Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06S3320
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SOUSA GRANDÃO
Descritores: CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
COMPENSAÇÃO
REFORMA POR VELHICE
CONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200702070033204
Data do Acordão: 02/07/2007
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Sumário : I - O disposto no art. 5.º, n.º 1, da LCCT (Reforma por velhice) apenas se aplica aos trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa.

II - Por isso, sendo as pensões de velhice acumuláveis com rendimentos do trabalho, nada impede a eventual contratação, por terceiros, de trabalhadores já reformados, ficando o respectivo vínculo sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo.

III - Porém, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade sem que o contrato caduque, o mesmo converte-se em contrato de trabalho a termo de seis meses.

IV - Esta interpretação não viola os princípios constitucionais ínsitos nos art.s 53.º, 59.º, n.º 2 e 60.º, n.º 1 da CRP.

V - No âmbito da LCCT, a caducidade do contrato nos termos referidos (art. 5.º, n.º 2, da LCCT) não determina o pagamento de qualquer compensação ao trabalhador. *

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

1 – RELATÓRIO
1.1
"AA" intentou, no Tribunal de Trabalho de Oeiras, acção declarativa de condenação, emergente do contrato individual de trabalho, com processo comum, contra os condóminos, devidamente identificados nos autos, do prédio sito na Rua Pedro Nunes, nº ... em Oeiras, pedindo que seja declarada nula a cessação do contrato de trabalho operada pelos Réus e que, por via disso, sejam os mesmos condenados a reintegrar a Autora no seu posto de trabalho – sem prejuízo da sua eventual e oportuna opção indemnizatória – com direito à habitação que ocupa no imóvel, devendo ainda pagar-lhe as componentes retributivas discriminadas Na P.I..
Alega, em síntese, que:
- sendo reformada desde Abril de 1992, foi admitida em 1 de Dezembro seguinte como porteira do identificado prédio;
- em 1/1/2001, foi celebrado pelas partes um contrato de trabalho a termo certo;
- com o fundamento de que a Autora já havia completado 70 anos de idade em 17/12/96 e que, por esse motivo, o referido contrato não era válido, os Réus rescindiram o vínculo laboral para 17/12/2002;
- o preceito invocado nesse sentido – art. 5º do D.L. nº 64-A/89 – não tem aplicação ao caso dos autos, uma vez que a Autora já estava reformada quando aprazou o contrato com os Réus e, mesmo que assim não fosse, é manifestamente inconstitucional por violar os arts. 53º, 59º nº 2 e 60º nº 1 da Constituição.
Ao contestarem, os Réus dizem, em suma, que se limitaram a fazer cessar, por caducidade, um contrato que, por imperativo legal, já passara ao regime de contrato a termo desde que a Autora completara os 70 anos de idade, impugnando, no mais, a tese da P.I.
1.2
Instruída e discutida a causa, foi lavrada sentença que, que julgando totalmente improcedente a acção, absolveu os Réus do pedido.
Sob a apelação da Autora, o tribunal da Relação de Lisboa confirmou o julgado, no que respeita à legalidade da cessação operada, mas conferiu à Autora o direito a uma indemnização por caducidade do contrato, que fixou em € 1.252,80.
1.3
Mantendo-se irresignada, a Autora veio impugnar, em revista, o Acórdão da Relação, sendo que os Réus também o fizeram subordinadamente, com respeito ao segmento decisório em que decaíram.
Para o efeito, concluem do seguinte modo as respectivas alegações:

(A)
REVISTA DA AUTORA

1 – está provado que a A. se reformou por velhice em 10/9/91 e que perfaz 70 anos de idade em 17/12/96;
2 – à luz do art. 5º do D.L. nº 64-A/89, o contrato de trabalho transforma-se em contrato de trabalho a prazo de 6 meses quando:
- ocorrendo a reforma por velhice do trabalhador, o contrato de trabalho se mantiver em vigor;
- o trabalhador tiver completado 70 anos de idade;
3 – ora, se a A. se reformou em 10/9/91 e foi admitida ao serviço dos RR. Em 1/12/92 e se, em 1/8/01, as partes celebraram um contrato denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, esta estipulação não era válida, uma vez que a A. já estava ao serviço dos RR. desde 1992;
4 - por carta de 25/9/2002, os RR. rescindiram o contrato de trabalho vigente com a A., invocando a caducidade do contrato a termo, que resultava do facto de a A. já ter feito 70 anos de idade em 17/12/96, considerando nula a estipulação de 1/8/01;
5 – deste modo, os RR. rescindiram o contrato de trabalho por a A. perfazer 76 anos de idade;
6 – a ser válida a previsão do citado art. 5º, o regime do contrato a termo de seis meses vigorava com termos sucessivos no final de Março e Setembro de cada ano;
7 – e, por isso, nunca poderiam os RR. fazer cessar o contrato em 17/12/02, por não ser esse o termo contratual;
8 – acresce que a situação da R., no que toca à reforma, não permite a aplicação daquele art. 5º, uma vez que a A. já estava reformada quando iniciou a relação contratual com os RR.;
9 – os RR. não podiam, por isso, ignorar a reforma da A., uma vez que esta foi admitida ao seu serviço com 65 anos de idade;
10 – nessa parte, o Acórdão violou, pois, o citado art. 5º;
11 – esse preceito, ao transformar o contrato de trabalho em contrato a termo certo de seis meses, nos casos de reforma do trabalhador ou quando este atinja os 70 anos de idade, é inconstitucional, pois viola os arts. 53º, 59º nº 2 e 60º nº 1 da C.R.P. na redacção de 1982 – que era a vigente à data da entrada em vigor do D.L. nº 64-A/89 - uma vez que impõe contratos de natureza precária em razão da idade ou da reforma por velhice e não da capacidade de trabalho do trabalhador – art. 277º nº 2 da C.R.P de 1982;
12 – foram violados os citados preceitos constitucionais e, pata além do já citado art. 5º, também o art. 46º nº 3 do D.L. nº 64-A/89.

(B)
REVISTA DOS RÉUS
1 – a A. não pediu qualquer compensação decorrente da caducidade do contrato a termo mas uma hipotética indemnização por despedimento, para o caso de vir a ser essa a sua opção;
2 – o Acórdão recorrido, ignorando o art. 661º nº 2 do C.P.C., condenou os RR. a pagarem uma quantia a título de compensação legal pela caducidade de contrato a termo, o que determina a nulidade da decisão nº 1 -daquele preceito;
3 – entendem os recorrentes que não assiste à A. o direito à compensação prevista no art. 46º nº 3 do D.L nº 64-A/89, uma vez que estamos perante o especial contrato a termo, nascido “ope legis” em virtude de a A. ter completado 70 anos de idade;
4 – de entre as “necessárias adaptações”, a que alude o citado art. 5º nº 1, insere-se a exclusão da compensação prevista no art. 46º nº 3;
5 – aliás, esta foi a posição que veio a ser expressamente adoptada pelo C.T. (art. 392º nº 3 e nº 2 al. d)), o que se reveste de relevante interesse para a interpretação que ora se defende;
6 – foram violados os preceitos citados e ainda o art. 668º nº 1 al. E) do C.P.C..
1.4.
Cada uma das partes impugnou, nas contra-alegações, a tese que era desfavorável, sustentando a improcedência do recurso interposto pela parte contrária.
Mostra-se entretanto já decidida, em sede de despacho liminar do relator no Supremo, a questão prévia da inadmissibilidade do recurso subordinado, suscitada pela Autora nas referidas contra-alegações, com fundamento no valor da sucumbência dos Réus: aí se consignou a plena admissibilidade de tal recurso, face ao estatuído no art. 682º nº 5 do Cód. Proc. Civil.
1.5.
A Exmª Procuradora-Geral Adjunta, cujo douto Parecer não mereceu resposta das partes, pronunciando-se no sentido de ser negada a revista da Autora e concedida a dos Réus.
1.6.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – FACTOS

As instâncias deram como provada, sem censura das partes, a seguinte factualidade:
1 – os Réus são proprietários do prédio sito na Rua Pedro Nunes nº ... em Oeiras;
2 - a Autora foi admitida como Porteira do prédio em 1/12/1992, desempenhando, desde então, as funções próprias daquela categoria profissional, sob as ordens, direcção e autoridade dos proprietários do prédio, no âmbito de um contrato de trabalho vigente entre as partes;
3 – como contrapartida do trabalho prestado, os RR pagavam à A. uma retribuição mensal, sendo parte dela em dinheiro e outra parte através da concessão de alojamento no imóvel;
4 – a A. auferia ultimamente por mês a retribuição ilíquida de 188,54 € a que acrescia a retribuição em espécie constituída pelo alojamento.
5 – em 1/8/2001 a Autora celebrou um contrato denominado de “contrato de trabalho a termo certo” conforme doc. nº 3 de fls. 61/62;
6 - por carta datada de 25/9/2002 cuja cópia consta como doc. n.º 4 de fls. 63 e cujo teor integral aqui se dá por reproduzido, os RR comunicaram à A. “… que é vontade deste condomínio proceder à denúncia do contrato de trabalho existente, o qual não será renovado e caducará no dia 17 de Dezembro de 2002”;
7 – a A. nasceu em 17/12/1926;
8 – a A. é titular de uma pensão de reforma a qual teve início em 10/9/1991.
9 – a Administradora do Condomínio, BB, foi eleita em assembleia de condomínio realizada em 06/11/2001 conforme consta da acta nº 9, de 06/11/2001;
10 – tendo sido deliberado em 12/9/2002, em assembleia de condóminos, “proceder à denúncia do contrato de trabalho da Autora, para que o mesmo caduque no fim do prazo de vigência em curso”.
11 – Em 17/12/2002, os RR pagaram à Autora os créditos emergentes dessa cessação, designadamente o subsídio de férias vencido em 1/1/2002;
12 – tendo a A. recebido as quantias correspondentes;
13 – a A. continua, até ao presente, a ocupar e a usufruir da casa de porteira, propriedade do condomínio;
14 – desde Agosto de 2001 a Autora praticava um horário de trabalho das 10h00 às 13h00 e das 15h00 às 18h00 de 2ª a 6ª feira;
15 – era a A. que comprava todos os produtos para a limpeza mas, a partir de altura não apurada, a administração do condomínio passou a comprar esses produtos;
16 – desde há cerca de 5 anos, a limpeza do prédio passou a ser feita por CC, a quem a Autora pagava para o efeito € 150 por mês;
17 – após 17/12/2002 o pagamento do serviço de limpeza do prédio a CC passou a ser feito pelos RR., no valor de € 150 mensais, a que acrescem subsídio de férias e subsídio de Natal.
São estes os factos.

3 – DIREITO
3-1
Examinando as conclusões apostas pela Autora-recorrente à sua minuta alegatória, verifica-se que a mesma renova, na presente revista, as questões que já suscitara perante a Relação.
Essas questões são as seguintes:
1 – validade do contrato a termo celebrado pelas partes em 1 de Agosto de 2001 e validade da sua cessação, operada pelos Réus com efeitos reportados a 17 de Dezembro de 2002;
2 – inconstitucionalidade do artigo 5º do D.L. nº 64-A/89.
Por seu turno, a censura dos Réus, que corporiza o seu recurso subordinado, dirige-se ao segmento decisório que os condenou a pagar à Autora uma compensação pela caducidade do contrato.
Mas essa censura, tal como igualmente decorre do respectivo núcleo conclusivo, desdobra-se numa dupla vertente:
1- nulidade da decisão por excesso de pronúncia;
2- ilegalidade da referida atribuição compensatória quando a contratação a termo for imperativa.
3.2.1.
Como o Código de Trabalho só entrou em vigor no dia 1 de Dezembro de 2003 – art.º 3º n.º 1 da Lei n.º 99/03, de 27 de Agosto – e “não se aplica ao conteúdo das situações constituídas ou iniciadas antes da sua entrada em vigor, relativas a … procedimentos para a cessação do contrato de trabalho” – art.º 9º al. C) da mesma Lei – o regime ordinário aqui aplicável é o que emerge do D.L. n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (a que pertencem os demais preceitos a citar, sem menção de origem).
Examinando a petição inicial, verifica-se que a Autora impugna a validade da rescisão contratual operada pelos Réus através da carta subscrita em 25 de Setembro de 2002.
Essa carta reporta o termo do contrato de trabalho, vigente entre as partes, para 17 de Dezembro de 2002.
A assinalada impugnação arrima-se, por sua vez, a um triplo fundamento:
- a pretensa inconstitucionalidade do art.º 5º, a cujo preceito os Réus implicitamente se acolheram para a declaração rescisória;
- a sobreposição de dois regimes contratuais distintos e com diferentes datas de termo, caso se entenda aplicável, na espécie, o referido preceito;
- a inaplicabilidade desse preceito, mesmo em sede puramente ordinária, uma vez que a Autora já estava reformada quando, em 1 de Dezembro de 1992, iniciou a sua prestação laboral a favor dos Réus.
Não é fácil contextualizar a fundamentação aduzida: cremos que a sua exacta compreensão só será alcançada mais adiante, depois de conferimos o regime ordinário atendível e de o compaginar com a factualidade provada.
3.2.2.
Sob a epígrafe “Reforma por velhice”, dispõe como segue o citado art.º 5º:
“1-
Sem prejuízo do disposto na alínea C) do artigo anterior (o contrato de trabalho caduca com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez), a permanência do trabalhador ao serviço, decorridos 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma velhice, fica sujeita, com as necessárias adaptações, ao regime definido no cap. VII, ressalvados as seguintes especificidades:
A) é dispensada a redução do contrato a escrito;
B) o contrato vigora pelo prazo de seis meses, sendo renovável por períodos iguais e sucessivos, sem sujeição aos limites máximos estabelecidos no n.º 2 do artigo 44º;
C) a caducidade do contrato fica sujeita a aviso prévio de 60 dias, se for da iniciativa da entidade empregadora, ou de 15 dias, se a iniciativa pertencer ao trabalhador.
2-
Logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade, sem que o seu contrato caduque nos termos da alínea C) do artigo 4º, este fica sujeito ao regime constante do Cap. VII, com as especialidades constantes das alíneas do número anterior” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Como se vê, o preceito transcrito veio regulamentar as modificações que o legislador entendeu deverem ocorrer no vínculo laboral, logo que o trabalhador obtenha a reforma por velhice ou atinja os 70 anos de idade.
Assim:
- se o trabalhador se mantiver ao serviço da sua entidade patronal, decorridos que sejam 30 dias sobre o conhecimento, por ambas as partes, da sua reforma por velhice, o respectivo contrato de trabalho transforma-se automaticamente em contrato a prazo de seis (6) meses, mas sem os constrangimentos plasmados no art.º 44º n.º 2;
- se o contrato não caducar entretanto pela obtenção da reforma (por velhice ou invalidez), tal contrato transforma-se também, nos mesmíssimos moldes, em contrato a prazo, logo que o trabalhador atinja os 70 anos de idade.
O regime do transcrito art.º 5º foi pensado, em qualquer das suas vertentes, para os trabalhadores que permaneçam ao serviço da mesma empresa aquando dos eventos que condicionam a disciplina vertida nos seus n.ºs 1 e 2.
Mas, como “As pensões de velhice são acumuláveis com rendimentos do trabalho” – art.º 5º do D.L. n.º 41/89, de 2 de Fevereiro – nada impede a eventual contratação, por terceiros, de trabalhadores já reformados: nesse caso, o respectivo vínculo ficará sujeito, sem ressalvas ou restrições, aos princípios gerais da contratação, designadamente à contratação sem termo, que constitui a regra basilar.
E não faria qualquer sentido – de acordo com a opção do legislador, afirmada naquele art.º 5º - que um trabalhador, contratado nessas condições, permanecesse indefinidamente ao serviço da nova entidade patronal, sem que a esta fossem concedidos mecanismos para também fazer cessar sumariamente o contrato.
Por isso, estamos em crer que:
- a aplicabilidade do preceito, nos termos restritos acima enunciados, só é inteiramente válida para as situações que integram a previsão do n.º 1;
- em contrapartida, o n.º 2 enuncia um princípio geral, que é necessariamente aplicável a todos os trabalhadores – com natural excepção daqueles a quem seja imposta a reforma por limite de idade – independentemente de terem ou não, obtido já a reforma e de se acharem, ou não, ao serviço da mesma entidade patronal.
No caso dos autos, sabe-se que:
- a Autora recebe uma pensão de reforma desde 10 de Setembro de 1991;
- foi admitida ao serviço dos Réus, mediante contrato pacificamente tido como laboral e sem redução a escrito, em 1 de Dezembro de 1992;
- perfez 70 anos de idade em 17 de Dezembro de 1996;
- em 1 de Agosto de 2001, as partes celebraram um contrato escrito, a termo certo de seis meses, sucessivamente renovável;
- por carta de 25 de Setembro de 2002, os Réus denunciaram o vínculo contratual com a Autora, com efeitos reportados a 17 de Dezembro de 2002.
3.2.3.
Tendo em conta os critérios legais enunciados e a factualidade dada como provada, cumpre realçar, desde logo, a total irrelevância, no contexto da relação laboral em análise, da situação de reforma em que a Autora se encontrava quando iniciou a sua prestação laboral a favor dos Réus, pois que estes se assumem como terceiros relativamente à relação jurídica de que proveio a dita reforma.
Deste modo, o comando previsto no n.º 1 do citado art.º 5º é inaplicável ao concreto dos autos.
E, por isso, jamais se poderia afirmar que o respectivo contrato pudesse ter como referência, para efeitos de eventual prazo, a data da reforma da Autora, vigorando por seis meses, com renovações sucessivas no final de Outubro e de Abril de cada ano (esta é uma das teses subsidiárias da Autora, para quem a aplicação do art.º 5º - com o que não concede – obrigaria a relevar a data da reforma para efeitos do termo do prazo contratual).
Por outro lado, como a prestação laboral da Autora não foi reduzida a escrito, é fora de dúvida que o contrato iniciado em 1 de Dezembro de 1992 configura um contrato sem termo – art.º 42º n.º 3 do D.L. n.º 64-A/89.
Esse contrato vigorou com tal até 17 de Dezembro de 1996, data em que a Autora perfez 70 anos de idade: a partir de então, e por imperativo inderrogável do art.º 5º n.º 2, as partes ficaram obrigatoriamente vinculadas por um contrato de trabalho a termo de seis meses, com as especificidades – já conhecidas – enunciadas nas diversas alíneas do art.º 5º n.º 1.
Perante essa realidade contratual, a estipulação aprazada em 1 de Agosto de 2001 é nula: antes de mais, porque ignora que as partes já estavam vinculadas a um contrato de trabalho a termo desde 17 de Dezembro de 1996, que se mantinha válido; depois, porque veio frontalmente contrariar as datas do termo desse contrato: 1 de Agosto e 1 de Fevereiro no contrato de 1 de Agosto de 2001; 17 de Dezembro e 17 de Junho no contrato de 17 de Dezembro de 1996.
De resto, as partes até convergem quanto à nulidade dessa estipulação:
- a Autora afirma-o expressamente nos articulados e continua a fazê-lo nos recursos;
- os Réus dizem-no também na carta rescisória, quando aludem à discrepância dos termos decorrentes do contrato iniciado em 17/12/96 e daquele que foi formalizado em 1/8/2001, concluindo “… que a alteração, por via contratual, dos limites temporais da vigência do seu contrato de trabalho não é procedente, por recobrir irregularmente uma situação jurídica já existente”.
A divergência circunscreve-se à fundamentação: para a Autora a invalidade do contrato aprazado em 1/8/2001 decorre da vigência de um contrato sem prazo, que se mantinha em vigor e se iniciara em 1 de Dezembro de 1992 (sendo inconstitucional, na sua óptica, a previsão do artigo 5º); para os Réus, essa invalidade decorre do contrato a termo iniciado no momento em que a Autora perfez 70 anos de idade.
A razão, no plano do direito ordinário, está com os Réus: o vínculo laboral, sem termo, iniciou-se em 1 de Dezembro de 1992 e transformou-se em contrato a termo de 6 meses, sem limite renovatório, em 17 de Dezembro de 1996.
Ora, mantendo-se em pleno vigor este último contrato, que se foi renovando sucessivamente, bem andaram os Réus ao denunciá-lo, em 25/9/2002, para 17 de Dezembro seguinte, sendo que se mostra cumprido, para esse efeito, o pré-aviso legal de 60 dias.
Também foi esta a decisão das instâncias que, por isso não nos merece, nesta vertente, qualquer censura.
3.3.
Resta analisar, no que tange à revista da Autora, a pretensa inconstitucionalidade do preceito ordinário aplicado – art.º 5º n.º 2.
Segundo ela, o falado art.º 5º viola frontalmente o direito do trabalhador à segurança no emprego, a garantia do direito ao trabalho e o princípio de que todos os trabalhadores têm direito ao trabalho sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião e convicções políticas ou ideológicas.
Estes direitos têm guarida constitucional, respectivamente nos art.ºs 53º, 59º v.º 2 e 60º n.º 1 do Texto Fundamental.
E, na óptica da Autora, não podem ser retirados a quem se ache reformado por velhice ou haja atingido os 70 anos de idade.
O Tribunal Constitucional já teve ensejo de se pronunciar sobre a questão, concluindo pela adequação constitucional do preceito (Processos n.ºs 581/95, de 31/10/95, e 747/95, de 19/12/95, já citados na sentença da 1ª instância).
Por se acolher inteiramente a fundamentação neles aduzida, limitamo-nos a respigar a sua síntese basilar, tal como se acha enunciada no primeiro daqueles Arestos:
“A reforma por velhice – como as demais vertentes da Segurança Social – funda-se nos princípios da dignidade humana e da solidariedade (…).
É assim que a Constituição, no artigo 63º, garante a todos o direito à Segurança Social (n.º 1) e a criação de um sistema de protecção dos cidadãos na doença, velhice, invalidez (…) (n.º 4). E a lei, no que à reforma por velhice respeita, determina que “integra a eventualidade velhice a situação em que o beneficiário tenha atingido a idade mínima, legalmente presumida como adequada, para a cessação do exercício da actividade profissional idade que é, em regra, de 65 anos (…).
(…) Se ao trabalhador foi criada uma alternativa digna ao contrato de trabalho, não seria razoável que, a partir da criação do pressuposto de facto que justifica aquela alternativa – a idade da reforma – a entidade empregadora fosse obrigada a manter ao seu serviço, por tempo indeterminado, trabalhadores com mais de 65 anos.
Por mais que o contrato de trabalho se constitua em terreno adequado de “formas de paternalismo legítimo (C.S.Nizo), existe aqui uma lógica de proporcionalidade, que aponta para a relevância, em certos termos, dos valores da “equivalência” de prestação do contrato.
(…) Haverá de concluir-se que a “estabilidade condicionada de emprego”, para que apontou a Lei n.º 108/88 – e que o Decreto-Lei 64-A/89 concretizou - tem aquela justificação necessária para que se limite a pretensão de optimização que, como em todas as garantias fundamentais, vai envolvida na norma constitucional do artigo 53º. O trabalho como meio de realização, a retribuição como condição de dignidade, e a equivalência das prestações do contrato estão numa relação de equilíbrio, aqui onde o trabalhador atinge a idade de reforma, pode obtê-la e se abre um espaço de “renegociação do trabalho”.
(…) Assim, as normas em apreço ordenam-se também às directivas metódicas do artigo 18º da Constituição e, porque justificadas, não aprontam o princípio da igualdade” (FIM DE TRANSCRIÇÃO).
Se as razões expostas são válidas para quem atinge a idade mínima de reforma, por maioria de razão se impõem para quem já perfez os 70 anos de idade e se encontra, por isso, mais próximo do fim da sua vida activa como trabalhador.
Também aqui improcede, como se vê, a tese da Autora.
3.4.1.
Os Réus censuram, no seu recurso subordinado, o segmento decisório do Acórdão que, revogando nessa parte a sentença da 1ª instância, os condenou a pagar à Autora uma indemnização pela caducidade do contrato.
E, como já dissemos, produzem essa censura através de uma dupla vertente argumentativa:
- por um lado, entendem que o Acórdão os condenou em objecto diverso do pedido, uma vez que a Autora se limitou a reclamar, em contraponto da reintegração no seu posto de trabalho, uma indemnização por despedimento ilícito;
- por outro, sustentam a inaplicabilidade, ao caso, do art.º 46º n.º3, a que a referida condenação se acoberta.
Segundo cremos, os recorrentes suscitam duas “questões” distintas, a demandar tratamento também diferenciado: a par de uma nulidade decisória, invocam ainda um erro de julgamento.
Como tal, impõe-se que essas “questões” sejam tratadas separadamente.
3.4.2.
Relativamente à primeira questão, importa referir que o vício só foi aduzido no texto alegatório e não no próprio requerimento de interposição do recurso.
Como se sabe, a arguição das nulidades decisórias – sentenças da 1ª instância e Acórdãos da Relação (art.ºs 668º e 716º nº1 do Cod. Proc. Civil) – deve ser feita, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso (art.º 77º nº1 do Cód. Proc. Trabalho).
Através deste último preceito, o legislador veio afirmar e evidenciar, de uma forma mais impressiva, a posição já consagrada no art.º 72º nº1 do C.P.T./81, segundo o qual a arguição de nulidades da sentença (ou do Acórdão) é feita no requerimento de interposição do recurso.
Nem será suficiente, aliás, que nesse requerimento se faça uma simples referência à nulidade, ao seu “nomen juris” ou mesmo um preceito legal ao preceito legal em que o vício esteja previsto: a “ratio” da assinalada exigência – habilitar o Tribunal “a quo” a suprir a nulidade — torna indispensável que a arguição, porque dirigida à instância recorrida, contenha, contenha a adequada explanação dos motivos em que se ancora a pretensa nulidade, tudo a incluir, como se disse, no assinalado requerimento.
Como os recorrentes produziram a referida arguição de modo processualmente inadequado, não deverá a mesma ser apreciada por este tribunal.
3.4.3.
Essa omissão cognitiva não nos impede, todavia, de sindicar o erro de julgamento também invocado.
Já sabemos que o analisado art.º 5º manda aplicar “com as necessárias adaptações”, o regime definido no Cap. VII, que disciplina os “Contratos a Termo”.
Esse Capítulo, ao tratar da caducidade do contrato, dispõe, no seu art.º 46º nº 3, que:
“A caducidade do contrato confere ao trabalhador o direito a uma compensação correspondente a dois dias de remuneração base por cada mês completo de duração, calculada segundo a fórmula estabelecida no artigo 2º do Decreto-Lei nº 68-A/87, de 9 de Fevereiro”.
Foi ao abrigo deste preceito que o Acórdão da Relação operou a assinalada condenação dos Réus.
Com o devido respeito, não sufragamos este entendimento.
A remissão, feita no art.º 5º para o Capítulo VII e, consequentemente, para o transcrito art.º 46º nº3, deve ser feita “com as necessárias adaptações”.
E, neste contexto, há-de reconhecer-se que a contratação a prazo, decorrente daquele art.º 5º, em nada se confunde com a contratação a prazo regulamentada no Capítulo VII: ali, a contratação decorre “ope legis”; aqui, realiza-se “de motu proprio”.
No que respeita à contratação voluntária, a lei só a admite em casos absolutamente contados, dada a precariedade e a insegurança que essa modalidade vinculística necessariamente comporta para o trabalhador.
Facilmente se aceita, por isso, que a compensação por caducidade constitua uma forma de minimizar os efeitos decorrentes do desemprego, para cuja situação o trabalhador é normalmente remetido com a caducidade do contrato.
Ao invés, o trabalhador contratado nos termos do art.º 5º estará sempre garantido com a respectiva reforma.
Ademais, a referida compensação constituirá, para a entidade patronal, um meio dissuasor da contratação a prazo, cuja modalidade se pretende meramente residual.
Por outro lado, não tendo a entidade patronal de compensar o trabalhador pela caducidade do contrato decorrente da reforma, mal se entenderia que houvesse de o fazer numa situação de conversão “ope legis”, ditada por razões de política de emprego.
A questão mostra-se hoje expressamente resolvida, no sentido enunciado, pelo art.º nº 2 al. D) do Código do trabalho.
Devemos concluir, assim, pela procedência do recurso subordinado.

4 – DECISÃO

Em face do exposto, acordam em negar a revista da Autora e em conceder, pelo fundamento exposto, a revista dos Réus, revogando o segmento decisório do Acórdão que operava a condenação dos mesmos Réus e repristinando integralmente a sentença da 1ª instância.
Custas pela Autora.

Lisboa, 7 de Fevereiro de 2007
Sousa Grandão (Relator)
Pinto Hespanhol
Fernandes Cadilha (dispensei o visto)