Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B2904
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SALVADOR DA COSTA
Descritores: FALÊNCIA
HIPOTECA LEGAL
PRINCÍPIO DISPOSITIVO
NULIDADE
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: SJ200609210029047
Data do Acordão: 09/21/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: NEGADA A REVISTA.
Sumário : 1. O artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência não comporta a extinção por efeito da declaração da falência do direito de hipoteca legal da titularidade de instituições de segurança social.
2. A consideração do direito de hipoteca legal no concurso de credores sobre imóveis apreendidos para a massa depende da junção ao processo do documento comprovativo do seu registo predial.
3. O princípio da cooperação não se sobrepõe aos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes em termos de o não convite pelo juiz ao reclamante para proceder à junção ao processo do referido documento implicar a nulidade a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código Civil.
4. O disposto no artigo 508º, nºs 1, alínea b) e 2, do Código de Processo Civil é inaplicável em sede de recurso.
5. O não convite pela Relação ao titular da hipoteca legal para juntar ao processo o documento comprovativo do respectivo registo não integra a nulidade geral prevista no artigo 201º, nº 1, nem a nulidade de decisão prevista no 668º, nº 1, alínea d), ambos do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Empresa-A requereu, em 2003, a falência de Empresa-B, que foi declarada por sentença proferida no dia 5 de Julho de 2004.
A requerente da falência Empresa-C, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Leiria, o Banco Empresa-D, o Banco Empresa-E, a Empresa-F e o Estado Português reclamaram o pagamento dos respectivos direitos de crédito.
Os referidos instrumentos de reclamação de créditos não foram contestados, o liquidatário foi de parecer no sentido de serem reconhecidos, e o tribunal da 1ª instância, por sentença proferida no dia 13 de Dezembro de 2004, sob o fundamento de que nenhum dos créditos ter direito real de garantia, declarou-os de natureza comum e que deviam ser pagos proporcionalmente pelos bens integrantes da massa falida, a seguir ao crédito de custas.
Apelou o Centro Distrital de Segurança Social de Leiria, invocando que o seu direito de crédito estava garantido por hipoteca legal, pretendendo a sua graduação a montante, e a Relação, por acórdão proferido no dia 21 de Fevereiro de 2006, negou provimento ao recurso, sob o fundamento de o apelante não ter provado o registo da hipoteca que invocou.

Interpôs o apelante recurso de revista - juntando com as alegações uma certidão demonstrativa do registo da aludida hipoteca - formulando, em síntese útil, as seguintes conclusões de alegação:
- invocou na reclamação de crédito o seu direito de hipoteca legal e identificou a respectiva inscrição no registo predial, e o liquidatário judicial devia apurar a existência de ónus e encargos incidentes sobre os bens do falido;
- não é razoável exigir a cada credor que invoque uma garantia sobre um imóvel apreendido para a massa falida a junção aos autos da certidão predial, com os inerentes custos e delongas que acarreta, sob pena de nos autos se acumularem inúmeros documentos iguais;
- entendido pelo tribunal que ao recorrente cabia juntar a referida certidão, devia convidá-lo para o efeito, e, não o tendo feito, incorreu na omissão de pronúncia a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil;
- a Relação poderia ter dirigido esse convite ao recorrente, que nunca supôs que tal certidão não existisse nos autos;
- os créditos garantidos por hipoteca legal constituída em seu benefício devem graduados como créditos privilegiados, não lhe sendo aplicável o disposto no artigo 152.º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência;
- a preferência resultante da referida hipoteca legal não pode deixar de ser atendida, sob pena de a justiça formal se sobrepor à material e de afectação inaceitável do princípio da segurança jurídica consagrado no artigo 2.º da Constituição, por virtude de neutralização da eficácia daquela garantia e de se fazer tábua rasa do registo predial;
- o acórdão recorrido violou os artigos 686.º, n.º 1, do Código Civil, 2.º da Constituição e 200.º, n.º 2 do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência;
- deve proceder-se à graduação especial, em primeiro lugar do seu direito de crédito sobre o produto do prédio apreendido para a massa falida.

Respondeu o Estado, em síntese útil de conclusão:
- tendo em conta a ratio legis que subjaz ao artigo 152º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência, ele abrange as hipotecas legais atribuídas como garantia de créditos das entidades ali referidas;
- a extinção dos privilégios creditórios das entidades mencionadas naquele normativo visou mobilizá-las no processo de recuperação da empresa, objectivo que se frustraria, na lógica que presidiu à modulação de tal regime, se lhes fosse permitido manter, para os créditos de que são titulares, a vantagem da hipoteca legal.


II
É a seguinte a factualidade e a dinâmica processual que releva no recurso:
1. A Empresa-B foi declarada falida por sentença proferida no dia 5 de Julho de 2004, cuja acção de falência foi intentada em 2003.
2. No dia 22 de Dezembro de 2003, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, delegação de Leiria, reclamou direitos de crédito no montante de € 147 803,79, invocando, sob o artigo 7º do instrumento de reclamação, que se encontravam garantidos por hipoteca legal constituída sobre o prédio descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o artigo 9 677, freguesia da Maceira, apresentação nº 72, de 4 de Dezembro de 2003.
3. No dia 20 de Julho de 2004, o Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Leiria, como sucessor do Instituto de Gestão Financeira, delegação de Leiria, reiterou a reclamação de créditos mencionada sob 1.
4. No dia 17 de Dezembro de 2004 foi apreendido no processo de falência o prédio rústico sito no Telheiro, Maceira, com a área de 1 410 metros quadrados, descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o nº 9 677 e inscrito na matriz rústica da freguesia da Maceira sob o artigo 6360.
5. O reclamante não juntou ao processo no tribunal da 1ª instância o documento comprovativo do registo da hipoteca mencionada sob 1, constituída ao abrigo do artigo 12.º do Decreto-Lei n.º 103/80 de 9 de Maio.


III
A questão essencial decidenda é a de saber se, no concurso de credores no processo de falência em causa, deve ou não o direito de crédito invocado pelo recorrente ser graduado em primeiro lugar.
Tendo em conta o conteúdo do acórdão impugnado e das conclusões de alegação do recorrente e do recorrido, a resposta à referida questão pressupõe a análise da seguinte problemática:
- lei adjectiva específica aplicável no caso vertente;
- está ou não o acórdão recorrido afectado de nulidade por omissão de pronúncia?
- ocorre ou não nulidade processual decorrente de o recorrente não haver sido notificado a fim de juntar ao processo o documento comprovativo do registo da hipoteca?
- regime legal da hipoteca legal, designadamente da titularidade das instituições de segurança social no processo de falência;
- releva ou não caso espécie o direito de hipoteca legal da titularidade do recorrente?
- síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.

Vejamos, de per se, cada uma das referida sub-questões.

1.
Comecemos pela determinação da lei adjectiva específica aplicável ao caso vertente.
O Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa de Falência, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 132/93, de 23 de Abril, foi substituído pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março, que entrou em vigor no dia 15 de Setembro de 2004.
Por isso, o actual Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não é aplicável no caso vertente (artigo 12º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 57/2004, de 19 de Março).
É, com efeito, aplicável no caso espécie o que se prescreve no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa de Falência.

2.
Atentemos agora na sub-questão de saber se o acórdão recorrido está ou não afectado de nulidade por omissão de pronúncia.
Alegou o recorrente que, entendendo o tribunal que lhe cabia juntar a certidão comprovativa do registo da hipoteca, devia convidá-lo para o efeito, e porque o não fez, incorreu na omissão de pronúncia a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil.
Expressa a lei que o acórdão da Relação é nulo quando deixe de se pronunciar sobre questões de que devia conhecer (artigos 668º, nº 1, alínea d), e 716º, nº 1, do Código de Processo Civil).
O juiz deve, com efeito, resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (artigo 660º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Importa, porém, ter em linha de conta que uma coisa são os argumentos ou as razões de facto e ou de direito e outra, essencialmente diversa, as questões de facto ou de direito.
As questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
Julgada procedente a nulidade decorrente de omissão de pronúncia pela Relação, se for caso disso, impõe-se a baixa do processo a fim de aquele Tribunal operar a reforma do acórdão (artigo 731º do Código de Processo Civil).
Ora, no caso vertente, o que o recorrente alega é a omissão pela Relação do convite à junção por ele da referida certidão comprovativa do registo da hipoteca legal em causa.
Por isso, face ao disposto no artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, a conclusão é no sentido de que o recorrente não invocou nem se verifica o vício de nulidade a que alude aquele normativo.

3.
Vejamos agora se a circunstância de o tribunal não haver convidado o recorrente a apresentar a certidão do registo da hipoteca constitui ou não nulidade geral de actos processuais.
Em geral, a prática de um acto que a lei não admita ou a omissão de um acto ou de uma formalidade que a lei prescreva só produzem nulidade quando a lei o declare ou a irregularidade cometida possa influir no exame ou decisão da causa (artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As referidas irregularidades consubstanciam-se em desvios do formalismo processual, como é o caso, por exemplo, da citação do requerido no procedimento cautelar de arresto, da omissão de notificação ao autor do instrumento de contestação apresentado pelo réu, da omissão do juiz, antes do interrogatório das testemunhas, de lhe perguntar sobre a sua eventual ligação com as partes ou o seu interesse no desfecho da causa (artigos 408º, nº 1, 492º, nº 1, e 635º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Conforme resulta da parte final do mencionado normativo, as aludidas irregularidades só produzem nulidade quando tal resulte da lei ou possam influir no exame ou decisão da causa.
Quando um acto tenha de ser anulado, anular-se-ão os termos subsequentes que dele dependam absolutamente, mas a nulidade de uma parte do acto não prejudica as outras partes que dela sejam independentes (artigo 201º, nº 2, do Código de Processo Civil).
Se o vício de que o acto sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm por necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o acto se mostre idóneo (artigo 201º, nº 3, do Código de Processo Civil).
O tribunal conhece oficiosamente das nulidades derivadas da ineptidão da petição inicial, da falta de citação, da omissão de formalidades na citação edital ou de indicação de prazo para a defesa, de erro na forma de processo e da falta de vista ou exame ao Ministério Publico como parte acessória (artigo 202º, 1ª parte, do Código de Processo Civil).
Das restantes nulidades, incluindo a prevista no artigo 201º do mesmo diploma, o tribunal apenas conhece sob reclamação dos interessados, salvo os casos especiais em que a lei permite o conhecimento oficioso (artigo 202º, 2ª parte, do Código de Processo Civil).
Fora dos referidos casos de conhecimento oficioso, a nulidade só pode ser invocada pelo interessado na observância da formalidade ou na repetição ou eliminação do acto (artigo 203º, nº 1, do Código de Processo Civil).
Nessas situações, se a parte, por si ou pelo seu mandatário, não estiver presente aquando do cometimento da nulidade, o prazo de arguição de 10 dias conta-se da data em que, depois de cometida, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, neste caso se for de presumir que então dela tomou conhecimento ou quando dela pudesse ter conhecido se tivesse agido com a devida diligência (artigos 153º, nº 1, e 205º, nº 1, do Código de Processo Civil).
As referidas nulidades devem ser arguidas perante o juiz do tribunal em que foram cometidas e não, em regra, em sede de recurso (artigo 205º, nºs 2 e 3, do Código de Processo Civil).
Atentemos agora no regime legal do despacho pré-saneador, a que se reporta o artigo 508º do Código de Processo Civil.
No processo declarativo, findos os articulados, além do mais, se for caso disso, o juiz profere despacho de convite às partes para o seu aperfeiçoamento (alínea b) do nº 1).
Deve, pois, convidar as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando o prazo para o seu suprimento ou correcção, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa (nº 2).
No caso vertente, o documento comprovativo do registo da hipoteca era essencial ao êxito da pretensão do recorrente de obter a graduação do seu direito de crédito de harmonia com o seu direito de hipoteca, e o juiz do tribunal da 1ª instância não convidou o ora recorrente a juntá-lo ao processo.
Mas o processo não revela que o juiz tenha constatado a falta de junção pelo recorrente da certidão comprovativa do registo de hipoteca, certo que em lado algum se refere a esse direito de garantia, antes tendo expressado que nenhum dos créditos reclamados estava envolvido de garantia real.
No quadro do processo civil, o princípio da cooperação não se sobrepõe aos princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade das partes em termos de o não convite pelo juiz à junção do referido documento, que devia ser junto pelo recorrente, implique o vício de nulidade a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código Civil.
Ao invés do que o recorrente alegou, porque o disposto no artigo 508º, nºs 1, alínea b) e 2, do Código de Processo Civil é inaplicável em sede de recurso, não podia a Relação, convidar o recorrente a juntar a mencionada certidão do registo da hipoteca.
Não ocorre, por isso, na espécie, a nulidade de actos processuais em geral a que se reporta o artigo 201º, nº 1, do Código de Processo Civil.

5.
Atentemos agora no regime substantivo da hipoteca legal, designadamente da titularidade das instituições de segurança social, como é o caso do recorrente, no processo de falência.
No caso vertente, estamos perante a apreensão de uma coisa imóvel, isto é, de um prédio rústico (artigo 204º, nº 1, alínea a), do Código Civil).
Entre as hipotecas contam-se as legais, que resultam imediatamente da lei, isto é, independentemente da vontade das partes, apenas sendo pressuposto da sua constituição a existência da obrigação cujo cumprimento visam garantir (artigo 704º do Código Civil).
O recorrente constituiu, nos termos da lei, designadamente por via do registo predial, hipoteca legal sobre o prédio que foi apreendido para a massa falida em função do direito de crédito relativo a contribuições para a segurança social que tinha sobre Empresa-B (artigo 687º do Código Civil).
Tendo o referido direito de hipoteca sido objecto de registo, ele produz efeitos em relação à massa falida e a terceiros, designadamente no confronto com os outros credores reclamantes que com o recorrente concorrem sobre o mencionado imóvel (artigo 687º do Código Civil).
A hipoteca consubstancia-se em garantia real de cumprimento de obrigações presentes ou futuras, condicionais ou incondicionais, conferindo ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis ou equiparadas pertencentes ao devedor ou a terceiro, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686º do Código Civil).
Em geral, o direito de crédito do credor hipotecário relativamente a determinado imóvel só cede perante os credores que disponham de algum privilégio imobiliário especial ou de prioridade de registo.
Com a declaração de falência extinguem-se imediatamente, passando os respectivos créditos a ser exigidos como créditos comuns, os privilégios creditórios do Estado, das autarquias locais e das instituições de segurança social, excepto os que se constituírem no decurso do processo de recuperação da empresa ou de falência (artigo 152º do CPEREF).
A estrutura do direito hipoteca legal e dos privilégios creditórios não especiais é essencialmente distinta, certo que no primeiro caso se trata de garantia real, naturalmente com a vertente de sequela, e, no segundo, do que se trata é de mera preferência de pagamento, ou seja, somos confrontados com conceitos jurídicos distintos.
É de presumir que a lei utiliza o conceito privilégios no sentido que dela própria decorre, pelo que a conclusão não pode deixar ser a de que o preceito não contém um mínimo literal susceptível de sustentar a abrangência das hipotecas legais.
Em face disso, não faz qualquer sentido que o intérprete convoque, de entre elementos extraliterais de interpretação, o fim da lei ou o seu escopo finalístico com vista à sua abrangência das hipotecas legais.
Com efeito, não estamos perante situação em que a letra da lei fica aquém do seu espírito, que justifique a extensão daquela, isto é, não é caso de operar, na espécie, a interpretação extensiva do normativo em análise.
Ainda que houvesse um mínimo literal que permitisse a interpretação extensiva do normativo em análise em termos de abranger alguma garantia real de cumprimento de obrigações, certo é que tal não resultaria do seu espírito, ou seja, do fim visado pelo legislador ao editar o preceito em causa, em termos de abrangência das hipotecas legais, certo que, além do mais, constam do registo.
Não faz, por isso, qualquer sentido a argumentação da paridade de razão com vista a integrar no normativo em análise aquilo que os seus termos, designadamente o seu elemento literal, não permite.
Do que se trata é de situação intencionalmente não inserida em previsão legal e não de omissão a carecer de integração analógica.
Inexiste, pois, fundamento legal para a aplicação analógica do normativo em análise à garantia real de cumprimento de obrigações hipoteca legal, porque entre a hipótese relativa aos privilégios que consta da lei não ocorre a necessária semelhança em relação à hipótese das preferências de pagamento privilégios creditórios (artigo 10º,n.º 2, do Código Civil).

6.
Vejamos agora se o direito de hipoteca legal da titularidade do recorrente é ou não susceptível de relevar no caso espécie.
A hipoteca legal constitui-se por via do respectivo registo e, consequentemente, deste depende a produção dos efeitos que lhe não próprios (artigo 687º do Código Civil).
Não tem apoio legal a alegação da recorrente no sentido de não ser razoável exigir que cada credor que invoque uma garantia sobre um imóvel da massa falida venha juntar a certidão predial.
O ónus de prova do referido acto de registo, como elemento constitutivo do seu direito, incumbia ao recorrente (artigo 342º, nº 1, do Código Civil).
Mas o recorrente não produziu a prova do referido facto de modo processualmente adequado, ou seja, ate ao termo discussão no tribunal da 1ª instância (artigo 523º do Código de Processo Civil).
Por isso, a conclusão é no sentido de que o direito de hipoteca legal da titularidade do recorrente não releva no concurso de credores em análise.

7.
Atentemos, finalmente, na síntese da solução para o caso espécie decorrente dos factos provados, da dinâmica processual envolvente e da lei.
É aplicável no caso espécie, além do mais, o que se prescreve no Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência.
O acórdão recorrido não está afectado de nulidade por omissão de pronúncia, e não ocorre nulidade processual derivada de o recorrente não haver sido notificado a fim de juntar ao processo o documento comprovativo do registo da hipoteca.
O direito de hipoteca legal da titularidade do recorrente não se extinguiu por efeito da declaração da falência em causa.
Mas o referido direito de hipoteca não releva no caso vertente porque o recorrente não apresentou o documento comprovativo do registo da hipoteca de modo processualmente adequado.

Improcede, por isso, o recurso.
Vencido, se não houvesse preceito legal que estabelecesse o contrário, seria o recorrente responsável pelo pagamento das custas respectivas, com base no valor do direito de crédito cuja graduação pretendia prioritária (artigos 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil e 9º, nº 4, do Código das Custas Judiciais).
Todavia, como a acção de falência em causa foi intentada antes do dia 1 de Janeiro de 2004, o recorrente ainda beneficia de isenção subjectiva de custas (artigos 14º, nº 1 e 15º, nº 1, do Decreto-Lei nº 324/2003, de 27 de Dezembro, e 2º, nº 1, alínea e), do Código das Custas Judiciais, redacção anterior à actual).
Acresce que o processo de falência, cujas custas são da responsabilidade da massa falida, abrange a fase de verificação do passivo, incluindo as relativas ao recurso em causa (artigos 248º, n.º 2, e 249º, n.º 2, do CPEREF).


IV
Pelo exposto, nega-se provimento ao recurso.


Lisboa, 21 de Setembro de 2006
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
Armindo Luís