensão da questão concreta importa  reter e contextuar os factos que determinaram a situação jurídica criada.

Assim, em síntese apertada:

1) - a “CC, S. A.” é detentora de 85% da sociedade recorrida, “AA, Lda.”, sendo que os restantes 15% são detidos por dois sócios (comuns) da sociedade gestora de participações e da Ré; 2) - “CC. S.A.” contratualizou, em 23-11-2006, com a recorrente, “BB, S.A.” um mútuo no montante de € 2.500.000,00; 3) - para garantia do mútuo celebrado foi constituído um penhor do mesmo montante pela ora insolvente, na mesma data; 4) - a sociedade gestora de participações, transferiu para a insolvente e para uma outra firma associada, “CC, Lda.”, respectivamente, € 1.000.000,00 e € 1.500.000,00; 5) - a insolvência da sociedade AA, Lda., deu entrada em Juízo, no dia 07.08.2008, tendo a mesma sido declarada insolvente, por sentença proferida em 10.09.2008, publicada no DR. n.º 222, II Série, de 14.11.2008, transitada em julgado em 20.01.2009; 6) - porque a sociedade mutuária deixou de cumprir, e após comunicação ou interpelação da mutuante, esta viria a considerar resolvido o contrato de mútuo e ipso facto o contrato de penhor constituído; 7) - a ré massa insolvente, representada pelo Sr. Administrador, remeteu carta registada com aviso de recepção, datada de 3 de Julho de 2009, comunicando-lhe a resolução do contrato de penhor de depósito a prazo; todos estes valores se encontravam depositados numa conta da recorrida existente no banco recorrente.

A primeira questão a abordar, na sequência que se conferiu supra, prende-se com a coligação ou união de contratos,

Na óptica da recorrente estar-se-ia em presença de dois contratos, ou seja de dois acordos de vinculativos, assentes sobre duas ou mais declarações de vontade (oferta ou proposta, de um lado; aceitação, do outro) contrapostas, mas perfeitamente harmonizáveis entre si, que visam estabelecer uma composição unitária de interesses”. [[2]]     

Estaríamos em presença, na óptica da recorrente, de um contrato de mútuo, mediante o qual a instituição creditícia empresta a uma sociedade gestora de participações de capital (em que se integra a empresa insolvente) um determinado quantitativo monetário e de um contrato de penhor, mediante o qual, a empresa insolvente se comprometia a dar de penhor o correspectivo quantitativo monetário, no caso de incumprimento do contrato garantido.

O contrato de mútuo – cfr. art. 1142.º do Código Civil - define-se como aquele em que alguém empresta a outrem dinheiro ou outra coisa fungível, “ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade”.

O contrato de mútuo celebrado configura-se como um contrato bilateral ou sinalagmático, porquanto da sua assumpção nascem ou emergem obrigações recíprocas para ambos contraentes e oneroso, porquanto dele resultava um benefício para uma das partes, o mutuante.   

Por seu turno o penhor é um contrato, mediante o qual alguém, o devedor ou terceiro, entrega a outrem, o credor, uma coisa móvel ou direitos, ficando este com o direito a ser pago preferencialmente pelo valor de determinada coisa móvel. [[3]

O “penhor é concebido no art. 666.º do Código Civil como o direito conferido de se pagar do seu crédito, com preferência sobre os demais credores, pelo valor de certa coisa móvel (incluindo na expressão coisa móvel, não só os direitos de crédito mas também os outros direitos patrimoniais não susceptíveis de hipoteca”. [[4]] Pela constituição do penhor – garantia real plena - o credor adquire o direito de exigir a venda da coisa empenhada, na falta de cumprimento da obrigação garantida; e no direito de se pagar pelo preço (de venda) dele, com prioridade dos demais credores. [[5]]        

Na teoria da relação contratual ocorre uma situação de coligação ou união de contratos quando, celebrando-se mais de um contrato, eles mantêm a sua fisionomia e compleição próprias, vale dizer a sua individualidade, cumulando-se, sem que, contudo, se confundam na sua finalidade e funcionalidade. [[6]]

Os autores distinguem três espécies de união de contratos: união extrínseca; união com dependência; união alternativa.

Traço distintivo, porém, da coligação de contratos é criada pelas cláusulas acessórias ou pela a correspectividade ou motivação das prestações relativas a cada um dos contratos coligados. Neste aspecto eles mantêm a sua individualidade e a estrutura matricial de um acordo bilateral que conforma duas contraprestações recíprocas ou a unidade e/ou pluralidade do esquema económico subjacente à contratação. [[7]]   

No caso da união extrínseca “Celebram-se dois ou mais contratos completos, que se distinguem inclusivamente (na hipótese de serem sinalagmáticos) quanto à contraprestação, pois a cada um deles corresponde uma contraprestação própria. Esses contratos estão ligados extrinsecamente pela circunstância de se celebrarem na mesma ocasião, constando por exemplo do mesmo escrito. Mas entre eles não existe outro vínculo que não seja essa ligação puramente exterior. Não os aproxima qualquer associação interna; nenhum depende dos demais. A união é aparente e sem interesse, pois cada contrato segue, exclusivamente, as suas próprias regras e o seu próprio destino.” [[8]]

Uma situação de dependência, unilateral ou bilateral, ocorre quando a conexão entre os dois contratos (coligados) é natural e flui da própria índole ontológica da relação contratual estabelecida, como é o caso, por exemplo, na dependência bilateral, ilustrado por Inocêncio Galvão Teles, em que “A obriga-se a fornecer a B certas mercadorias e B obriga-se, por seu turno, a fornecer a A as matérias-primas destinadas ao fabrico dessas mercadorias; os dois contratos de fornecimento estão interligados, numa relação de dependência recíproca, de tal modo que a validade e vigência de cada um depende da validade e vigência do outro.” [[9]] A dependência criada, tanto neste caso como no caso de dependência unilateral, que vem ilustrado por este autor, evidenciam uma dependência intrínseca e conexa, em que existe um vínculo natural e plausível entre as situações contratuais estabelecida, de modo que sem a existência de uma não ocorreria a outra.     

A dependência contratual ou o vínculo de dependência entre dois contratos significa que a validade e vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro. Vale por dizer que ocorre uma inextrincável relação de sujeição e de existência jurídica entre dois vínculos contratuais, ou talvez, de forma mais impressiva, existe um vinculo contratual, o principal, que determina a celebração e a vigência de um outro que não existiria se o primeiro não ganhasse existência jurídica. Este último só se desencadeia ou emerge porque existe um contrato principal ou dominante que lhe propicia e determina a vigência. O contrato dependente acompanha e segue o contrato dominante pelo que deixando de subsistir o contrato-causa não existem razões para que o contrato-efeito ou dominado se mantenha.

Mantendo-nos no campo de argumentação da recorrente – existência de uma situação configuradora de uma coligação de contratos – teríamos que, descartando a hipótese de união alternativa ou extrínseca, por não configurarem a situação que prefiguram para o caso, estar-se-ia perante uma união com dependência, dada a conexão interna e inextrincável que existiria entre o contrato de mútuo e o contrato de penhor ou uma união extrínseca. Na tese da recorrente estar-se-ia perante uma união ou coligação (dependente) de contratos [[10]] e, pour cause, o que deveria suceder – como, aliás sucedeu – era o credor ter a possibilidade de executar – na terminologia da recorrente, resolver o contrato (dependente) – unilateralmente e sem dependência de qualquer processo executivo, onde tivesse que concorrer com eventuais credores ao pagamento de dividas por que o património conjunto do devedor tivesse que corresponder. (Recorde-se que na tese da recorrente, o contrato de mútuo só foi celebrado porque seria efectuada uma garantia através de um contrato de penhor que seria constituído por um depósito a prazo na conta da participada “AA”. Desta circunstância faz a recorrente dessumir a conclusão que tendo o mutuário deixado de proceder ao pagamento das prestações que se tinha comprometido a satisfazer e tendo o contrato principal sido resolvido, o contrato de penhor celebrado para garantia do crédito concedido se haveria de ter por resolvido.

No recenseamento da matéria de facto provado [[11]] constata-se que a instituição bancária só terá aceite conceder o empréstimo se para garantia do seu pagamento do mesmo fosse efectuado um penhor de montante igual ao montante mutuado, por uma empresa participada, a quem se destinava o empréstimo.

Em nosso juízo, porém, fosse, porém, qual fosse a modalidade, por que se optasse, a figura da coligação de contratos não se compagina ou pactua com a função que desempenha o penhor relativamente ao crédito garantido.

Na verdade, o penhor, no caso concreto, constituído como garantia de um contrato mútuo, celebrado entre a instituição financeira e a sociedade gestora de participações deverá ser qualificado como assumindo natureza mercantil, na justa medida em que o acto originário ou causal emerge de um acto mercantil, a saber um contrato de mútuo celebrado entre duas sociedades ou entidades de feição ou projecção no giro comercial. [[12]/[13]

Tratando-se de um direito real de garantia, qualitativa e não quantitativa – como é o caso da fiança, em que todo o património do garante responde pela divida afiançada – o credor adquire o direito de ser pago, preferencialmente, pelo valor ou à custa da coisa objecto de penhor. Em regra a execução do penhor faz-se por via executiva [[14]] (um tipo de execução que configurava regras específicas que deixaram de vigorar desde a revogação dos artigos 1008.º a 1012.º do CPC, pelo DL n.º 329-A/95, de 12/12.)

Esta relação de dependência não ocorre na celebração, simultânea, dos contratos de mútuo e penhor. Este só foi celebrado – “como garantia e condição”, como vem provado no ponto 6 – porque a instituição de crédito não emprestaria o capital mutuado se o penhor não fosse constituído. Não ocorre neste caso uma relação de dependência (natural e intrínseca) mas uma contrapartida/garantia exigida pela entidade mutuante para concessão do empréstimo.

Nem, no plano do direito poderia ter-se criado uma relação de dependência, dado que, estaria a ser violado o princípio da igualdade dos credores no pagamento das dívidas da sociedade devedora.

Na verdade e como se deixou dito supra, o contrato de penhor como garantia de pagamento que é, deve ser objecto de um processo de execução, no caso de incumprimento, ou seja de falta de pagamento da quantia mutuada. Vale por dizer, que  o credor não pode pagar-se motu próprio ou, numa terminologia mais acutilante, por via de “acção directa”. A lei estabelece regras para a cobrança coerciva de dividas, através dos meios processuais ao dispor do credor – a todo o direito corresponde uma acção e miguem é licito o recurso à força com o fim de realizar ou assegurar um direito, salvo nos casos e dentro do s limites declarados na lei (artigo 1.º do CPC) – não sendo licito, por ser detentor de uma garantia real, pagar-se, de forma exclusiva e imediata, pelo valor ou à custa da coisa objecto de penhor, dado que conferindo, embora, a lei uma preferência no pagamento pelo valor do penhor, o facto é que, no concurso para o pagamento poderiam comparecer outros credores com privilégios mobiliários que poderiam ser pagos com preferência.

Concluindo, constituindo-se dois contratos, um de mútuo e outro de penhor, este para constituição de uma garantia real de um crédito, nunca poderia ocorrer uma coligação de contratos, na modalidade de dependência, porquanto a natureza ôntica das relações contratuais não o permite. Enquanto o primeiro está sujeito às regras gerais dos contratos, o segundo como contrato de garantia que é deve ficar sujeito ao processo de cobrança promovida pelo credor, que no seu desenvolvimento pode vir a comportar outros credores que possuam, legalmente, garantias que sob elevem a constituída pelo contrato de garantia. Pelo penhor, qualitativo, porque incide sobre um conjunto de bens ou coisas móveis ou direitos, o credor só adquire o direito de ser pago, preferencialmente, pelo produto da venda da coisa móvel ou à custa do valor do penhor constituído.  

A resolução do contrato de penhor operada pela instituição financeira, por violadora de regras de paridade e igualdade no pagamento das dividas que existissem sobre a sociedade que tinha constituído o penhor, é ilegal e não poderia ter sido actuado, sob pena de frustrar o principio axial do ordenamento jurídico-processual, de que a ninguém é licito eximir-se às regras próprias do direito para consecução do pagamento dos seus créditos pelos meios externos e desviados do direito. O direito de resolução do contrato de penhor fere e desvirtua os fins do direito obtenção do cumprimento coercivo do contrato de mutuo incumprido, pelo que não poderia ter sido actuado, unilateralmente e de forma exclusiva, pelo detentor da garantia real de penhor constituída a seu favor.

Já o dissemos supra que o penhor (mercantil, neste caso), constituindo-se como garantia real de cumprimento de uma obrigação assumida por um devedor, só poderá ser accionado através da via executiva. A forma accionar o pagamento ou obter o cumprimento de uma obrigação, garantida através de uma garantia real, é promover a execução do titulo de divida – se ele contiver todas os requisitos para valer e ser aceite enquanto tal, no conspecto da acção executivo. O processo executivo é o meio judicial próprio e adequado a obter o pagamento de uma divida, esteja ela garantida ou não, sendo que quando acciona este meio o credor não executa a divida somente pela garantia que está associada ou adstrita ao acto jurídico donde decorre a exigência de pagamento, mas todo o património do devedor. E na execução (do património do devedor) que promove pode vir a não estar sozinho na execução do mencionado património, por ser legalmente admissível que outros credores venham obter assento no concurso que é desencadeado – cfr. artigo 864.º do CPC.

No caso concreto, e como a própria recorrente reconhece [[15]] a sociedade insolvente, AA, deu de penhor um quantitativo igual ao que tinha sido mutuado entre a instituição recorrente e a CC, quantitativo esse que viria, por virtude da resolução do contrato de mútuo impulsionada pela mutuante, a ser executado, unilateralmente, por esta.

Ainda que a mutuante tivesse o direito de resolver o contrato de mútuo, por falta de pagamento das prestações acordadas e no tempo prescrito, relativamente á sociedade mutuária, o facto é que não lhe era licito dar à “execução”, ou ter efectivamente “executado”, fazendo reverter o numerário existente no depósito a prazo constituído em conta de uma outra sociedade, o penhor que tinha sido constituído nesta. E isto independentemente de o depósito a prazo constituído nesta última sociedade o ter sido com o capital adveniente do empréstimo feito á sociedade gestora. A execução do penhor só poderia ter ocorrido, como já se deixou asseverado supra, através de acção executiva intentada contra a sociedade devedora, neste caso a CC.     

Conectada com a questão da coligação de contratos, apela a recorrente para a nulidade do acto resolutivo impulsado pelo administrador, por a resolução do contrato de mútuo ter ocorrido antes da declaração de insolvência da recorrida. (Desta circunstância fazia a recorrente, na pretendida ampliação do âmbito do recurso (cfr. art. 684.º-A do CPC - derivar a nulidade do acto resolutivo desencadeado ou impulsado pelo administrador da massa Insolvente, o que mereceu apreciação adrede no acórdão recorrido). [[16]]

Malgrado a operação tautológica que se surpreende no raciocínio argumentativo do aresto revidendo, para justificar a rejeição da pretensão da aqui recorrente, o facto é que, mesmo que se admitisse a existência de uma coligação (dependente) de contratos o facto é que o acto/manifestação de vontade receptícia do administrador da massa insolvente nunca poderia ser taxado de nulo. É que de entre as funções do administrador conta-se, como principal, soberana e inalienável a defesa da massa insolvente, ou seja a perservção, conservação e reintegração do património do credor por forma a dar a melhor satisfação dos créditos de todos aqueles que se apresentem ao concurso de credores e o acto-alvo da sua actuação resolutiva foi exercitado de acordo com a lei e relativamente ao acto que afectou, ou seria susceptível de afectar, a massa insolvente.

Não colhe, pelas razões expostas, o argumento alçapremado pela recorrente de que resolvido o contrato de mútuo seria lícito ao credor dar-se pagamento, fora da via judicial adequada, da garantia constituída a favor do crédito não cumprido. O contrato de penhor, constituído por depósito a prazo com o capital objecto do mútuo, só poderia ser executado em acção executiva propulsionada pelo credor. O meio adequado à obtenção do pagamento de uma divida é através da execução do património do devedor, onde o crédito do exequente, neste caso, estaria garantido por uma garantia real.  

Não procede este segmento da argumentação da recorrente.

II.B.2. – Resolução do contrato – Prejudicialidade e Má Fé – Presunções.  

Sobram para analisar as questões da má fé e da prejudicialidade e respectivas presunções estabelecidas nos n.º 3 e 4 do artigo 120.º do CIRE.

A insolvência tem como escopo axial a satisfação paritária dos interesses dos credores, ou pela negativa impedir que após a declaração de insolvência algum credor possa vir a obter ou adquirir na satisfação do seu crédito uma posição privilegiada ou mais eficaz (mais rápida ou mais completa) do que os restantes credores. Vale por dizer que “os efeitos da declaração da insolvência têm subjacente o princípio par conditio creditorum ou princípio da igualdade dos credores (Grundsatz der gleichmässigen Behandlung ou Prinzip der Gleichbehandlung no círculo jurídico germânico e pari passu principle no círculo jurídico anglo-saxónico) e é este que deve orientar a aplicação das normas que os consagram – sobretudo daquelas que deixam, aparentemente, ao juiz e ao administrador da insolvência, alguma liberdade de actuação”. [[17]]       

De acordo com a citada Autora o princípio par conditio creditorum tem na sua génese uma limitação dos direitos naturais dos credores, correspondendo a uma justiça distributiva – de distribuição do sacrifício “de comunhão de perdas” ou de “comunhão de risco”. [[18]] O princípio par conditio creditorum encontra consagração no artigo 194.º, n.º 1 do CIRE quando refere que “o plano de insolvência obedece ao princípio da igualdade dos credores da insolvência, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objectivas”.

Com a declaração de insolvência a posição dos credores assume uma particular e significativa alteração, nomeadamente quanto ao exercício do seu poder executivo, na medida em que ficam impossibilitados de instaurar ou prosseguir com acções executivas contra o devedor (artigo 88.º, n.º 1 do CIRE); “ficam eventualmente limitados na titularidade de certos direitos reais de garantia dos seus créditos – devido à susceptibilidade de extinção dos privilégios creditórios e garantias reais (art. 97.º do CIRE) - no recurso a certos meios de extinção das obrigações - pelos condicionamentos impostos ao exercício do direito de compensação (art. 99.º do CIRE); no recurso a certas providências de conservação do património do devedor (…)” [[19]]

O administrador, a partir do momento em que é declarado estado de insolvência, de um particular ou de uma sociedade comercial ou empresa, fica investido no poder de gerir, administrar, zelar, conservar e reintegrar o património do devedor, facultando-lhe a lei a possibilidade de actuar e impulsionar as acções tendentes a evitar a depreciação do património que irá dar satisfação aos créditos que venham a apresentar-se ao concurso dos credores.  

Para além do poder potestativo que o CIRE atribui ao administrador da insolvência de dar ou recusar o cumprimento de contratos pendentes, ou seja ainda não cumpridos – cfr. artigo 102.º do CIRE e concretadas nos artigos 103.º a 115.º do mesmo livro de leis -, o código de Insolvência instituiu um novo regime que visa salvaguardar as acções anteriores praticadas pelo devedor e que se prefigurem ou contenham indicações de haverem sido efectivadas ou levadas a efeito com vista a prejudicar o pagamento (igualitário) dos credores, a saber a resolução em beneficio da massa insolvente - cfr. artigos 120.º a 126.º do CIRE.   

O instituto da resolução em benefício da massa insolvente consagrado, de forma indelével e impressiva, no CIRE (Código de Insolvência e Recuperação de Empresas), visou conferir uma maior eficácia e celeridade aos actos de recuperação de bens que estivessem no património do devedor insolvente e que tivessem sido desviados do fim a que se destina o processo de insolvência, qual seja o de dar satisfação, na medida das forças do património, dos créditos existentes à data da declaração da insolvência.

“[O]s actos resolúveis não se configuram, nem são havidos, como actos inválidos, seja do ponto de vista formal, seja sob o prisma substancial, atendendo, naturalmente, à inexistência de vícios que os afectem.

Do que se trata aqui é de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os de que contratam com o devedor insolvente e, eventualmente, os de que negoceiam com aqueles, portanto todos os terceiros em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num dado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência.

A finalidade é, pois, a da reintegração no património do devedor (ou melhor da massa insolvente) para efeito de satisfazer os direitos do credor”. [[20]]

Regulada de forma pormenorizada nos artigos 120.º a 126.º do CIRE, a resolução em benefício da massa insolvente comporta duas modalidades: a) – a resolução condicional prevista nos artigos 120.º do CIRE; e b) a resolução incondicional regulada no artigo 121.º do mesmo livro de leis.

Apartando-nos da resolução incondicional, por não estar em tela de juízo, importa, como proémio à decisão a proferir, escardear os requisitos de que depende o seu accionamento e quais as formas reactivas a adoptar pelo sujeito passivo.

O n.º 1 do artigo 120.º, n.º 1 do CIRE estabelece como pressupostos da resolução (condicional) a prejudicialidade do acto, praticado ou omitido, e a temporalidade.

Constituem-se actos prejudiciais – cfr. art. 120.º, n.º 2 do CIRE – aqueles “que diminuem, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência”. 

Esburgando cada um dos actos susceptíveis de poderem ser crismados como prejudiciais, o Autor citado infra, refere que “acto que diminui” pode ser caracterizado como aquele que opera uma redução nos direitos dos credores da insolvência, “o facto de tornar menor, menos numeroso ou até fazer baixar o valor de tais créditos”; “acto que frustra” como aquele que “faça falhar, que faça gorar, as pretensões dos credores da insolvência”; “acto que dificulta” como aqueles que “criam obstáculos ou estorvos à realização dos créditos”; “acto que põe em perigo” como aquele “que põe em risco, que ameaçam, que comprometem a segurança dos créditos”; e finalmente “acto que retarda” como aquele “que façam atrasar ou protelar a satisfação dos direitos dos credores da insolvência”. [[21]]              

O prejuízo há-de ser aferido pela afectação que possa criar na “satisfação dos credores da insolvência” na justa medida em que esta se destina, nos termos do artigo 46.º do CIRE, a “satisfazer os credores da insolvência”  

A prejudicialidade, nos termos do n.º 3 do artigo 120.º do CIRE, carece de ser demonstrada pelo sujeito activo da manifestação/declaração da vontade resolutiva, vale por dizer pelo administrador da massa insolvente, desde que contemple ou integre alguma das situação referidas no artigo 121.º do CIRE, fazendo a lei derivar uma presunção legal, juris et de jure – “sem admissão de prova em contrário” (n.º 3 do artigo 120.º do CIRE). Vale por dizer que a lei dispensa o declarante de demonstrar/provar os concretos factos de que resulta a prejudicialidade, ou seja o legislador, dentro das situações hipotisadas no n.º 3 do artigo 120.º do CIRE, desde que alegados os factos materiais constante da verificação do acto a resolver, dispensa o sujeito activo (administrador da massa insolvente) de provar os factos de que resulta a prejudicialidade para a massa insolvente.

Esta presunção legal tem um alcance limitado no exacto sentido que envolve alguns actos em determinadas circunstâncias, ou seja, o conjunto variado de situações enumeradas nas nove alíneas do artigo 121.º do CIRE e em função dos contornos aí definidos” [[22]]               

O prazo genérico de suspeição está estabelecido no n.º 1 do art. 120.º e computa-se em quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência. “Deste modo todos os actos praticados ou omitidos pelo devedor no espaço temporal fixado estão sob a ameaça de resolução em favor da massa. Tais dúvidas, quanto aos actos em causa resultam da circunstância de os credores da insolvência desconfiarem da sua bondade e da sua utilidade”. [[23]]   

Ainda nesta apreciação vestibular importará, ainda que de forma meramente perfunctória, integrar ou qualificar, juridicamente, a sociedade celebrante do contrato de mútuo. 

A “CC , S.A.” é uma sociedade gestora de participações sociais “que têm por único objecto contratual a gestação de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas” – cfr. n.º 1 do art. 1.º do DL n.º 495/88, de 30-12, com sucessivas alterações que mantiveram intocada esta definição.

As sociedades gestoras de participações regem-se pela normação instituída no Título VI do Código das Sociedades Comerciais, maxime pela ordenação prevista nos artigos 481.º a 508.º-F.

Debuxado o esquiço das áreas em que se movimentará a apreciação das questões suscitadas no recurso, prefigura-se pertinente fixar os núcleos ou vectores argumentativos em que se desenvolve e orienta o recurso.

A lei não especifica quais os actos ou negócios jurídicos praticados ou omitidos [[24]] pelo devedor que devam/possam ser actuados pelo administrador da massa insolvente para preservar, conservar ou reintegrar a todos os bens que se não fossem os actos, eventualmente, prejudiciais praticados ou omitidos pelo devedor deveriam formar ou constituir o património do devedor. Da letra do artigo 120.º do CIRE parece resultar que o legislador deixou uma margem ou critério, vinculado e adstrito ao exame e análise económico-financeiro que fizer do acervo documental que lhe for dado para os fins da gestão e administração, do conjunto de bens e direitos que constituem a massa insolvente, ao administrador para escrutinar e qualificar os actos praticados ou omitidos pelo devedor que possam ter causado uma diminuição o do respectivo património e que devam ser percebidos como tendo sido efectivados com a intenção de prejudicar a satisfação dos credores que se encontrem, no momento da declaração da insolvência, em condições de poder concorrer à execução conjunta do património ou do acervo de bens e direitos que devessem estar na esfera jurídica e patrimonial do devedor, se não tivessem sido praticados ou omitidos actos que determinassem a sua merma ou dificuldade de satisfação dos credores – cfr. artigo 46.º do CIRE. [[25]]    

Como acima se deixou dito, o legislador pretendeu dotar a administração da massa insolvente de de um mecanismo processual menos demorado e mais eficaz do que o procedimento da impugnação pauliana colectiva ou singular de que os credores se podiam servir para recuperar ou fazer reintegrar na esfera jurídica do devedor os bens que este tivesse alienado ou distraído por actos lesivos ou prejudiciais para o cumprimento das obrigações que tinha contraído antes da declaração de insolvência ou falência. (Note-se, aliás, que o legislador limitou, drasticamente a possibilidade de recurso dos credores à acção de impugnação pauliana, tendo-a vedado quando a resolução haja sido decretada pelo administrador da insolvência – cfr. art. 127.º do CIRE.)            

O art. 121.º do CIRE confere um conjunto de actos ou negócios jurídicos que podem ser tidos como constituindo-se lesivos e prejudiciais para a massa insolvente, estipulando prazos para alguns dos actos, como é o caso da “constituição de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas” que poderá/deverá ser resolvido, incondicionalmente, dentro dos 60 dias anteriores à data do inicio do processo de insolvência. 

Ocorre, porém, que o n.º 3 do artigo 120.º do CIRE estatui uma presunção de prejudicialidade, juris et de jure – “sem admissão de prova em contrário” –, de qualquer dos actos referidos no artigo seguinte, “ainda que praticados ou omitidos fora dos prazos aí contemplados”.

Na concepção do processo de insolvência, mormente da sua finalidade ou escopo teleológico, inscreve-se a lídima ideia de que o devedor deve assumir e prospectivar a sua actividade económica tendo como base a capacidade de solvência dos contratos e compromissos comerciais contraídos. Resulta de uma necessidade salutar da vida comercial que aquele que está no giro comercial, ou que gere a sua vida económica pessoal – dado que o regime de insolvência foi alargada às pessoas singulares – tome consciência do momento a partir do qual deixa de poder cumprir e solver as dividas que contraiu. Decorre desta injunção económico-social o dever cominado no artigo 18.º do CIRE de o devedor dever “requer a declaração de insolvência dentro dos 60 dias posteriores à data do conhecimento da situação de insolvência, tal como descrita no n.º 1 do artigo 3.º, ou à data em que devesse conhecê-la”. Note-se que a exigência da lei vai ao ponto de fincar o dever de conhecimento a uma prognose ou perspectividade da situação de incumprimento dos compromissos assumidos.

A resolução condicional surge, assim, como forma de o administrador da insolvência agir ou actuar, relativamente a actos que tendo sido levados a cabo pelo devedor sejam ou possam, no seu recto e salutar critério, taxar-se de prejudiciais para o fim da insolvência, qual seja a de propinar um equitativo e igualitário pagamento a todos os credores concorrentes à cobrança das respectivas dividas.

A lei, como resulta do seu preambulo, quis privilegiar e adoptar mecanismo que pudessem de forma eficaz e célere dar satisfação ao pagamento dos credores pelas dividas existentes à data da declaração da insolvência e do mesmo possa dotar a administração da massa insolvente de poder recuperar para a massa bens ou direitos que se revelassem poder ter sido objecto de actos ou negócios fraudulentos e/ou lesivos da perspectiva de satisfação dos credores que se viessem a apresentar ao concurso de credores da insolvente.

Como já se disse supra é ao administrador que compete, em face da análise dos negócios efectuados pelo devedor, dentro do prazo de quatro anos anterior ao início do processo de insolvência, escrutinar a prejudicialidade ou lesividade dos actos ou negócios jurídicos praticados ou omitidos pelo devedor e em face do juízo que vier a fazer accionar ou actuar o mecanismo de resolução do acto praticado ou omitido.

O acto resolvido – resolução do contrato de penhor efectuado pela mutuante, de forma unilateral e exclusivista –, porque o seu objecto se encontrava no património da insolvente ou seja na sua esfera de disponibilidade jurídica, não pode deixar de ser considerado como um acto de prejudicial, na justa medida que a sua subtracção à patrimonialidade da massa diminui o acervo de bens disponíveis para satisfação dos credores da massa e frustra a expectativa dos credores em verem os seus créditos satisfeitos com um montante substantivo pertencente á massa insolvente.

Assim sendo tem que se considerar como acto legitimo e necessário para os fins da insolvência, o acto do administrador que desencadeou a resolução do acto executório, como já se crismou, unilateral e exclusivista, actuado pela mutuante quando “executou” o penhor em consequência da resolução do contrato de mútuo.

Tendo o administrador da massa insolvente reputado e considerado dever o acto de resolução do contrato de penhor constituído para garantia do mútuo incumprido, pela insolvente, ser tido por prejudicial para a massa insolvente e tendo actuado ou exercido o direito de resolução dentro do prazo legal, caberá ao sujeito passivo demonstrar que não usou de má fé na prática do acto resolvido – cfr. n.º 4 do artigo 120.º do CIRE.

A integração de vontades no circuito comercial deve ser analisado e perspectivado tendo como pano de fundo as relações de interesses regidas pela captação de lucro adveniente da actividade que cada um desenvolve. Na prática comercial, e com mais acuidade na actividade financeira, a análise de risco; a solvabilidade dos potenciais clientes relativamente a empréstimos concedidos; o estudo relativo às perspectivas de desenvolvimento económico exógeno e ambiental/territorial da empresa; a capacidade e valia pessoal e orgânica da respectiva gestão empresarial, vale dizer da capacidade e valia dos seus quadros executivos; o estudo dos activos e passivos das empresas candidatas a empréstimos; o estudo, inclusive, das capacidades e forças com que os sócios possam vir a responder pelas dívidas das empresas; as exigências de prestação de garantias, por vezes de feição e/ou alcance “leonino”; a prospecção/projecção que é feita do mercado onde a empresa actua para efeitos de perspectivação da respectiva evolução e possibilidade de robustecimento da capacidade económico-financeira da empresa mutuária, tudo isto está instalado na prática e na actividade das instituições que se dedicam ao negócio de “vender dinheiro” como vectores inafastáveis de uma decisão de empréstimo.

Este uso e costume está adquirido e instituído, daí que, não podendo o legislador estar divorciado da realidade, deva tirar ilações para a estatuição de determinadas presunções e instituir factores de correcção legal, quando se trate de proteger e salvaguardar interesses de pessoas ou instituições que tendo contratado com um determinado sujeito, individual ou colectivo, tenha perspectiva de vir a concorrer, em pé de igualdade, com todos aqueles que com eles realizaram negócios jurídicos.

A instituição mutuante, enquanto entidade que está no comércio bancário, não podia deixar de conhecer a realidade comercial e a situação financeira da mutuária e suas associadas, pelo que tendo ocorrido a resolução do contrato de penhor em Junho de 2008 – dois meses antes da declaração de insolvência – não podia deixar de, pela especial relação que mantinha com a insolvente, saber da situação em que a mesma se encontrava.  

A má fé, neste caso, presume-se juris tantum , pelo que caberia á recorrente demonstrar que não agiu com má fé, o que não resulta da matéria de facto provada.

Compreende-se a presunção estabelecida a favor da massa insolvente. É que no giro comercial, como é o caso, não podem os credores deixar de estar conhecer a realidade financeira em que se encontra, nomeadamente, a sua quebra nos pagamentos aos credores e a sua incapacidade para solver os compromissos financeiros assumidos. E a recorrente era de tal situação conhecedora como o comprova a iniciativa tomada de resolver o contrato de mútuo. Sabendo-o, como a realidade factual o comprova, não pode eximir-se ao alcance normativo contemplado no n.º 4 do artigo 120.º do CIRE.

Ao credor, neste caso à instituição bancária, que viu incumprido o crédito que possuía sobre a sociedade CC resta-lhe reclamar o crédito garantido, por garantia real sobre uma conta da sociedade insolvente, – cfr. n.º 4, al. a) do artigo 47.º do CIRE - no processo de reclamação de créditos que venha a ser efectuado para verificação de todos os créditos concorrentes.

Desconhecendo-se, embora, o conteúdo exacto do contrato social das sociedades envolvidas em coligação – a sociedade devedora (mutuária) assume, ao que se depreende, a posição de sociedade dominante (artigo 486.º do Código Sociedades Comerciais) em relação à sociedade insolvente (possui 85% do seu capital social) – o facto é que a instituição bancária possui um crédito sobre a sociedade dominante podendo reclamá-lo no processo de insolvência da sociedade participada (insolvente), quando os credores forem chamados a reclamarem os respectivos créditos, no âmbito deste processo.

Já quanto à presunção juris et de jure contida no n.º 3 do artigo 120.º do CIRE e porque a mesma vem arguida de inconstitucionalidade, merecerá apreciação no apartado sequente.        

II.B.2. – Constitucionalidade (n.º 3 do artigo 120.º do CIRE - Presunção de prejudicialidade). 

“Sem conceder”, induz, a recorrente, a inconstitucionalidade do n.º 3 do art. 120.º do CIRE por: “ao fixar uma presunção de prejudicialidade, presunção essa inilidível, ou seja, sem possibilidade de prova em contrário e sem qualquer limite temporal anterior à data da verificação da Insolvência, uma vez que impede a apreciação efectiva do acto praticado, ou seja, de saber se esse acto à data em que foi praticado constituiu (ou não) um efectivo acto prejudicial à massa.

LXIII – Norma essa que ao considerar sem mais pela prejudicialidade de um acto sem se ter em razão motivos empresariais, económicos e ou estratégicos que levaram à celebração do mesmo coarcta a liberdade e iniciativa económica dos agentes e põe em causa a segurança jurídica dos contratos celebrados e dos terceiros que se encontrem de boa fé, violando o disposto no art. 610 da Constituição da Republica Portuguesa.”

Apartando-nos da oportunidade da arguição da inconstitucionalidade do preceito supra indicado – a jurisprudência vai no sentido de que a suscitação de uma questão de inconstitucionalidade deve ser formulada nas instâncias, o que se compreende por ao trazê-la só nesta sede estaria a induzir o conhecimento de uma questão nova que é vedado pelo regime de recursos – cremos, ainda assim, dever correr o risco de, conhecendo-a, poder alentar um recurso para o Tribunal Constitucional.   

Reza o artigo 61.º da Constituição da República Portuguesa consagra, entre outros, o princípio da livre iniciativa económica privada, ou no dizer de Gomes Canotilho “este preceito contempla as diversas formas constitucionalmente tipificadas de iniciativa económica não pública: a iniciativa privada, a iniciativa cooperativa e a iniciativa autogestionária” [[26]]   

Para o Professor de Coimbra “a liberdade de iniciativa privada tem um duplo sentido. Consiste, por um lado, na liberdade de iniciar uma actividade económica (liberdade de criação de empresa, liberdade de investimento, liberdade de estabelecimento) e, por outro lado, na liberdade de organização, gestão e actividade da empresa (liberdade de empresa, liberdade do empresário, liberdade empresarial). No primeiro sentido, trata-se de um direito pessoal (a exercer individual ou colectivamente); no segundo sentido é um direito institucional, um direito da empresa em si mesma).” [[27]]

Não se antolha como seja possível que a existência de uma presunção de prejudicialidade possa limitar ou restringir o princípio constitucional de liberdade de iniciativa económica privada. Na verdade a questão da prejudicialidade não bule com o principio da livre iniciativa privada, dado que a actuação ou verificação negativa deste principio há-de colocar-se a montante da constituição de uma empresa ou do inicio de uma actividade comercial/empresarial por parte de um grupo de pessoas ou de um pessoa em nome individual.    

Adiantando, no entanto, razões e procurando um correcto enquadramento jusconstitucional do princípio constitucional que a recorrente estima estar a ser violado com a presunção estatuído no n.º 3 do artigo 120.º do CIRE, pensamos que terá querido referir-se ao principio da segurança jurídica e da protecção da confiança [[28]], e/ou ao principio inderrogável do Direito que se traduz na necessidade de acção e actuação com boa fé em todas as relações jurídicas encetadas pelos cidadãos no seu trato jurídico.

Ainda nesta acepção ou perspectiva dogmática afigura-se-nos não lhe caber razão substantiva quando crisma de inconstitucional o segmento de norma contida no n.º 3 do artigo 120.º do CIRE.

Refere a recorrente que não se conforma com o princípio da boa fé das relações comerciais que regem para os contratos firmados entre os sujeitos jurídicos, que não se possa questionar a existência de uma efectiva prejudicialidade de um acto jurídico no âmbito de um processo de insolvência, por o sobredito segmento de norma lhe confinar ou adstringir uma presunção inilidível, e sem qualquer limite temporal reportado ao inicio do processo de insolvência. 

Preceitua o n.º 3 do artigo 120.º do CIRE que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo seguinte, ainda que praticados fora dos prazos aí contemplados.

Uma das objecções opostas ao segmento de norma é a sua atemporalidade –e sem qualquer limite temporal anterior à data da verificação da Insolvência – sendo a outra a impossibilidade de elisão da presunção - sem possibilidade de prova em contrário - ou seja, por um lado para a resolução em beneficio da massa insolvente de um acto que se mostre prejudicial não imporia a lei limite temporal e, por outro, a lei constituiu uma presunção juris et de jure, o que frustra e ilaqueia qualquer possibilidade de discussão das razões que estiveram na base do encetamento da relação comercial, contrário, portanto, á segurança e á confiança jurídicas que devem reger para este tipo de relacionamento.

O artigo 120.º do CIRE fixa requisitos dentro dos quais o administrador da massa insolvente tem de conter para que possa actuar ou accionar o mecanismo da resolução condicional. Assim, para além da temporalidade, a lei impõe a prejudicialidade do acto e a má fé quanto ao acto praticado ou omitido.

Já o artigo 121.º do CRE – resolução incondicional em beneficio da massa insolvente – não faz depender a actuação do administrador de quaisquer requisitos, o que vale por dizer que desde que surpreendidos ou chegados ao conhecimento do administrador quaisquer dos actos elencados nas diversas alíneas do n.º 1 do mencionado preceito a resolução pode ser accionada independente da necessidade de sindicar a prejudicialidade ou a má fé. Ocorre, neste caso, uma possibilidade de resolução automática e imediata sem qualquer indagação prévia ou estabelecimento de condicionalismos á acção do administrador.

Reside nesta diferença o imo dos dois institutos - existência de pressupostos, no primeiro caso, ausência de pressupostos e condicionalismos, desde que os actos a resolver se enquadrem em qualquer das alíneas contidas no n.º 1 do art. 121.º, no segundo caso.

A presunção estabelecida no n.º 3 do art. 120.º do CIRE tem como requisito o limite de quatro (4) anos, ou seja, o acto objecto de resolução há-de ter sido praticado até 4 anos antes do início da declaração de insolvência, não impondo o limite de seis meses que a alínea e) – constituição de garantias reais em simultâneo com a criação das obrigações garantidas – impõe para a resolução do acto. É na supressão deste prazo para a consideração de uma presunção de prejudicialidade, com dimensão e alcance juris et de jure, que a recorrente derivar a inconstitucionalidade do segmento de norma.

A lei ao estabelecer presunções fá-lo com vista a conferir valor ou valimento jurídico a determinados actos ou situações que pela sua importância e/ou determinabilidade numa relação jurídica, devem merecer uma especial consideração e protecção. Verificando-se a ocorrência de um determinado comportamento ou a verificação de um evento a lei concede a um dos sujeitos um beneficio ou a dispensa (legal) de não ter que provar o facto ou evento acaecido. [[29]]    

No caso que nos ocupa não se nos afigura que a lei ao estabelecer uma presunção juris et de jure quanto à prejudicialidade esteja a ofender o princípio da livre iniciativa privada ou o princípio da segurança e da confiança jurídica. Na verdade, quando a lei estabelece um escopo para a insolvência, itera-se, a satisfação dos créditos pelas forças patrimoniais existentes na massa insolvente, afigura-se-nos pertinente que para assegurar esse escopo muna o processo de mecanismos jurídicos que permitam reconstituir com a maior aproximação possível o património do devedor do que era quando os créditos forma contraídos. O contrário, isto é, permanecer inane e inerte perante actos que possam ter afectado e prejudicado o valor patrimonial do devedor é que seria contrário à segurança e à confiança jurídica que os demais credores tinham criado quando contrataram com o devedor. A expectativa de todos ver-se-ia frustrada e apenas um ou alguns seriam os beneficiários da não existência de uma presunção. Esta presunção, porque estabelecida em beneficio da massa, o que vale por dizer no beneficio de todos os detentores de créditos sobre o insolvente é conforme ao desígnio do processo de insolvência e aos interesses de todos os credores concorrentes ao pagamento dos créditos á custa da massa insolvente. Serve como mecanismo de reparação para a prática de determinados actos que a lei reputa e taxa de lesivos e prejudiciais para o interesse comum ou para a par conditio creditorum.      

Concluímos pela inexistência de inconstitucionalidade da norma contida no n.º 3 do artigo 120.º do CIRE.

III. - Decisão.

Em defluência do exposto, decidem os juízes que constituem este colectivo, na 1.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça, em:

- Negar a revista.

- Condenar a recorrente nas custas.

Lisboa, 12 de Julho de 2011     


Gabriel Catarino (Relator)
Sebastião Póvoas
Moreira Alves

_____________________________

                                         

[1] Dispositivo da decisão do Tribunal da Relação: “Julgam procedente o recurso de apelação interposto pela recorrente e revogam a decisão recorrida, que substituem (não declarando sem efeito a resolução do contrato de penhor de depósito a prazo efectuada pelo Sr. Administrador da Insolvência) pela absolvição do pedido”.
[2] Cfr. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, Pág. 217.
[3] Cfr. Pestana Vasconcelos, L. Miguel, in “Direito das Garantias”, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 231 e Antunes Varela, in
[4] Cfr. Antunes Varela, in Op. Loc. cit. pág. 509 e 510.
[5] Antunes Varela, in op. Loc. cit. pág. 510.
[6] Cfr. Galvão Teles; Inocêncio, in “Manual dos Contratos em Geral”, 2010, 4.ª edição, Coimbra Editora, pág. 475. Antunes Varela, João, in “Das Obrigações em Geral”, vol. I, págs. 273 a 292.   
[7] Antunes Varela, in op. Loc. cit. pág. 279.
[8] Cfr. Galvão Telles, Inocêncio, in op. loc. cit. Pág. 476 que dá como exemplo o contrato de trabalho e de arrendamento referente à prestação de trabalho de um porteiro e o correlativo contrato de arrendamento da habitação que ele ocupa.
[9] Cfr. Galvão Teles, Inocêncio, op. loc. cit. pág. 477.
[10] Cfr. Galvão Telles, Inocêncio, in “Manual dos Contratos em Geral”, Coimbra Editora, 4.ª edição, 2002, pág. 475 e segs.

[11] Cfr. pontos 6 e 7 da decisão de facto. “6. Como garantia e condição de concessão do mútuo foi, pela A., exigido à CC, S.A. a prestação de garantia em caso de incumprimento.

7. Garantia que veio a ser prestada pela insolvente, consubstanciada por um contrato de penhor de depósito a prazo, celebrado em 23 de Novembro de 2006.”
[12] Cfr. Op. loc. cit. pág. 256.
[13] Nota distintiva do penhor mercantil relativamente ao penhor de coisas móveis é que  penhor mercantil caracteriza-se pelo não desapossamento da coisa e ou seja por uma tradição fictícia da coisa, neste caso coisa fungível, para a esfera jurídica do credor pignoratício. (Cremos não ser de aplicar o regime estatuído no DL n.º 105/2004, de 8-05, resultante da transposição da Directiva 2003/47/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, por não se verificarem os requisitos contidos nos artigos 3.º a 7.º do citado Decreto Lei)
[14] Op. loc. cit. pág. 241.
[15] Cfr. ponto XXXVII das alegações “[…] à luz da coligação que caracteriza os dois contratos celebrados (mútuo/penhor) dúvidas não existem que a Insolvente AA, Lda. constituiu urna garantia real a favor da Aqui Recorrente – penhor de depósito a prazo – mas não assumiu a obrigação decorrente do mútuo que permitiu a sua constituição, urna vez que era à sociedade mutuada CC, S.A. que incumbia o ónus de pagamento do mútuo concedido.

[16] “De facto, a ora recorrida alegava que o referido contrato, do seu efectivo e documentado conhecimento, já se encontrava, em data substancialmente anterior, formalmente resolvido por si.

E, concretizava que, a declaração de Resolução operada pela Ré Massa Insolvente, representada pelo seu Administrador com data de 03 de Julho de 09 teve por objecto um contrato já extinto por resolvido pela Autora aos 31 de Julho de 2008, data esta muito anterior à decretação do estado de insolvência da sociedade AA, Lda..

E alegava que esse Resolução, operada pela Autora, agora Recorrida, nunca foi posta em causa pela Ré, agora Recorrente.

Entendia – e entende –, pois, a Autora, que a Declaração de Resolução operada pela Ré Massa Insolvente, atento que, respeitou a mesma a um contrato de penhor já extinto, por resolvido desde 31 de Julho de 2008, é nula, porquanto não poderia, no seu entendimento, o referido contrato ser novamente resolvido.

Ou seja, conclui a ora Recorrida que, com a Resolução por si operada (e em momento algum posta em causa pela Ré), extinguiram-se todos os efeitos do contrato que a Ré Massa Insolvente pretendia declarar resolvido em seu benefício (da massa Insolvente.), razão por que, também com tal fundamento, deverá ser declarada nula a declaração de resolução operada pela Ré Massa Insolvente.

Porém, neste ponto, como dissemos, não assiste a razão à ora Recorrida.

É que não estamos em face de uma verdadeira resolução em termos jurídicos, tal como nos é apresentada nos 432º e seguintes, do C. Civil.

[…] O certo é que, como dissemos e analisamos supra, na segunda questão colocada pela recorrente nas conclusões da motivação do seu recurso, não se operou uma verdadeira resolução do referido contrato de penhor do referido depósito a prazo, dado pela ora Recorrente.

Por isso, a BB não deveria ter dado por resolvido o referido Contrato de Penhor de Depósito a Prazo em 31 de Julho de 2008, e, fazendo uso do disposto na alínea c) da sua cláusula sétima, não deveria ter procedido, nessa mesma data, à compensação parcial do seu crédito sobre a CC, S. A., com o saldo actual, no valor de EUR 2.201.961,25 (dois milhões, duzentos e um mil, novecentos e sessenta e um euros e vinte e cinco cêntimos), do depósito a prazo dado em penhor.

E, face ao supra exposto, não faz sentido a afirmação da ora recorrida que, porque a compensação foi apenas parcial – já que a referida garantia do aludido penhor não foi suficiente para o seu total pagamento –, na parte em dívida, foi pedir judicialmente esse montante, em sede de reclamação e graduação de créditos na Insolvência da ora recorrente.

Ou seja:

Face à análise que fizemos na segunda questão colocada pela recorrente nas conclusões da motivação do seu recurso, para cujos fundamentos remetemos nesta sede, não faz sentido nem assiste a razão à ora recorrida quando pretende que, em face do que alude o n.º 2 do art.º 684º-A, do C. P. Civil, seja agora ainda apreciada a questão da invocada e suscitada nulidade da Resolução operada pela Massa Insolvente, e seja efectivamente decretada essa nulidade.

Por isso, e face ao exposto, deve improceder esta questão colocada pela recorrida.”
[17] Cfr. Catarina Serra, “A Falência no Quadro da Tutela Jurisdicional dos Direitos de Crédito – O Problema da Natureza do Processo de Liquidação Aplicável à Insolvência do Direito Português”, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pág. 152.
[18] Cfr. Op. loc. cit. pág. 391 e segs.
[19] Cfr. op. loc. cit. pág. 393.
[20] cfr. Gravato Morais, Fernando, in “Resolução em Beneficio da Massa Insolvente”, Almedina, 2008, pág. 47.
[21] Cfr. op. Loc. cit,, págs, 50 a 52.
[22] cfr. op. Loc. cit. Pág. 55.
[23] Apud op. Loc. cit. pág. 61.
[24] Quanto à dificuldade de integrar, conceptualizar ou classificar os denominados “actos omitidos” a que alude o artigo 120.º do CIRE veja-se Menezes Leitão, L.M. Teles, in “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – Anotado”, 2009, Almedina, Coimbra, 5.ª edição, pág. 158. 
[25] Artigo 46.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas: “A massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas, e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.
[26] Cfr. Gomes Canotilho, J.J. e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa - Anotada”, Coimbra, 2007, Coimbra Editora, pág. 788.      
[27] Cfr. op. loc. cit. pág. 790.
[28] Cfr. a este propósito Reis Novais, Jorge, in “Os Princípios Constitucionais Estruturantes da República Portuguesa”, 2011 (reimpressão), Coimbra Editora, pág. 261 e segs.
[29] Cfr. Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pag. 485 a 488.  Vide ainda Michele Taruffo, in “La Prueba”, 2008, Marcial Pons, Madrid, pág. 152 e M. Gascón Abellán, in “Los Hechos en el Derecho”, 2004, Marcial Pons, Madrid, pág. 146. “Las presunciones iuris et de iure son tambiénl normas jurídicas que para garantizar determinados valores, establecen como verdaderos ciertos hechos em presencia de otros; y em esto se asemejan a las presunciones juns tantum: tanto unas como otras dispensan de la prueba a aquellos em cuyo beneficio se establecen. Sin embargo, entre las presunciones iuris tantum y ls presunciones iuris et de iure hay una importante disparidad: a diferencia de las primeras, estas últimas son absolutas, no admiten prueba em contrario. De este rasgo distintivo derivan dos importantes consecuencias. Por um lado, si la conclusión de las presunciones iuris tantum no debe ser tomada como um enunciado asertivo verdadero porque no se ha probado, con mayor razón habrá de afirmarse lo mismo para las presunciones iuris et de iure, pues, al no admitir estas prueba em contrario, és inclluso imposible intentar destruir una situación (la establecida en la presunción) que bien pudiera ser falsa. Por outro, enquanto que las presunciones iuris tantum instauran técnicas probatorias regulando la carga de la prueba, las presunciones iuris et de iure no hacen referencia a la carga de la prueba de um hecho pasado, sino que, por el contrario, se enderezan a ejercer una influencia sobre los hechos futuros, a fin de que se conformen a la presunción establecida.”