Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1868/21.2T8CTB.C1.S1
Nº Convencional: 4.ª SECÇÃO
Relator: RAMALHO PINTO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
DEVER DE OCUPAÇÃO EFECTIVA
ASSÉDIO MORAL
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 02/08/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário :

I- A violação, por parte da entidade empregadora, do conteúdo funcional da categoria profissional contratada com o trabalhador implica a violação do dever de ocupação efectiva;


II- De acordo com o disposto no artigo 29.º, n.º 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afetar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo assediante.


III- É adequada uma indemnização por danos não patrimoniais no montante de € 25.000,00 a um trabalhador a quem o empregador nunca atribuiu as funções correspondentes à categoria de profissional de Director, para que fora contratado, encontrando-se aquele, nomeadamente, com uma depressão grave, desânimo, tristeza, desgosto, indignação e perda de auto estima, bem como com uma dificuldade acrescida em cumprir as obrigações assumidas.

Decisão Texto Integral:

Processo 1868/21.2T8CTB.C1.S1


Revista


110/23


Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:


AA instaurou acção de processo comum emergente de contrato individual de trabalho contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, S.A., peticionando que a acção seja julgada procedente e, em consequência, se decida:


“a) Condenar o Banco R. a integrar o A. na situação jurídica em que se devia encontrar, ou seja a desempenhar funções e actividades profissionais compatíveis com a categoria de Director, nos termos do ACT, a saber: “Diretor, diretor adjunto, subdiretor- Tomam as decisões de gestão no quadro das políticas e objetivos da entidade empregadora e na esfera da sua responsabilidade; colaboram na elaboração de decisões a tomar ao nível do conselho de administração; superintendem no planeamento, organização e coordenação das atividades deles dependentes. Às categorias profissionais sucessivamente elencadas corresponde maior poder de decisão e responsabilidade”


b) Condenar o R. a indemnizar o A., a título de danos não patrimoniais, no montante de € 300.000,00;


c) Condenar o R. a pagar ao A. quer os juros vencidos nos montantes indicados e articulados, quer os juros vincendos até efectivo e integral pagamento”.


Frustrou-se a conciliação das partes.


A Ré contestou.


Foi realizada audiência final.


Por sentença de 28.06.2022 de foi decidido o seguinte:


Nestes termos, e em face do exposto, decido julgar a ação parcialmente procedente, e, em consequência, condeno a ré CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, S.A.,:


a) A integrar o A. na situação jurídica em que se devia encontrar, ou seja a desempenhar funções e atividades profissionais compatíveis com a categoria de Diretor, nos termos do ACT, a saber: “Diretor, diretor adjunto, subdiretor - Tomam as decisões de gestão no quadro das políticas e objetivos da entidade empregadora e na esfera da sua responsabilidade; colaboram na elaboração de decisões a tomar ao nível do conselho de administração; superintendem no planeamento, organização e coordenação das atividades deles dependentes. Às categorias profissionais sucessivamente elencadas corresponde maior poder de decisão e responsabilidade”


b) A indemnizar o A., a título de danos não patrimoniais, no montante de € 70.000,00;


c) A pagar ao A. os juros vencidos e vincendos, desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento”.


A Ré interpôs recurso de apelação e o Autor interpôs recurso subordinado.


Pelo acórdão do Tribunal da Relação de 24.03.2023 foi decidido o seguinte:


VI – Termos em que se delibera:


a) Julgar a apelação do réu (recurso independente) totalmente procedente em função do que se decide absolver o réu dos pedidos formulados pelo autor.


b) Julgar o recurso subordinado totalmente improcedente”.


Pese embora nada se refira no dispositivo, o Tribunal da Relação procedeu a diversas alterações à matéria de facto:


- eliminou os factos provados 32), 33), 34) e o ponto de exclamação do facto 28) e eliminou o facto não provado 1)


- alterou a redacção dos pontos 9-D), 36), 38), 39), 40) e 45), que passou a ser a seguinte:


“9) O percurso profissional do A. e correspectivas vicissitudes do contrato individual de trabalho do A. inclusive em relação ao R., foi o seguinte: (…) D- No FINIBANCO, S.A. a) Admissão mediante contrato individual de trabalho de 19 de Março de 1997, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1997, com a categoria de Director, Grupo I, nível 14, nos termos estabelecidos no ACTV para o sector bancário;


36) Sentimentos e sintomatologias que o autor atribui à actuação do R.


38) Foi-lhe diagnosticada uma sintomatologia ansiosa – crises de ansiedade extrema / ataques de pânico (taquicardia, suor exagerado, tonturas, náuseas) que desencadearam medo de sair de casa, estando a limitar o seu dia-a-dia – e, ainda, a apresentação de sentimentos de frustração e injustiça, que atribui aos factos aqui enunciados.


39) O A. desenvolveu uma depressão grave, estando a receber tratamento clínico, o que atribuí ao comportamento da ré.


40) O R nunca curou de com ele negociar uma qualquer outra compensação (retributiva ou não).


45) O A. sente profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação e perda de auto estima, bem como uma dificuldade acrescida em cumprir as obrigações assumidas, o que atribui à situação criada.”;


- aditou 2 factos (sem lhes atribuir numeração):


- Em face das iniciativas de reestruturação em curso, transversais a todo o Banco, foram também apresentadas ao Autor, de boa-fé, as condições do programa de rescisões ou reformas, que de facto contemplam a reforma ou o acordo, em condições de adesão voluntária.


- A abordagem ao Autor foi feita nos mesmíssimos termos que ocorreram com todos os outros trabalhadores do Banco Réu que reuniam condições para esse efeito.”


O Autor veio interpor recurso de revista, arguindo, além do mais, a nulidade do acórdão, e formulando as seguintes conclusões:


1. O Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é, face à alteração da matéria de facto que sentenciou, nulo, por violação das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 615.º do Código do Processo Civil, ex vi al. a) do n.º 2 do art. 1.º do CPT;


2. O encadeamento de factos referentes ao presente processo, que, no fundo, é uma sumula da actuação do Réu, não pode passar ao lado do presente e permite sedimentar a questão jurídica na íntegra, como veremos;


3. Daí a decisão da matéria de facto da Primeira Instância, que se aplaude, decisão essa que é instrutória do presente, não o limitando, e que servirá, esperamos, para sedimentar Acórdão revogatório da decisão da Relação de Coimbra.


4. A prova documental carreada para os autos é manifestamente suficiente para afastar as conclusões do Tribunal da Relação de Coimbra, considerando, até, a confissão do recorrido, o que, nos termos dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil, acarretaria a uma diferente decisão quanto aos factos provados.


5. Tendo em conta o direito processual em vigor, é possível ligar o princípio da aquisição processual ao disposto no artigo 413.º do Código de Processo Civil: «O tribunal deve tomar em consideração todas as provas produzidas, tenham ou não emanado da parte que devia produzi-las, sem prejuízo das disposições que declarem irrelevante a alegação de um facto, quando não seja feita por certo interessado».


6. O Acórdão de que se recorre, ao considerar a alteração quanto à matéria de facto, alterando a decisão da Primeira Instância, e ao sustentar a decisão na caracterização desses factos, omitindo toda a demais prova carreada para os autos, nomeadamente a prova documental, que, nos termos dos artigos 362.º e seguintes do Código Civil, deve prevalecer, é nulo, considerando que a sua fundamentação é errada (ou, mesmo, inexistente) e sem abrigo na Lei processual, além de que manifestamente excede as questões de que podia tomar conhecimento – nulidade nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea b) e d).


7. É, também e assim, nulo, considerando as regras adjectivas de julgamento de prova, uma vez que a Relação de Coimbra alterou a prova elaborando um juízo conclusivo, diga-se com firmeza, sobre o juízo (a repetição é propositada) efectivado pela Primeira Instância. E fê-lo sem o poder fazer, extravasando, até, os limites da sua apreciação – 652.º do CPC.


8. Está consolidado na jurisprudência deste Supremo Tribunal o entendimento de que, não obstante a convergência decisória das instâncias, quanto ao mérito da causa, é admissível recurso de revista, nos termos gerais, do acórdão proferido pela Relação em que seja apontada a existência de erro decisório relativamente à aplicação da lei processual no que se refere à reapreciação da decisão sobre a matéria de facto.


9. Considera o recorrente que, a bem do Princípio da Igualdade de armas e do Duplo Grau de Jurisdição, pode o Supremo Tribunal de Justiça sindicar para além do (evidente, como se verá) erro no controlo da aplicação da lei adjectiva em qualquer das dimensões destinadas à fixação da matéria de facto provada e não provada, o que requer.


10. não só o Tribunal da Primeira Instância discorreu sobre as declarações das partes e depoimentos das testemunhas de forma metódica e transparente, como captou e fez reflectir no papel o que foi dito em audiência.


11. Não oferece qualquer reparo a escolha da matéria de facto provada e não provada, na Sentença da Primeira Instância, nem, tão pouco, a fundamentação da sua escolha, não devendo a mesma ser alterada – também em referência ao Princípio da Aquisição Processual.


12. O Tribunal da Relação de Coimbra tomou apenas conhecimento parte das provas oferecidas pelo Réu, omitindo pronúncia sobre as provas oferecidas pelo Autor, violando, desde logo, o artigo 415.º do CPC.


13. O Réu assume que o Autor foi contratado para Director, sabe que as funções que são exercidas devem corresponder à categoria contratada e confessou que além de só lhe ter dado funções de Gerente, acabou por, há 6 anos, retirar-lhe o pouco que lhe tinha atribuído, reduzindo o seu dia-a-dia a nada!


14. Mais, utiliza o facto de o Autor ter admitido, na contratação inicial, ser admitido provisoriamente no nível 14, com mudança automática para o nível 16 ao fim de um curto período, claramente por causa do início de actividade (!!), para justificar esse comportamento!


15. Omitindo, diga-se, a transitoriedade dessa situação de facto, com reposição automática imediata do nível de admissão ao fim de um, repete-se, curtíssimo período!


16. Ou seja, perante mais uma prova inequívoca que o Autor foi contratado para Director, o Réu tenta convencer-nos que é exactamente o contrário.


17. Depois, tornou-se evidente, até por confissão do superior hierárquico do Recorrido, que o Banco não entregou ao Autor a Gerência do Balcão da ... (que até podia ter reposto alguma “Paz Laboral” à situação) considerando que este tinha manifestado opor-se à retirada de complementos remuneratórios, ilegalmente, como foi determinado posteriormente, assumindo, desde o início, que reclamaria judicialmente esse Direito.


18. Ficou, aliás, assente que esse facto foi o leitmotiv para a conduta do Réu, tendo, logo aí, decidido o comportamento que todos sabemos: retirou-lhe todas (todas!) as funções, colocou-o a trabalhar numa casa de arrumos, ostracizou-o, não lhe permitindo, sequer, assistir a reuniões de equipa e construiu um exemplo para todos os Colegas – quem estiver contra as nossas determinações, ainda que ilegais, já conhece o caminho!


19. Para pior, o Recorrido nada aprendeu com este processo: o comportamento manteve-se (até piorou na sua pendência!).


20. Resulta evidente que: o Autor foi contratado para desempenhar as funções de Director, desempenhou-as ao abrigo da integração do Finibanco no Montepio, atribuíram-lhe, sem que este aceitasse, funções de Gerente;


21. Algum tempo depois, o Banco Réu desencadeou as seguintes acções em relação ao Autor:


a) retiraram-lhe as funções de Gerente de Balcão;


b) Colocaram-no a trabalhar numa arrecadação de arrumos, sem quaisquer condições de trabalho, sem janelas e com o telefone desligado;


c) Impediram o trabalhador de participar em quaisquer reuniões de equipa, não o convocando para reuniões de quadros;


d) Impediram que fosse colocado no Balcão da ... como Gerente, considerando que o Autor reclamou créditos que lhe eram devidos e a reposição de complementos que, mais tarde, o Réu acedeu em juízo a considerar como legais e lícitos;


e) Convidaram-no para Gerente de um Balcão que estava destinado, o que sucedeu, aliás, poucos meses depois, a fechar;


f) Transmitiram-lhe que a única possibilidade de resolver a sua situação era por reforma antecipada ou RMA.


g) Mantiveram o status quo mesmo perante a intervenção do Sindicato do Autor.


22. Veja-se, nesse sentido, a fundamentação da decisão da Primeira Instância quanto à matéria de facto, que não podia ser mais inequívoca e proferida ao abrigo do princípio da livre apreciação da prova e da perceção que a Meritíssima Juíza a quo teve da veracidade da prova que perante ela foi produzida e que, com singeleza, revelou o perfil de trabalhador fiel e leal à sua entidade patronal, dando a cara nos piores momentos em que o Banco atravessou junto da clientela que, por causa do Autor, se manteve fiel.


23. Que a prova documental carreada para os autos é manifestamente suficiente para afastar as conclusões do Tribunal da Relação de Coimbra, considerando, até, a confissão do recorrido, o que, nos termos dos artigos 342.º, 362.º e seguintes do Código Civil e do já referido artigo 413.º e seguintes do Código do Processo Civil, acarretaria a uma diferente decisão quanto aos factos provados.


24. O Acórdão de que se recorre, ao considerar provados os factos acima referidos, alterando a decisão da Primeira Instância quanto à matéria de facto, e ao sustentar a decisão na caracterização desses factos, omitindo toda a demais prova carreada para os autos, nomeadamente a prova documental, que, nos termos dos artigos 342.º, 362.º e seguintes do Código Civil, deve prevalecer, comete dois erros que levam à total improcedência da tese que sustenta, violando assim esses artigos e os artigos 413.º, 423.º e seguintes do CPC, devendo, também nos termos do artigo 674.º, n.º 3, ser revogado e substituído por decisão que condene o Réu nos termos da condenação de Primeira Instância


25. Deve ser revogado, considerando, também, as regras adjectivas de julgamento de prova, acima também referenciadas. O Tribunal a quo, com efeito, alterou a prova elaborando um juízo conclusivo, diga-se com firmeza, sobre o juízo (a repetição é propositada) efectivado pela Primeira Instância. E fê-lo sem o poder fazer, extravasando, até, os limites da sua apreciação – 652.º do CPC.


26. A conduta do Réu é intensamente dolosa, assentando em elevada culpa, com conhecimento pleno da ilicitude e a intencionalidade da conduta cumpriu o objectivo a que se propunha, que mais não é do que arrasar a vida laboral do Autor, destruindo-o, também, física e emocionalmente.


27. Pelo que, independentemente da decisão quanto à alteração da matéria de facto, a actuação ilícita do Réu, quer se consubstancie em assédio, quer em discriminação, quer em violação do Direito à Ocupação efectiva, encontra-se provada quer nos factos que foram assentes por acordo, quer nos factos julgados pelas Instâncias.


28. O que impõe, a nosso ver, claro está, uma decisão final que condene nos termos da Primeira Instância.


29. Na verdade, o Autor entende que face aos factos dados como provados na Primeira Instância, a decisão quanto ao valor a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, devia ter sido outra, aproximando-se, outrossim, do valor peticionado na petição inicial – 300.000,00€. Tal não ficou decidido, aceitando, agora, o valor julgado pela Primeira Instância.


30. O trabalhador, com a conduta ilícita da Ré, foi subjugado, colocado de parte, confinado a uma arrecadação do economato e bastidor informático, retirando-lhe toda e qualquer função profissionalmente digna.


31. Mais, não só não lhe atribuíram qualquer função relevante na categoria de “Director”, como também lhe retiraram todas as funções da categoria de “Gerente”, colocando-o na “prateleira.”


32. Ainda que se considere, sem conceder, a alteração da matéria de facto sentenciada pela Relação de Coimbra, levaria, sempre, à condenação do Réu em conformidade.


33. Além da humilhação que o tratamento vexatório retratado nos autos causou, o recorrente sofreu danos irreparáveis: foi-lhe diagnosticada sintomatologia ansiosa, com crises de ansiedade extrema, ataques de pânico (taquicardia, suor exagerado, tonturas, náuseas) que desencadearam medo de sair de casa, estando a limitar o seu dia-a-dia – e, ainda, a apresentação de sentimentos de frustração e injustiça, em sequência de mobbing e dos factos enunciados no processo.


34. Por tudo o que foi referido até ao presente, o valor sentenciado de 70.000,00€, quanto muito peca por escasso – sem embargo da excelência argumentativa que o fundamentou.


35. O comportamento do recorrido representa uma conduta enxovalhante, humilhante, ofensiva e danosa, consciente, dolosa, reiterada e que parece não ter fim. Independentemente do resultado final, essa conduta, direccionada ao recorrente, que pretende, em exclusivo, atingi-lo e construir um exemplo, não foi sustida com o presente


36. O Réu cometeu três infracções à legislação laboral, de forma reiterada, culposa e danosa – com, repete-se, dolo intencional e directo.


37. Primeiro, retirou ao Autor, aqui recorrido, as funções de Director, embora soubesse que era essa a sua Categoria profissional. Fê-lo bem sabendo que a legislação laboral e, em específico, o ACT aplicável não o permitem, não cuidou de obter o seu acordo e assim o manteve;


38. Depois, retirou-lhe todas as funções, todas, inclusive as de Gerente. Violou de forma grosseira o seu Direito à Ocupação Efectiva, colocando-o, nas eloquentes palavras do seu superior hierárquico, “sem fazer nada”!


39. Por último, colocou-o numa sala de arrumos, com uma secretária onde mal cabe um computador, de costas para um armário, numa sala sem luz natural, sem arejamento, sem uma pequena janela que seja, sem telefone e sem acesso aos demais colegas da Direcção Regional, não o convocando para reuniões de trabalho, mantendo-o sem nada para fazer e pressionando-o a assinar um acordo para Reforma antecipada ou RMA.


40. O assédio previsto no art. 29º do CT, como sabemos, abrange quer os casos de assédio vertical (assédio praticado pelo superior hierárquico ou do empregador), quer os casos de assédio horizontal (assédio em que os colegas de trabalho são os autores do acto), e ainda, o assédio misto (hostilização de um trabalhador por parte quer do seu superior hierárquico quer de colegas).


41. No presente estamos perante uma situação de assédio vertical: ao trabalhador, com o objectivo de o condicionarem no seu desempenho profissional, levando-o, do mesmo passo, a aceitar ou a reforma antecipada, ou o despedimento que não deseja, foram sendo coarctados diversos direitos!


42. Nesses precisos termos, o Direito à Ocupação Efectiva e o Direito à Igualdade e não discriminação (artigo 30.º e ss do CT), decorrente do Direito Constitucional ao Trabalho e ao trabalho em condições de dignidade, ínsito nos artigos 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa e no artigo 129, n.º 1, b) do Código do Trabalho, foi violado pelo Acórdão recorrido, devendo, em conformidade, ser substituído por decisão que condene o Réu.


43. Ora, nos termos do artigo 29.º, n.º 3, 30.º e 129, n.º 1, b) do Código do Trabalho e 58.º e 59.º, os actos geradores de assédio, discriminação e violação do Direito à ocupação efectiva determinam o direito ao trabalhador de ser indemnizado.


44. Estão, pois, congregados os requisitos permissores dessa reparação por danos não patrimoniais, nos termos previstos nos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, ambos do Código Civil, anotando-se, neste ponto, que, claramente, as consequências advindas para o A. no seu estado psicológico e anímico são merecedoras da tutela do direito.


45. O trabalhador, que se mantém ao serviço da entidade patronal, teve a coragem de recorrer aos Tribunais para se defender de uma situação clara e concreta de violação dos seus direitos básicos. A protecção que o Direito lhe traz não pode ser, perdoem as palavras, a ausência total de tutela.


46. É com confiança no acolhimento da tese que o Autor aqui traz que pugnamos pela sua razão. Não só pelo Autor, repare-se, mas por todos aqueles que ficarão à mercê do arbítrio das entidades patronais, caso se confirme a tese da Relação de Coimbra – o que, por tudo isso, não deve, dizemos respeitosamente, suceder.


47. Quanto a esta questão, não só o Autor entende que deve ser ressarcido nos termos enunciados, como entende, de acordo com o recurso subordinado que oportunamente apresentou, que a indemnização a que o Réu foi condenada é escassa.


48. o Acórdão recorrido violou os artigos 342.º, 362.º e seguintes, 483.º e 496.º do Código Civil, artigos 413.º, 423.º e seguintes, 495.º e seguintes e 652.º do Código do Processo Civil e 29.º e 129.º, em especial o número 1, alínea b) do Código do Trabalho e artigos 17.º, 18.º, 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.


A Ré contra-alegou.


Por acórdão de , o Tribunal da Relação julgou improcedente a nulidade arguida.


O Exmº PGA emitiu parecer no sentido de ser concedida parcialmente a revista.


x


Temos, como questões a decidir:


– se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação de facto e de direito da decisão de alteração da matéria de facto, bem como por ter conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do CPC;


- se devem ser atribuídas ao Recorrente funções correspondentes à categoria profissional de Director;


- se ocorreu violação do dever de ocupação efectiva do Recorrente, bem como a prática de assédio moral;


– em caso afirmativo, se tem direito e, qual o respectivo valor, a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos;


- se ocorreu violação dos arts. 17.º, 18.º, 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.


x


É a seguinte a factualidade a ter em conta (a negrito as alterações e aditamentos efectuados pela Relação):


-factos provados:


1) A R. é uma instituição de crédito e exerce a actividade bancária.


2) Participou nas negociações e outorgou o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral, cuja versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1ª Série, n.º 8, de 28/02/2017, pg. 495 e ss., instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros ou que deles fizeram parte (cf. cl. 2).


3) O A. está filiado no Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, onde figura como o sócio n.º 42.478, desde a data da admissão no Banco - cfr. Doc. 1.


4) Em Fevereiro de 1983, A. foi convidado a ingressar nos quadros do R, após concurso por resposta a anúncio e seguido de testes inclusive psicotécnicos.


5) Nesta sequência, A. e R. celebraram contrato de trabalho pelo qual aquele foi admitido ao serviço deste, como empregado bancário, obrigando-se a prestar à ora R. os seus serviços profissionais, sob a sua autoridade e direcção.


6) O referido contrato teve início a 21 de Fevereiro de 1983.


7) Assim, o A. passou a exercer a sua actividade profissional para a R. mediante retribuição e sob as suas ordens, direcção e autoridade, desde essa data.


8) A R. sempre pagou ao A. de acordo com o contratado.


9) O percurso profissional do A. e correspectivas vicissitudes do contrato individual de trabalho do A. inclusive em relação ao R., foi o seguinte:


A- Na (própria) CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, ora R.


a) Admissão em 21-02-1983 – trabalhador administrativo, nível 3;


b) Promovido, por antiguidade, em 21.02.1984, ao nível 4;


c) Promovido, por mérito, em 01.01.1985, ao nível 5;


d) Promovido, por mérito, em 21.02.1987, ao nível 6;


e) Promovido, por mérito, em 01.01.1990, ao nível 7;


f) Admitido ao Curso de Chefias que frequentou durante sete semanas, Maio e Junho de 1992 e que conclui com aproveitamento. Aguardava colocação no balcão do ..., em obras, como sub chefe administrativo de estabelecimento, nível 8, quando é convidado para o B.B.V.A.


B- No B.B.V.A. – Banco Bilbao Vizcaya Argentaria, S.A.


a) Admissão em 13.07.1992 – categoria profissional e funções de Subgerente, para o Balcão de ..., nível 10;


b) Cessação do contrato, por acordo, em 8 de Maio 1994.


C- Na UBP – União de Bancos Portugueses, S.A. (mais tarde, Banco Mello, S.A.)


a) Admissão em 9 de Maio de 1994 – Categoria profissional e funções de Gerente, no Balcão de ...;


b) Cessação do contrato de trabalho, por acordo, em 30/03/1997.


D- No FINIBANCO, S.A.


a) Admissão mediante contrato individual de trabalho de 19 de Março de 1997, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1997, com a categoria de Director, Grupo I, nível 14, nos termos estabelecidos no ACTV para o sector bancário;


b) Promovido ao nível 16 em 1 de Junho de 2002.


E- Na Caixa Económica Montepio Geral, S.A., ora R., onde o Finibanco foi integrado,


a) A 4 de Abril de 2011 foi outorgado um contrato de aquisição de activos e passivos entre a R. Caixa Económica Montepio Geral e o Finibanco, S.A. “em virtude do qual foram transmitidos, do segundo para a primeira, todos os activos e passivos que constituem o estabelecimento relativo à actividade bancária até aqui exercida pelo Finibanco , S.A.”;


b) A 25 de Março de 2011, o R. comunicou ao A. “assim nos termos do disposto no artº 285º, nº 1 do Código do Trabalho, com a produção dos efeitos do referido contrato de aquisição, o contrato que o liga ao Finibanco, S.A., transmite-se para a Caixa Económica Montepio Geral, que daí em diante passará a ser o seu empregador”.


c) E, na mesma comunicação acrescentava: “mais informamos que a transmissão em causa não implica a perda ou diminuição dos seus direitos, mantendo-se o contrato de trabalho com todo o seu conteúdo, designadamente, no que se refere à antiguidade e retribuição, não se encontrando projectadas quaisquer medidas concretas a aplicar aos trabalhadores abrangidos”.


10) Com efeito, desde 22/02/2016 até agora, o A. está no Departamento Regional de ... (Banco Montepio) - DR....


11) O A. interpôs contra o R., considerando que unilateralmente lhe foi retirado o complemento de vencimento constante do Contrato de Trabalho (vindo do exFinibanco) um processo judicial – Processo que correu trâmites no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, Juízo do Trabalho de ... – J., Processo n.º 18007/17.7....


12) No âmbito da sua actividade profissional junto do R., tem atribuídas funções de acompanhamento de crédito vencido dos balcões pertencentes ao DR..., sem qualquer delegação de competências para agir, interpelar, propor ou decidir, nem sequer um Plano de Reestruturação de dívida por pequena que seja, com a categoria profissional de Director.


13) Desde a data supra referida e até à presente, foi chamado apenas a uma reunião de gerentes dos balcões do DR..., que decorreu nas instalações desse Departamento, onde esteve cerca de 15 minutos, tempo necessário para o Responsável do Departamento, Sr. BB (subdirector), transmitir aos presentes que o A. estava no Departamento para acompanhar o crédito vencido dos balcões e que, somente nesta matéria, deviam pedir ajuda se assim necessário e assim entendessem.


14) Desde então, não esteve em mais nenhuma reunião ou formação presencial, onde quer que seja – nem sequer quanto às alterações promovidas em matéria de recuperação de crédito.


15) Tendo sido, isso sim, convocado para as formações promovidas pela "Academia Montepio" via e-learning, na sua maioria formações obrigatórias por imposição das autoridades supervisoras, nomeadamente do Banco de Portugal, tendo obtido aproveitamento e com boas avaliações - frequentemente 100%.


16) A 21/06/2018, enviou um e-mail para o Secretariado da Administração do Banco, tendo como assunto "Pedido de audiência ao Sr. Presidente", tendo recebido informação pela mesma via, a 02/07/2018, que por indicação do Sr. Presidente seria recebido pela Sra. Administradora do Pelouro de Recursos Humanos, Dra. CC, agendando reunião para 24/07/2018, para a qual se disponibilizou.


17) A 24/07/2018 foi, efectivamente, recebido pela Sra. Dra. CC, a quem transmitiu o seguinte: "ganhando mal, nunca ganhei tão bem face às responsabilidades que tenho, o que, em termos de pressão profissional, poderá ser uma situação cómoda, mas que eu não desejo nem promovi, fere a minha dignidade pessoal e profissional e não serve, certamente, os superiores interesses do Banco".


18) A referida Administradora limitou-se a referir a existência de um Plano de Reestruturação em curso no Banco a desenvolver em várias fases e que, não se podendo comprometer, iria oportunamente providenciar uma solução.


19) Posteriormente, em 11/2019 foi abordado pelo Responsável do DR... para lhe transmitir que tinha estado numa reunião de quadros do Banco onde conheceu a nova Directora da Direcção de Gestão de Pessoas (DGP), Dra. DD, tendo sido abordada a sua situação.


20) A 03/12/2019, por contacto da Secretária da DGP, EE, e conciliação de disponibilidades, esteve numa reunião na DGP com a Responsável da Direcção, Dra. DD, actual Directora de Recursos Humanos e com o Dr. FF.


21) Falaram sobre o processo anteriormente referido, tendo o A. aproveitado a oportunidade para transmitir que, embora tivesse facilitado o acordo, nomeadamente quanto a verbas de indemnização, a viatura que foi atribuída não cumpre com o regulamento de "Viaturas de Serviço - Regras e Procedimentos" como tinha sido acordado.


22) Também quanto a esta questão nada mais foi referido.


23) A Dra. DD ficou de averiguar da existência de vagas disponíveis nas diversas Direcções, nomeadamente Direcção de empresas, consentâneas com a categoria e experiência profissional do A..


24) Até à data não houve mais qualquer abordagem nesse sentido.


25) A 22 de Dezembro de 2020, o A. foi convidado para ser Gerente da Agência de ..., saindo de um departamento regional.


26) Essa agência, acabou por ser encerrada no dia 25 de Junho de 21.


27) A R. convocou o A. para reuniões que visavam o seu despedimento por acordo, ou a aceitação da reforma antecipada, de acordo com os valores que a R. entendesse.


28) No passado dia 7 de Novembro, ocorreu uma reunião de gerentes, cerca das 16 horas, antecedida de almoço, onde estiveram presentes os gerentes de balcões, o responsável pelo DR..., para o qual não foi convidado o A., tendo sido, inclusive, convidada a administrativa do departamento.


29) No dia 11 de Novembro de 2021, a Directora Comercial, Dra. GG, deslocouse ao Departamento, cumprimentou todos os trabalhadores e não dirigiu a palavra ao A., não o tendo convidado, sequer, para a reunião de gerentes que marcou!


30) O A. renunciou sempre a assinar qualquer acordo – simplesmente porque pretendia continuar a trabalhar, desempenhando a sua actividade profissional.


31) Ao A., desde pelo menos 2016, não foi apresentado trabalho para desenvolver, nem na sua área de competência, nem em qualquer outra da actividade bancária para a qual o A. tenha aptidão profissional e que corresponde à sua categoria profissional.


32) Eliminado pela Relação.


33) Eliminado pela Relação.


34) Eliminado pela Relação.


35) O A. passou a sentir desânimo e falta de prazer nas actividades que habitualmente pratica e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça.


36) Sentimentos e sintomatologias que o autor atribui à actuação do R.


37) O A. teve de recorrer aos serviços médicos, passando a ser doente do Dr. HH, ex-diretor do Departamento de Psiquiatria do ... – documento n.º 2.


38) Foi-lhe diagnosticada uma sintomatologia ansiosa – crises de ansiedade extrema / ataques de pânico (taquicardia, suor exagerado, tonturas, náuseas) que desencadearam medo de sair de casa, estando a limitar o seu dia-a-dia – e, ainda, a apresentação de sentimentos de frustração e injustiça, que atribui aos factos aqui enunciados.


39) O A. desenvolveu uma depressão grave, estando a receber tratamento clínico, o que atribuí ao comportamento da ré.


40) O R nunca curou de com ele negociar uma qualquer outra compensação (retributiva ou não).


41) Pelo contrário, o A., já foi “convidado” – por mais do que uma vez – a rescindir o seu contrato de trabalho.


42) Quando quer continuar a trabalhar!


43) Clinicamente, de acordo com o Relatório junto, “o doente supracitado encontra-se sob supervisão e tratamento psiquiátrico por apresentar quadro depressivo de natureza endógena caracterizado por anergia, humor deprimido, lentificação psicomotora, irritabilidade, alteração do padrão do sono, perda de peso e ruminação intensa de desvalorização permanente com sentimentos de inutilidade. Frequentemente apresenta pessimismo, ideias frequentes e desproporcionalidade de culpa, baixa auto estima, sensação de falta de sentido na vida, inutilidade, ruína, fracasso, pensando “não estou cá a fazer nada”, perda do apetite e do peso, insónia (dificuldade de conciliar o sono, múltiplos despertares e sensação e sono muito superficial), despertar matinal precoce (geralmente duas horas antes do horário habitual).”


44) O A. é empregado bancário, actualmente com 38 anos de antiguidade ao serviço da R. e que vive à custa do seu trabalho.


45) O A. sente profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação e perda de auto estima, bem como uma dificuldade acrescida em cumprir as obrigações assumidas, o que atribui à situação criada.


46) O A. além de sentir esvanecer-se a sua dignidade profissional, viu coartada a sua progressão, quer na carreira bancária, quer fora da banca, considerando que foi docente no Ensino Superior, tendo deixado de se sentir psicologicamente incapaz de desempenhar quaisquer outras funções ou actividade laboral.


47) O A. foi docente no Ensino Superior, pois leccionou no Ensino Superior Politécnico e no ensino profissional.


48) Foi, também, administrador no G.... ........ entre 15/12/1990 e abril/2011.


49) Sendo, neste momento, desconsiderado, considerando os factos aqui elencados.


50) A Direcção de Recuperação de Crédito tem no seu quadro de pessoal um conjunto expressivo de quadros oriundos da área comercial, nos quais se incluem gerentes / responsáveis de balcão.


- Em face das iniciativas de reestruturação em curso, transversais a todo o Banco, foram também apresentadas ao Autor, de boa-fé, as condições do programa de rescisões ou reformas, que de facto contemplam a reforma ou o acordo, em condições de adesão voluntária.


- A abordagem ao Autor foi feita nos mesmíssimos termos que ocorreram com todos os outros trabalhadores do Banco Réu que reuniam condições para esse efeito.


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Factos não provados:


1) Eliminado pela Relação


2) A decisão de encerramento do balcão de ... só foi tomada posteriormente e até de alguma forma motivada pela ausência de alternativas para assegurar a coordenação da equipa do referido balcão, tornando-se incomportável a sua coordenação por gerente de outro balcão, que acumulava tal responsabilidade com este.


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• o direito:


- a primeira questão- se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação de facto e de direito da decisão de alteração da matéria de facto, bem como por ter conhecido questões de que não podia tomar conhecimento, nos termos do art. 615.º, n.º 1, als. b) e d), do CPC;


A questão foi devida e exaustivamente tratada pela Relação nos seguintes termos:


“No que concerne à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão a que alude a alínea b), ensina-nos Alberto dos Reis que: “há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.


Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)” - Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag.140.


O mesmo entendimento tem sido defendido por Doutrina mais recente. Refere Lebre de Freitas, in Código Processo Civil, pag.297 que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”.


Por sua vez, Teixeira de Sousa, afirma que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”.


No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou do fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença” (cfr. “Notas ao Código de Processo Civil”, III, pag.194).


A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora, de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).


Acrescente-se que, relembrando as palavras de Alberto dos Reis que: “(…) também não é causa de nulidade da sentença a circunstância de o juiz ter deixado de fazer o exame crítico das provas de que lhe competia conhecer. É certo que, em obediência ao art. 659º, cumpre ao juiz fazer esse exame; se o não fizer, a sentença é defeituosa, mas não é nula, contanto que nela se indiquem os factos que o juiz teve como provados e sobre os quais assentou a sua decisão”- obra citada, pag. 141.


Voltando ao caso em análise, basta ler o acórdão para facilmente se concluir que o mesmo não omitiu de modo total ou absoluto a fundamentação no que toca quer à decisão de facto quer quanto à decisão de direito pelo que não se verifica a nulidade em questão.


Quanto à nulidade prevista no art. 615º nº 1 al. d) do CPC.


Esta nulidade relaciona-se com o disposto no art.º 608º nº 2 do mesmo diploma, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.


Assim, para lá de estar obrigado a resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, o juiz está proibido de apreciar questões que não lhe tenham sido colocadas pelas partes, salvo se se tratar de questões que sejam de conhecimento oficioso.


Para efeitos do disposto no art. 608º nº 2 do CPC, tem-se considerado que “questões” são aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as excepções porventura aduzidas.


Por outro lado há a distinguir as “questões” das “razões” ou “argumentos”, sendo que só a falta de apreciação das primeiras – “questões” – integra a nulidade prevista na alínea d) do citado normativo, mas já não a mera falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões.


Para concluir que o tribunal de recurso não tem de apreciar todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pela parte, mas tão só as questões objecto do mesmo recurso, entendidas as mesmas, como se disse, como aquelas que se reportam aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes das posições assumidas pelas partes, ou seja, as que se prendem com a causa de pedir, com o pedido e com as (reais) excepções porventura aduzidas.


Ora, relido o acórdão, não se vislumbra que esta Relação tenha extravasado os seus poderes de cognição, deixando de conhecer de questões que lhe cumpria conhecer ou que tivesse conhecido de questões que lhe estava vedado conhecer.


Não se verifica, pois a nulidade a que alude a alínea d).


O que, na verdade, o recorrente pretende, como acontece amiúde, é a alteração do acórdão no sentido da satisfação das suas pretensões, por não concordar com a decisão proferida por esta Relação no que concerne à matéria de facto com reflexo no seu enquadramento jurídico, o que está no seu direito; ou seja, insurge-se quanto à forma como foram decididas as questões de facto e de direito o que, naturalmente, não configura qualquer nulidade do acórdão”.


Estas considerações merecem a nossa total concordância.


Acresce que é jurisprudência consolidada deste STJ (veja-se, o qual seguiremos, o Ac. de 17 de Março de 2022, proc. 6947/19.3T8LSB.L1.S1), que, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 46º da Lei 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário) e 682º do Código de Processo Civil, o Supremo Tribunal de Justiça é um tribunal de revista que, salvo nos casos excepcionais contemplados no nº 3 do artigo 674º do CPC, aplica definitivamente o regime jurídico aos factos materiais fixados pelo Tribunal recorrido, consistindo as excepções referidas “na ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova”, como dispõe o nº 3 do artigo 674º do C.P.C. (prova vinculada).


Daqui se segue que o sindicar o modo como a Relação fixou os factos materiais só pode ocorrer no âmbito do recurso de revista se aquele Tribunal deu por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência ou se tiver incumprido os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.


Significa isto que, por regra, e salvo nas situações excepcionais assinaladas, é definitivo o juízo formulado pelo Tribunal da Relação, no âmbito do disposto no artigo 662º, nºs 1 e 2, do C.P.C., em matéria de facto sobre prova sujeita à livre apreciação, não podendo o mesmo ser modificado ou censurado pelo Supremo Tribunal de Justiça, cuja intervenção está limitada aos casos da parte final do nº 3 do artigo 674º do mesmo Código, nos termos do qual o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, que o mesmo é dizer que o erro de julgamento em matéria de facto em si, quando não esteja inquinado por erro de direito, não é sindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça e não pode constituir fundamento de recurso de revista.


Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça, como tribunal de revista, pode censurar o modo como a Relação exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, já que se tal for feito ao arrepio do artigo 662º do Código do Processo Civil, se está no âmbito da aplicação deste preceito e, por conseguinte, em matéria de direito.


Ou seja, nas palavras do acórdão do STJ de 12.11.2020, Procº nº 3159/05.7TBSTS.P2.S, citando o acórdão de 06/07/2011, Proc.º nº 645/05.2TBVCD.P1.S1, “se a este Supremo Tribunal de Justiça lhe é vedado sindicar o uso feito pela Relação dos seus poderes de modificação da matéria de facto, já lhe é, todavia, possível verificar se, ao usar tais poderes, agiu ela dentro dos limites traçados pela lei”, tratando-se então de verificar se o Tribunal da Relação, no uso ou não uso dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 662º do C.P.C., incumpriu deveres de ordem adjectiva, se (des)respeitou a lei processual, relacionados com a apreciação da matéria de facto, o que é inequivocamente matéria de direito.


Em suma, como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal de 30.11.2021, Procº nº 212/15.2T8BRG-B.G1.S1, ao tribunal de revista compete assegurar a legalidade processual do método apreciativo efectuado pela Relação, mas não sindicar o eventual erro desse julgamento nos domínios da apreciação e valoração da prova livre nem da prudente convicção do julgador.


I. O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa escapa ao âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), estando-lhe vedado sindicar a convicção das instâncias pautada pelas regras da experiência e resultante de um processo intelectual e racional sobre as provas submetidas à apreciação do julgador.


II. São excepções a esta regra a existência de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (prova vinculada ou tarifada)”- Ac. do STJ de 15.09.2021, Proc. n.º 559/18.6T8VIS.C1.S1.


No caso vertente, é manifesto que a Relação não fixou os factos materiais dando por provado um facto sem produção do tipo de prova que a lei exige como indispensável para demonstrar a sua existência, assim como não incumpriu os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. O que se passa é que a Recorrente não concorda com a decisão da impugnação tal como foi feita pelo Tribunal da Relação, mas tal não constitui fundamento para intervenção deste Supremo Tribunal, neste particular aspecto. E nem sequer concretiza, com a necessária fundamentação, em que é que a disposições legais que cita foram ofendidas, em termos de exigir determinado meio de prova para se considerar determinado facto como provado ou não provado.


Com base nestes critérios, é insindicável por este STJ a decisão do acórdão recorrido sobre a matéria de facto.


Não se verifica, assim, a nulidade da sentença invocada.


- a segunda questão- se devem ser atribuídas ao Recorrente funções correspondentes à categoria profissional de Director:


Escreveu-se, a este propósito, no acórdão recorrido:


“Percorrendo toda a matéria de facto provada não vemos onde as funções desempenhadas pelo autor possam ser enquadradas na categoria estatuto de Director tal como esta se encontra definida no IRCT aplicável.


Provou-se a propósito que no âmbito da sua actividade profissional junto do R., o A. tem atribuídas funções de acompanhamento de crédito vencido dos balcões pertencentes ao DR..., sem qualquer delegação de competências para agir, interpelar, propor ou decidir, nem sequer um Plano de Reestruturação de dívida por pequena que seja.


Em parte algum da matéria de facto resulta (e era ao autor que incumbia fazer essa prova) que o autor tivesse tomado decisões de gestão no quadro das políticas e objectivos da entidade empregadora e na esfera da sua responsabilidade; que colaborasse na elaboração de decisões a tomar ao nível do conselho de administração ou do órgão superior de gestão ou que superintendesse o planeamento, organização e coordenação das actividades deles dependentes.


Assim, parece-nos evidente que que as tarefas ou funções desempenhadas pelo autor não podem ser enquadradas na categoria (estatuto) de director.


É certo que se verifica uma discrepância entre a categoria contratual acordada (director) e a categoria estatutária (que não se enquadra na de director) mas, como se disse, nestes casos, para efeitos de enquadramento numa determinada categoria profissional, deve prevalecer o conteúdo funcional desta última


Ou seja, ao contrário do decidido pela 1ª instância, não se pode afirmar que o autor tenha a categoria estatutária ou normativa (e é esta que releva) de Director.


Aliás, não deixa de ser sintomático que aquando da celebração do contrato de trabalho tenha sido atribuído o nível 14, quando o nível mínimo para a categoria de Director era 16”.


Não subscrevemos este entendimento:


Dispunha o art. 22.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 49408, de 24.11 (LCT), então em vigor, que “o trabalhador deve, em princípio, exercer uma actividade correspondente à categoria para que foi contratado”.


Em termos de sucessão de norma legais, temos que o art. 151.º, n.º 1, do CT 2003, veio dispor que “trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que foi contratado”.


E o artº 118.º, n.º 1, do CT de 2009, veio estabelecer que “o trabalhador deve, em princípio, exercer funções correspondentes à actividade para que se encontra contratado, devendo o empregador atribuir-lhe, no âmbito da referida actividade, as funções mais adequadas às suas aptidões e qualificação profissional.».


Como decorre da descrita fundamentação do acórdão recorrido, este pôs a ênfase no enquadramento das funções exercidas pelo Recorrente numa categoria profissional.


Contudo, e como se adverte no Parecer do Exmº PGA, a problemática não se centra na necessidade dessa qualificação.


O que importa saber é se o Recorrente está ou não a desempenhar funções no âmbito da actividade para que foi contratado, o que passa necessariamente por se apurar sobre qual foi a categoria profissional ou actividade para a qual o Recorrente foi contratado.


A este respeito, provou-se, com relevância, em termos de percurso profissional do Recorrente que:


9) O percurso profissional do A. e correspectivas vicissitudes do contrato individual de trabalho do A. inclusive em relação ao R., foi o seguinte: (…) D- No FINIBANCO, S.A. a) Admissão mediante contrato individual de trabalho de 19 de Março de 1997, com efeitos a partir de 1 de Abril de 1997, com a categoria de Director, Grupo I, nível 14, nos termos estabelecidos no ACTV para o sector bancário.


Sendo que também ficou provado que:


E- Na Caixa Económica Montepio Geral, S.A., ora R., onde o Finibanco foi integrado,


a) A 4 de Abril de 2011 foi outorgado um contrato de aquisição de activos e passivos entre a R. Caixa Económica Montepio Geral e o Finibanco, S.A. “em virtude do qual foram transmitidos, do segundo para a primeira, todos os activos e passivos que constituem o estabelecimento relativo à actividade bancária até aqui exercida pelo Finibanco , S.A.”.


Ou seja, o recorrente foi admitido em 01.04.1997, com a categoria de Director, Grupo I, nível 14, nos termos estabelecidos no ACTV para o sector bancário, ou seja, foi admitido para as funções ou actividade correspondente à categoria profissional normativa de Director.


A actividade para a qual foi contratado corresponde às funções constantes na descrição da categoria profissional de Director consignada naquele ACTV, publicado no BTE n.º 31/90, com as alterações publicadas no BTE n.º 31/92, no BTE n.º 42/94, e no BTE n.º 2/96, que se estava em vigor à data da referida admissão.


Onde, no seu anexo III, se estabelece a definição de categoria profissional de Director no ACTV para o sector bancário, do seguinte modo:


“Director. E o trabalhador que, de forma autónoma, toma as grandes decisões, no quadro das politicas e objectivos da instituição e na esfera da sua responsabilidade, e que colabora elaboração de decisões a tomar a nível do órgão superior de gestão. Superintende no planeamento, organização e coordenação das actividades dele dependentes. Na escala hierárquica tem como órgão superior o conselho de gestão ou de administração e como órgãos subalternos todos os demais dentro do seu pelouro”.


Sendo desde 2017 aplicável à relação jurídico-laboral em causa o ACT para a Caixa Económica Montepio Geral, publicado no BTE n.º 8/2017– pontos 2) e 3) da matéria de facto dada como provada –, onde se descrevem as funções correspondentes à categoria de Diretor como sendo:


“Diretor, diretor adjunto, subdiretor - Tomam as decisões de gestão no quadro das políticas e objetivos da entidade empregadora e na esfera da sua responsabilidade; colaboram na elaboração de decisões a tomar ao nível do conselho de administração; superintendem no planeamento, organização e coordenação das atividades deles dependentes. Às categorias profissionais sucessivamente elencadas corresponde maior poder de decisão e responsabilidade”.


E não lhe retira o direito a esse categoria a circunstância de a Ré nunca lhe ter atribuído funções compatíveis com a mesma. O exemplo dado no Parecer do MºPº é particularmente feliz: “um trabalhador contratado como eletricista, se nunca tivesse exercido as funções de eletricista, mas sempre as de canalizador, por facto imputável ao empregador, nunca teria direito a desempenhar as funções para as quais tinha sido contratado, precisamente porque nunca as tinha desempenhado”.


Também, e como acontece com esse Parecer, não concordamos com o acórdão recorrido na relevância que dá ao facto de aquando da celebração do contrato de trabalho ter sido atribuído ao Autor o nível 14, quando o nível mínimo para a categoria de Director era 16 - o escalão remuneratório é uma consequência da categoria normativa, e não o contrário.


Pelo que, nesta parte, o recurso procede.


- a terceira questão- se ocorreu violação do dever de ocupação efectiva do Recorrente, bem como a prática de assédio moral:


No que toca à violação do dever de ocupação efectiva, o acórdão recorrido considerou:


Como se pode ver, a 1ª instância concluiu pela violação do dever de ocupação efectiva em virtude do réu não ter ocupado o autor com tarefas compatíveis com a sua categoria profissional de Director.


Ora, não sendo esta a categoria (estatuto) do autor, não tinha a ré qualquer obrigação de atribuir ao autor funções ou tarefas inerente à categoria de Director pelo que não se vislumbra onde possa ter ocorrido uma violação do dever de ocupação efectiva”.


É proibido ao empregador obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho, como decorre do disposto nos artºs 122º, al. b), do CT/2003, e 129º, nº 1, b), do CT/2009.


A LCT não estatuía expressamente tal direito do trabalhador.


No entanto, e apesar desta lacuna da lei, a jurisprudência e a doutrina foram-no admitindo de forma generalizada, como corolário do direito ao trabalho e do reconhecimento do papel de dignificação social que o mesmo tem, princípios constitucionais que estão consignados nos art. 58º, nº 1 e 59º, nº 1, al. c) da CRP.


Assim, e na falta de lei expressa, arrancava-se daqui para o reconhecimento da existência dum direito de ocupação efectiva do trabalhador e a que estava vinculada a entidade patronal- cfr. Ac. do STJ de 13-07-2011, proc. n.º 105/08.0TTSNT.L1.S1.


Dependendo, no entanto, a relevância (e o grau de relevância) das situações de inactividade e “vazio funcional” de todas as circunstâncias de cada caso concreto, nomeadamente, a natureza da actividade do trabalhador, o seu posicionamento na hierarquia da empresa e o regime de prestação do serviço- cfr. Ac. do STJ de 18-12-2013, Proc. n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1.


Da factualidade provada resulta, sem margem para qualquer dúvida, que o Autor, tendo a categoria profissional de Director, nunca exerceu as funções correspondentes, porque a Recorrida nunca lho permitiu.


E a Recorrida não invocou qualquer motivo justificativo para essa não atribuição, qualquer impossibilidade efectiva.


E como muito bem se afirma no Parecer do MºPº, a violação do conteúdo funcional da categoria profissional contratada com o Recorrente implicou a violação do dever de ocupação efetiva


Já quanto ao assédio moral, escreveu-se no acórdão recorrido:


“Desde logo porque o autor não tem a categoria de Director, não tendo a ré violado (“teimosa e injustificadamente” lê-se na sentença) o dever de ocupação efectiva.


Por outro lado, o facto de o autor não ser convocado para reuniões e formações ou não ter sido cumprimentado pelas chefias, não pode ser considerado como um comportamento assediante por parte da ré em relação ao autor.


Não se pode olvidar que o réu se encontrava num processo de reestruturação com intenção de reduzir os quadros de pessoal, apresentando propostas de reforma antecipada e de cessação por acordo dos contratos de trabalho aos seus trabalhadores.


Em conclusão a actuação da ré perante o autor não pode ser caracterizado, em face da factualidade provada, como um comportamento humilhante, vexatório, hostil ou atentório da dignidade dos autor, ou que esse comportamento se revele como um exercício arbitrário do poder de direcção do empregador.


Inexistiu assédio moral ou “mobbing”.


De acordo com o artigo 29º, nº 1, do CT 2009, “entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.


Constitui jurisprudência pacífica deste STJ que, de acordo com o disposto nesse artigo 29º, nº 1, do CT, no assédio não tem de estar presente o “objetivo” de afectar a vítima, bastando que este resultado seja “efeito” do comportamento adotado pelo “assediante”.


Apesar de o legislador ter (deste modo) prescindido de um elemento volitivo dirigido às consequências imediatas de determinado comportamento, o assédio moral, em qualquer das suas modalidades, tem em regra associado um objectivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável- acórdãos de 21-04-2016, processo n.º 299/14.5T8VLG.P1.S1, e de 11-09-2019, processo n.º 8249/16.8T8PRT.P1.S1.


“Resulta com clareza da letra da lei que o objetivo referido não é condição imprescindível para a existência de assédio, bastando que se verifique o efeito “de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”. É esse o sentido da disjuntiva (“o objetivo ou o efeito”) e tese oposta não tem o arrimo suficiente na lei face ao disposto no artigo 9.º do Código Civil. Aliás, a opção do legislador compreende-se dada a dificuldade em provar as intenções”- Ac. de 6/12/2023, Processo n.º 1110/22.9T8CTB.C1.S1.


Passando ao caso concreto, resulta dos factos 12, 13 e 14 que o Autor apenas foi chamado a uma reunião de gerentes dos balcões do DR..., onde significativamente o Responsável do Departamento transmitiu aos presentes que o Autor estava no Departamento para acompanhar o crédito vencido dos balcões e que, somente nesta matéria, deviam pedir ajuda se assim necessário e assim entendessem. Não tinha qualquer delegação de competências para, como funções típicas de Director, agir, interpelar, propor ou decidir, nem sequer um Plano de Reestruturação de dívida por pequena que fosse.


Desde então, não esteve em mais nenhuma reunião ou formação presencial, onde quer que seja – nem sequer quanto às alterações promovidas em matéria de recuperação de crédito.


E nos pontos 28 e 29 foi dado como provado que no dia 7 de Novembro ocorreu uma reunião de gerentes, cerca das 16 horas, antecedida de almoço, onde estiveram presentes os gerentes de balcões, o responsável pelo DR..., para o qual não foi convidado o Autor, tendo sido, inclusive, convidada a administrativa do departamento.


No dia 11 de Novembro de 2021, a Directora Comercial deslocou-se ao Departamento, cumprimentou todos os trabalhadores e não dirigiu a palavra ao A., não o tendo convidado, sequer, para a reunião de gerentes que marcou


Ora, pese embora o comportamento da Ré seja censurável, até porque enquadrado na já demonstrada violação do dever de ocupação efectiva, a referida factualidade não é suficiente para se considerar que produziu o efeito “de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”.


Como se refere no parecer do MºPº, “não se consegue vislumbrar uma atitude que se possa considerar como uma estratégia de isolamento social, esvaziamento de funções, isolamento social, violação das condições de trabalho - através de uma estratégia de desgaste e de perseguição profissional -, intimidação, ou discriminação”.


E importa não esquecer que, no caso em apreço, a violação do dever de ocupação efectiva não se reporta a um esvaziamento total ou significativo de funções, mas, essencialmente, à não atribuição de funções correspondentes à categoria profissional contratada.


- a quarta questão- se o Autor tem direito e, em caso afirmativo, qual o respectivo valor, a indemnização por danos não patrimoniais:


A este propósito escreveu-se no acórdão recorrido:


A atribuição desta indemnização estava dependente da verificação da violação do dever de ocupação efectiva e do assédio.


Com se concluiu pela não verificação desta duas situações, não tem o autor direito a ser indemnizado por danos não patrimoniais e, nesta decorrência, improcede também o recurso subordinado”.


Estipula o artº 496º do Cod. Civil:


“(Danos não patrimoniais)


1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.


(…)


4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.».


Para se poder falar de indemnização por danos não patrimoniais, importa que estejam preenchidos um certo número de requisitos, entre os quais o da existência de um facto ilícito, a imputação do facto ao lesante, a verificação de um dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.


Por outro lado, importa não esquecer que, nos termos do nº 1 do citado artº 496º, só são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.


Para que exista obrigação de indemnizar os danos morais exige o direito substantivo que se mostrem preenchidos os requisitos previstos no art. 483º, do CC (o facto voluntário do agente; a ilicitude, traduzida na violação de direitos subjectivos ou de normas destinadas a proteger interesses legítimos alheios; a culpa, como juízo de censura ético-jurídico imputável ao agente, por não ter agido de modo diverso ao exigido pela ordem jurídica; o dano, enquanto prejuízo ou lesão de natureza patrimonial ou não patrimonial provocada pelo acto praticado pelo agente; e, finalmente, o nexo de causalidade entre o facto e o dano) e que tais danos, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, nos termos do art. 496º, n.º 1, do mesmo diploma- Ac. do STJ de 28-01-2016, Processo n.º 579/11.1TTCSC.L1.


"A gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (...) e não à luz de factores subjectivos ( de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)"- P. Lima e A. Varela, ob. cit., 434.


Ou seja, dentro da preocupação, mais reforçada, por razões óbvias, no domínio do direito laboral, de evitar a tentação de converter em dinheiro muitos dos prejuízos relativamente insignificantes, o critério assente na apreciação da gravidade dos danos será o travão mais indicado para combater o perigo da extensão da obrigação de indemnização e para atenuar o inconveniente da perturbação do comércio jurídico (Pinto Monteiro, Cláusulas Limitativas e de Exclusão de Responsabilidade Civil, in Suplemento do Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 1985, pag. 89, em nota).


Ficou provado que o A. passou a sentir desânimo e falta de prazer nas actividades que habitualmente pratica e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça. Foi-lhe diagnosticada uma sintomatologia ansiosa – crises de ansiedade extrema / ataques de pânico (taquicardia, suor exagerado, tonturas, náuseas) que desencadearam medo de sair de casa, estando a limitar o seu dia-a-dia – e, ainda, a apresentação de sentimentos de frustração e injustiça. Desenvolveu uma depressão grave, estando a receber tratamento clínico. Sente profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação e perda de auto estima, bem como uma dificuldade acrescida em cumprir as obrigações assumidas.


É certo que também ficou provado que o Autor atribui tal situação à actuação da Ré, não estando expressamente demonstrado que tais consequências decorressem desse comportamento.


Mas não se pode olvidar que, por um lado, não ficou demostrado, nem a Ré alegou em conformidade, que os sentimentos e patologia que afectaram o Autor se tenham devido a outras circunstâncias, e que, por outro lado, e em juízo de normalidade, aqueles são consequência de actuações do género da demonstrada pela Ré.


E o Autor não pôde, durante largos anos- 10, desempenhar as funções de Director, funções para as quais tinha sido contratado, sendo-lhe sempre dadas funções de natureza menos relevante, desde logo porque mais subalternas, o que inquestionavelmente é gravemente atentatório da sua dignidade pessoal e profissional, e que só por si já justificaria a atribuição da indemnização.


Trata-se, pois, de danos que merecem a tutela do direito, pela gravidade que assumem e, como tal, não podem deixar de ser indemnizáveis, por força do preceituado nos artºs 483º e 496º do CC.


Danos imputáveis à conduta da Ré que, com o seu comportamento, violou as garantias legais e convencionais do Autor.


Atendendo a que a culpa da Ré revela particular gravidade, não apresentando justificação minimamente aceitável para a não atribuição das funções de Director, situação que perdura há mais de 10 anos, e que a situação económica das partes não é sequer comparável - a Ré é uma instituição bancária e o Autor é um mero empregado bancário que “vive à custa do seu trabalho” (ponto 44) da factualidade provada), fixa-se a indemnização no montante de 25.000,00€ (cfr., em situações com alguma similitude, os acórdãos do STJ de 07-09-2017, proc. n.º 412/2000.L1.S1, de 01-03-2018, proc. n.º 606/13.8TTMTS.P1.S2, e de 14-07-2021, proc. n.º 19035/17.8T8PRT.P1.S1.


- a quinta questão- se ocorreu violação dos arts. 17.º, 18.º, 58.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa.


Esta questão mostra-se prejudicada pela solução encontrada.


x


Decisão:


Nos termos expostos, concede-se parcialmente a revista, revogando-se o acórdão recorrido e:


a) - repristinando-se a sentença de 1ª instância, condena-se a Ré a integrar o Autor na situação jurídica em que se devia encontrar, ou seja a desempenhar funções e atividades profissionais compatíveis com a categoria de Diretor, nos termos do ACT, a saber: “Diretor, diretor adjunto, subdiretor - Tomam as decisões de gestão no quadro das políticas e objetivos da entidade empregadora e na esfera da sua responsabilidade; colaboram na elaboração de decisões a tomar ao nível do conselho de administração; superintendem no planeamento, organização e coordenação das atividades deles dependentes. Às categorias profissionais sucessivamente elencadas corresponde maior poder de decisão e responsabilidade”;


b) - condena-se a Ré a indemnizar o Autor, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 25.000,00;


c) - condena-se a Ré a pagar ao Autor os juros vencidos e vincendos, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.


Custas, em todas as instâncias, na proporção de vencidos.


Lisboa, 08/02/2024


Ramalho Pinto (Relator)


Domingos José de Morais


Mário Belo Morgado





Sumário (da responsabilidade do Relator).