Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
14725/16.5T8PRT-A.P1.S2
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ANA PAULA BOULAROT
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
EMBARGOS DE EXECUTADO
COLIGAÇÃO DE AUTORES E RÉUS
OBSTÁCULOS À COLIGAÇÃO
INDEFERIMENTO LIMINAR
Data do Acordão: 10/29/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / PARTES / LEGITIMIDADE DAS PARTES – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / INTERVENÇÃO DE TERCEIROS / OPOSIÇÃO / OPOSIÇÃO MEDIANTE EMBARGOS DE TERCEIRO – PROCESSO DE EXECUÇÃO / EXECUÇÃO PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA / PROCESSO ORDINÁRIO / OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO / CITAÇÕES / EXECUÇÃO PARA QUANTIA CERTA.
Doutrina:
- Amâncio Ferreira, Curso De Processo De Execução, 1999, p. 92/101 e 184/185;
- Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3.ª edição, p. 341/343.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSOS CIVIL (CPC): - ARTIGOS 36.º, N.ºS 1E 2, 37.º, N.º 1, 342.º, N.º 1, 345.º, 729.º, 730.º, 731.º, 732.º, N.ºS 1, ALÍNEA B), 2 E 3, 786.º, N.º 5, 859.º, N.º 1 E 860.º, N.ºS 1 E 3.
Sumário :

I A oposição deduzida à execução por meio de embargos, nos termos do artigo 859º do CPCivil encetada pelos Embargantes, aqui Recorrentes, no formulário Citius, tendo o processo sido classificado como de «embargos de terceiro» e assim foi assumido pelo Tribunal, como decorre de todos os despachos intercalares e decisões finais subsequentemente produzidas, mostrando-se tal perplexidade aceite pelos Embargantes.

II Figurando apenas o Recorrente/Embargante como o único Executado na acção executiva, não pode o mesmo embargar de terceiro, qualidade esta que apenas pertence à Embargante, na medida em que a mesma é estranha àquela acção, pois nela não foi parte.

III A presente intercorrência de embargos foi suscitada por apenso a uma acção executiva para entrega de coisa certa - a de uma fracção autónoma -cujo título executivo é constituído pela sentença obtida em sede de acção declarativa para execução específica, cuja Autora é a aqui Recorrida/Embargada e Réu o aqui Recorrente/Embargante.

IV Encontrando-se ambos os Embargantes em coligação contra a Exequente/Embargada, formulando pedidos diversos e aos quais correspondem formas de processo diferentes: ao pedido do Recorrente, corresponderá uma oposição por meio de embargos de executado, tal como decorre inequivocamente do preceituado no artigo 859º, nº1 do CPCivil e ao pedido da Recorrente, corresponderá a oposição através de embargos de terceiro, nos termos do artigo 342º, nº1 do mesmo diploma legal, meios de oposição esses que na sua ratio consubstanciam realidades diversas, quer substancial quer materialmente, porque utilizados conjuntamente através dos embargos de terceiro, originam, a se, uma situação que torna incompatível a coligação encetada, nos termos do artigo 36º, nº1 do CPCivil.

V A Lei permite que mesmo neste caso, possa ser autorizada a cumulação desde que não sigam tramitações manifestamente incompatíveis e haja interesse relevante e/ou quando a apreciação conjunta seja indispensável para a apreciação do litigio, de acordo com o seu nº2, só que, no caso sujeito, atentos os pedidos formulados, verifica-se que o mesmo nunca poderia sustentar a pretensão do Recorrente.

VI Dispõe o artigo 860º, nº1 do CPCivil que «O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729º a 731º, na parte aplicável, e com fundamento a benfeitorias a que tenha direito.», mas, tratando-se como se trata de uma execução de sentença, esta última parte não é aplicável, por via da ressalva expressa no nº3 «A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.», o que implica que no que tange ao Executado/Embargante, sempre inexistiriam quaisquer fundamentos para a oposição pretendida a título de embargos de executado, por se não verificarem qualquer das circunstâncias ínsitas no normativo inserto no artigo 729º do CPCivil, acrescida da limitação especificamente consignada naquele nº3 do artigo 860º, supra extractada, o que levaria, como levou, à rejeição liminar do que por aquele foi peticionado, nos termos do disposto no artigo 732º, nº1, alínea b) daquele mesmo diploma legal.

VII Quanto à Embargante, terceira nos termos do artigo 342º do CPCivil, e constituindo os embargos de terceiro uma providência específica para a defesa do cônjuge do Executado, não demandado na execução e cuja citação não haja sido suscitada pelo Exequente nos termos do disposto no artigo 786º, nº5 do CPCivil, o que se não vislumbra ter ocorrido, verifica-se que a sua tramitação particular colide manifestamente com a tramitação normal dos embargos de executado de harmonia com o artigo 732º, nº2 e 3 do CPCivil, a qual corresponde, mutatis mutandis, à da acção comum, o que obstaculizaria, como obstaculizou, à partida, a coligação encetada, nos termos do artigo 37º, nº1 e 345º, nº1 do CPCivil.

(APB)

Decisão Texto Integral:

ACORDAM, NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I O e A, vieram deduzir embargos de terceiro por apenso aos autos de acção executiva que M moveu contra o embargante, acção essa que tem por objecto a entrega de uma fracção de um imóvel, com base numa sentença proferida em acção de execução específica de um contrato promessa intentada pela Exequente, na qualidade de cabeça-de-casal da herança aberta por óbito do seu marido, pedindo: a) o reconhecimento de que a sentença dada à execução não é oponível à embargante mulher, nem contra ela faz caso julgado; b) o reconhecimento que a sentença dada à execução é mal fundada, não podendo com base nela a embargante ser condenada a abandonar a fracção, nem a reconhecer à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu sogro, qualquer direito sobre a indicada fracção; c) o reconhecimento que os embargantes tinham na fracção que lhe foi entregue o conjunto de bens pessoais acima referidos, e de que ela se apossou, quanto aos acima indicados, e destruiu quanto aos também acima referidos; d) o reconhecimento que os embargantes tinham na fracção em causa instalada a sua casa de morada de família, no período estival; e) o reconhecimento que, mercê da apropriação citada e da destruição de bens, os embargantes se viram forçados a reconstruir totalmente a fracção, fazendo nela os melhoramentos e benfeitorias atrás referidos, que não podem ser distratados do prédio sem prejuízo da substância deste e da integridade dos próprios bens; f) a sua condenação a pagar aos embargantes o valor que se liquidar em execução de sentença e em correspondência com o valor dos bens de substituição que levaram para o prédio em substituição dos por ela dele retirados, com o valor de todas as instalações e equipamentos que tiveram de comprar e instalar na fracção, e com o valor das benfeitorias supra indicadas, que se liquidar em execução de sentença; g) a sua condenação como litigante de má fé, em multa e exemplar indemnização a favor dos embargantes, que estes destinam à Santa Casa da Misericórdia de Vila do Conde, alegando para o efeito e em síntese:

- que a sentença que ordenou a entrega foi proferida em processo no qual a Embargante mulher não foi parte, pelo que, habitando tal fracção, não há contra ela qualquer título executivo;

- que a fracção pertence a uma herança na qual o Executado marido também é herdeiro, não tendo sido deliberada pelos herdeiros a propositura desta execução;

- que não foi citado para a execução, tendo sido “expulso” do prédio;

- que fizeram benfeitorias no imóvel, o que é apto a determinar a suspensão da execução;

- que a sentença dada à execução não constitui caso julgado contra a Embargante mulher, por não ter sido parte na causa.

Depois de terem sido convidados a pronunciar-se sobre questões que foram apontadas quanto ao expediente processual usado e quanto à eventual impertinência dos fundamentos invocados, foi a petição de embargos indeferida liminarmente.

Inconformados os Embargantes interpuseram recurso de Apelação, o qual foi julgado improcedente, com a confirmação da decisão recorrida embora com fundamentos diversos dos plasmados na decisão de primeiro grau.

Irresignados os Embargantes vieram interpor recurso de Revista excepcional «convolado» por Acórdão da Formação, fls 529 a 532, em Revista normal, apresentando as seguintes conclusões, no que á economia da decisão concerne:

 - De facto, a decisão recorrida, salvo o devido respeito, fez errada aplicação do direito, porquanto:

a) Tendo decidido que os dois pedidos correspondentes a formas de processo que julgou substancialmente incompatíveis, absolvendo a exequente da instância no que respeita ao pedido da embargante mulher, e do pedido no que respeita ao pedido do embargante marido, violou as regras dos artigos 36° e 37 n. ° 2 do Código de Processo Civil, uma vez que, embora fossem diferentes as causas de pedir dos embargos de executado e dos embargos de terceiro, a procedência dos pedidos principais dependia essencialmente da apreciação dos mesmos factos, a tramitação de ambos os pedidos não era incompatível, pelo que o juiz podia deferir a cumulação, tanto mais que, fazendo-o, atendia ao principio basilar da economia processual e de meios, a que sempre devia ter-se atendido.

b) Ainda que, porém, o tribunal julgasse que havia inconveniente grave na tramitação conjunta de ambos os embargos, cumpria-lhe, nos termos do n.° 4 do artigo 37°, notificar os autores para indicarem qual o pedido ou os pedidos que deviam continuar a ser apreciados no processo, ou, em obediência ao n.° 5 do mesmo artigo 37°, ordenando a separação dos processos, permitir aos embargantes propor, no prazo fixado nesse normativo duas ações

distintas, aproveitando os efeitos jurídicos da propositura da anterior, e, sempre, em cumprimento do artigo 38° n.° 1 determinar a notificação do autor para escolher o pedido que pretendia ver apreciado no processo.

c) Ao contrário do decidido no acórdão recorrido, os pedidos formulados pelo embargante marido (de reconhecimento de que tinha na fração um conjunto de bens pessoais que foram destruídos pela exequente, de reconhecimento de que a fração era casa de morada de família, pelo menos no período estival, do pagamento do valor a liquidar em execução de sentença em correspondência com os bens deixados no imóvel que substituíram os destruídos pela exequente) têm perfeito enquadramento no artigo 729° do Código de Processo Civil, designadamente por se referirem a factos modificativos da obrigação, posteriores ao encerramento da discussão do processo de declaração e provados por documentos.

d) Por outro lado, se se mantivesse a decisão de não admitir a coligação, mas também se se mantivesse a decisão de que os embargos de executado do réu marido deviam ser julgados liminarmente improcedentes, não se punha sequer, ao contrário do que erradamente se decidiu, uma questão de irregularidade de coligação de partes e cumulação de pedidos, uma vez que, nessa hipótese apenas restariam os embargos de terceiro deduzidos pela embargante mulher, nada obstando ao prosseguimento do processo quanto a estes.

e) Alegando os embargantes que na fração cuja entrega foi efetuada no âmbito do processo tinham a sua casa de morada de família, pelo menos no período estival (entre Maio e Setembro) e tendo legalmente a possibilidade de manterem duas moradas (como prevê o artigo 82° do Código Civil), não é possível resolver sem produção de prova que tal casa de morada não existe por ser usada apenas ocasionalmente.

f) Não tendo a sentença dada à execução condenado o embargante marido a entregar o prédio cuja venda foi declarada, embora seja aceitável que a condenação na entrega deve ter-se por implícita na decisão, não podia ter lugar a entrega sem prévio e adequado contraditório dos embargantes, e, por isso, sem que tivesse sido cumprido o artigo 859° do Código de Processo Civil, uma vez que os executados precisavam de tempo e informação para tomarem as medidas necessárias à desocupação do prédio, em que, de facto não haviam sido condenados, o que mais se impõe em relação à embargante mulher, que nem sequer foi parte demandada na ação cuja sentença se executou.

g) Assim, foi dada à execução uma sentença como se dela constasse uma condenação do demandado na entrega do prédio, quando da condenação não constava tal, assim se violando o caso julgado formado pela sentença que se executava.

h) Não era admissível excluir, como se excluiu, possibilidade de invocação de benfeitorias, a pretexto do disposto no artigo 860° n.° 3 do Código de Processo Civil, uma vez que as benfeitorias reivindicadas foram feitas muito depois da apresentação dos articulados e da sentença do processo principal (após 23 de Março de 2011, quando o embargante marido foi citado para contestar a ação cuja sentença se executa em 23 de Dezembro de 2009) e, de qualquer modo os embargantes, antes da propositura da ação executiva tinham proposto um processo-crime, com pedido de indemnização por essas benfeitorias, de que haviam desistido, mas sem prejuízo de oportunamente reivindicarem essa indemnização.

i) Em consequência, a propositura do processo-crime referido deve ter-se como correspondendo à locução constante do n.º3 do citado artigo 860° (ter o executado oportunamente e no passado feito valer o seu direito) ou, a não se entender assim, deve ter-se a referida norma por inaplicável ao caso, uma vez que aquando da contestação da ação não era possível reivindicar quaisquer benfeitorias, que foram feitas muito mais tarde, sendo pois, impossível fazer-lhes alusão na ação declarativa, devendo ser revogado o acórdão recorrido, para serem recebidos os embargos, seguindo-se os demais termos, ou, quando assim se não se entender, mas sem conceder, para se dar cumprimento ao disposto no art.° 37°, n° 4 e 5 ou no artigo 38° Código de Processo Civil.

 

Nas contra alegações a Embargada, aqui Recorrida, conclui pela manutenção do julgado.

II Põe-se como problema a resolver na presente Revista o de saber se há ou não lugar ao prosseguimento dos embargos formulados.

Mostra-se assente a seguinte factualidade no que interessa à economia da decisão proferenda

- Na ação declarativa que a aqui Exequente/Recorrida na qualidade de herdeira e cabeça de casal da herança aberta por óbito do seu falecido marido D, intentou contra o aqui Recorrente para exercer contra o mesmo o direito previsto no n.º 1 artigo 830º do Código Civil e que correu termos sob o n.º … da Secção Cível da Instância Local da …, foi proferida sentença em 6 de Junho de 2013 que declarou incumprido pelo Réu O o contrato promessa celebrado entre si e D em 30 de Junho de 1997 e em substituição do réu O, casado com A, e em execução especifica do contrato promessa celebrado em 30 de Junho de 1997, foi declarada vendida à herança aberta por óbito de D a fração autónoma AL, correspondente ao 3º andar esquerdo, destinado a habitação, Tipo 3 (…) inscrito na matriz urbana respetiva sob o artigo …, pelo preço de 7.500.00$00 (Sete milhões e quinhentos mil escudos, atualmente correspondente a 37.409,84€ (trinta e sete mil quatrocentos e nove euros e oitenta e quatro cêntimos), que deverá ser entregue ao Réu O.”, tudo conforme se pode aferir da sentença judicial condenatória que se junta e se reproduz para os devidos e legais efeitos. (Documento 1)

- A aí Autora ora Exequente, por não aceitar a ultima parte de tal sentença que condenou na entrega do preço, uma vez que este já estava pago, interpôs o competente recurso de tal segmento da decisão para o Tribunal da Relação do Porto.

- Sendo que o aí Réu também não aceitou o declarado em tal sentença condenatória, interpondo igualmente recurso da mesma para o Tribunal da Relação do Porto.

- O Tribunal da Relação do Porto quanto aos mesmos, por acórdão proferido em 9 de Janeiro de 2014, proferiu a seguinte decisão: “Pelo exposto, acordam os juízes do Tribunal da Relação em julgar os recursos do seguinte modo:

A) Recursos do Réu: Totalmente improcedentes; B) Recursos da Autora: 1) recurso do despacho de alteração da base instrutória: procedente; 2) recurso da matéria de facto: prejudicado; 3) recurso da sentença: procedente;

(…)”

- A Exequente na qualidade de cabeça de casal da referida herança, à qual pertence a propriedade do imóvel em causa, interpelou já o Executado por carta registada em 18 de Janeiro de 2016 para proceder à entrega do imóvel, tudo conforme se pode aferir da cópia de tal missiva que se dá por integralmente reproduzida. (Documento n.º 5)

- Sucede que, a tal interpelação, não obstante o tempo já decorrido, não obteve a Exequente qualquer resposta.

- A execução foi instaurada contra o aqui Recorrente.

Insurgem-se os Recorrentes contra o Acórdão recorrido, porquanto na sua tese, tendo-se aí decidido que aos dois pedidos correspondem formas de processo substancialmente incompatíveis, tendo absolvido a Exequente da instância no que respeita ao pedido da Embargante mulher, e do pedido no que respeita ao pedido do embargante marido, violou as regras dos artigos 36° e 37º nº2 do Código de Processo Civil, uma vez que, embora fossem diferentes as causas de pedir dos embargos de executado e dos embargos de terceiro, a procedência dos pedidos principais dependia essencialmente da apreciação dos mesmos factos, a tramitação de ambos os pedidos não era incompatível, pelo que podia o Tribunal deferir a cumulação; por outro lado ainda que viesse a ser julgado que havia inconveniente grave na tramitação conjunta de ambos os embargos, cumpria, nos termos do nº4 do artigo 37º, notificar os Autores para indicarem qual o pedido ou os pedidos que deviam continuar a ser apreciados no processo, ou, em obediência ao nº5 do mesmo artigo 37º, ordenando a separação dos processos, permitir aos embargantes propor, no prazo fixado nesse normativo duas ações distintas, aproveitando os efeitos jurídicos da propositura da anterior, e, sempre, em cumprimento do artigo 38º nº1 determinar a notificação do autor para escolher o pedido que pretendia ver apreciado no processo.

Vejamos, então.

Os aqui Recorrentes, Executados, vieram deduzir oposição à execução por meio de embargos, nos termos do artigo 859º do CCivil, tal como deflui da respectiva Petição Inicial, sendo que, no formulário Citius, cfr fls 2, o processo foi classificado como de «embargos de terceiro» e assim foi assumido pelo Tribunal, como decorre de todos os despachos intercalares e decisões finais subsequentemente produzidas, mostrando-se tal perplexidade aceite pelos Embargantes.

 

Assim sendo, temos necessariamente de constatar, tal como foi feito pelas instâncias que, sendo o Recorrente/Embargante o único Executado na acção executiva, não poderia o mesmo embargar de terceiro, qualidade esta que apenas pertenceria à Embargante, na medida em que a mesma é estranha àquela acção pois nela não foi parte.

A presente intercorrência de embargos foi suscitada por apenso a uma acção executiva para entrega de coisa certa - a de uma fracção autónoma -cujo título executivo é constituído pela sentença obtida em sede de acção declarativa para execução específica, cuja Autora é a aqui Recorrida/Embargada e Réu o aqui Recorrente/Embargante.

Como se encontra ponderado pelas instâncias, ambos os Embargantes se encontram em coligação contra a Exequente/Embargada, formulando pedidos diversos e aos quais correspondem formas de processo diferentes: ao pedido do Recorrente, corresponderá uma oposição por meio de embargos de executado, tal como decorre inequivocamente do preceituado no artigo 859º, nº1 do CPCivil e ao pedido da Recorrente, corresponderá a oposição através de embargos de terceiro, nos termos do artigo 342º, nº1 do mesmo diploma legal, meios de oposição esses que na sua ratio consubstanciam realidades diversas, quer substancial quer materialmente, como se ajuizou no Aresto em crise.

Esses dois meios distintos de defesa utilizados conjuntamente através de um deles – no caso os embargos de terceiro – originam, a se, uma situação que torna incompatível a coligação encetada, de harmonia com o disposto no artigo 36º, nº1 do CPCivil, sendo certo que, a lei permite que mesmo neste caso, possa ser autorizada a cumulação desde que não sigam tramitações manifestamente incompatíveis e haja interesse relevante e/ou quando a apreciação conjunta seja indispensável para a apreciação do litigio, de acordo com o seu nº2.

Só que, no caso sujeito, atentos os pedidos formulados, verifica-se que o mesmo nunca poderia sustentar a pretensão do Recorrente.

Se não.

Mostram-se delineados os seguintes pedidos, por ambos os Embargantes:

i) que seja declarado que a sentença dada à execução não é oponível à Embargante, nem contra ela faz caso julgado;

ii) que se declare que a sentença dada à execução é mal fundada, não podendo com base nela a Embargante ser condenada a abandonar a fracção, nem a reconhecer à herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de seu sogro, qualquer direito sobre a indicada fracção;

iii) que se reconheça que os Embargantes tinham na fracção que lhe foi entregue o conjunto de bens pessoais descritos no requerimento inicial, parte dos quais foram apossados pela Embargada e outros pela mesma destruídos;

iv) que se reconheça que os Embargantes tinham na fracção em causa instalada a sua casa de morada de família, no período estival;

v) que se reconheça que, mercê da apropriação citada e da destruição de bens, os Embargantes se viram forçados a reconstruir totalmente a fracção, fazendo nela os melhoramentos e benfeitorias, que não podem ser distratados do prédio sem prejuízo da substância deste e da integridade dos próprios bens;

vi) que seja condenada a Embargada a pagar aos Embargantes o valor que se liquidar em execução de sentença e em correspondência com o valor dos bens de substituição que levaram para o prédio em substituição dos por ela dele retirados, com o valor de todas as instalações e equipamentos que tiveram de comprar e instalar na fracção, e com o valor das benfeitorias supra indicadas, que se liquidar em execução de sentença.

Dispõe o artigo 860º, nº1 do CPCivil que «O executado pode deduzir oposição à execução pelos motivos especificados nos artigos 729º a 731º, na parte aplicável, e com fundamento a benfeitorias a que tenha direito.», mas, tratando-se como se trata de uma execução de sentença, esta última parte não é aplicável, por via da ressalva expressa no nº3 «A oposição com fundamento em benfeitorias não é admitida quando, baseando-se a execução em sentença condenatória, o executado não haja oportunamente feito valer o seu direito a elas.».

Isto vale por dizer que, no que tange ao Executado/Embargante, sempre inexistiriam quaisquer fundamentos para a oposição pretendida a título de embargos de executado, por se não verificarem qualquer das circunstâncias ínsitas no normativo inserto no artigo 729º do CPCivil, acrescida da limitação especificamente consignada naquele nº3 do artigo 860º, supra extractada, o que levaria, como levou, à rejeição liminar do que por aquele foi peticionado, nos termos do disposto no artigo 732º, nº1, alínea b) daquele mesmo diploma legal.

Não se pode concluir, como conclui o Recorrente, que a existência de um eventual procedimento criminal intentado antes da propositura da ação executiva, com pedido de indemnização por essas benfeitorias, de que haviam desistido, mas sem prejuízo de oportunamente reivindicarem essa indemnização, equivale ao acionamento do direito previsto naquele artigo 860º, nº3 do CPCivil, pois o mesmo implica a sua dedução em sede reconvencional, no âmbito da acção declarativa.

O seu não acionamento, não envolve qualquer renúncia, implicando antes a instauração de uma acção própria, com tal objecto, o que parece ter acontecido com a deduzção de pedido cível em processo criminal, segundo decorre do alegatório.

Quanto à Embargante, aqui Recorrente.

Temos como boa a afirmação de que a mesma é terceira em relação ao julgado em execução, porquanto não figurou como Ré em sede declarativa cuja decisão aqui se executa, sendo-lhe lícito, pois, em tese, usar do meio processual aludido no artigo 342º do CPCivil.

Ali se dispõe «1. Se a penhora, ou qualquer acto judicialmente ordenado de apreensão ou entrega de bens, ofender a posse ou qualquer direito incompatível com a realização ou âmbito da diligência, de que seja titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo embargos de terceiro.».

Os embargos de terceiro constituem, assim, um meio ou acção instituídos para a defesa da posse quando esta for ofendida por qualquer diligência ordenada judicialmente, cfr Anselmo de Castro, Acção Executiva Singular, Comum e Especial, 3ª edição, 341/343.

Este meio de defesa da posse apresenta-se dividido em dois momentos distintos: num primeiro, preliminar, em que se vai examinar de uma forma perfunctória, da existência daquela, através da produção de uma prova meramente informatória e, caso esta proceda, a suspensão do acto impugnado, a restituição provisória da posse e o prosseguimento dos autos como acção comum, cfr artigos 3435º e 347º do CPCivil.

Tratando-se como se trata de uma providência específica para a defesa do cônjuge do Executado, não demandado na execução e cuja citação não haja sido suscitada pelo Exequente nos termos do disposto no artigo 786º, nº5 do CPCivil, o que se não vislumbra ter ocorrido, verifica-se que a sua tramitação particular colide manifestamente com a tramitação normal dos embargos de executado de harmonia com o artigo 732º, nº2 e 3 do CPCivil, a qual corresponde, mutatis mutandis, à da acção comum, o que obstaculizaria, como obstaculizou, à partida, a coligação encetada, nos termos do artigo 37º, nº1 e 345º, nº1 do CPCivil, cfr Amâncio Ferreira, Curso De Processo De Execução, 1999, 92/101 e 184/185.

Sempre se acrescenta ex abundanti, ao arrepio do vem esgrimido pelos Recorrentes que não se trata tão só, neste conspectu, de uma mera irregularidade de coligação de partes e cumulação de pedidos, que pudesse, quiçá, dar origem ao procedimento previsto no artigo 37º, nº2, fazendo prosseguir os embargos de terceiro deduzidos pela embargante mulher, Já que o problema se mantém a montante com a coligação indevida por via de uma cumulação de pedidos à qual correspondiam processos diversos.

Por outro lado, inútil se torna a alegação continuada de que a sentença dada à execução não condenou o Executado/Embargante na entrega da casa, já que, por um lado como vem explicado na decisão de segundo grau aqui em equação «[C]om relevo para a situação em apreço, já se afirmou que numa acção de execução específica, onde é peticionada a transmissão de uma coisa prometida em venda, por substituição do tribunal ao promitente faltoso, se tem por implícito o pedido de entrega dessa mesma coisa. E isso porquanto a entrega da coisa, in casu, da fracção autónoma negociada, constitui um efeito necessário da decisão condenatória, em caso de procedência do pedido.»; por outro, tal situação a ser considerada, sempre pertenceria à substância e não ao formalismo processual obstativo da admissão liminar dos embargos, aqui em análise.

Do mesmo modo, no que concerne à problemática de saber se a fração cuja entrega foi efetuada no âmbito de um processo onde alegadamente teriam a sua casa de morada de família, pelo menos no período estival (entre Maio e Setembro) e tendo legalmente a possibilidade de manterem duas moradas (como prevê o artigo 82° do CCivil), não seria possível resolver sem produção de prova que tal casa de morada não existe por ser usada apenas ocasionalmente.

Como se refere no Acórdão em tela «[S]obre esta matéria, afirmou o tribunal recorrido, por um lado, que resulta da própria petição de embargos que a fracção em causa é uma casa de praia, pelo que jamais lhe pode ser conferida tutela como se de uma morada de família se tratasse; e que, por outro, a entrega prévia à citação é um efeito próprio da sentença dada à execução. É evidente o acerto do tribunal recorrido quanto a ambos os termos desta decisão.

Por um lado, é também por demais evidente que a fracção em causa, segundo a alegação do próprio embargante, não é a casa de morada de família, mas apenas uma casa para onde “desloca a sua casa de morada de família neste período estival”. Uma casa de morada de família é o lugar onde a família cumpre as suas funções relativamente aos elementos que componham esse agregado, constituindo o centro da organização doméstica e social da comunidade familiar. A casa de morada de família, merecedora de específicos expedientes de protecção jurídica, não pode coincidir, assim, com uma casa de vilegiatura, ocupada ocasionalmente ou por alguns períodos do ano, mas sem que ali se concentre a sede da vida em comum de um agregado familiar. O próprio embargante dá por domicílio uma outra morada, em Y, não podendo consentir-se-lhe a reivindicação desse mesmo estatuto para todas as moradas. E que a fracção em questão se destina a ocupação no período estival é o que resulta da sua própria alegação, pelo que é matéria não controvertida. Em qualquer caso, esta matéria não pode constituir, à luz de qualquer solução legal, fundamento para os embargos, como bem afirma o tribunal recorrido. De resto, nem o apelante sustenta em qualquer regime legal qualquer pretensão que a este propósito enuncie.».

O argumento aventado – tratar-se de casa de morada de família – como se decidiu, não constitui por si qualquer fundamento para a oposição havida, mas mesmo que por mero raciocínio de estilo pudesse constituir, teria de ser analisado a jusante, e, a montante, as razões de forma implicariam sempre uma rejeição imediata de harmonia com o normativo inserto no artigo 37º, nº1 do CPCivil.

As conclusões estão, assim, condenadas ao insucesso.

III Destarte, nega-se a Revista, confirmando-se a decisão plasmada no Acórdão sob censura.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 29 de Outubro de 2019

Ana Paula Boularot (Relatora)

Pinto de Almeida

José Rainho