Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P3052
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: SILVA FLOR
Descritores: ROUBO
DESISTÊNCIA
TENTATIVA
Nº do Documento: SJ200610180030523
Data do Acordão: 10/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário :
- A desistência só é relevante quando o agente, podendo prosseguir na execução do crime, a cessa sem ser coagido por circunstâncias extrínsecas, surgidas após o início da execução, como a iminência de uma intervenção policial ou a reacção dos ofendidos ou até de terceiros: a impunibilidade da tentativa funda-se no regresso ao direito operado pelo agente, o que significa um propósito deste neste sentido.
II - Não se verifica uma desistência voluntária da execução do crime, no sentido de acto espontâneo, numa situação em que o recorrente, tendo chegado a ter a pasta com dinheiro em seu poder, só a largou em resultado da reacção dos ofendidos, que se envolveram em luta consigo, durante a qual a pasta caiu, reacção que levou o recorrente a fugir, deixando a mesma no chão.
III - Em tal situação, não se excluindo em absoluto que ainda lhe fosse possível levar a pasta consigo, tudo se conjuga no sentido de considerar que o recorrente, perante a reacção dos ofendidos, numa avaliação necessariamente muito rápida da situação, tendo como única preocupação o sucesso da fuga, que ficaria comprometido se fosse buscar a pasta para a levar consigo, optou por deixá-la no local e fugir de imediato. Consequentemente, a tentativa é punível.
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Na 8.ª Vara Criminal de Lisboa, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, foram julgados AA e BB, tendo, por acórdão de 30 de Novembro de 2005, sido decidido:
─ Condenar o arguido AA pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 210.º, n.º 2, alínea b), com referência ao artigo 204.°, n.° 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão;
─ Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de danificação ou subtracção de documento ou notação técnica, previsto e punido pelo artigo 259.° n.°1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão;
─ Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelo artigo 6.°, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Julho, com a alteração introduzida pela Lei n.º 98/01, de 25 de Agosto, na pena de 10 meses de prisão;
─ Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 4 anos e 10 meses de prisão;
─ Condenar o arguido BB pela prática de um crime de roubo agravado, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 210.º, n.º 2, alínea b), com referência ao artigo 204.°, n.° 2, alínea f), ambos do Código Penal, na pena de 2 anos e 8 meses de prisão;
─ Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de danificação ou subtracção de documento ou notação técnica, previsto e punido pelo artigo 259.°, n.°1, do Código Penal, na pena de 7 meses de prisão;
─ Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291.°, n.°1, alínea b), do Código Penal, na pena de 1 ano de prisão;
─ Condenar o mesmo arguido pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.°, n.°2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 8 meses de prisão;
─ Em cúmulo jurídico, condená-lo na pena única de 3 anos e 8 meses de prisão;
─ Condenar ainda o arguido BB, nos termos previstos no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 1 ano;
─ Julgar procedente o pedido de indemnização civil formulado pelo Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central), condenando-se, consequentemente, os arguidos AA e BB a pagarem ao referido Centro Hospitalar a importância total de 193,70 euros (cento e noventa e três euros e setenta cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a notificação do pedido até integral e efectivo pagamento.
Inconformados com tal decisão os arguidos dela recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento aos recursos.
De novo irresignado, o arguido AA recorreu para este Supremo Tribunal, formulando na motivação do recurso as conclusões que em seguida se transcrevem.
1 ─ O recorrente confessou todos os elementos constitutivos do tipo de crime por que foi condenado.
2 ─ Nas suas declarações em audiência, o recorrente incriminou um dos ofendidos e revelou que este era verdadeiramente o autor moral do ilícito, num "trabalho interno" como se diz em gíria policial.
3 ─ No acórdão recorrido foi decidido não conferir credibilidade a essas declarações.
4 ─ Tudo bem, o recorrente até compreende que não tem provas do que afirma. Aliás, o recorrente não é polícia. Limitou-se a dizer a verdade no estilo: Querem a verdade? Então, ei-la!
5 ─ Não pode nem deve é voltar-se a sua atitude de esclarecimento de verdade contra si próprio. Ao fim e ao cabo, os Julgadores devem fazer Justiça e esta retribuição provoca compreensiva revolta interior.
6 ─ Quer tenha sido motivado pela aproximação dos polícias ou pela decisão de não consumar o crime, o que é certo é que o recorrente DESISTIU, pelo que não provocou prejuízo material.
7 ─ O recorrente é jovem e não tem antecedentes criminais.
8 ─ Está arrependido.
9 ─ Teve o cuidado, ainda assim, de municiar o revolver como munições de borracha.
10 ─ O recorrente poderia tentar mostrar a sua "erudição" jurídica fazendo como quase todos fazem: citando e reproduzindo passagens da doutrina e jurisprudência sobe a prevenção geral e especial.
Em jornalismo tal atitude denomina-se, em gíria, "encher chouriços″.
Aqui e agora apto por não o fazer.
Violaram-se art°s:
─ 24º do C.P.- na medida em que o recorrente desistiu do ilícito, qualquer que tenha sido a sua motivação.
─ art° 70°, 71° e 72° do C.P., por ter havido arrependimento, sincera e oportuno, não terem sido tidas em conta as circunstâncias que depuseram a favor do agente e por em dois crimes parcelares cujo limite mínimo é a pena de multa e apesar da juventude e ausência de antecedentes criminais se optou pela privativa de liberdade.
Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento condenando-se o arguido numa pena única inferior a três anos de prisão, suspensa na sua execução, por ser a adequada à culpa e às exigências de prevenção geral e especial.
O Ministério Público respondeu à motivação do recurso, terminando nos seguintes termos (transcrição):
Em resumo, tal como foi considerado na decisão aqui sob recurso, parece evidente que as questões suscitadas pelo recorrente ─ as quais, aliás, mais não são do que singela reedição do que havia sido por si invocado no recurso anteriormente interposto para este Tribunal da Relação - não poderão deixar de improceder.
De modo que, caso se não conclua (como julgamos ser de concluir) pela irrecorribilidade parcial do acórdão proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa (ou seja, pela irrecorribilidade do acórdão no segmento referente às condenações respeitantes ao crime de danificação ou subtracção de documento e de detenção de arma), será de considerar não ser o mesmo merecedor de qualquer reparo, devendo, na íntegra, ser mantido, com o que V. Exªs farão, como habitualmente, a esperada Justiça.
Neste Supremo Tribunal a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido do prosseguimento dos autos.
Colhidos os vistos legais teve lugar a audiência, com a produção de alegações orais, cumprindo agora apreciar e decidir.
II. Foram dados como provados os seguintes factos:
1 ─ Em data não concretamente apurada, mas situada em Dezembro de 2004, os arguidos AA e BB decidiram apropriar-se dos bens e valores que habitualmente a Agência …, sita na Praça …, em Lisboa, depositava na Agência Bancária …, do Rossio, na mesma cidade;

2 ─ Assim, planearam fazer-se transportar para o local de moto ocultando alguns elementos da matrícula de forma a não serem identificados através da mesma, e uma vez no local o arguido BB permaneceria no veículo que manteria com o motor ligado enquanto o arguido AA se apropriava dos referidos bens;

3 ─ Em concretização do plano previamente traçado, no dia 06 de Dezembro de 2004, entre as 10H00 e as 10H40, o arguido BB conduziu a moto de marca Honda, modelo CBR 600, de cor preta, com matrícula …, para local próximo da agência …, sita na …;

4 ─ Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, no desenvolvimento das suas funções ao serviço de tal agência, CC e o seu colega DD, empregados da agência …, saíram cerca das 10H45 da referida agência no intuito de procederem ao depósito da quantia monetária de € 80.000,00 (oitenta mil euros) no balcão do … do Rossio;

5 ─ Tal quantia monetária era transportada pelo referido DD, numa pasta de cor preta, da Western Union (Unicâmbio - Agência de Câmbio, SA);

6 ─ Iniciaram o seu percurso apeado na Praça da Figueira, tendo continuado pela Rua do Amparo, atravessando o passeio e parando na passadeira de peões imediatamente em frente, a qual dá acesso à Praça D. Pedro IV (Rossio);

7 ─ Tendo continuado o percurso, imobilizaram-se em frente à passadeira de peões que dá acesso ao passeio, junto à Calçada do Carmo;

8 ─ Ali pararam, aguardando que o sinal luminoso para peões apresentasse luz verde, a fim de poderem atravessar a passadeira;

9 ─ Enquanto ali se encontravam, passou à frente dos referidos CC e DD a moto conduzida pelo arguido BB, a qual se imobilizou cerca de 2 (dois) a 3 (três) metros depois de ultrapassar a passadeira para peões;

10 ─ Enquanto o arguido BB manteve a mota em funcionamento realizando constantes acelerações;

11 ─ Do lugar do pendura saltou o arguido AA, o qual imediatamente se dirigiu ao DD, agarrando-lhe imediatamente a pasta onde este último transportava o dinheiro, apontando-lhe uma arma de fogo ao mesmo tempo que proferia as palavras “larga, larga o saco”;

12 ─ Perante tal situação, o DD resistiu, protegendo a mala onde transportava o dinheiro com o corpo, debruçando-se, altura em que o arguido AA efectuou alguns disparos para o ar com a arma de fogo que transportava;

13 ─ Perante os disparos da arma de fogo, o DD acabou por largar a mala, a qual ficou na posse do arguido AA;

14 ─ Nessa altura, e apercebendo-se da situação, o CC, que se encontrava distanciado do DD cerca de 50 cm (cinquenta centímetros), ombro com ombro, procurando evitar a fuga do arguido agarrou-se às suas pernas, fazendo-lhe uma placagem, ficando debruçado com a sua cabeça à frente do AA;

15 ─ O arguido AA agrediu então o CC batendo-lhe com a coronha da arma que segurava na cabeça e, em seguida, disparou a arma não tendo atingido ninguém;

16 ─ Então o referido DD correu em auxílio do seu colega CC e saltou para cima do arguido AA, altura em que se envolvem os três em luta corpo a corpo;

17 ─ Nessa altura, o arguido AA efectuou mais dois disparos, em direcção dos ofendidos, os quais atingiram o CC nas costas e na perna direita;

18 ─ No decurso da luta, o arguido AA largou a pasta de que lograra apropriar-se;

19 ─ Conseguindo dessa forma libertar-se do CC e do DD que permaneceram no chão;

20 ─ O arguido AA correu então em direcção à mota, onde o aguardava o outro arguido, montando-a e colocando-se ambos os arguidos em fuga;

21 ─ Como consequência directa e necessária das agressões descritas, sofreu CC dores físicas e as lesões descritas nos autos de exame directo e sanidade constantes de fls 319 a 321 e 357 a 359, nomeadamente ferida da coxa e dorso por arma de fogo, sofreu traumatismo por arma de fogo, apresentava na cabeça 2 feridas inciso-contusas, bem como múltiplos hematomas epicraneanos, ferida contusa na região malar esquerda e lábio superior, ferida inciso-contusa na hemiface direita, ferida tombar circular de bordos circinados e queimados, com cerca de 8 mm de diâmetro, ferida de contorno ovóide com cerca de 10 mm no maior eixo de bordos lisos e deixando a aponevrose superficial na face interna da coxa direita cerca de 30 cm abaixo da espinha ilíaca antero-superior direita (com projéctil retirado pela equipa de socorro), lesões que lhe determinaram um período de doença de 15 dias para cura completa, 15 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 15 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional;

22 ─ Como consequência de tais agressões de que foi vítima, o referido CC tem como sequelas:

─ cicatriz ovalada com cerca de 1,3 cm de diâmetro maior, na transição entre as regiões dorsal e lombar, paramediana esquerda;

─ cicatriz ovalada com cerca de 0,8 cm de diâmetro maior, na face interna do 1/3 médio da coxa à direita;

23 ─ Como consequência directa e necessária das agressões descritas, sofreu DD dores físicas e as lesões descritas nos autos de exame directo e sanidade constantes de fls 323 a 325 e 678 a 680, nomeadamente, ferida contusa com crosta na região supra labial sobre a linha média interessando unia área com 1 x 1 cm com edema; escoriação com crosta no cotovelo esquerdo oval com 1,2 x 0,9 cm nas maiores dimensões; equimose azulada no hemitórax esquerdo 7 cm para a esquerda do mamilo, interessando uma área com 4 cm de diâmetro; escoriações com crosta no quadrante inferior esquerdo da parede abdominal interessando uma área com 3 x 1,9 cm; escoriações nos joelhos, interessando uma área com 2,5 cm de diâmetro à direita e 2 x 1 cm à esquerda (...) e traumatismo craneano sem perda de conhecimento (...) traumatismo da grelha costal esquerda; escoriações no lábio superior e cotovelo esquerdo, lesões que lhe determinaram um período de doença de 5 dias para cura completa, sendo 2 dias com afectação da capacidade para o trabalho geral e 5 dias com afectação da capacidade para o trabalho profissional;

24 ─ Ao iniciar a fuga, no mencionado local, o arguido BB conduziu o referido veículo na direcção da Praça do Comércio, percorrendo a Rua Áurea (Rua do Ouro) no sentido descendente;

25 ─ Chegados ao cruzamento da Rua Áurea com a Rua da Conceição, o arguido BB deparou-se com o sinal luminoso (semáforo), vermelho;

26 ─ Naquele local, contudo, porque se encontrava uma viatura policial descaracterizada da PSP (um Fiat Punto de cor verde, com um pirilampo de cor azul no tejadilho), parada no meio da faixa de rodagem por forma a barrar a passagem aos arguidos, tendo os agentes da PSP V… , F… e B… saído de dentro da viatura policial, uma vez que a PSP tinha sido já chamada ao local;

27 ─ Apercebendo-se de que estava perante uma barreira policial, o arguido BB avançou no sinal luminoso (semáforo) que apresentava luz vermelha existente na Rua Áurea (Rua do Ouro), contornou a barreira policial e, desviando-se da viatura, continuou a sua fuga, dirigindo-se ao cruzamento da Rua Áurea com a Rua de S. Julião;

28 ─ Naquele cruzamento, deparou-se de novo com um sinal luminoso (semáforo) assinalando a luz de cor vermelha no seu sentido de trânsito;

29 ─ Mais uma vez, o arguido BB avançou, desrespeitando a proibição de passagem, pelo que veio a embater na traseira lateral esquerda do veículo policial, de marca Renault Megane, caracterizado, com matrícula …, pertença da Polícia de Segurança Pública, onde se fazia transportar o Agente M…que circulava na Rua de S. Julião com a Rua Áurea e que tinha na altura luz verde para o seu sentido de trânsito;

30 ─ Em virtude do embate, a moto onde se faziam transportar os arguidos ficou imobilizada no local, sendo os arguidos BB e AA prontamente detidos pelos elementos da PSP que ali compareceram de seguida;

31 ─ O arguido BB não dispunha de habilitação legal para conduzir o veículo em causa;

32 ─ Durante a descrita actuação, o arguido AA utilizou uma arma calibre 38 Smith. & Wesson Special (equivalente a 9 mm no sistema métrico), da marca TAURUS, que funciona com movimento simples (acção dupla) e com sistema de percussão central e indirecta por placa de transferência e com 52 mm de comprimento, com cinco (5) estrias de sentido dextrógiro no seu interior e com comprimento total de 160 mm, aproximadamente;

33 ─ O arguido não tinha licença de porte de arma nem qualquer documento da mesma;

34 ─ A arma em causa, embora manifestável, tinha o seu número de registo raspado, não sendo assim possível confirmar o seu registo;

35 ─ Circunstância que era do conhecimento do arguido AA e que coloca a mesma arma fora das condições legais;

36 - A referida arma foi utilizada pelo arguido na prática dos factos descritos, tendo sido utilizadas munições com o corpo em plástico;

37 - O veículo em que os arguidos se faziam transportar, matrícula …, circulava com os números 6 e 0 da mesma tapados com fita adesiva de cor prateada, por forma a ocultar o integral número da mesma, sendo visíveis apenas os seguintes caracteres da matrícula …;

38 ─ Efectivamente, na data dos factos, os arguidos, em conjugação de esforços e na execução do plano entre si previamente acordado, procederam à colagem de fita adesiva de cor prateada sobre os números 6 e 0 da matrícula do veículo em que se iriam fazer transportar, de forma a não serem identificados através da mesma e circularam com a mesma na via pública;

39 ─ Com a conduta descrita os arguidos pretendiam, em conjugação de esforços e na execução do por eles previamente concertado, ao utilizar a violência contra os ofendidos e ao ameaçá-los com uma arma, impedi-los de resistir e apropriar-se dos bens que os mesmos transportavam, de forma a fazê-los seus, só não o tendo conseguido por motivos alheios às suas vontades, sabendo que actuavam contra a vontade da legítima dona dos mesmos;

40 ─ Sabia o arguido BB que para conduzir na via pública veículo com as características do descrito, tinha de estar, para tanto, habilitado com carta de condução ou outro documento que para tal o habilitasse nos termos previstos no Código da Estrada, sabendo igualmente que não era possuidor de tal documento e, mesmo assim, conduziu na via pública o aludido veículo, o que quis e conseguiu;

41 ─ Ao conduzir da forma descrita, o arguido BB fê-lo com vontade livre e consciente, bem sabendo que estava obrigado a parar nos sinais assinalando luz vermelha, bem como circular a uma velocidade que lhe permitisse parar no espaço livre e visível à sua frente, e que, ao não respeitar tais regras estradais e nas circunstâncias descritas, podia causar danos em veículos e/ou ferimentos ou mesmo a morte das pessoas que, na ocasião, se encontrassem a circular nas referidas vias;

42 ─ Sabia o arguido AA que a referida arma de fogo com as características citadas era susceptível de ser utilizada como arma letal de agressão, e que a posse ou detenção nos termos referidos, sem que nada a justificasse, não era permitida por lei e, mesmo assim, não se inibiu de a transportar e utilizar, o que quis e conseguiu;

43 ─ Sabiam igualmente os arguidos que ao actuarem da forma descrita em relação à matrícula da mota, em conjugação de esforços e na execução do previamente planeado, circulavam com veículo, conduzindo-o nas vias públicas com o número de matrícula assim dissimulado;

44 ─ Visavam, deste modo, ocultar/dissimular a matrícula, com vista a evitar a sua identificação através da mesma;

45 ─ Sabiam que não podiam proceder à ocultação de números da matrícula e utilização da mesma nas circunstâncias em que o fizeram.

46 ─ Os arguidos bem sabiam que a sua actuação era proibida e punida por lei e que com ela causavam prejuízos ao Estado, na medida em que punham em crise a credibilidade e fé públicas e o interesse do Estado na certificação da identidade de um veículo, como é a sua matrícula;

47 ─ Os arguidos actuaram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas por lei;

48 ─ O Centro Hospitalar de Lisboa (Zona Central) prestou assistência hospitalar aos ofendidos DD e CC, no seguimento das lesões descritas sofridas por força das agressões de que foram vítimas;
49 ─ O valor da referida assistência hospitalar ascendeu a 193,70 € (cento e noventa e três euros e setenta cêntimos);
50 ─ O arguido AA não tem antecedentes criminais;

51 ─ Do certificado de registo criminal do arguido BB consta uma condenação pela prática, em 09.05.2000, de um crime de detenção ilegal de arma, tendo sido condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de 2,5 €, já extinta pelo pagamento;

52 ─ O arguido AA confessou parcialmente os factos;

53 ─ O arguido AA tem o 12º ano de escolaridade incompleto;

54 ─ Trabalhava como segurança pessoal, ganhando cerca de 1.000 € por mês;

55 ─ O arguido BB tem o 12º ano de escolaridade incompleto; em 1999, tirou um curso técnico de animação e produção audio, com a duração de um ano;

56 ─ Na data da prática dos factos, o arguido BB vivia com o pai.

Matéria de facto não provada

Não se provaram os demais factos alegados na acusação e pela forma em que o foram, não se tendo designadamente provado que os arguidos efectuaram vigilâncias ao local apercebendo-se de que os bens a depositar eram transportados numa mala, por empregados da referida Agência, os quais efectuavam o percurso entre a agência e o banco a pé.

Também não se provou a matéria alegada na contestação apresentada pelo arguido BB, na parte em que alega que o mesmo foi surpreendido pelos acontecimentos que se desenrolaram na Praça D. Pedro IV, que apenas tinha acordado transportar o arguido AA, a pedido deste, nada mais tendo combinado com ele, que, quando se apercebeu que o arguido AA se envolveu em confronto físico com os outros dois indivíduos, tendo empunhado uma arma de fogo, ficou assustado, tendo ligado o motociclo com a intenção de abandonar o local, não o podendo fazer em virtude de, nesse momento, vir a passar um veículo, que, quando conduziu o veículo pela Rua do Ouro, não se apercebeu de que havia sinalização luminosa reguladora do tráfego que o impedia de prosseguir, tendo desrespeitado os sinais luminosos sem ter consciência do perigo da sua conduta, nem que o veículo foi adquirido com a matrícula toda coberta por uma película prateada, a qual, no entanto, não impedia a identificação dos algarismos.

Não se provou ainda que o arguido AA tenha desistido de prosseguir na execução do crime, nem que o arguido BB tenha tapado parcialmente a matrícula do seu motociclo unicamente com o objectivo de evitar o pagamento de multas, matéria alegada em sede de audiência de julgamento pelos arguidos.

III.1. O recorrente suscita no recurso as questões da desistência da tentativa do crime de roubo e da medida da pena em relação a esse crime.

Embora nas conclusões se refira, em relação aos crimes de dissimulação de notação técnica e de detenção ilegal de arma, a aplicação de penas de prisão em vez de penas de multa, na indicação dos fundamentos não aborda tal questão, pelo que, constituindo as conclusões um resumo das razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), não deve abordada a questão da pena quanto a esses crimes. Aliás, tratando-se de crimes puníveis com pena de prisão não superior a 5 anos, por força do disposto no artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, não era admissível recurso para este Supremo Tribunal, pelo que não se poderia não conhecer do recurso quanto a tais crimes.

III.2. Questão da desistência da tentativa do crime de roubo

Alega o recorrente que quer tenha sido motivado pela aproximação dos polícias ou pela decisão de não consumar o crime, o que é certo é que desistiu, pelo que «não provocou prejuízo material».
Embora não tenha peticionado a sua não punição, a referência ao artigo 24.º do Código Penal exige que a questão seja abordada nessa perspectiva.
O Tribunal da Relação expendeu:
Resulta à saciedade de toda a prova produzida que em momento algum o AA tenha desistido de prosseguir na execução do crime. Não há desistência, mas sim fuga do local onde se produziram os factos, sem o dinheiro que se propusera subtrair, atendendo, por um lado, à resistência dos ofendidos, quando o arguido AA os abordou nas circunstâncias atrás descritas de arma em punho que chegou a disparar, e por outro, à pronta actuação das forças de segurança, que o detiveram, bem como ao seu co-arguido.
Ora, como é óbvio, não se está perante uma desistência voluntária, no sentido de espontânea, pois o arguido, apesar de ter abandonado os actos de execução do crime, fê-lo por medo de ser capturado, o que de resto veio a acontecer. Ou seja, o arguido mediu o risco de ser capturado com o alerta que deram as vítimas e confrontou tal risco com a eventual vantagem de prosseguir o seu acto até final, acabando por concluir que era mais prudente fugir. Não houve, assim, uma atitude livre e espontânea de revogar a decisão criminosa anterior, mas um obstáculo exterior, que lhe foi oposto contra sua vontade e que o forçou a não prosseguimento da acção.
O recorrente, insistindo na desistência, contrapôs que ficou por demonstrar como é que a aproximação dos agentes da PSP impossibilitou a sua fuga, e que lhe bastaria para consumar o crime levantar a pasta do chão, o que não demoraria mais de cinco segundos.
Estabelece o artigo 24.º, n.º 1, do Código Penal, que a tentativa deixa de ser punível quando o agente voluntariamente desistir de prosseguir na execução do crime, ou impedir a consumação, ou, não obstante a consumação, impedir a verificação do resultado não compreendido no tipo do crime.
A desistência só é relevante quando o agente, podendo prosseguir na execução do crime, cessa a execução sem ser coagido por circunstâncias extrínsecas, surgidas após o início da execução, como a iminência de uma intervenção policial ou a reacção dos ofendidos ou até de terceiros.
Como expende o Prof. F. Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, pg. 251, a impunibilidade da tentativa funda-se no regresso ao direito operado pelo agente. O que significa um propósito do agente nesse sentido.
No caso, o recorrente chegou a ter a pasta contendo o dinheiro em seu poder, só a largando em resultado da reacção dos ofendidos CC e DD, que se envolveram em luta com aquele, durante a qual a pasta caiu. Foi essa reacção que levou o recorrente a fugir, deixando a mesma no chão.
As forças de segurança só intervieram alguns momentos depois, noutro local.
Não se excluindo em absoluto que ainda lhe fosse possível levar a pasta consigo, tudo se conjuga no sentido de considerar que o recorrente, perante a reacção dos ofendidos, numa avaliação necessariamente muito rápida da situação, tendo como única preocupação o sucesso da fuga, que ficaria comprometido se fosse buscar a pasta para a levar consigo, optou por deixá-la no local e fugir de imediato.
Não se verificou assim uma desistência voluntária da execução do crime, no sentido de acto espontâneo.
Consequentemente, a tentativa é punível.
III.3. Questão da medida da pena
Alega o recorrente que confessou todos os elementos constitutivos do tipo de crime por que foi condenado, é jovem, não tem antecedentes criminais e está arrependido, pelo que deve ser condenado numa pena única inferior a três anos de prisão, suspensa na sua execução, por ser a adequada à culpa e às exigências de prevenção geral e especial.
A confissão do crime terá de se considerar apenas parcial, face ao expendido na motivação da decisão da matéria de facto, a fls. 929.
Não se provou o arrependimento sincero do recorrente.
O recorrente tinha na altura 26 anos de idade e era delinquente primário.
Trabalhava como «segurança pessoal», auferindo cerca de € 1000 por mês.
O modo de execução do crime envolve uma apreciável gravidade, designadamente por ter envolvido disparos com uma arma, ainda que as munições fossem de plástico.
Ambos os ofendidos sofreram lesões.
Há também que atender ao valor consideravelmente elevado de que o recorrente se propunha apropriar.
O Código Penal instituiu em matéria de punição dos crimes o modelo de prevenção, relevando a culpa como limite inultrapassável da pena (artigo 40.º. n.º 2, do Código Penal).
Embora se trate de um tipo de crimes que gera um sentimento de insegurança na comunidade, as exigências de defesa do ordenamento jurídico não reclamam uma medida da pena particularmente gravosa, até pela circunstância de se tratar apenas de uma tentativa.
E, sendo o recorrente delinquente primário, exercendo uma profissão com o que provém ao seu sustento, as exigências de prevenção especial, quer na vertente de socialização, quer na de intimidação, satisfazem-se com uma pena efectiva de prisão que não tem necessariamente de ser longa.
O crime de roubo agravado, na forma de tentativa, é punível com prisão de 7 meses e 6 dias a 10 anos.
Tudo ponderado e em conformidade com o disposto no artigo 72.º do Código Penal, tem-se por adequada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, inferior à que lhe foi aplicada e pouco acima da que foi aplicada ao co-arguido BB.
Há que efectuar o cúmulo com as penas de 7 meses de prisão e 10 meses de prisão pela prática, respectivamente, dos crimes de dissimulação de notação técnica e de detenção ilegal de arma, nos termos do artigo 77.º, n.os 1 e 2, do Código Penal.
Atendendo à gravidade do ilícito global, inserindo-se aqueles crimes na execução do crime de roubo na forma tentada, e à circunstância de os crimes não revelarem uma tendência criminosa, mostra-se equilibrada a pena única de 4 anos de prisão.
Por força do disposto no artigo 50.º, n.º 1, do mesmo diploma, não se coloca a questão da suspensão da execução da pena.
IV. Nestes termos, julgam parcialmente provido o recurso, condenando o recorrente pela prática do crime de roubo agravado, na forma de tentativa, na pena de três anos e seis meses de prisão e, em cúmulo jurídico com as demais penas parcelares, na pena única de quatro anos de prisão.
Mantêm no mais o decidido.
O recorrente pagará 6 UC de taxa de justiça.
Lisboa, 18 de Outubro de 2006

Silva Flor (relator)
Soreto de Barros
Armindo Monteiro
Santos Cabral