Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06B3684
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: OLIVEIRA BARROS
Descritores: ERRO NA FORMA DO PROCESSO
REGISTO PREDIAL
PRESUNÇÃO DE PROPRIEDADE
PRESUNÇÕES LEGAIS
INCONSTITUCIONALIDADE
Nº do Documento: SJ200612140036847
Data do Acordão: 12/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE.
Sumário : I - É pelo pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro da forma de processo escolhida pelo autor.

II - A presunção estabelecida no art.7º do Cód. Reg. Predial não abrange os elementos da descrição do prédio.

III - O que pode eventualmente estar ferido de inconstitucionalidade são as normas aplicadas na decisão impugnada ou a interpretação nela feita dessas mesmas normas - nunca a própria decisão, em si mesma considerada.*

* Sumário elaborado pelo Relator.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça :


Em 14/12/2000, AA, BB, CC e DD intentaram acção declarativa com processo comum na forma ordinária de reivindicação contra EE, que foi distribuída ao 3º Juízo Cível da comarca de Loulé.

Tinham em vista ser declarados donos de prédio rústico sito em ..., ..., freguesia de Alte, composto de terra de pastagem e cultura com alfarrobeiras e outras árvores de sequeiro, que confronta a norte com o FF, a nascente com GG, a sul com Estrada Municipal e a poente com HH
( antes II ), com cerca de 60.000 m2 de área, inscrito na matriz respectiva sob o artigo 10.197 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n° 4.237-Alte, e a condenação do demandado a abrir mão da parte central e norte do terreno desse prédio, com a forma geométrica de um quadrilátero, com dois ângulos rectos, um agudo e um obtuso, tendo 700 m de comprimento médio, no sentido sul-norte, a largura de 26 m no sentido nascente-poente, e a área de 39.200 m2, e a restituírem essa parte de terreno aos AA, desocupada de pessoas e coisas pertencentes ao Réu.

Cumularam pedido de condenação do Réu no pagamento de indemnização por danos patrimoniais e morais no montante de 1.980.000$00, com juros, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, e a remover as pedras que amontoou sobre o prédio dos AA., e a retirá-las de cima desse prédio, nos 60 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença.

Pediram ainda que se ordenasse o cancelamento de quaisquer registos a favor do Réu referentes ao prédio dos AA aludido, por aquele requeridos na Conservatória do Registo Predial de Loulé.

Para tanto, alegaram, em síntese : - serem os únicos donos e legítimos possuidores com exclusão de outrem do sobredito prédio rústico com inscrição da propriedade plena a seu favor ; - que em meados de Março de 2000, sem seu conhecimento, nem consentimento e contra a sua vontade, o Réu ocupou abusivamente toda a parte central e norte desse prédio, com a forma geométrica de um quadrilátero ; - a ocupação abusiva traduziu-se em o Réu ter despedregado parte do terreno dos AA, amontoado pedras numa parte, e plantado laranjeiras, agricultado e cultivado esse terreno, lavrando-o e semeando nele melões, melancias e abóboras junto aos pés das plantações de laranjeiras.

Contestando, o Réu excepcionou a incompetência absoluta do Tribunal e deduziu defesa por impugnação simples e motivada, alegando : - ter acordado, em 1997, com a Empresa-A, a compra dum terreno inscrito na matriz sob o artigo 10.185, e registado na Conservatória do Registo Predial de Loulé sob o n°1431 da freguesia de Alte ; - ter entretanto adquirido dois pequenos terrenos confinantes com o adquirido à Empresa-A, e, ainda, um outro, inscrito na matriz sob o artigo 10.186 ; - ter sido na área abrangida pelos terrenos inscritos na matriz sob os artigos 10.185, 10.176 e 10.196 da freguesia de Alte que mandou proceder a uma desmatação e, posteriormente, mandou plantar citrinos.

Requereu, finalmente, a apensação destes autos a uma outra acção que corria termos no 2º Juízo Cível da mesma comarca.

Convidados os AA, ao abrigo do disposto no art.508°, n°3º, CPC, a apresentar novo articulado em que alegassem os actos demonstrativos da aquisição originária do prédio em questão e, concretamente, da parcela em discussão nos autos, foi o que fizeram a fls.85 ss.

Decidida a questão da apensação das acções, foi julgada improcedente a excepção de incompetência absoluta do tribunal, tendo-se proferido despacho saneador seguido da indicação dos factos assentes e da base instrutória.

Após julgamento, veio a ser proferida, em 6/9/2004, sentença com 23 páginas que julgou a acção parcialmente procedente e provada.

Em consequência, declarando que os AA são donos e legítimos possuidores e proprietários do prédio rústico aludido, condenou o Réu a abrir mão da parte central e norte desse prédio e a restituí-la aos AA desocupada de pessoas e coisas a ele pertencentes, e no pagamento aos mesmos da quantia de € 2.300, sendo € 800 por danos patrimoniais, com juros legais de mora desde a citação até efectivo e integral pagamento, e € 1.500 por danos morais, correspondendo € 500 aos do A. AA, € 500 aos da A BB, e € 500 aos dos AA CC e DD, com juros a contar dessa sentença até efectivo e integral pagamento.

Condenado, ainda, o Réu a remover as pedras que amontoou sobre o prédio dos AA e a retirá-las de cima desse prédio nos 60 dias seguintes ao trânsito em julgado da sentença, julgou-se, no mais, improceder a pretensão dos mesmos.

Por acórdão de 6/4/2006, a Relação de Évora negou provimento ao recurso de apelação que o Réu interpôs dessa sentença, que confirmou.

É dessa decisão que vem, agora, pedida revista.

Em fecho da alegação respectiva, o recorrente deduz as conclusões seguintes :

1ª - Não é possível executar uma decisão judicial que condena alguém a "abrir mão da parte central e norte do prédio referido em a), e a restituir essa dita parte central e norte de terreno aos AA inteiramente desocupado de pessoas e coisas pertencentes ao R.", sem qualquer indicação que permita localizar a parte em causa, delimitá-la e determinar a área.

2ª - É inepta uma petição em que se pede que alguém seja condenado a abrir mão da parte central e norte do terreno do prédio dos AA referido em 1º desta petição inicial, parte do terreno essa que tem a forma geométrica de um quadrilátero, com 2 ângulos rectos, 1 ângulo agudo e 1 ângulo obtuso, tendo 700 m de comprimento médio, no sentido sul-norte e tendo a largura de 26m, no sentido nascente-poente e tendo a área de 39.200m2 e a restituírem essa dita parte central e norte do terreno aos AA inteiramente desocupado de pessoas e coisas pertencentes ao R. : com os dados fornecidos, largura, média dos dois comprimentos e área, existe uma infinidade de configurações possíveis para o terreno em causa.

3ª - A configuração exacta de um quadrilátero só pode ser determinada se forem conhecidas, pelo menos, três medidas: o comprimento maior, o comprimento menor e a largura.

4ª - A afirmação de que o R. ocupou a parte central e norte do prédio dos AA, sem mais, sem precisar a localização, forma ou dimensões dessa parte, é uma mera conclusão vaga, não é um facto.

5ª - Uma decisão judicial é incongruente quando dá como provados factos logicamente incompatíveis entre si.

6ª - As decisões judiciais incongruentes são nulas, por força do disposto na al.c) do nº1º do art. 668º CPC.

7ª - Quando ambas as partes têm títulos que provam o direito de propriedade sobre terrenos no mesmo local, havendo divergências sobre os limites respectivos, a acção de reivindicação não é o meio adequado para sanar as divergências, uma vez que é um problema de demarcação.

8ª - Não é ao Réu que compete provar que o terreno de que é proprietário não coincide com o dos AA. : essa prova incumbe a estes últimos. A decisão recorrida acolheu a aplicação errada que a 1ª instância tinha feito do disposto no art.344º, nº 1º, C. Civ.

9ª - A propriedade de um terreno titulada por uma escritura de rectificação de área que inclui um levantamento topográfico e registada de acordo com a área de tal levantamento, confirmado pelos proprietários confinantes, deve ser considerada como provada, não só quanto à titularidade, como quanto à área e localização.

10ª - Não age com culpa, quer a título de dolo, quer de negligência ou mera culpa, o proprietário que ocupa terrenos que adquiriu de acordo com os títulos de aquisição e levantamentos topográficos que os confirmam, pelo facto de tal ocupação ser disputada por outros proprietários de terreno na mesma área, com quem reuniu, inconclusivamente, para acertar as estremas.

11ª - A destruição de um pequeno e indeterminado número de alfarrobeiras de médio porte, já caducas, não justifica a condenação em indemnização por danos morais, já que não estão em causa os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito a que se refere o nº 1º do art.496º C.Civ.

12ª - A decisão recorrida é praticamente ininteligível.

13ª - A decisão recorrida viola o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no art.2º da Constituição da República.

Houve contra-alegação, e, corridos os vistos legais, cumpre decidir.

A matéria de facto fixada pelas instâncias é como segue (indicando-se entre parênteses as correspondentes alíneas e quesitos ) :

( 1 ) - No 2° Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Loulé, corre contra o mesmo Réu acção de reivindicação com o n° 620/2000 interposta por HH e marido, de que há certidão da petição inicial a fls.143 ss destes autos ( A ) .

( 2 ) - Na Conservatória de Registo Predial de Loulé encontra-se registado a favor dos AA um prédio rústico sito em ..., ....., freguesia de Alte, composto de terra de pastagem com amendoeiras ( 60.000 m2), que confronta a nascente com GG, a norte com FF, a poente com II e a sul com Estrada Municipal, descrito nessa Conservatória com o n° 4.237 e inscrito na matriz da freguesia de Alte sob o artigo n° 10.197 (B).

( 3 ) - Os AA adquiriram o prédio rústico acima referido por sucessão de seus país e sogros, respectivamente AA e JJ ( 1º ).

( 4 ) - Por sua vez, AA adquiriu esse prédio em data anterior ao ano de 1940, por adjudicação em partilha, verbal ou escrita, que celebrou com os restantes interessados por óbito dos pais do mesmo ( 2º e 3º).

( 5 ) - Desde pelo menos, 1940 e até agora, AA e mulher JJ, e, após os seus óbitos, os AA, possuíram durante mais de 30 anos consecutivos, o prédio rústico referido, com exclusão de outrem, ininterruptamente, por forma pacífica, com conhecimento e à vista de toda a gente, de dia e de noite, sem oposição alguma, sem lesarem interesses alheios e convictos de serem seus legítimos donos ( 4º e 5º).

( 6 ) - Fizeram nele melhoramentos e plantações, colheram os seus frutos, nomeadamente, alfarrobas e azeitonas, fruíram as suas utilidades, limparam as suas árvores, apanharam as suas lenhas e matos, cultivaram-no e araram-no, e pagaram a contribuição predial respectiva ( 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, e 11º).

( 7 ) - O Réu ocupou a parte central e norte do prédio referido sem consentimento e contra a vontade dos AA ( 12º e13º).

( 8 ) - Despedregou parte desse terreno e amontoou muitas pedras de grandes dimensões e de difícil remoção numa parte dele, plantou laranjeiras no mesmo, agricultou e cultivou esse terreno, lavrou-o e semeou nele melões nos intervalos das plantações de laranjeiras ( 18º, 19º, 20º, e 21º).

( 9 ) - Os AA dirigiram-se ao Réu e exigiram-lhe que lhes restituísse a faixa de terreno ( que ocupara ) ( 22º).

( 10 ) - Esse terreno tinha alfarrobeiras de médio porte, já caducas, sendo que a produção de alfarrobas em alfarrobeiras classificadas como caducas é, em média, de 2 arrobas por ano ( 23º).

( 11 ) - As alfarrobeiras foram arrancadas e destruídas pelo Réu ( 24º).

( 12 ) - Em Dezembro de 2000 o valor da alfarroba era de cerca de 4 euros por arroba ( 25º).

( 13 ) - Os AA sofreram angústias, incómodos e desgostos por verem destruídas as alfarrobeiras (26º).

( 14 ) - Em 12/10/89, a Empresa-A ( com sede na ..., lote .., Albufeira ), adquiriu o prédio rústico sito em ...., freguesia de Alte, concelho de Loulé, inscrito na matriz sob o n° 10.185 (32º).

( 15 ) - Esse prédio estava registado na Conservatória do Registo Predial como tendo a área de 28.162 m2 ( 29º).

( 16 ) - O Réu acordou com a predita Empresa-A, a compra de um terreno rústico situado em ..., freguesia de Alte, concelho de Loulé ( 27º).

( 17 ) - Aquela sociedade, promitente-vendedora, obrigou-se a corrigir a área do terreno na Conservatória do Registo Predial e na matriz ( 31º).

( 18 ) - Em Janeiro de 1999, a sociedade referida solicitou à Repartição de Finanças de Loulé a rectificação da área do prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo 10.185, da freguesia de Alte, concelho de Loulé de 122.771 m2 para 106.004 m2 ( 28º).

( 19 ) - Foi feito um levantamento topográfico do predito terreno ( 33º).

( 20 ) - Esse levantamento foi aprovado por Empresa-B ( a poente ), KK ( a nascente ), LL ( a sul ), e MM ( a norte ) ( 34º).

( 21 ) - Em 7/9/99 foi assinada a escritura de rectificação da área e com ela arquivado o levantamento topográfico assinado pelas pessoas acima referidas ( 36º e 37º).

( 22 ) - Com base nessa escritura, foi então aprovada a área de 106.004 m2 na descrição do prédio em causa ( 38º).

( 23 ) - A área desse terreno passou a constar, tanto na matriz, como na Conservatória, como sendo de 106.004 m2 (39º).

( 24 ) - O Réu adquiriu esse terreno à Empresa-A, em 8/11/99 (40º).

( 25 ) - O Réu adquiriu mais dois pequenos terrenos confinantes com esse ( 41º).

( 26 ) - Pagou 650.000$00 pela aquisição de parte do terreno inscrito na matriz sob o artigo 10.176 (42º).

( 27 ) - Esse terreno está inscrito em nome de NN, como tendo a área de 2.143 hectares ( 43º).

( 28 ) - Pela aquisição do outro terreno, o Réu pagou a MM a quantia de 250. 000$00 ( 45º).

( 29 ) - O Réu mandou proceder a uma desmatação dos terrenos que adquiriu e mandou, posteriormente, plantar citrinos ( 47º).

( 30 ) - Iniciou os trabalhos de desmatação no Verão de 1999 ( 48º).

( 31 ) - Para tentar identificar, no local, os respectivos prédios e proprietários, houve uma reunião no terreno em que estiveram presentes, o Réu, os AA e os membros da família .... mas que foi inconclusiva ( 50º, 51º, e 52º).

São do CPC as disposições citadas ao diante sem outra indicação.

Relativamente às conclusões 2ª e 12ª da alegação do recorrente dir-se-á, à partida, que, reportáveis ao disposto nos arts.193º, nº1º, al.a), 204º, nº1º, e 206º, nº2º, a ineptidão - " vício originário" da petição inicial - ali alegada não pode já ser arguida, nem conhecida, em sede de recurso (1) - sendo, sempre, aliás, de recordar também o disposto no nº3º daquele art.193º.

Quanto, por sua vez, às conclusões 5ª e 6 ª nota-se, de imediato ainda, que a incongruência prevista na al.c) do nº1º do art.668º é - assim expressamente - a que ocorra entre os fundamentos e a decisão(2).

É irrelevante para esse efeito a contradição que se diga existir entre factos provados, prevenida no art.712º, nº4º - cfr. também seu nº6º e art.729º, nº3º, parte final.

Mas nem tal, aliás, ocorre efectivamente nestes autos. Com efeito, não mais resultando de ( 2 ) ss e de ( 14 ) ss, supra, que as partes nos mesmos têm, uma e outra, terrenos em ...., freguesia de Alte, concelho de Loulé, é, - sem suporte na matéria de facto apurada -, da própria, exclusiva, lavra do recorrente, a conclusão adiantada na pág.4 ( B.) da alegação respectiva (a fls.423 dos autos) de que, nos termos considerados na decisão das instâncias, parte do terreno dele estaria " inserido no meio do prédio " dos AA.

Improcedem, por conseguinte, - manifestamente, enfim -, as preditas conclusões, de índole formal.

Em relação à conclusão 4ª, lembrar-se-á que, como melhor elucidado por Antunes Varela na RLJ 122º/222, 1ª col., limitado o conhecimento deste Tribunal à matéria de direito, não lhe compete, em princípio, censurar os juízos emitidos pelas instâncias sobre os factos da causa - cfr. arts.26º LOFTJ - Lei nº3/99, de 13/1, e 722º, nº2º, e 729º, nºs 1º e 2º.

A constituir efectivamente conclusão a afirmação de que o R. ocupou a parte central e norte do prédio dos AA, seria conclusão de facto, que escapa à censura deste Tribunal.

De resto, imprejudicada essa matéria pelo referido em (31), muito bem necessariamente sabe o recorrente a localização exacta do constante de ( 8 ) a (11 ), supra : longe da ora por ele congeminada " mancha difusa e de contornos indefinidos " ( 2º e 4º par. da pág.8 da alegação respectiva, a fls. 427 dos autos), está-se perante factos pessoais e de que necessariamente tem conhecimento.

Bem, pois, não se vê que a decisão impugnada efectivamente seja inexequível, como pretendido nas conclusões 1ª e 3ª : o recorrente sabe muito bem - e os recorridos também - o que ele próprio ocupou nos termos já referidos.

As confrontações do prédio dos recorridos são conhecidas, não sofrendo dúvida séria a localização da parte central ocupada pelo R., mesmo se não apurada a sua exacta configuração e dimensões. Ainda :

A distinção entre as acções de demarcação e de reivindicação mostra-se suficientemente estabelecida em ARP e ARE, ambos de 3/3/94, CJ, XIX, 2º, 184 e 252, respectivamente, este último citado no acórdão recorrido.

Como notado naquele primeiro ( Col., ano e vol. cits, 185, 1ª col. - 4.), é pelo pedido formulado que se aquilata do acerto ou do erro da forma de processo escolhida pelo autor.

Logo por aí se vendo estar-se efectivamente perante acção de reivindicação, e não de demarcação, e em discussão determinada parte ou parcela de terreno, o que na realidade sucede é poder essa acção proceder ou não, conforme a prova produzida a esse respeito (3).

Não arguida, nem apurada, sequer, a confinância que a acção de demarcação pressupõe, daí também a improcedência das conclusões 7ª e 8ª da alegação em análise, relevando de pura invenção a arguição de inversão do ónus da prova, reportada a disposição, o art.344º, nº 1º, C.Civ., não invocada na sentença apelada.

A pretensão, na conclusão 9ª dessa alegação, de que a propriedade de um terreno titulada por uma escritura de rectificação de área que inclui um levantamento topográfico, registada de acordo com a área de tal levantamento, confirmado pelos proprietários confinantes, deve ser considerada como provada, não só quanto à titularidade, como quanto à área e localização, esquece convenientemente, quanto à escritura de rectificação, a restrição do valor ou eficácia probatória dos documentos autênticos determinada na 1ª parte do nº1º do art.371º C.Civ., e quanto à presunção estabelecida no art.7º do Cód. Reg. Predial, ser pacífico que não abrange os elementos da descrição do prédio, como nomeadamente esclarecido no ARC de 9/3/99, CJ, XXIV, 2º, 15-III e 17, dois últimos par., citado na sentença apelada.

É certo, conforme (16 ) a (24), supra, não ter o ora recorrente adquirido o terreno que ora lhe pertence sem o esclarecimento da área e localização respectivas mediante levantamento topográfico aprovado pelos proprietários confinantes, confirmado em escritura pública, e levado à matriz e ao registo.

Nem por isso deixa de poder concluir-se - e até mesmo por isso poderá porventura concluir-se - ter sido com culpa que ocupou terrenos que se provou serem alheios.

Por provar, isso sim, que, como alega, a ocupação que fez foi baseada nos títulos de propriedade e nos levantamentos topográficos existentes, improcede, mais, a conclusão 10ª da alegação respectiva.

Conforme ( 9 ) a ( 12 ), supra, na faixa de terreno ocupada pelo ora recorrente havia número não apurado de alfarrobeiras de médio porte, já caducas, que o ora recorrente arrancou e destruiu.

Tinham produção anual unitária estimável, em média, em 2 arrobas de alfarrobas, no valor de € 8.

O dano patrimonial correspondente foi, ao abrigo do art.566º, nº3º, C.Civ., fixado, sem contestação, em € 800.

Vem estabelecido, consoante (13), supra que os ora recorridos sofreram angústias, incómodos e desgostos por verem destruídas as alfarrobeiras.

A este respeito, julgou-se na 1ª instância, com ulterior concordância da 2ª : " Não há dúvidas que estes danos são indemnizáveis." E fixou-se em € 500 a indemnização devida a esse título a cada um dos AA ( os 3ºs enquanto casal ), ora recorridos. Pois bem :

Como adiantado nessa mesma sentença com referência ao nº 1º do art. 496º C.Civ., a aí exigida gravidade dos danos não patrimoniais indemnizáveis mede-se por um padrão objectivo : tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, exige-se que se mostrem afectados profundamente os valores ou interesses da personalidade física ou moral, afastando factores susceptíveis de perturbar sensibilidade exacerbada ou requintada ( destaque nosso ).

A esta luz, e em vista do quadro de facto deixado notado, afigura-se claro terem as instâncias atribuído compensação por danos não patrimoniais em bom rigor não abrangidos pela sobredita previsão legal, sendo de conceder razão à conclusão 11ª da alegação do recorrente.

A final invocação da lei fundamental - a torto e a direito - é já praticamente praxe nos recursos para este Tribunal.

Segundo a 13ª, e última, conclusão da alegação oferecida pelo recorrente, a decisão recorrida viola o princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2º da Constituição da República (destaques nossos ).

Far-se-á singelamente notar que o que poderia eventualmente estar ferido de inconstitucionalidade eram as normas aplicadas nessa decisão ou a interpretação nela feita dessas mesmas normas : nunca a própria decisão, em si mesma considerada.

Na falada conclusão, porém, é, insofismavelmente, afinal, à própria decisão recorrida que se assaca violação do art.2º da Constituição.

Valerá, por certo, a pena atentar no disposto nos arts.70º, nº1º, al.b), e 75º-A, nºs 1º e 2º, LOTC ( Lei nº 28/82, de 15/11 ).

Resulta do que ficou exposto a decisão que segue :

Concede-se, em parte, a revista.

Mantendo-a no mais, revoga-se a decisão das instâncias no tocante, apenas, ao pedido de indemnização por danos morais, de que o Réu ( recorrente ) vai absolvido.

Custas, tanto nas instâncias, como deste recurso, pelas partes, na proporção do vencimento respectivo, consoante ora determinado.

Lisboa, 14 de Dezembro de 2006
Oliveira Barros, relator
Salvador da Costa
Ferreira de Sousa
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(1) Dizendo a este respeito o que diz a lei, v. Ac.STJ de 12/5/98, BMJ 477/379-II.

(2) V. Alberto dos Reis, " Anotado ", V, 141, e Antunes Varela e outros, " Manual de Processo Civil ", 2ª ed. (1985 ), 690.
(3) A repartição do ónus da prova na acção de reivindicação mostra-se, bem assim, indicada no primeiro dos acórdãos mencionados ( Col., ano e vol. cits, 186, 1ª col.- 11.).