Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
277/05.5TBBCL.G1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: SERVIDÃO
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
PRÉDIO
PRÉDIO ENCRAVADO
AQUISIÇÃO DE DIREITOS
SERVIDÃO DE AQUEDUTO
ÁGUAS
Data do Acordão: 01/31/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Sumário :
I - A constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe que dois prédios ou duas fracções de um só prédio tenham pertencido ao mesmo dono e se tenha estabelecido, entre esses prédios ou fracções, uma relação de dependência por força da qual um dos prédios ou uma das fracções preste utilidade ao outro ou à outra.
II – Enquanto aqueles prédios ou fracções do mesmo prédio pertencem ao mesmo dono, por imperativo da conhecida máxima nemini res sua servit, a servidão não existe, constituindo-se, apenas, no momento em que os prédios ou fracções passam a pertencer a proprietários diferentes.
III – O facto da letra da lei se referir apenas à serventia de um prédio para com outro, não impede, de modo nenhum, que ela abranja inequivocamente pelo seu espírito a hipótese de os sinais atestarem a utilização de dois ou mais prédios em proveito de um outro.
IV – Permitindo a lei que a servidão de passagem por destinação do pai de família se constitua, mesmo quando não estritamente necessária, não pode extinguir-se por desnecessidade, porque, então, nem se poderia constituir.
V – O direito de servidão não se esgota no seu estrito exercício. Compreende tudo o que é necessário para o uso e conservação da servidão, ou seja, engloba todos os poderes instrumentais acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

1.

AA e mulher BB intentaram esta acção declarativa comum, com processo ordinário, contra CC e mulher DD, pedindo que:

a) – Se decrete e condenem os réus a reconhecer que a faixa de terreno que referem (artigos 11º e 12º, da petição inicial) faz parte integrante do prédio que descrevem (artigo 1º, da petição inicial), e de são os seus legítimos proprietários e possuidores;

b) – Se condenem os réus a restituir-lhes a faixa de terreno referida, no estado em que a mesma se encontrava antes de ser por eles abusivamente ocupada e utilizada;

c) – Se condenem os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos dos seus referidos direitos de propriedade e posse sobre a faixa de terreno referida, nomeadamente a absterem-se de por aí fazer qualquer passagem;

d) – Se condenem os réus a pagar-lhes uma indemnização de 1.000 euros, acrescido dos juros que sobre esse montante caírem à taxa legal, desde a data da citação desta acção e até ao integral pagamento;

e) – Se condenem os réus a substituir o marco em pedra por si partido assinalado como n.º 2 na planta topográfica que anexam, por um marco em pedra novo, com as mesmas características e dimensões do anterior e instalando-o no mesmo local.

f) – Se condenem os réus nas custas e procuradoria condigna.

Subsidiariamente, para a hipótese de se vir a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem pela faixa de terreno referida em benefício dos prédios dos réus e, em consequência, serem julgadas improcedentes as anteriores alíneas a), b) ou c) do pedido, pedem que:

a) - Seja declarado extinto tal direito de servidão e, em consequência, condenados os réus a absterem-se de, a partir do trânsito em julgado da sentença, fazer qualquer passagem sobre essa faixa de terreno, bem como da prática de quaisquer outros actos lesivos dos referidos direitos de propriedade e posse dos autores sobre a mesma.

Fundamentando a sua pretensão, alegam, em síntese, que o autor marido é dono e possuidor do prédio misto, identificado no artigo 1º da petição inicial, cuja propriedade lhe adveio por doação de uma sua tia, que reservou para si o usufruto, vindo a consolidar-se a propriedade plena do autor, à data da morte da doadora, em 24/12/95. Ainda que outro título não existisse, teria o autor adquirido o aludido prédio por usucapião.

Por sua vez, os réus são proprietários dos prédios denominados “C........T......e junto ...........” e “C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”, de lavradio e mato, identificados nas alíneas a) e b) do artigo 9º da petição inicial, sendo que o prédio dos autores ficou situado entre os referidos prédios dos réus, confrontando do Poente com o prédio referido na alínea a) e do Nascente com o prédio referido na alínea b).

Sucede que, desde há algum tempo atrás, os réus, para se deslocarem do prédio referido na alínea a) para o prédio referido na alínea b) e beneficiando da sua tolerância, começaram a fazer passagem pelo prédio dos autores, calcando o local onde antes era o leito de um antigo rego de água, que deixou de ser utilizado, desde, pelo menos, 1960, perdendo a sua utilidade e uso.

A passagem contínua dos réus pelo seu prédio tem vindo a causar prejuízos, não só porque vêem o seu prédio constantemente devassado, mas também porque os impede de aproveitar e explorar economicamente essa parte do terreno, tendo, por isso, manifestado, por diversas vezes, aos réus a sua vontade de que estes fizessem cessar a passagem pelo seu prédio, proibindo-os de o continuarem a fazer.

Apesar disso, diariamente, os réus, sem a sua autorização, continuam a fazer a dita passagem pelo seu prédio, bem sabendo que o fazem contra a vontade do seu legítimo proprietário e que, para aceder aos seus prédios, não têm qualquer necessidade de passar pelo prédio dos autores, dado que aqueles dispõem de acessos directos para caminhos públicos para os quais os réus abriram e edificaram entradas.

Ao agir nos termos descritos, os réus provocam-lhes incómodos, preocupações e desgostos, causando-lhes assim um dano indemnizável e computável em quantia não inferior a mil euros.

De qualquer modo, ainda que se viesse a entender que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem pela faixa de terreno referida em benefício dos prédios dos réus, a mesma teria de ser declarada extinta, dado que os réus e respectivos prédios dispõem de melhores acessos por caminhos públicos, todos com largura superior a cinco metros.

Os réus contestaram e deduziram reconvenção, alegando, em síntese, que, tal como os seus ante - possuidores, sempre passaram e passam, a pé, com animais, carro de bois, tractores e máquinas agrícolas do prédio referido na alínea a) para o prédio identificado na alínea b) do artigo 9º da petição inicial, e deste para aquele, pelo prédio hoje dos autores, que se situa entre os dois referidos prédios, pelo que, se mais não tivessem, e têm, sempre teriam adquirido o direito de servidão de passagem pelo prédio dos autores por usucapião.

Acrescentam que o rego de água, que os autores alegam ter deixado de ser utilizado, é uma forma encapotada de quererem esconder o direito de uma das duas servidões de aqueduto que oneram, entre outros, o prédio dos autores em proveito do prédio dos réus, A referida servidão de passagem a pé, com animais, de carro de bois, tractores ou outras máquinas agrícolas, como se encontra constituída, pelo prédio dos autores, a favor e em proveito dos seus prédios, é necessária para os agricultar e, consequentemente, não poderá ser declarada extinta.

Em sede de reconvenção, alegam ainda que, quer o prédio dos autores, quer os seus prédios, tiveram o mesmo dono, os avós do autor e do réu, faziam parte da mesma quinta e foram separados pela adjudicação feita em escritura de partilha, outorgada em 29 de Abril de 1960.

Nessa escritura de separação dos domínios ficou consignada a água de rega e lima que pertencia a cada um dos prédios e constituídas as respectivas servidões e ainda “(…) que todos os prédios desta partilha que são contíguos, acham-se demarcados com marcos de pedra e que todos os prédios são adjudicados com todas as suas pertenças, servidões, águas e logradouros (…)”

A serventia para o seu prédio identificado na alínea a) do artigo 9º da petição inicial denominado “C....da T.... e junto ........... (…)” sempre foi feita, quer em vida dos anteriores donos, quer a partir do seu falecimento, pelos seus sucessores, através de um caminho em terra batida, bem trilhado e sulcado, que se situa junto ao muro, a Sul dos prédios do autor e dos réus.

Quer os anteriores proprietários quer os que lhes sucederam sempre passaram do prédio identificado na alínea a) do artigo 9º, dos réus, para os prédios dos réus identificados na alínea b) pelo referido caminho, que atravessa o prédio dos autores numa extensão de cerca de 25 metros, a pé, com animais, de carro de bois, com tractores e outras máquinas agrícolas.

Quiseram os anteriores proprietários perpetuar todas as serventias existentes, tendo deixado sinais bem visíveis e permanentes a atestar as referidas serventias dos prédios dos réus sobre o prédio dos autores, sendo certo que, já durante as suas vidas, existia o portão na casa, que hoje é dos réus, o caminho em terra batida bem trilhado e sulcado no prédio dos autores até aos prédios dos réus e todos estes sinais indicadores de servidão eram visíveis e permanentes à data da separação dos domínios, em 29 de Abril de 1960.

Na escritura de partilha outorgada nessa data, que operou a separação predial dos prédios dos autores e dos réus, para além de outros, nada se estipulou em contrário.

Os sinais indicadores atrás referidos da servidão, mantiveram-se para além da separação dos domínios até há bem pouco tempo, ou seja, até muito depois da transmissão dos prédios aos actuais proprietários autores e réus.

Assim, acha-se constituída uma servidão por destinação de pai de família, que consiste no direito de serventia dos prédios dos réus sobre o prédio dos autores, a pé, com animais, de carro de bois, de tractores e com outras máquinas agrícolas, a qual não pode extinguir-se por desnecessidade.

No que diz respeito à reconvenção, concluem pela sua procedência, pedindo que os autores sejam condenados:

a) - A reconhecerem o seu direito de propriedade sobre os prédios identificados nas alíneas a) e b) do artigo 9º da petição inicial, no artigo 2º alíneas a) e b) e no artigo 59º alíneas b), c) e d) da contestação;

b) - A reconhecerem o direito de servidão por destinação do pai de família – de serventia dos prédios dos réus sobre os referidos prédios dos autores a pé, com animais, com carro de bois, com tractores, e com outras máquinas agrícolas, pelo caminho identificado nos artigos 8º, 9º e 10º da contestação;

c) - Subsidiariamente (a não ser assim entendido), a reconhecerem que sobre o prédio autores e em proveito dos prédios dos réus se encontra constituído, por usucapião, uma servidão de passagem a pé, com animais, com carro de bois, tractores e ou outras máquinas agrícolas, pelo caminho atrás referido.

Replicaram os autores, mantendo, no essencial, o alegado na petição inicial.

Quanto à reconvenção alegam que não existe uma servidão por destinação de pai de família em favor dos prédios dos réus, porquanto, em vida dos anteriores proprietários, não havia um prédio serviente e um prédio dominante, como os réus querem fazer crer, mas apenas um único prédio, tratado como tal: a “C.... e Q......”.

Deste modo, os sinais que os réus falam, ainda que existissem, nunca poderiam significar uma qualquer servidão, ónus ou encargo, pois apenas revelariam um exercício normal do respectivo direito de propriedade sobre um prédio único e indiviso e nunca a intenção de onerar um prédio em relação a outro.

Ainda que tal direito de servidão, por destinação de pai de família, existisse, sempre se teria extinguido quer pelo não uso, quer pela aquisição, por usucapião, da liberdade do prédio dos autores.

Aliás, só há pouco tempo atrás (e muito tempo após terem adquirido, em 1986, o prédio designado por “T..........e - número q.........”) é que os réus começaram a fazer passagem pelo prédio dos autores, pois só nesse momento é que este ficou situado entre prédios pertencentes ao mesmo daqueles.

Pedem que seja admitida a ampliação/alteração do pedido inicial e, considerando tal ampliação/alteração, pedem que:

a) - Se decrete e condenem os réus a reconhecer que são os legítimos proprietários e possuidores do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, incluindo as faixas de terreno referidas nos anteriores artigos 11º e 12º da petição inicial, 42º e 43º e 44º e 45º da réplica, que dele fazem parte integrante;

b) – Se condenem os réus a restituir-lhes o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, incluindo as faixas de terreno referidas nos anteriores artigos 11º e 12º da petição inicial, 42º e 43º e 44º e 45º da réplica, que dele fazem parte integrante, no estado em que o mesmo se encontrava antes de ser por eles abusivamente ocupado e utilizado, designadamente retirando os referidos tubos subterrâneos por si colocados e fazendo cessar as referidas conduções de águas pelo seu prédio ou de, por qualquer forma, de nele entrarem, passarem ou utilizarem;

c) – Se condenem os réus a absterem-se da prática de quaisquer actos lesivos dos seus referidos direitos de propriedade e posse sobre o prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, incluindo as faixas de terreno referidas nos anteriores artigos 11º e 12º da petição inicial, 42º e 43º e 44º e 45º da réplica, que dele fazem parte integrante, nomeadamente a absterem-se de por aí fazerem qualquer passagem, de nele colocarem quaisquer tubos e de por ele fazerem conduzir as referidas águas ou, de por qualquer outra forma, dele se servirem ou utilizarem;

d) – Se declare extinto o direito de servidão de aqueduto referida nos anteriores artigos 29º a 34º e, em consequência, condenar os réus a absterem-se de fazer conduzir essas águas sobre essa faixa de terreno (referida nos anteriores artigos 11º e 12º da petição inicial), bem como da prática de quaisquer outros actos lesivos dos referidos direitos de propriedade e posse sobre a mesma;

e) – Se condenem os réus a pagar-lhes uma indemnização de mil euros, nos termos alegados nos artigos 22º a 26º da petição inicial, acrescido dos juros que sobre esse montante caírem à taxa legal desde a data da citação desta acção e até ao integral pagamento;

f) – Se condenem os réus a substituir o marco em pedra por si partido, assinalado como nº 2 na planta topográfica anexa à petição inicial, por um marco em pedra novo, com as mesmas características e dimensões do anterior e instalando-o no mesmo local;

g) – Se condenem os réus nas custas e procuradoria condigna.

Subsidiariamente, para a hipótese de se vir a reconhecer que o seu prédio se encontra onerado com uma servidão de passagem pela faixa de terreno referida nos artigos 11º e 12º, da petição inicial, em benefício dos prédios dos réus [identificados nas alíneas a) e b) do artigo 9º da petição inicial] e, em consequência, serem julgadas improcedentes as anteriores alíneas a), b) ou c) do presente pedido, pedem que:

a) - Seja declarado extinto tal direito de servidão e, em consequência, condenados os réus a absterem-se de, a partir do trânsito em julgado da sentença, fazer qualquer passagem sobre essa faixa de terreno, bem como da prática de quaisquer outros actos lesivos dos referidos direitos de propriedade e posse dos autores sobre a mesma.

Treplicaram os réus, alegando, em síntese, que mantêm integralmente tudo quanto afirmam na contestação - reconvenção, à excepção da correcção, que se impõe - devida a lapso de escrita - conforme pugnam os autores, relativamente à identificação dos lotes aí descritos.

A “Quinta de S.....” não era constituída por um prédio único e indiviso, mas sim por um conjunto de prédios, com ramadas e muros de suporte e agricultados, consoante o terreno, de sequeiro ou serôdio, tanto mais que, como os próprios autores admitem, em 1960, na escritura de "Declarações de Sucessões e Partilha", foram individualizados oito prédios em oito lotes.

Os diferentes proprietários passaram de forma autónoma e independente a explorar os diferentes prédios, mas da mesma forma que os antigos donos o faziam antes.

As servidões e serventias, que antes existiam, mantiveram-se e mantêm-se no mesmo estado em que se encontravam antes da separação dos domínios.

Os acessos directos à via pública distam em alguns casos, mais de 600 metros para cada lado até à casa dos réus e, no Inverno, é praticamente impossível passar dos terrenos de sequeiro para os terrenos de serôdio e vive versa.

O tubo subterrâneo e o rego continuam a existir, as águas circulam por essa conduta, chegando mesmo a limar campos no Inverno, muito embora seque algumas vezes, no Verão.

As minas continuam a abastecer com água os lotes dos réus, tendo a servidão do aqueduto para estes, muita utilidade.

Nunca a tia (doadora) dos autores proibiu ou impediu a passagem pelo seu prédio, nem nunca os réus precisaram de lhe pedir consentimento, porque sempre estiveram a exercer um direito próprio.

Também os autores nunca proibiram os réus de passarem pelas propriedades deles, porque sempre reconheceram o exercício de um direito dos réus.

Foi admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido, nos termos do disposto no artigo 273º, n.os 1 e 2, do CPC.

Saneado, instruído e julgado o processo, foi proferida a sentença, tendo a acção sido julgada parcialmente procedente por parcialmente provada e a reconvenção integralmente procedente por integralmente provada, decidindo-se:

a) - Condenar os réus CC e mulher DD a reconhecer o autor AA como legítimo proprietário e possuidor do prédio identificado no artigo 1º da petição inicial.

b) - Condenar os autores/reconvindos AA e mulher BB a reconhecer os réus/reconvintes como legítimos proprietários do prédio denominado “C........T......e junto ...........”, e do prédio denominado “C..... V......, da ......., P..... e Bouça dos Carrascos”, de lavradio e mato, identificados, respectivamente, nas alíneas a) e b) do artigo 9º da petição inicial.

c) - Condenar os autores/reconvindos AA e mulher BB a reconhecerem que o prédio, de que são donos, identificado em 1º da matéria de facto provada, está onerado com uma servidão de passagem constituída por destinação de pai de família a favor dos prédios dos réus/reconvintes identificados nos pontos 7º e 8º da matéria de facto provada, servidão essa que é a pé, com animais, carro de bois e tractores agrícolas do prédio referido em 7º da matéria de facto provada (“C........T......e junto ...........”) para o identificado em 8º da matéria de facto provada (“CC..... V......, da ......, P..... e Bouça dos Carrascos”) e deste para aquele, pelo prédio do autor que se alude em 1º da matéria de facto provada, sendo a passagem efectuada por uma faixa de terreno em terra batida, trilhada e sulcada, faixa de terreno essa com 1,80 metros de largura que se inicia ao sair da porta da casa do prédio referido em 7º da matéria de facto provada (“C........T......e junto ...........”), continua no eirado de lavradio junto à casa, numa extensão de cerca de 6 metros, atravessa o prédio do autor, numa extensão de cerca de 25 metros, junto à parede aí existente, de forma paralela ao caminho público no sentido Nascente/Poente, até ao prédio referido em 8º da matéria de facto provada (“CC..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”).

d) – Absolveu os réus dos restantes pedidos formulados pelos autores.

Inconformados, apelaram os autores para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão de 7 de Julho de 2011, julgando improcedente a apelação, confirmou a sentença recorrida.

De novo inconformados, os autores recorreram para este Supremo Tribunal de Justiça e, alegando, formularam as seguintes conclusões:

I - Da servidão de passagem constituída por destinação de pai de família:

1º - Atento os itens 2, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos provados não se encontram reunidos, no caso em apreço, os pressupostos para a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família que onere o prédio dos autores identificado em 1 dos factos provados a favor dos prédios dos réus identificados nos itens 7 e 8.

2º - Com efeito, é geralmente entendido na doutrina e na jurisprudência que para a constituição da servidão por destinação de pai de família é indispensável que o anterior proprietário tenha deixado sinais visíveis e permanentes com vontade ou consciência de assegurar uma serventia de um prédio (ou fracção) a favor do outro, como se os prédios fossem de proprietários diferentes quando o prédio era de um só. Entendemos assim que não bastam as simples marcas de passagem, pois estas apenas são susceptíveis de demonstrar a constituição de servidão de passagem por usucapião e não por destinação de pai de família que, pela gravidade da sua oneração, exige a demonstração de actos mais fortes que revelem essa vontade de "assegurar uma serventia de um prédio (ou fracção) a favor do outro, como se os prédios fossem de proprietários diferentes quando o prédio era de um só".

3º - Além disso, a servidão por destinação de pai de família, pressupõe além do mais a existência, no património de um mesmo antigo proprietário, de um prédio que já no tempo desse “dominus” tivesse (pelo menos) duas fracções, cada uma delas com características necessariamente "a se", nas quais, ou numa delas, esse "pai de família" tenha posto sinal ou sinais visíveis e permanentes para revelarem, e revelando, a serventia de uma das fracções para com a outra. Sendo certo que, para que possa entender-se que há duas fracções de um só prédio, para efeitos do artigo 1549° do Código Civil, é necessário que elas (fracções) sejam distinguíveis, por características próprias, entre si;

4º - Resulta então do item 14 dos factos provados que os prédios em causa pertenciam a um único prédio que constituía a denominada "Quinta do........., de Sendim", propriedade de FF e marido. Ou seja, em vida daquela FF e marido GG os prédios em questão faziam parte de um único prédio, prédio esse que, só após a sua morte, foi dividido pelos respectivos herdeiros nos lotes. Deste modo, em vida dos anteriores proprietários não havia um prédio serviente e um prédio dominante, como os réus querem fazer crer, mas apenas um único prédio, tratado como tal: a "Quinta do........., de S.....". Os sinais que os réus falam, ainda que existissem (o que não se aceita como verdadeiro), nunca poderiam significar uma qualquer servidão, ónus ou encargo, pois apenas revelariam um exercício normal do respectivo direito de propriedade sobre um prédio único e indiviso e nunca a intenção de onerar um prédio em relação a outro.

5º - Por outro lado, da conjugação desse item 14 com o item 13 dos factos provados resulta que, só após a morte dos referidos FF e marido, ocorridas respectivamente em 13.01.47 e 21.12.59, os respectivos herdeiros dividiram a referida quinta em lotes, tendo sido adjudicados a filhos/proprietários diferentes, pelo que, nessa altura, não havia qualquer interesse em fazer passagens pelos prédios uns dos outros. Aliás, como decorre dos factos provados 1), 7, 8), 10) e 11), todos os prédios em causa tinham então acesso directo a caminho público. Face ao exposto, não se descortina como é que, nestas condições e contexto, se possa concluir que se tenha constituído uma servidão de passagem por destinação de pai de família.

Com efeito, não só os proprietários originários exploravam uma quinta unificada, como a mesma só foi dividida em lotes mais de um ano após a morte do último dos proprietários originários, tendo os mesmos sido constituídos e partilhados a posteriori por proprietários diferentes, não existindo qualquer necessidade de fazer passagens pelos prédios uns dos outros, atenta a sua confrontação com caminhos públicos.

6º - Acresce que resulta dos referidos itens 18, 16, 15e19 dos factos provados que só a partir de 06/03/1978 é que 2 desses prédios (os mencionados em 11 e 7 dos factos provados) ficaram sob a propriedade da mesma pessoa (neste caso o réu marido), pelo que só a partir dessa altura é que se tornou ponderável/vantajosa a passagem de um para o outro, atravessando o prédio mencionado em 1 dos factos provados, ora dos autores.

7º - Aliás, o constante nos itens 44 a 48 dos factos provados pode ser susceptível de fundamentar a existência de uma servidão, mas apenas constituída por usucapião e nunca por destinação de pai de família ao contrário do que refere a douta sentença recorrida. Com efeito, os sinais visíveis e permanentes constantes nesses factos provados não permitem concluir pela existência de uma servidão constituída por destinação do pai de família, mas apenas a existência de um caminho particular que ligava não só o que agora são as propriedades do autor e dos réus, mas também outras que faziam parte integrante da quinta originária, pois seria incompreensível que o antigo proprietário do prédio de onde provieram todos os que aqui estão em causa saísse para a via pública quando podia circular livremente dentro deles.

8º - Acresce que esses sinais também não relevam que prédio é serviente e que prédio é onerado, sendo perfeitamente plausível considerar que o prédio do autor tanto poderia ser uma coisa como outra.

9º - Assim, desses itens não resulta a manifestação de uma vontade inequívoca por parte dos anteriores proprietários em constituir uma servidão de passagem pelo prédio ora dos autores em favor dos prédios ora dos réus, mas apenas servem para demonstrar que essa passagem era por aí efectuada, sem indiciar qualquer manifestação de vontade de onerar para o futuro o prédio mencionado em 1 dos factos provados mediante a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família.

10 - Assim, atento os itens 2, 9, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 dos factos provados, não se encontram reunidos, no caso em apreço, os pressupostos para a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família que onere o prédio dos autores identificado em 1 dos factos provados a favor dos prédios dos réus identificados nos itens 7 e 8 dos factos provados.

II - Da extinção da servidão por desnecessidade:

1º - Nos termos do artigo 1569° do Código Civil, as "servidões constituídas por usucapião serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, desde que se mostrem desnecessárias ao prédio dominante. "Requisito da desnecessidade como causa de extinção da servidão "é a cessação das razões que justificavam a afectação de utilidades do prédio serviente ao prédio dominante" (Luís Carvalho Fernandes, Lições de Direitos Reais, 4a edição, pág. 450).

2º - Sufragamos aqui o entendimento perfilhado no Acórdão da Relação de Lisboa de 30-01-2003, in CJ 2003, tomo I, pág. 90, de que a desnecessidade além de ser actual e apreciada objectivamente é irrelevante o facto do prédio dominante usar a passagem. No mesmo sentido se pronunciou o Acórdão da Relação de Évora de 18-04-2002, in CJ 2002, tomo 2, pág. 272.

3º - Tal como é defendido no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-05-1999, in BMJ n.º 487, pág. 318, reportando-se às normas contidas nos n.os 2 e 3 do artigo 1569° do Código Civil, "a ratio essendi de tais incisos legais reside precisamente na necessidade de assegurar o pleno exercício do direito de propriedade, desonerando-o e liberando-o de peias, limitações ou constrangimentos comprovadamente inúteis, cuja subsistência se venha a revelar incompatível com a função social e económica daquele direito. A compressão do cerne de qualquer direito, v.g. de um direito real de gozo, só deverá em princípio considerar-se como legítima até onde o «sacrifício», ónus ou encargo imposto sobre a coisa se revele necessário para assegurar a terceiro uma fruição «normal» do seu próprio direito; não assim se tal sacrifício se revelar exorbitante ou anómalo, face ao quadro objectivo de circunstâncias que em dado momento se verifique".

4º - O que a lei exige é a prova da desnecessidade da continuidade ou permanência da servidão, aferida essa desnecessidade (subentende-se) pelo momento da introdução da acção em juízo; não que seja necessária a prova de uma superveniência absoluta dessa desnecessidade (após a constituição da servidão) traduzida por exemplo na feitura de obras inovatórias no prédio dominante". Também aqui tomamos como bom tal entendimento, já que a própria lei não se refere a "tornem" desnecessárias, mas a se "mostrem" desnecessárias. Em suma, é irrelevante se a desnecessidade é ou não superveniente, ela apenas terá de verificar-se no momento em que é pedida a declaração de extinção.

5º - A reforma do Código de Processo Civil de 1995, que deixou de consagrar a exigência, que antes era feita no seu artigo 1057°, como condição de eficácia da sentença declaratória de extinção da servidão, da conclusão de obras para garantir tal acessibilidade ao prédio dominante, deve ser entendida como passando a ser da responsabilidade do prédio dominante a realização das obras necessárias a garantir a acessibilidade ao mesmo. Significa, também, que passou a ser da responsabilidade do dono do prédio dominante a alegação e prova da desproporcionalidade da exigência das obras necessárias.

6º - Face ao exposto, entendemos que os factos assentes nos itens 34, 35, 36, 37 e 38 dos factos provados demonstram que os réus possuem duas alternativas (acesso pelas extremas a caminho público) à servidão através do prédio dos autores para aceder aos seus prédios, as quais além de não carecerem da realização de qualquer obra, permitem as mesmas ou melhores condições de acessibilidade que a utilização do dito prédio.

7º - Acresce que não foram apurados quaisquer factos que demonstrem a desproporcionalidade das alternativas ou de eventuais obras a realizar no prédio dominante para assegurar as mesmas condições de acessibilidade que garante o prédio pertencente aos autores.

8º - Assim, ainda que seja reconhecida a existência de um direito de servidão de passagem que onere o prédio dos autores identificado em 1 dos factos provados a favor dos prédios dos réus identificados nos itens 7 e 8, sempre o mesmo devia declarar-se extinto por desnecessidade atento os itens 34, 35, 36, 37 e 38 dos factos provados. Nesse caso deve ser julgado procedente o pedido subsidiário deduzido pelos Autores na sua réplica aquando da ampliação do pedido.

III - Dos tubos subterrâneos mencionado em 31 e 33 dos factos provados:

1º - Resulta dos itens 64 e 69 dos factos provados que os tubos subterrâneos aludidos em 31 e 33 dos factos provados e que atravessam o prédio mencionado em 1, pertencente aos autores, foram colocados pelos réus, com o acordo daqueles.

2º - Ora, se esses tubos foram colocados com o consentimento dos autores, tal é impeditivo de constituir qualquer tipo de posse ou direito em favor dos réus. Eles são meros detentores em nome de outrem (dos autores que autorizaram que os mesmos fossem colocados) e não possuidores de um direito próprio.

3º - Na verdade, uma vez que os autores consentiram nessa utilização, os réus só poderiam adquirir algum direito próprio decorrente da eventual posse se alegassem e provassem a inversão do título de posse nos termos previstos no artigo 1265° do Código Civil.

4º - No entanto, não o fizeram, pelo que nunca poderiam adquirir algum direito próprio ao longo deste tempo. Apenas beneficiaram da tolerância dos autores.

5º - Sucede que, mediante a propositura da presente acção, os autores retiraram essa permissão/autorização, passando a exigir a retirada dos ditos tubos subterrâneos que passam pelo seu prédio no exercício pleno do seu direito de propriedade.

6º - Com efeito, não se tendo provado qualquer prazo para a permissão e sendo um negócio gratuito, julgamos ser conveniente aplicar a este caso as normas do contrato de comodato (artigo 1137°/2 do CC), pelo que os réus devem ser obrigados a restituir a parte do prédio dos autores que ocupam gratuitamente com a passagem dos ditos tubos subterrâneos.

7º - Face ao exposto, atento os itens 31 e 64, 33 e 69 dos factos provados, devem as alíneas b) e c) do pedido deduzido pelos autores na réplica, (aquando da ampliação do pedido), ser julgadas procedentes por provadas, (pelo menos no que se refere aos tubos subterrâneos aí referidos).

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto acórdão recorrido e substituindo-o por outro que julgue totalmente procedente a presente acção, nomeadamente condenando os réus/recorridos nos pedidos formulados pelos autores/recorrentes na sua réplica (designadamente nas suas alíneas a), b) e c), e julgue totalmente improcedentes os pedidos reconvencionais deduzidos pelos réus/recorridos. No entanto, caso se venha a reconhecer a existência de um direito de servidão de passagem que onere o prédio dos autores identificado em 1 dos factos provados a favor dos prédios dos réus identificados nos itens 7 e 8, deve ser julgado procedente o pedido subsidiário da mesma réplica (relativo à extinção de tal direito por desnecessidade), condenando os réus/recorridos em conformidade.

Os réus contra – alegaram, formulando as seguintes conclusões:

A) - Correcta interpretação e aplicação por parte do acórdão recorrido dos preceitos legais, nomeadamente, na assunção da passagem por destinação do pai de família, (peticionada pelos Réus).

1.ª - Os recorrentes defendem que, para servidão de passagem reconhecida aos réus ter sido constituída por destinação do pai de família, na escritura de partilha de 29/04/1960 (junta com a contestação), assumida como facto provado no item 13 do acórdão, e não por mero usucapião, seria necessário "provar ainda que o anterior proprietário tenha tido a vontade ou consciência de assegurar uma serventia de um prédio ou fracção a favor de outro".

2.ª - Todavia, na exegese que supra se fez do artigo 1549º do CC, existem na doutrina duas correntes:

Para uma corrente minoritária, para a dita constituição basta tão só alegar e provar a situação objectiva, "como acto jurídico", que se descreve no artigo 1549º. E, como tal, nenhuma vontade ou consciência se tem que provar.

Para a corrente predominante, o legislador institui a dita situação objectiva, como pressuposto da constituição da servidão, como presunção legal, de um "acto tácito", dessa vontade tácita, dos intervenientes no acto da separação.

3.ª - Então, de acordo com as regras do ónus da prova, à parte que invoca a constituição da servidão por destinação do pai de família, basta-se a lei com a invocação e prova da dita factualidade descrita no artigo 1549º. Certo que se pelo artigo 342° do CC àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado, pelo artigo 344º do C.C. tal ónus inverte-se quando haja presunção legal. E, então, basta provar o facto que a ela conduz (artigo 350°).

4.ª - E, o único modo de ilidir a dita presunção legal do artigo 1549º, verificados aqueles pressupostos objectivos aí descritos, é, tão só, se "ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respectivo documento". Pois, doutro modo, a servidão constitui-se e como conforme á vontade ou consciência dos outorgantes (que legalmente se presumem e, como tal, basta que se prove a realidade objectiva (artigo 350º CC).

5.ª - Assim, bem andou o acórdão recorrido ao considerar constituída a dita servidão por destinação do pai de família - face à matéria dada como provada, nomeadamente, os itens 1, 7, 8, 9, 10, 11, 13, 20, 21, 22, 39 a 43, 44, 45, 46 e 47, 48, 49, 50, 51 e 54 e se realçando os itens 44,45,47,48,49, 50 e 51.

6.ª - Portanto, essa vontade ou consciência - para quem a exija - está assumida nos autos por presunção legal (artigos 432°, 434° e 350°). E, aliás, não só não houve manifestação do contrário no documento da partilha, como até, nela, expressamente se exarou "que todos os prédios são adjudicados com todas as suas pertenças, servidões, águas e logradouros"/item 20, de factos provados).

7ª - E, realce-se, que as respostas à B.I., são de 15/04/2009, pelo que, sendo a escritura de partilha de 29/04/1960 (item 13), obviamente que os titulares dos prédios separados a tal data (1960) tinham, presuntivamente, por lei, a tal data, vontade ou consciência de criação dessa serventia, como até expressamente declaram que todos os prédios partilhados eram adjudicados, com todas as suas pertenças, servidões, águas e logradouros (item 20 e respectiva escritura junta).

II - Dois prédios ou duas fracções - Separação para proprietários diferentes

8ª - Entendem os recorrentes que, no caso dos autos, não existiam, à data da escritura de partilha, "dois prédios" ou "duas fracções do mesmo prédio" - como considerou o acórdão recorrido.

9ª - Todavia, desde logo vem provado que na escritura de partilha, de separação, os prédios em causa foram identificados com inscrição e descrição própria na Conservatória do Registo Predial, e deles sendo titular os de cujus e respectivos herdeiros.

Como dela consta e como consta dos itens respectivos dos factos provados – n.os 1, 7, 8, 10, 11 e 13.

O que, só por si, já seria suficiente para a assunção de vários prédios (dois ou mais, artigo 1549°), á luz da presunção legal do artigo 7º do CRP.

10ª - Mas, por sua vez, nessa escritura de partilha, também os prédios são, respectivamente, descritos com "denominações" próprias, matrizes, localização e confrontações - como consta dos itens da matéria provada, n.os 1, 7, 8, 9,10, 11 e 13.

11ª - E, até, nessa escritura, se exarando que todos os prédios desta partilha "são contíguos, acham-se demarcados com marcos de pedra" e que "todos os prédios são adjudicados" (item 20, dos factos provados".

12ª - E, se referindo a situação relativa dos prédios em causa (item 9). E, na respectiva partilha se identificando os "prédios" a adjudicar e que lotes integravam (item 13).

13ª - Aliás o recorrente é intrinsecamente contraditório no seu raciocínio, ao dizer a página 6, que "resulta então que os prédios em causa pertenciam a único prédio que constituía a denominada "Q.....F.....".

Pois, como é que "vários prédios" pertencem a um só prédio?! E se são "vários prédios", então não está preenchido o pressuposto respectivo do artigo 1549º?!

14ª - E, também é óbvio, de acordo com o conceito geral de servidão, que, em vida dos “de cujus”, os sinais em causa "nunca poderiam significar uma qualquer servidão, pois apenas revelariam o exercício normal do respectivo direito de propriedade" (referida pág. 6).

Pois que, como é sabido e foi referido, enquanto os prédios são do mesmo, ou dos mesmos titulares, não há servidão: pois a servidão só existe sobre prédio alheio (jus in re aliena).

E não, enquanto os prédios são do mesmo dono, pois, nemini res sua servit. E, na escritura de partilha houve lotes, mas formados pelos "prédios" respectivos que, por tal junção, ("para os meros fins de adjudicações e valorações das partilhas"), não deixaram por isso de ser "prédios", à face da lei.

15ª - Por sua vez, também não interessa, como referido na exegese supra, a posição subjectiva dos adquirentes dos prédios. O que interessa é que os prédios passem a pertencer a proprietários diferentes, pois que a servidão, verificados os pressupostos objectivos do artigo 1549°, constitui-se, e passa a ser uma "utilidade" do prédio dominante, uma "qualitas fundi”, que é dele (artigos 1545° e 1546° do CC), uma relação jurídica propter rem.

E, assim, a servidão, é "um direito real que permite aumentar as utilidades que um direito real de gozo sobre um imóvel proporciona". E, "como pertence ao prédio" -dele só beneficiará indirectamente quem do prédio for ou vier a ser proprietário.

16ª - Aliás, se os próprios recorrentes admitem (a pág. 8) que o constante dos itens 44 a 48 dos factos provados é susceptível de fundamentar a existência de uma servidão constituída por usucapião, porque não, então, à data e por virtude da escritura de partilha, admitir a sua especial constituição por destinação do pai de família, se ocorrem os pressupostos objectivos - e a partir deles - do artigo 1549º?

17ª – Assim, é óbvio e à saciedade, que o acórdão recorrido fez correcta interpretação da Lei (artigo 1549ºdo CC) e sua correcta aplicação aos factos dados como provados, ao assumir a constituição da servidão de passagem que considerou, como peticionaram os réus, por determinação do pai de família. Pois satisfazem a fattispecie do artigo 1549º do CC, os factos dados como provados.

E, aliás, se tal não fosse procedente, então tinha que se admitir a sua constituição por usucapião, como subsidiariamente peticionaram os Réus.

III - Da (pretendida pelos autores) extinção da servidão de passagem, por desnecessidade.

18ª - Os recorrentes invocam o artigo 1569º, n.º 2 do CC, e a matéria factualidade dos itens 34 a 38, dos factos provados.

E, servidão essa que até admitem ter-se constituído por usucapião. Todavia, tal pedido não se enquadra nos pressupostos legais.

19ª - Na verdade, e desde logo, não é aplicável às servidões constituídas por destinação do pai de família.

Depois, a servidão em causa não é uma serventia, cuja utilidade seja "desencravar" os prédios, estabelecendo uma comunicação com a via pública (citados itens dos factos provados).

Por sua vez, segundo a doutrina e jurisprudência dominantes, não ocorre, no caso uma "superveniência" de desnecessidade.

E, em quarto lugar, não ocorre, nos autos, uma provada situação factual que se possa apodar de "desnecessidade" da servidão em causa. E cuja prova era ónus dos autores (artigo 342°, do CC).

20ª - Pois, conforme se exarou na sentença da 1.ª instância (folhas 62) - "caberia aos autores fazer tal prova (artigo 342°, n.º 2, do CC).

Todavia, não fizeram tal prova, ficando, pelo contrário, provado que a referida servidão continua a ser necessária.

21ª - Com efeito, para semearem e colherem os frutos na parte sul do prédio a que se alude em 8 ("C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos"): Acedendo ao mesmo através do prédio dos autores a que se alude em 1º, os réus percorrem 25 metros através deste último prédio.

Porém, para semearem e colherem os frutos na parte sul do mesmo prédio a que se alude em 8 (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos"), acedendo ao mesmo através do caminho, os réus têm de calcorrear cerca de 750 metros, (450 metros pelo caminho até á abertura a norte, mais 300 através do próprio prédio para chegarem a parte sul).

22ª - Não é, pois, a mesma coisa andar 25 metros ou andar 750, com a agravante de que para percorrer esta última distância se tem que entrar em vias públicas quando para andar aqueles 25 metros tal não é necessário."

23ª - Na verdade, face á factualidade assumida, não é a mesma coisa "calcorrear" e percorrer a pé, tal servidão, 25 metros, para colher frutos e produtos, podar e sulfatar as videiras, plantar e cortar árvores, colher erva, legumes e feijão, e acarretar os instrumentos de lavoura pertinentes e os ditos produtos colhidos, ou calcorrear, a pé, pela alternativa da outra via, um quilómetro e meio (750 metros, ida e volta).

Ou, mesmo fazer a mesma passagem, com carros de bois. Ou mesmo com tractores agrícolas.

24ª - E, a diferença de comunicações, na valoração referida, é a de que a comunicação pela servidão dos autos é muito mais útil, muito mais suficiente, muito mais cómoda e menos dispendiosa do que a outra, e também esta, é muito mais incómoda, excessivamente incómoda (sobretudo para a passagem a pé), e muito mais dispendiosa (em termos de tempo e de gastos, mesmo se se vai de tractor).

25ª - Aliás, a própria jurisprudência, citada pelos recorrentes, sufraga a avaliação supra feita pelos recorridos.

Assim, o citado Ac. S.T.J., de 27/05/99 (BMJ, 487°, 318) - o que sustenta é que há que libertar os prédios de "constrangimentos comprovadamente inúteis". Ora, no caso, o que ocorre é uma limitação "útil" ao prédio dominante. E sem ou com um mínimo de prejuízo para o prédio encravado.

Ora, como é óbvio, no caso dos autos, de modo algum, se pode concluir que da eliminação da passagem não resulta "nenhum prejuízo" (sem um prejuízo). Ou que, o prejuízo que resulta é "mínimo".

26ª - Consequentemente, o acórdão recorrido, (e a sentença por ele mantida), de modo algum fizeram errada interpretação, ou errada aplicação aos autos, nomeadamente do citado artigo 1569° do CC, ao não declararem extinta a dita servidão por desnecessidade.

IV - Eliminação de aqueduto subterrâneo - Pedidos ampliados na réplica

27ª - Todavia, os pedidos ampliados dos autores na réplica foram julgados improcedentes. E, é certo que os autores apelaram da sentença. No entanto, nas alegações, quer no seu corpo, quer nas suas conclusões, jamais se referem a tais servidões de aqueduto.

E, até, concluem tais alegações, expressando: "termos em que deve ser concedido provimento, salvo no que se refere à servidão de aqueduto".

28ª - Assim, á luz do disposto no artigo 684º, n.os 2 e 3, do CPC, o recorrente restringiu o recurso, expressamente, bem como, já tacitamente ocorrera tal exclusão. Pelo que, a sentença transitou em julgado (artigo 684°, n.º 4).

29ª – E, por sua vez, consequentemente, também o acórdão recorrido da Relação nada decidiu sobre tal questão da servidão de aqueduto.

Mas então, também, não cabe no âmbito do presente recurso de revista tal questão - certo que os recursos visam apreciar a legalidade das decisões judiciais recorridas e não tornar a julgar toda a causa (artigos 676º, 684º, n.º 2, e 685-A do CPC).

E, de qualquer modo, não se pode recorrer de revista de decisões transitadas em julgado (artigos 677° e 684°, n.º 4, do CPC).

30ª – Mas, e sem prescindir, também tal recurso não tem base legal para uma procedência.

Para o efeito há que considerar nomeadamente os itens, da matéria provada, 13, 20, 23 a 29, 30 a 37, 61, 62, 63 e 64, 65 a 73.

Ora, deles conclui a sentença a aquisição por usucapião da respectiva servidão de aqueduto. E, bem.

31ª - Dizem, no entanto, os autores, agora nas alegações sub judice, que dado ter sido por acordo que foram colocados tubos subterrâneos, então os réus apenas usam os tubos como comodatários e não como "possuidores".

32ª - Ora, nessas alegações estão implícitos dois vícios do raciocínio. Primeiro, a posse é o exercício que se manifesta (artigo 1251º do CC). Assim, quem está na utilização duma servidão de aqueduto, está no desenvolvimento dessa "posse", 1263º, a) do CC.

E, então, é possuidor e "tal posse" conduz e conta para usucapião. Por sua vez, a posse presume-se continuar em quem a começou e mantém-se enquanto se "pode" continuar (artigo 1257° do CC).

E, também, em quem "exerce o poder de facto", presume-se a posse: ou seja, com tal corpus e com tal imanente animus (artigo 1252°, 2, do CC).

33ª – E, por último, quando numa servidão existente, se muda seu local ou o seu modo de exercício, com "o acordo" do proprietário do prédio dominante - tal não é um acto de "comodato", mas, sim e tão só, uma "alteração do local ou modo de exercício", com consentimento (artigo 1568° do CC). Isto é, a servidão existia, continua a existir e subsiste.

34ª - Consequentemente, mesmo que não tivesse transitado a sentença de 1.ª instância, mesmo que se estivesse a "recorrer" do decidido pelo acórdão recorrido - todavia, substantivamente, sempre o recurso seria de improceder, por falta de base legal, e incorrecta interpretação e aplicação das disposições legais citadas pelos recorrentes.

Colhidos os vistos legais:

2.

As instâncias consideraram provados os seguintes factos:

1º - Existe o prédio sito no lugar de S....., freguesia de Chorente, em Barcelos, constituído por casa de R/C e andar, com área de 200 m.2, duas dependências a poente com 170 m.2, coberto com 75,05 m.2, coberto de eira com 99 m.2, eira com 100 m.2 e lavradio e mato com 13.667,95 m.2, a confrontar do Norte com caminho vicinal, do Sul com caminho municipal, do Nascente e Poente com os aqui réus, descrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos sob o n.º 0000000000000-Chorente, inscrito na matriz respectiva sob os artigos 89º/urbano e 435º/rústico (correspondente aos anteriores artigos 59º, 61º e 70º da antiga matriz).

2º - Por escritura pública de 18 de Julho de 1979, outorgada no 2º Cartório Notarial de Barcelos, HH, tia do autor marido, declarou doar-lhe o prédio a que se alude em 1º, reservando para si o usufruto sobre o mesmo, tendo aquele declarado aceitar a doação.

3º - A raiz ou nua propriedade do prédio a que se alude em 1º, encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Barcelos a favor do autor marido, através da AP. 00000000.

4º - O usufruto sobre o prédio a que se alude em 1º, encontra-se inscrito na Conservatória do Registo Predial de Barcelos a favor de HH através da AP. 00000000.

5º - A HH faleceu em 24/12/1995.

6º - O autor marido por si, por antecessores, vem fazendo obras no prédio a que se alude em 1º, zelando pela sua conservação, habitando a parte urbana, cultivando a parte rústica, colhendo os seus frutos e rendimentos, cortando lenha e árvores do bravio, procedendo ao restauro da casa de habitação, construindo duas vacarias, sala de ordenha, garagem, recria de novilhos, três silos, coberto, dois poços, muros de vedação, sempre pagando as contribuições devidas, há mais de 10, 15, 20, 30 e mais anos, agindo na convicção de ser seu proprietário e de não lesar direito alheio, ininterruptamente, à vista de toda a gente e sem oposição de quem quer que seja.

7º - Existe o prédio denominado “C........T......e junto ...........”, que compreende a Bouça dos Carrascos, sito no lugar de S....., freguesia de Chorente, em Barcelos, inscrito na matriz urbana sob o artigo 90º e na rústica sob o artigo 434º (correspondente, respectivamente, aos antigos artigos 60º e 71º), que confronta pelo Nascente com o prédio a que se alude em 1º e do Norte, Sul e Poente com caminho público, com a área de 6.995 m.2, descrito na CRP de Barcelos no Livro B-131 sob o n.º 0000 e é parte integrante do Livro B-120 sob o n.º 000000.

8º - De acordo com o artigo 437º da matriz predial rústica, existe o prédio denominado “C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”, de lavradio e mato, sito no lugar de S....., freguesia de Chorente, em Barcelos, que confronta pelo Poente com o prédio identificado em 1º, pelo Norte com limite de Freguesia, pelo Nascente com II (herdeiros) e pelo sul com JJ (herdeira) e caminho, e que compreende os descritos naquela CRP no Livro B-132 sob o n.º 00000, no Livro B-135 sob o n.º 00000 e parte do n.º 00000 do Livro B-120 e que compreende ainda parte dos descritos na mesma Conservatória no Livro B-132 sob o n.º 00000.

9º - O prédio a que se alude em 1º fica situado entre o referido prédio denominado “C........T......e junto ...........”, identificado em 7º, e o referido prédio denominado “C..... V......, da ...., Pomar e Bouça dos Carrascos”, identificado em 8º, confrontando do Poente com o prédio referido em 7º e do Nascente com o referido em 8º, todos contíguos entre si.

10º - O prédio denominado “C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”, de lavradio e mato, sito no lugar de S....., freguesia de Chorente, encontrava-se inscrito na antiga matriz sob os artigos 58º e 68º, confrontando do Norte com caminho, Sul com herdeiros de JJ, do Nascente com terra do casal, ou seja, com o lote anterior, e do Poente, com terra do casal, ou seja, com o lote anterior, e é formado pelo prédio descrito na CRP de Barcelos no Livro B-132, sob o nº 00000, e é parte do descrito no Livro B-120, sob o nº 46271, com a área de 13.827 m.2.

11º - O prédio denominado “C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”, de lavradio e mato, sito no lugar de S....., encontrava-se inscrito na antiga matriz sob os artigos 62º, 63º, 65º e 69º, confrontando do Norte e Sul com caminho, do Nascente com terras do casal, ou seja, com o .... lote, e do Poente com o lote anterior, e compreende o prédio descrito na CRP de Barcelos no Livro B-132, sob o nº 00000, o descrito no Livro B-135, sob o nº 00000 e parte do descrito sob o nº 000000 do Livro B-120, com a área de 1.7463 m.2.

12º - Nas avaliações gerais que tiveram lugar em 1988, os Serviços de Finanças avaliaram conjuntamente os prédios referidos em 10º e 11º, sendo-lhe atribuído o artigo 437º rústico, tal como se refere em 8º.

13º - Por escritura pública outorgada na Secretaria Notarial de Barcelos em 29 de Abril de 1960, procedeu-se à partilha dos bens que pertenceram a FF e marido GG, falecidos, respectivamente, em 13/01/47 e 21/12/59, adjudicando-se:

a) - À filha HH, tia do autor marido, o prédio a que se alude em 1º, correspondente ao segundo lote, nº 3;

b) - Ao filho KK, pai do réu marido, o prédio a que se alude em 7º, correspondente ao primeiro lote, nº 1;

c) – Ao filho LL o prédio a que se alude em 10º, correspondente ao terceiro lote, nº 4; e

d) – Ao filho JJ o prédio a que se alude em 11º, correspondente ao quarto lote, nº 5.

14º - Os prédios a que se alude em 1º, 7º (o prédio denominado “C........T......e junto ...........”), 10º (“C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”) e 11º (“C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”) faziam parte da “Quinta do........., de Sendim”, sita no Lugar de S....., freguesia de Chorente, a qual pertencia ao acervo das heranças abertas por óbito de FF e marido GG e foi dividida em lotes aquando da escritura pública a que se alude em 13º.

15º - Por escritura pública outorgada em 6 de Março de 1978, no 2º Cartório da Secretaria Notarial de Barcelos, KK e mulher MM declararam doar ao réu marido, o qual declarou aceitar a doação, o prédio denominado “C........T......e junto ...........”, a que se alude em 7º.

16º - Por escritura pública outorgada em 14.03.74, no 1º Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa do Varzim, LL declarou vender a JJ, o qual declarou aceitar a venda, o prédio denominado “C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”, a que se alude em 10º.

17º - Por escritura pública outorgada em 5 de Dezembro de 1986, no 2º Cartório da Secretaria Notarial da Póvoa do Varzim, JJ e mulher NN, declararam vender ao réu marido, o qual declarou aceitar a venda, o prédio denominado “C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”, a que se alude em 10º.

18º - Por escritura pública outorgada em 11/07/63, na Secretaria Notarial de Barcelos, JJ e mulher NN declararam vender ao réu marido e seus irmãos, OO e PP, os quais declararam aceitar a venda, o prédio denominado “C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”, a que se alude em 11º.

19º - Por escritura pública outorgada em 6/03/78, na Secretaria Notarial de Barcelos, OO e mulher QQ, e PP e marido RR, declararam vender ao réu marido, o qual declarou aceitar a venda, o prédio denominado “C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”, a que se alude em 11º.

20º - Da escritura pública a que se alude em 13º, consta “(…) que todos os prédios desta partilha, que são contíguos, acham-se demarcados com marcos de pedra; que todos os prédios são adjudicados com todas as suas pertenças, servidões, águas e logradouros (…)”.

21º - Os réus, para se deslocarem do prédio referido em 7º (“C........T......e junto ...........”) para o prédio referido em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”), passam pelo prédio a que se alude em 1º.

22º - Os réus iniciam a referida passagem no limite poente do prédio referido em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”), junto ao muro de vedação que o divide de outro prédio sito a sul, seguindo pelo prédio a que se alude em 1º, atravessando-o junto à parede aí existente, de forma paralela ao caminho público no sentido Nascente/Poente, até alcançar o prédio referido em 7º (“C........T......e junto ...........”).

23º - As águas de rega e lima do “Lameiro” eram represadas numa poça denominada “P.....C....”, situada no prédio designado como “...........– número......”, adjudicado a SS.

24º - Da “P.....C....”, as águas eram encaminhadas, primeiro em rego em céu aberto e, posteriormente, em tubo subterrâneo, até ao “.... Lote – número....” e daí seguiam em rego em céu aberto até ao lote correspondente ao prédio a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”), atravessando, sucessivamente, o lote correspondente ao prédio referido em 11º (“C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”), o lote correspondente ao prédio referido em 10º (“C........V.........., Pomar e ............”) e o lote referido em 1º, no sentido Nascente/Poente.

25º - Quando chove muito, o local onde se situava a “P.....C....” referida em 23º, acumula o excesso de águas provenientes dessas chuvadas.

26º - Da “P.....C....” a água das chuvas seguia o curso natural dos terrenos.

27º - A condução das águas acumuladas no local, onde era a “P.....C....”, nada tem a ver com a condução das águas a que se alude em 23º e 24º, passando por sítios diferentes, a primeira por uma faixa de terreno sita mais a Norte do prédio referido em 1º, enquanto a segunda por uma faixa de terreno, situada mais a sul.

28º - As águas de rega e lima da mina do “Tabião” ou “Tabilhão”, situada no “.... Lote – nº .....”, adjudicado a TT, são represadas num tanque sito no “.... Lote – nº 7”, adjudicado a II.

29º - Por força da escritura a que se alude em 13º, as águas de rega e lima da mina do “Tabião” ou “Tabilhão”, situada no “Sexto Lote – nº...”, adjudicado a TT, ficaram a pertencer, entre outros, ao “Quarto Lote - nº ...”, correspondente ao prédio a que se alude em 11º (“C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”).

30º - Os réus passaram a encaminhar as águas de rega e lima da mina do “Tabião” ou “Tabilhão”, situada no “Sexto Lote – nº...”, adjudicado a TT, desde o tanque aí referenciado até à sua vacaria sita no “Primeiro Lote – nº ..”, correspondente ao prédio a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”).

31º - Para encaminharem as águas de rega e lima da mina do “Tabião” ou “Tabilhão”, situada no “Sexto .........– nº......”, adjudicado a TT, os réus colocaram, no sentido nascente/poente, um tubo subterrâneo numa faixa de terreno do prédio a que se alude em 1º, com cerca de 50 cm de largura e 50 metros de extensão, situada a cerca de 30 metros a norte da faixa de terreno a que se alude em 22º.

32º - Os réus passaram a encaminhar por um tubo subterrâneo as águas provenientes de um prédio sito a poente do caminho público que confronta com o prédio a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”), conduzindo-as para o prédio referido em 10º (“C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”), atravessando, sucessivamente e no sentido poente/nascente, o referido caminho, o prédio a que se alude em 7º, o prédio a que se alude em 1º, até chegar ao referido em 10º.

33º - Para conduzirem as águas de rega e lima da mina do “Tabião” ou “Tabilhão”, situada no “S...... Lote – nº ......”, adjudicado a TT, os réus fizeram passar um tubo subterrâneo por uma faixa de terreno do prédio referido em 1º com cerca de 50 cm de largura e 50 metros de extensão, situada a cerca de 110 metros a norte da faixa de terreno a que se alude em 22º, desde o limite nascente do prédio referido em 7º (“C........T......e junto ...........”) até ao limite poente do mencionado em 10º (“C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”).

34º - Com a passagem contínua dos réus pelo prédio a que se alude em 1º, os autores vêem-se impedidos de aproveitar e explorar economicamente a parte de terreno pela qual é efectuada a passagem.

35º - O prédio referido em 7º (“C........T......e junto ...........”) dispõe de acesso directo para caminhos nas suas extremas.

36º - O prédio referido em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”) dispõe de acesso directo para caminho nas suas extremas a norte e a sul.

37º - Os caminhos existentes nas extremas dos referidos prédios têm largura superior a 5 metros, permitindo a livre circulação de pessoas, animais e veículos.

38º - Com a passagem referida em 21º, o valor da propriedade dos autores diminui.

39º - Os réus, por si e antecessores, vêm retirando dos prédios a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”) e 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”) todas as suas utilidades, colhendo os respectivos frutos e produtos, plantando e cortando árvores e podando e sulfatando as videiras, pagando os respectivos impostos.

40º - Há mais de 10, 20, 30, 40 e mais anos.

41º - Com ânimo de únicos donos.

42º - Perante todos.

43º - Sem oposição de ninguém.

44º - Os réus e seus antecessores sempre passaram e passam, a pé, com animais, carro de bois e tractores agrícolas do prédio referido em 7º (“C........T......e junto ...........”) para o identificado em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”) e deste para aquele, pelo prédio a que alude em 1º.

45º - A passagem é efectuada por uma faixa de terreno em terra batida, trilhada e sulcada.

46º - A faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem inicia-se ao sair da porta da casa do prédio referido em 7º (“C........T......e junto ...........”), continua no eirado de lavradio junto à casa, numa extensão de cerca de 6 metros, atravessa o prédio a que se alude em 1º, numa extensão de cerca de 25 metros, pelo trajecto a que se alude em 22º, até ao prédio referido em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”).

47º - A passagem é efectuada, há mais de 10, 20, 30, 40, 50 e mais anos, durante as vidas dos antecessores dos réus.

48º - A passagem é efectuada para dos prédios a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”) e 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”) para os réus e seus antecessores retirarem todas as utilidades, semeando e colhendo ervas, milho, centeio, feijão, plantando batatas, legumes e árvores, bem como podando, sulfatando as videiras, colhendo as uvas e cortando o mato e árvores.

49º - Já durante as vidas dos antecessores dos réus existia um portão de saída e entrada do prédio a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”) para a faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem.

50º - Já durante as vidas dos antecessores dos réus existiam pedras de arriostas colocadas a par da faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem, onde se apoiaram as ramadas.

51º - Os prédios a que se alude em 1º, 7º (“C........T......e junto ...........”) e 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”) eram cobertos por ramadas, as quais foram feitas perpendicularmente à faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem e junto desta, lado norte, de forma a deixá-la livre.

52º - Autores e réus retiraram as ramadas e as videiras.

53º - A faixa de terreno nunca foi nem é lavrada pelos antecessores dos autores e dos réus.

54º - A passagem pela faixa de terreno é efectuada perante todos.

55º - A passagem é efectuada sem oposição de ninguém, nomeadamente dos autores.

56º - Os réus e seus antecessores actuaram e actuam no pleno convencimento de quem exerce um direito próprio.

57º - A passagem faz-se por forma paralela ao caminho público Nascente/Poente e vice-versa, mas distante dele mais de meia centena de metros.

58º - O prédio a que se alude em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”), na parte sul, é composto por terra de serôdio e, na parte norte, por terra de sequeiro que resultou da transformação da bouça em terreno de lavradio.

59º - Para semearem e colherem os frutos na parte sul do prédio a que se alude em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”), acedendo ao mesmo através do prédio a que se alude em 1º, os réus percorrem 25 metros através deste último prédio.

60º - Para semearem e colherem os frutos na parte sul do prédio a que se alude em 8º (“C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”), acedendo ao mesmo através do caminho, os réus têm de calcorrear cerca de 750 metros (450 metros pelo caminho até à abertura a norte, mais 300 através do próprio prédio para chegarem à parte sul).

61º - Com o decorrer do tempo, o rego de água a que se alude em 24º foi-se deteriorando progressivamente.

62º - O tubo subterrâneo a que se alude em 24º continua a existir, por aí circulando as águas.

63º - As águas que circulam pelo tubo a que se alude em 24º continuam a abastecer com água os prédios a que se alude em 7º (“C........T......e junto ...........”), 11º (“C........A.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”) e 10º (“C........V.........., Pomar e Bouça dos Carrascos”).

64º - O tubo subterrâneo a que se alude em 31º foi colocado com o acordo dos autores há mais de 20 anos.

65º - Desde que foi colocado até agora, os réus vêm utilizando o tubo subterrâneo de água sem interrupção temporal.

66º - À vista de toda agente.

67º - Sem oposição de ninguém, nomeadamente dos autores.

68º - Actuando os réus na convicção de não prejudicar direito de outrem e de exercer o seu próprio direito.

69º - O tubo subterrâneo a que se alude em 33º foi colocado com o acordo dos autores há mais de 20 anos.

70º - Desde que foi colocado até agora, os réus vêm utilizando o tubo subterrâneo de água sem interrupção temporal.

71º - À vista de toda agente.

72º - Sem oposição de ninguém, nomeadamente dos autores.

73º - Actuando os réus na convicção de não prejudicar direito de outrem e de exercer o seu próprio direito.

3.

Como resulta do disposto nos artigos 684º, n.º 3, 690º, n.º 1 e 660º, n.º 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação dos recorrentes servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e, desse modo, delimitam o seu âmbito, ou seja, são apenas as questões suscitadas pelos recorrentes e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar.

Assim, as questões a decidir são as seguintes:

1ª – Se ocorrem ou não os pressupostos para a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família que onere o prédio dos autores identificado no artigo 1º da petição inicial e alíneas a) e b) do artigo 9º da petição inicial.

2ª – Se, a assumir-se a aludida servidão, deverá decidir-se a sua extinção por desnecessidade;

3ª – Se deve proceder o pedido das alíneas b) e c) da réplica, declarando-se, por isso, a inexistência da identificada servidão de aqueduto, por tubos subterrâneos, de condução de água.

4.

A sentença reconheceu que os autores são legítimos proprietários e possuidores do prédio descrito no artigo 1º da petição inicial, incluindo as faixas de terreno referidas nos artigos 11º e 12º da petição inicial, 42º e 43º e 44º e 45º da réplica, que dele fazem parte integrante.

Reconheceu, igualmente, o direito de propriedade dos réus sobre os prédios identificados nas alíneas a) e b) do artigo 9º da petição inicial.

Nesta parte, tanto os autores quanto os réus estão em consonância com o decidido, nunca tendo a propriedade desses prédios sido por eles questionada, nos articulados.

A sentença reconheceu, também, que, a favor dos prédios dos réus sobre o prédio dos autores, existe uma servidão de passagem a pé, com animais, com carro de bois, com tractores e com outras máquinas agrícolas, pelo caminho identificado nos artigos 8º, 9º e 10º da contestação, constituída por destinação do pai de família.

Defenderam os autores na apelação que (i) não existe uma servidão de passagem constituída por destinação do pai de família mas (ii), ainda que exista, pode e deve ser extinta por desnecessidade.

Foram, apenas, estas as questões submetidas pelos autores à apreciação da Relação, pelo que, tacitamente, se conformaram com os demais segmentos da decisão, que, por isso, transitaram.

A Relação não acolheu a tese sufragada pelos autores/recorrentes, confirmando a douta sentença recorrida.

No recurso de revista, insistem os autores que não se encontram reunidos os pressupostos para a constituição de uma servidão de passagem por destinação de pai de família que onere o seu prédio a favor dos prédios dos réus.

Esta é, pois, a primeira questão a apreciar.

4.1.

DA SERVIDÃO DE PASSAGEM CONSTITUÍDA POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA.

A servidão predial é um encargo imposto num prédio em proveito exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (artigo 1543° do C.C.).

São quatro as notas destacadas neste conceito legal: (i) a servidão é um encargo; (ii) o encargo recai sobre um prédio; (iii) e aproveita exclusivamente a outro prédio; (iv) devendo os prédios pertencer a donos diferentes[1].

Podem ser objecto de servidão quaisquer utilidades susceptíveis de ser gozadas por intermédio do prédio dominante através do prédio serviente. Entre essas utilidades contam-se, para além de outras, o trânsito ou a passagem e a condução de águas pelo prédio serviente (vide artigo 1544º).

Uma das formas de constituição de uma servidão é a destinação do pai de família (cfr. artigo 1547º). Ao lado da usucapião, a destinação do pai de família constitui uma forma originária não negocial de constituição de servidões aparentes, contínuas ou descontínuas.

Em ambas estas modalidades constitutivas da servidão, intervém a lei para suprir a falta de uma manifestação expressa e transmudar uma mera situação de facto numa verdadeira situação jurídica de relevantes efeitos práticos.

A destinação do pai de família é hoje regulada no artigo 1549º.

Esta disposição regula a hipótese frequente de dois prédios distintos, ou duas fracções de um só prédio, terem pertencido ao mesmo dono e ter-se estabelecido, entre esses prédios ou fracções, uma relação de dependência por força da qual um dos prédios ou uma das fracções presta utilidade ao outro ou à outra.

Esta situação de facto, sendo revelada por sinais visíveis e permanentes, que inequivocamente evidenciam aquele estado de serventia, é análoga àquela em que, pertencendo os prédios ou fracções a donos diferentes, patenteia o condicionalismo de uma verdadeira servidão.

Enquanto aqueles prédios ou fracções do mesmo prédio pertencerem ao mesmo dono, por imperativo da conhecida máxima nemini res sua servit, a servidão não existe, pois, no nosso ordenamento jurídico, não é admissível, a servidão do proprietário. Existe, quando muito, uma servidão em estado latente, uma servidão meramente causal. E esta situação perdurará, enquanto os prédios ou fracções forem do mesmo dono ou se ambos passarem para o domínio de outro único proprietário.

Surgirá, porém, automaticamente, a figura jurídica da servidão, se os dois prédios ou as duas fracções se separarem, radicando-se no domínio de proprietários diferentes.

O estado de simples serventia entre prédios do mesmo dono transmuda-se numa verdadeira servidão formal. A utilidade que um prédio prestava ao outro ou que uma fracção prestava a outra passa a ser prestada a título de servidão (donos diferentes). Constitui-se assim a servidão por destinação do pai de família.

Infere-se do artigo 1549º que a constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe o concurso dos seguintes requisitos fundamentais:

a) – Que os dois prédios ou as duas fracções de um só prédio tenham pertencido ao mesmo dono;

b) – Uma relação estável de serventia de um prédio a outro, correspondente a uma servidão aparente, revelada por sinais visíveis e permanentes (destinação)

c) – Separação dos prédios ou fracções em relação ao domínio (separação jurídica), e inexistência de qualquer declaração no respectivo documento contrária à destinação

Quanto ao primeiro dos requisitos:

O essencial é que os dois prédios ou as duas fracções do prédio, tenham pertencido ao mesmo dono.

Tanto faz que os prédios sejam rústicos ou sejam urbanos, que um seja rústico e o outro urbano, não constituindo nenhum obstáculo à solução a diferente aplicação dada a cada um dos prédios. Tão pouco se pode contestar a possibilidade de a servidão se constituir por esta via sobre dois ou mais prédios. O facto de a letra da lei se referir apenas à serventia de um prédio para com outro não impede, de modo nenhum, que ela abranja inequivocamente pelo seu espírito a hipótese de os sinais atestarem a utilização de dois ou mais prédios em proveito de um outro, como tantas vezes acontece na serventia de aqueduto feita através de vários prédios e na serventia de passagem quando um o prédio se encontra encravado, no meio de outros.

Assim, não importa nem que exista mais de um prédio serviente (a favor do mesmo prédio dominante), nem importa que a servidão beneficie mais do que um prédio.

Quanto ao segundo dos requisitos:

Torna-se necessária a existência de sinais visíveis e permanentes, reveladores da serventia de um prédio para com outro mas não é indispensável que os sinais existam em ambos os prédios. Podem os sinais estar em ambos ou apenas num dos prédios, visto a lei falar explicitamente nos sinais postos em um ou em ambos.

Quanto ao terceiro dos requisitos:

Essencial é que os sinais sejam um resultado da actividade voluntária do homem. E não mera orogenia, de puro resultado da natureza.

Assim, na serventia de aqueduto, o rego é um sinal resultante da actividade do homem, numa constituição/utilização desse aqueduto. E isso é que é objectivamente relevante pois traduz um resultado da actividade voluntária do homem.

Do mesmo modo, a existência dum caminho, em si mesma, porque, necessariamente, comporta contornos a limites patentes e perceptíveis é um sinal visível e permanente revelador duma servidão de passagem, o que é, igualmente, relevante (objectivamente), pois que tais sinais são, também, um resultado da actividade do homem, de exercitar a passagem e que, em si, como tal, assim a sinalizam.

Sinais que “a lei vigente não exige sejam necessariamente postos pelo proprietário ou seus antecessores, só relevando que o proprietário actual os tenha mantido até ao acto da separação[2]”.

Resulta do exposto que a servidão se constitui no momento em que os prédios ou fracções passam a pertencer a proprietários diferentes e tem na origem o acto voluntário consistente na colocação do sinal ou sinais visíveis e permanentes. O acto constitutivo é o da separação jurídica dos prédios do mesmo proprietário, sendo que aquele sinal ou sinais (presuntivos do acto de destinação) deverão preexistir a tal separação, aplicados pelo anterior proprietário.

Torna-se assim fundamental a existência de um conjunto de circunstâncias, materiais e objectivas, reveladoras da relação de serviço entre os dois prédios ou fracções, que pertencem a donos diferentes, sendo a essas que a lei atribui o efeito constitutivo da servidão cuja ratio será precisamente a presunção do acto de destinação.

Considerando os factos provados, não há dúvidas que o alegado direito de servidão de passagem pelo terreno do autor marido em benefício dos terrenos dos réus existe, estando demonstrados os necessários requisitos da sua constituição por destinação do pai de família.

Com efeito, os factos comprovam que o prédio do autor e os prédios dos réus pertenceram aos mesmos donos, FF e marido, GG, sendo irrelevante que estejamos perante vários prédios ou perante fracções de mesmo prédio, porquanto, sejam vários prédios ou sejam várias fracções do mesmo prédio, pertenceram ao mesmo dono.

Ficou, também, provada a existência de sinais visíveis e permanentes nos prédios que atestam serventia do prédio do autor para com os prédios dos réus.

Com efeito, a passagem é efectuada por uma faixa de terreno em terra batida, trilhada e sulcada. Já durante as vidas dos antecessores dos réus existia um portão de saída e entrada do prédio a que se alude em 7º da matéria de facto provada para a faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem e existiam pedras de arriostas colocadas a par da faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem, onde se apoiaram as ramadas. Os prédios a que se alude em 1º, 7º e 8º da matéria de facto provada eram cobertos por ramadas, as quais foram feitas perpendicularmente à faixa de terreno pela qual é efectuada a passagem e junto desta, lado norte, por forma a deixá-la livre. A faixa de terreno nunca foi nem é lavrada pelos antecessores dos autores e dos réus.

Ficou, finalmente, provado que, ao tempo da separação dos prédios, através da escritura de partilha dos bens, que pertenceram a FF e marido, GG, não foi feita qualquer declaração, ainda que tácita, a afastar a servidão.

Pelo contrário, da referida escritura pública consta até que “(…) que todos os prédios desta partilha que são contíguos, acham-se demarcados com marcos de pedra; que todos os prédios são adjudicados com todas as suas pertenças, servidões, águas e logradouros (…)”.

Verificam-se, pois, os necessários requisitos da alegada servidão de passagem por destinação de pai de família.

Considerando, ainda, os factos provados, constata-se que tal passagem é, efectivamente, a pé, com animais, carro de bois e tractores agrícolas do prédio denominado “C........T......e junto ...........” para o denominado “C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos” e deste para aquele, pelo prédio do autor descrito no artigo 1º da petição inicial.

Verifica-se, ainda, que tal passagem é efectuada por uma faixa de terreno em terra batida, trilhada e sulcada, faixa de terreno essa que se inicia ao sair da porta da casa do prédio “C........T......e junto ...........”, continua no eirado de lavradio junto à casa, numa extensão de cerca de 6 metros, atravessa o aludido prédio do autor, numa extensão de cerca de 25 metros, junto à parede aí existente, de forma paralela ao caminho público no sentido Nascente/Poente, até ao prédio “C..... V......, da Agra, Pomar e Bouça dos Carrascos”.

Não obstante, consideram os recorrentes que, para além destes referidos requisitos, é ainda necessário provar que o anterior proprietário tenha tido a vontade ou consciência de assegurar uma serventia de um prédio ou fracção a favor do outro, como se os prédios fossem de proprietários diferentes, quando o prédio era de um só, para que a servidão de passagem se possa considerar constituída por destinação do pai de família.

A questão é a de saber se a vontade ou consciência do anterior proprietário de assegurar uma serventia de um prédio ou de uma fracção do mesmo prédio a favor do outro, (como se os prédios fossem de proprietários diferentes, quando era de um só), terá de ser expressa ou a lei contenta-se com uma presunção de intenções.

Como refere Mota Pinto[3], “na base desta figura ou deste modo de constituição de uma servidão, encontra-se uma presunção de acordo tácito – uma presunção de intenções imputáveis tanto ao alienante como ao adquirente”. E, se existe tal presunção legal, na base da constituição da servidão, obviamente que se trata de servidão de constituição voluntária.

Assim, verificados os pressupostos enunciados no artigo 1549º, tal situação, só por si, é constitutiva da servidão, porque tal preceito integra uma presunção de que as partes quiseram ou tiveram na consciência a sua constituição.

Donde, segundo as regras do ónus da prova, para admitir tal facto, basta provar tão só a referida objectividade (artigo 350°).

Aliás, doutro modo, não faria sentido a ressalva final do artigo 1549º, “salvo se outra coisa se tiver declarado no respectivo documento”.

Sustentam, ainda, os recorrentes que, no caso dos autos, não existiam à data da escritura de partilha “dois prédios” ou “duas fracções do mesmo prédio”, parecendo concluir que se não poderia, por isso, constituir a servidão por destinação do pai de família.

Mas sem razão.

Como se referiu, enquanto os prédios ou fracções do mesmo prédio pertencem ao mesmo proprietário, a servidão não existe, pois a servidão só existe sobre o prédio alheio, segundo a velha máxima nemini res sua servit.

Surgirá, porém, automaticamente, a figura jurídica da servidão se os dois prédios ou fracções se separarem, radicando-se no domínio de proprietários diferentes.

E foi o que ora aconteceu.

Os prédios em causa faziam parte integrante, como os recorrentes reconhecem, de um mesmo e único prédio que constituía a denominada “Quinta de S.....”, pertencente ao mesmo dono.

Com a partilha, tal como consta da respectiva escritura, os prédios em causa autonomizaram-se, sendo identificados com “denominações” próprias, matrizes, localização e confrontações, com inscrição e descrição própria na Conservatória do Registo Predial.

E, até, se exarando nessa escritura que todos os prédios desta partilha são”contíguos, acham-se demarcados com marcos de pedra” e que todos os prédios são adjudicados, indicando-se cada um dos herdeiros a quem são adjudicados.

Passando os prédios a pertencer a proprietários diferentes, é irrelevante a posição subjectiva dos adquirentes dos prédios.

Verifica-se também uma relação estável de serventia do prédio dos autores a favor dos prédios dos réus, revelada por sinais visíveis e permanentes.

Houve uma separação dos prédios em relação ao domínio dos antigos donos (separação jurídica), inexistindo qualquer declaração na escritura de partilhas, contrária à destinação.

Entendeu o legislador que a presunção derivada dos sinais só deveria reputar-se destruída se, ao tempo da separação, outra coisa se houvesse declarado no respectivo documento.

Ora, como na escritura da partilha nada consta, não é possível ilidir a presunção estabelecida no artigo 1549º, pelo que a aludida servidão se constituiu por destinação do pai de família.

Assim, nenhuma censura merece o acórdão recorrido, fazendo uma correcta interpretação do artigo 1549º e uma correcta aplicação aos factos dados como provados.

4.2.

EXTINÇÃO DA SERVIDÃO DE PASSAGEM PELA FAIXA DE TERRENO REFERIDA EM BENEFÍCIO DOS PRÉDIOS DOS RÉUS POR DESNECESSIDADE.

Pretendem os autores que, a existir a aludida servidão de passagem, a mesma se teria extinto por desnecessidade, dado que os réus e respectivos prédios dispõem de melhores acessos por caminhos públicos, todos com largura superior a cinco metros, onde abriram entradas.

Mas sem razão.

Para além de nenhuma prova haver sido feita no sentido de que para aceder aos prédios dos réus não seria necessária a referida servidão de passagem, importa referir que, tratando-se, como se trata, in casu, de uma servidão de passagem constituída por destinação do pai de família, a mesma jamais e em circunstância alguma se poderia extinguir por desnecessidade.

É que estamos perante uma servidão que tem na base um facto voluntário (a colocação do sinal ou sinais aparentes e permanentes).

Permitindo a lei que estas servidões se constituam, mesmo quando não estritamente necessárias, não podem extinguir-se por desnecessidade, porque, então, nem se poderiam constituir.

Como refere Mota Pinto[4], o regime da extinção por desnecessidade apenas se compreende para as servidões legais em que a lei sancionou a possibilidade de se constituírem por haver uma necessidade nesse sentido e para as servidões adquiridas por usucapião, porque, também aí, não se verificou um facto voluntário na sua constituição. Já aquelas servidões que têm por base um facto voluntário, permitindo a lei que se constituam, mesmo quando não são estritamente necessárias, não podem extinguir-se por desnecessárias, porque, então, nem se poderiam constituir.

Improcede, pois, esta pretensão dos recorrentes.

4.3.

INEXISTÊNCIA DA SERVIDÃO DE AQUEDUTO, POR TUBOS SUBTERRÂNEOS, DE CONDUÇÃO DE ÁGUA.

Os autores pediram que os réus fossem condenados a retirar os tubos subterrâneos por si colocados, no prédio identificado no artigo 1º da petição inicial, e fazendo cessar as referidas conduções de água pelo seu prédio.

Considerou a sentença que sobre o aludido prédio está demonstrada a existência de duas servidões de aqueduto a favor dos prédios dos réus: uma delas diz respeito às águas de rega e lima do “Lameiro” represadas na denominada “P.....C....” e a outra diz respeito às águas de rega e lima da mina do “Tabião” ou “Tabilhão”.

Assim, estando provadas as servidões de aqueduto invocadas pelos réus e considerando a faculdade “adminiculum[5]” de passar pelo prédio serviente e não estando provada qualquer ocupação ou utilização abusiva por parte dos réus sobre o prédio dos autores e de quaisquer faixas de terreno do mesmo, foi julgado improcedente o aludido pedido formulado pelos autores.

No recurso que interpuseram para a Relação do Porto, os autores, nas alegações de recurso, quer no seu corpo, quer nas conclusões, jamais se referem a tais servidões de aqueduto e, até, concluem as alegações, expressando que “deve ser concedido provimento ao recurso, alterando a decisão de que se recorre e substituindo-a por outra que julgue a acção procedente e provada, salvo no que se refere à servidão de aqueduto.

A parte dispositiva da sentença continha decisões distintas, pelo que era lícito aos recorrentes restringir o recurso a qualquer delas, seja no corpo das alegações, seja nas conclusões da alegação (vide artigo 684º, n.os 2 e 3 do CPC).

E, de facto, tanto no corpo das alegações quanto nas conclusões, ocorrera tal exclusão, pois nelas nada se especifica que se refira à servidão de aqueduto, pelo que nesta parte em que a sentença não deu procedência aos referidos pedidos ampliados atinentes às servidões de aqueduto, a mesma transitou em julgado e, consequentemente, essa parte não pode ser prejudicada pela decisão do recurso (artigo 684º, n.º 4 CPC).

Por isso, o acórdão recorrido não se pronunciou, nem podia pronunciar, sobre tal questão da servidão de aqueduto.

Pretender que o Supremo Tribunal de Justiça proceda à reapreciação das servidões de aqueduto é algo que, neste momento, lhe está vedado, pois não se pode recorrer de revista de decisões transitadas em julgado (artigos 684º, n.º 4 e 677º do CPC) como igualmente lhe está vedado conhecer de questões que não foram colocadas à apreciação do acórdão recorrido, pois os recursos são meios processuais pelos quais se submetem as decisões judiciais a uma nova apreciação por outro tribunal.

SUMÁRIO:

1 – A constituição da servidão por destinação do pai de família pressupõe que dois prédios ou duas fracções de um só prédio tenham pertencido ao mesmo dono e se tenha estabelecido, entre esses prédios ou fracções, uma relação de dependência por força da qual um dos prédios ou uma das fracções preste utilidade ao outro ou à outra.

2. – Enquanto aqueles prédios ou fracções do mesmo prédio pertencem ao mesmo dono, por imperativo da conhecida máxima nemini res sua servit, a servidão não existe, constituindo-se, apenas, no momento em que os prédios ou fracções passam a pertencer a proprietários diferentes.

3 – O facto da letra da lei se referir apenas à serventia de um prédio para com outro, não impede, de modo nenhum, que ela abranja inequivocamente pelo seu espírito a hipótese de os sinais atestarem a utilização de dois ou mais prédios em proveito de um outro.

4 – Permitindo a lei que a servidão de passagem por destinação do pai de família se constitua, mesmo quando não estritamente necessária, não pode extinguir-se por desnecessidade, porque, então, nem se poderia constituir.

5 – O direito de servidão não se esgota no seu estrito exercício. Compreende tudo o que é necessário para o uso e conservação da servidão, ou seja, engloba todos os poderes instrumentais acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão.

6 – A servidão de aqueduto, por rego aberto à superfície, tem como complemento inerente a faculdade de passar pelo prédio serviente, seguindo pela margem do aqueduto, para acompanhar e conduzir a água.

7 – Passando o aqueduto a ser subterrâneo deixa de ter justificação esta faculdade mas deve reconhecer-se ao proprietário do prédio dominante a faculdade de acesso ao prédio serviente, quando as circunstâncias o imponham, para inspecionar o aqueduto ou para nele proceder à limpeza em caso de entupimento.

5.

Pelo exposto, negando a revista, confirma-se o acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes.

Lisboa, 31 de Janeiro de 2012

Granja da Fonseca (Relator)

Silva Gonçalves

Ana Paula Boularot

__________________


[1] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Volume III, 2ª edição, página 613.
[2] Penha Gonçalves, Curso de Direitos Reais, 2ª edição, página 462.
[3] Direitos Reais, Lições 1970/1971, página 323.
[4] Direitos Reais, página 344.

[5] O direito de servidão não se esgota no seu estrito exercício, compreendendo tudo o que é necessário para o uso e conservação da servidão (artigo 1565º, nº 1, do C.C.). Engloba, assim, os chamados “adminicula servitutis”, ou seja todas as faculdades ou poderes instrumentais acessórios ou complementares que se mostrem adequados ao pleno aproveitamento da servidão.

Donde, a servidão de aqueduto, por rego aberto à superfície, tem como complemento inerente a faculdade ou «adminiculum» de entrada e passagem pelo prédio serviente, sem o que não seria possível ou se tornaria muito difícil o seu exercício. Porém, passando o aqueduto a ser subterrâneo, em vez de por rego aberto à superfície, a faculdade «adminiculum» de passar pelo prédio serviente, para acompanhar a água seguindo pela margem do aqueduto para a vigiar e conduzir deixa de ter justificação, e não deve, por isso, ser reconhecida; mas deve reconhecer-se ao proprietário do prédio dominante a faculdade de acesso ao prédio serviente, quando as circunstâncias o imponham, para inspeccionar o aqueduto através dos óculos de observação ou caixas de visita, ou para nele fazer a limpeza em caso de entupimento (Vide Ac. STJ de 23/10/2008, in www.dgsi.pt/jstj.