Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | MAIA COSTA | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO ESTABELECIMENTO PRISIONAL REINCIDÊNCIA | ||
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Data do Acordão: | 09/13/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO | ||
Área Temática: | DIREITO PENAL – FACTO / FORMAS DO CRIME / CONSEQUÊNCIAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / ATENUAÇÃO ESPECIAL DA PENA. | ||
Doutrina: | - Eduardo Correia, no seguimento de Beleza dos Santos, Atas do Código Penal (1965), p. 147; - Figueiredo Dias, As Consequências Jurídicas do Crime, p. 268 e 269. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 21.º E 72.º. LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, 24.º, ALÍNEA H) E 25.º, ALÍNEA H). | ||
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Sumário : | I - O art. 24.º, do DL 15/93, de 22-01, prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25.º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto. Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21.º, um crime privilegiado, o do art. 25.º, e um outro qualificado, o do art. 24.º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25.º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24.º. II - Incidindo a análise neste último, constata-se que o legislador indica taxativamente as situações que merecem a qualificação (ao contrário do que acontece com o art. 25.º que aponta meramente os fatores que podem justificar a atenuação). Entre elas importa seleccionar a da al. h), que foi a aplicada pelo tribunal recorrido. Da leitura do preceito resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta: consumidores dependentes, pessoas institucionalizadas, reclusos, militares, estudantes. Uma população algo heterogénea, mas que o legislador considera, por razões diversas, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, e portanto alvo fácil da ação dos traficantes. É este intuito protetor dos consumidores que preside à norma. III - Assim sendo, e especificamente no caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa, a agravação dos factos derivará não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, o crime pode ser cometido por reclusos ou não reclusos. O que importa é apurar se a ação era idónea para fazer chegar o estupefaciente à população prisional. No caso afirmativo, a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º. IV - Acentue-se porém que, para merecer essa integração, a ação terá de revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado. Expliquemo-nos. A situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito. Só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas. V - Quer isto dizer que, acentuando mais uma vez o que já se escreveu, a ocorrência de um ato subsumível o art. 21.º em EP não determina automaticamente a agravação da al. h) do art. 24.º. Há que indagar e avaliar se o grau de ilicitude excede efetivamente o que é inerente ao crime do art. 21º, ao qual o facto deve ser subsumido, caso contrário. VI - Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos. O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional. Por outro lado, a atenuação da pena, devido à menor ilicitude do crime, a partir do art. 21.º, sempre pode ser efetuada nos termos gerais do CP, inclusivamente com recurso ao art. 72.º - atenuação especial. A convocação do art. 25.º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa. VII - No caso dos autos, ao arguido, recluso no EP de Lisboa, foram apreendidas diversas “bolotas”, que ele expelira do próprio corpo, contendo 117,3 g. de cannabis, estupefaciente que ele pretendia comercializar no interior do mesmo estabelecimento, tendo em vista a obtenção de lucro. Esta situação, quer pela quantidade do estupefaciente, suscetível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer pela intenção lucrativa que presidiu à ação ilícita, procurando assim o arguido aproveitar-se da eventual situação de carência de outros reclusos, é indubitavelmente subsumível à al. h) do art. 24.º do DL 15/93. VIII - A reincidência tem dois pressupostos. Um de ordem formal: a prática pelo agente, depois de condenação transitada por um crime doloso em pena de prisão efetiva superior a 6 meses, de outro crime doloso em pena idêntica, não tendo decorrido, entre a prática do primeiro crime e a do segundo um prazo superior a 5 anos. Um requisito de ordem material: dever ser formulado um juízo de censura ao agente por a condenação anterior não lhe ter servido de suficiente advertência contra o crime. É este último o elemento nuclear da reincidência: o desrespeito do agente pela “solene advertência” que a condenação anterior em pena de prisão encerra, revelando assim a prática do novo crime uma culpa agravada, merecedora de uma mais intensa censura penal. IX - A reincidência exige uma reiteração fortemente culposa, uma conexão estreita entre o novo crime e o anterior que denuncie que o agente foi insensível à anterior condenação, radicando portanto a reiteração em fatores inerentes à sua própria personalidade e não em fatores fortuitos ou exógenos, de forma a distinguir o reincidente do pluriocasional. Essa relação de conexão será certamente mais fácil de encontrar na chamada “reincidência homótropa” (crimes da mesma natureza) do que na “reincidência polítropa” (crimes de diferente natureza). X - O essencial é identificar os laços que existem entre os dois crimes, e que permitam concluir pelo referido juízo de censura agravado, o que exige a produção de prova sobre a mesma. Por outras palavras, o preenchimento do elemento material tem que assentar em factos concretos, atinentes à motivação ou à execução do crime, demonstrativos de que o aviso contido na anterior condenação foi indiferente para o agente, e não em deduções sustentadas exclusivamente na reiteração criminosa. Ou seja, não se pode deduzir o elemento material da reincidência do seu elemento formal. XI - No caso dos autos, o crime que motivou a presente condenação é um crime de tráfico de estupefacientes agravado pela circunstância de ser praticado em estabelecimento prisional. As condenações anteriores, em número de três, foram todas por crimes de roubo, praticados no ano de 2015. Não se encontra qualquer conexão entre esses crimes e aquele por que foi condenado nestes autos. Este último resulta do aproveitamento da circunstância de se encontrar recluso num estabelecimento prisional, o que lhe proporcionou elaborar um plano de distribuição lucrativa de cannabis no mesmo estabelecimento, para isso contando com a colaboração da mãe. A reiteração criminosa deve-se pois mais a circunstâncias fortuitas ou exógenas do que a uma tendência criminosa por parte do arguido, que se vinha manifestando, sim, no âmbito da criminalidade violenta contra o património. Não é propriamente o facto de a reincidência ser polítropa que afasta essa agravante. É, sim, o não se vislumbrar nenhum laço estreito, nenhuma “íntima conexão”, entre os crimes. Conclui-se pois pela não verificação da agravante qualificativa da reincidência. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I. Relatório AA com os sinais dos autos, foi condenado no Juízo Central Criminal de Lisboa, por acórdão de 7.12.2017, pela prática, como reincidente, nos termos dos arts. 75º e 76º, nº 1, do Código Penal (CP), de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 21º, nº 1, e 24º, h), do DL nº 15/93, de 22-1, na pena de 7 anos de prisão. Desse acórdão recorreu o arguido, alegando: Do Objecto e Delimitação do Recurso 1. O recorrente foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, número 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, na pena de 7 (sete) anos de prisão; 2. O presente recurso tem como objecto a determinação da medida da pena, com invocação dos pressupostos da atenuação especial, que deveria ser fixada em 5 (cinco) anos de prisão. Do Relatório Social 3. Considera o Recorrente que o tribunal a quo não considerou devidamente para a medida da pena o relatório social nos termos previstos no artigo 370° do CPR 4. Ao Relatório Social aplicam-se algumas das regras atinentes às provas dispostas no n? 4 do 370° e 355° do CPP. 5. Assim, devem os tribunais aderir ao que figura no relatório social, adoptando algumas das suas considerações e incluindo-as na matéria de facto dada como provada. 6. Portanto, o relatório social é elaborado para determinar a sanção, n° 1 do artigo 370° do CPP. E neste caso deve o Tribunal acolher o teor desse Relatório, uma vez que é benéfico para o Recorrente e deste modo atenuando a pena aplicada. 7. Indicando mesmo no referido relatório que o Recorrente tem bom comportamento no estabelecimento prisional, frequenta a escola, tem projectos de melhorar as habilitações literárias, é trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes. Dos Factos 8. O Recorrente cooperou com o Tribunal para encontrar a verdade e confessou praticamente toda a matéria de facto articulada pela Acusação, razão pela qual não se incidirá muito neste ponto. 9. O recorrente é uma pessoa modesta e detém pouco poder económico, tendo sido devido à crise financeira e ao desemprego na construção civil que o levaram a enveredar pelo caminho do desrespeito da Lei. 10. O Recorrente encontra-se em grande sofrimento e tristeza por ter praticado o referido crime, razão pela qual o confessou em Tribunal. 11. O Recorrente encontra-se, também, seriamente arrependido tendo demonstrado este arrependimento desde o início do processo. 12. Lamenta diariamente o sucedido e considera esta situação como uma página negra na sua vida. 13. O facto do Recorrente já se encontrar em prisão surtiu o efeito dissuasor desejado pela prevenção geral. 14. Ora, salvo o devido respeito, considera-se que a pena de prisão aplicada ao ora recorrente afigura-se manifestamente exagerada e desproporcional, conforme se irá expor. Do Direito 15. O recorrente mostrou arrependimento, está inserido familiar, profissional e socialmente, é de modesta condição socioeconómica e praticou os factos num contexto de dificuldades pessoais, pelo que, como o Recorrente, não só se arrependeu como também cooperou com a descoberta da verdade confessando, pode formular-se um juízo de prognose favorável quanto à sua reinserção social, em liberdade. 16. Consideramos que graduação da pena aplicada ao Recorrente se deve situar no mínimo legal. 17. Devemos considerar que se o legislador previu na moldura um limite mínimo significa que este limite mínimo também deverá ser aplicado quando se demonstre ajustado, sob pena de se violar o disposto no n° 2 do art° 40 e n° 1 do art° 70 do Código Penal. 18. Em sede de Graduação de medida da pena devemos atender à idade do Recorrente, à modesta condição social, cultural e económica, bem como à sua inserção social para atribuição da medida da pena, trabalhador que se encontrava socialmente e profissionalmente inserido. 19. Devemos ainda considerar que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no n° 1 e 2 do art° 40 e o n° 1 do art° 71° ambos do Código Penal. 20. Pelo que devia ser menor a medida da pena aplicada ao Recorrente, sob pena de se violar o disposto no n.°2 do art.° 40 e no n.° 1 do art° 71, ambos do Código Penal. 21. A pena deverá ser a justa retribuição por um mal que se pratica sem que se deixe de levar em conta na determinação da mesma a reinserção social do Recorrente dando-se ao mesmo tempo, satisfação ao sentimento de justiça da comunidade. 22. Por outro lado, por vezes são maiores os malefícios de uma curta pena de prisão, onde proliferam doenças incuráveis como a SIDA e a Hepatite C e onde pela companhia de outros reclusos apenas se aprende a usar a violência. 23. Por último, foi dado como provado no artigo 39° do Douto Acórdão que "No Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus encontra-se em regime fechado, tem apresentado comportamento adequado às normas institucionais e ainda não beneficia de medidas de flexibilização da pena; projecta elevar as suas habilitações literárias, estando neste momento a frequentar o EFA B2 — Escolar, com interesse e empenho; ocupa o restante tempo livre com a frequência diária do ginásio do estabelecimento prisional". 24. Conclui-se, portanto, que o Douto acórdão recorrido deverá, salvo melhor opinião, ser revogado e substituído por outro que considere suficiente a aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos a qual realiza de forma adequada as finalidades da punição. 25. Só assim, se fazendo a costumada justiça! CONCLUSÕES 1. O recorrente foi condenado, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.°, número 1 do Decreto-Lei n.° 15/93, de 22/01, na pena de 7 (sete) anos de prisão efectiva. 2. Salvo o devido respeito, que é muito, considera-se que a pena de prisão aplicada ao ora recorrente afigura-se manifestamente exagerada e desproporcional. 3. O relatório social deve ser relevado para a determinação da medida da pena nos termos dos art°s 370° e 355° do CPP. 4. No caso concreto, o Relatório social é bastante benéfico para Recorrente indicando mesmo que o Recorrente é pacífico, trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes. 5. O Recorrente confessou a matéria de facto articulada na acusação, tendo demonstrado cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, bem como genuíno arrependimento que muito sofrimento lhe tem causado, considerando mesmo este episódio como a página negra da sua vida. 6. Há que avaliar a situação concreta em que o recorrente praticou o crime. 7. Nestes termos, se o legislador previu na moldura um limite mínimo significa que este limite mínimo também deverá ser aplicado quando se demonstre ajustado, sob pena de se violar o disposto no n° 2 do art° 40 e n° 1 do art° 70 do Código Penal. 8. O Recorrente é um homem calmo, trabalhador que se encontrava socialmente e profissionalmente inserido até ser por circunstâncias da vida "levado" à prática do crime, pelo que a medida da pena deve ser atribuída em função da culpa do agente, sob pena de se violar o disposto no n° 1 e 2 do art° 40 e o n° 1 do art° 71° ambos do Código Penal. 9. Deve ser dada ao Recorrente uma séria oportunidade de reinserção social, até porque a pena deverá ser ajusta retribuição por um mal que se pratica sem que se deixe de levar em conta na determinação da mesma a reinserção social do Recorrente. 10. De levar em conta os malefícios de uma pena de prisão, onde proliferam doenças incuráveis como a SIDA e a Hepatite C e onde pela companhia de outros reclusos apenas se aprende a usar a violência, mesmo um homem calmo e trabalhador como o recorrente, poderá sair da prisão transformado numa pessoa pior, pelo que parece-nos sensata a possibilidade de não sujeitar o recorrente a uma pena de prisão efectiva. 11. Foi dado como provado no artigo 39° do Douto Acórdão que "No Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus encontra-se em regime fechado, tem apresentado comportamento adequado às normas institucionais e ainda não beneficia de medidas de flexibilização da pena; projecta elevar as suas habilitações literárias, estando neste momento a frequentar o EFA B2 -Escolar, com interesse e empenho; ocupa o restante tempo livre com a frequência diária do ginásio do estabelecimento prisional." 12. Pelo exposto, o Douto acórdão recorrido deverá, salvo melhor opinião, ser revogado e substituído por outro que considere suficiente a aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, uma vez que cumpre as finalidades da punição. Respondeu o Ministério Público, dizendo: I - Fundamentos do Recurso: - A discordância do arguido face à decisão ora objecto de recurso, centra-se essencialmente na medida da pena. II - Motivação Apreciando os fundamentos em causa oferece-se dizer o seguinte: O arguido considera que a pena de prisão aplicada será manifestamente exagerada e desproporcional. Em abono desta sua tese afirma que o Relatório social lhe é bastante benéfico indicando mesmo que o Recorrente é pacífico, trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes. Afirma ainda que confessou a matéria de facto articulada na acusação, tendo demonstrado cooperação com o Tribunal para a descoberta da verdade, bem como genuíno arrependimento e que muito sofrimento lhe tem causado, considerando mesmo este episódio como a página negra da sua vida. Realça ainda os malefícios de uma pena de prisão, onde proliferam doenças incuráveis como a sida e a Hepatite C e onde pela companhia de outros reclusos apenas se aprende a ficar pior e que mesmo um homem calmo e trabalhador como o recorrente, poderá sair da prisão transformado numa pessoa pior, pelo que pugna por uma pena de prisão não efectiva e considere suficiente a aplicação de uma pena de prisão de 5 (cinco) anos, uma vez que cumpre as finalidades da punição. Ora, lido o recurso parece que estamos perante uma outra pessoa que não o arguido. Não se alcança nada disso do relatório social mas, pelo contrário, em sede de conclusões pode-se ler: "o seu percurso de vida apresenta uma acentuada irregularidade e instabilidade, desde fase precoce, tanto na sua vida pessoal como laboral, agravada pelo consumo prematuro de substâncias estupefacientes". E "o arguido apresenta algumas fragilidades pessoais, constatando-se a ausência de hábitos de trabalho e de baixas competências relacionadas com a aceitação dos valores sociojurídicos (...)". Tenha-se ainda em conta que os factos dos autos foram cometidos estando o arguido em meio prisional e, como consta do douto Acórdão a quo "34°. Quando foi preso, o arguido encontrava-se numa fase de consumo elevado de cocaína; durante a presente reclusão não recorreu a acompanhamento terapêutico para debelar a problemática de toxicodependência. 36°. O arguido evidencia uma perspectiva imatura e inconsequente quanto aos eventuais riscos de uma recaída/manutenção dos consumos aditivos." Ou seja, não só não foi o meio prisional que o levou à prática dos factos como não aproveitou a sua reclusão para debelar o problema da toxicodependência que primeiro o colocou lá. Quanto à confissão, ainda do douto Acórdão retira-se o seguinte: "para além de o arguido ter afirmado que, efectivamente, na ocasião a que se referiu BB colocou no ânus "bolotas" de canábis, e de, na parte em que negou os factos imputados, pelo seu conteúdo em conjugação com o modo como foram realizadas, as declarações do arguido terem sido prestadas sem convicção, como se articulasse sem jeito um texto previamente preparado, verifica-se que, nesta parte, as mesmas foram, na medida exposta, contrariadas pelos sinceros depoimentos de DD e BB (...) e (...) concluir que o arguido apenas não negou o que até a ele se mostrou inegável, procurando no mais ludibriar o tribunal com a versão que apresentou. (...)” É que o arguido foi percepcionado aquando da visita aos reclusos algo e por isso foi sujeito a revista, tendo expelido pelo ânus parte das tais bolotas de haxixe. Ainda assim procurou negar que eram suas numa estória atabalhoada e incredível. Pelo que não existiu qualquer confissão. No mais e quanto aos efeitos nefastos da prisão a verdade é que o arguido há muito está ciente dos mesmos mas isso não obstou a que, mesmo preso, continuasse a praticar actos criminosos e, se pode haver influência nefasta é, pelo contrário, a sua sobre os demais reclusos face a tal prática. O arguido já foi condenado: - pela prática, em 16.07.2015, de 1 crime de roubo, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - processo n.º 699/15.3PCLSB; - pela prática, em 16.12.2015, de 1 crime de roubo agravado, na pena de 3 (três) anos e 9 (nove) meses de prisão - processo n.º 1586/15.6PWLSB; - pela prática, em 11.11.2015, de 1 crime de roubo, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão -processo n.º 114/15.2JBLSB; - pela prática, em 23.06.2016, de 1 crime p. e p. pelo art. 40.°, n.º 2, do DL n.º 15/93, de 22/01, na pena de 3 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano - processo n.º 231/16.1JELSB; - pela prática, em 24.06.2015, de 1 crime de detenção de arma proibida, na pena da 1 ano e 8 meses de prisão, suspensa na sua execução - processo n.º 452/15.4POAMD; - pela prática, em 20.07.2015, de 1 crime de detenção de arma proibida na pena de 150 dias de multa, à taxa diária de €5, - processo n.º 98/15.7SVLSB. E a verdade é que o arguido se encontra preso desde Dezembro de 2015 e encontra-se no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus desde 04/04/2017 sendo que no estabelecimento prisional precedente manteve comportamento globalmente desajustado, registando 3 medidas disciplinares, relacionadas com posse de objectos proibidos - telemóveis e estupefacientes -, e consequente inactividade laboral. Esquece ainda o arguido que o crime em causa é agravado e que sendo reincidente, de acordo com o estatuído no art. 76.°, n.º 1, do Código Penal, a moldura penal aplicável vai ser agravada de um terço no seu limite mínimo. Pelo que a pena se afigura inteiramente ajustada. CONCLUSÕES 1. Do relatório social não resulta qualquer elemento favorável ao arguido mas pelo contrário; 2. E, não só não foi o meio prisional que o levou à prática dos factos, como não aproveitou a sua reclusão para debelar o problema da toxicodependência que primeiro o colocou lá. 3. Quanto à confissão, o arguido apenas não negou o que até a ele se mostrou inegável, procurando no mais ludibriar o tribunal com a versão que apresentou. 4. Pelo que não existiu qualquer confissão relevante. 5. No mais e quanto aos efeitos nefastos da prisão a verdade é que o arguido há muito está ciente dos mesmos mas isso não obstou a que, mesmo preso, continuasse a praticar actos criminosos. 6. O arguido não tem em conta na moldura penal aplicável ao caso que o crime em causa é agravado e que sendo reincidente, de acordo com o estatuído no art. 76.°, n.º 1, do Código Penal, a moldura penal aplicável vai ser agravada de um terço no seu limite mínimo. 7. Pelo que a pena aplicada é ajustada. Neste Supremo Tribunal o sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte parecer: 1. Do objecto do recurso: A única questão suscitada é a medida da pena. Alega o recorrente que a pena de 7 anos de prisão é «manifestamente exagerada e desproporcional», peticionando a sua redução para 5 anos, fazendo apelo ao facto de ser «pacífico, trabalhador, homem de família e proveniente de meios humildes», «tendo demonstrado cooperação com o tribunal para a descoberta da verdade, bem como genuíno arrependimento…». 2. O Ministério Público, na sua resposta, defende a correcção da medida pena, salientando que se trata de tráfico agravado e que o arguido foi condenado como reincidente. Contrapõe, por outro lado, que o convocado relatório social apresenta-o como pessoa com um percurso de vida com acentuada irregularidade e instabilidade desde fase precoce, agravada pelo consumo prematuro de estupefacientes, com ausência de hábitos de trabalho e de baixas competências relacionadas com a aceitação de valores sociojurídicos. Acrescenta que não aproveitou a reclusão para debelar o problema da toxicodependência, e que a alegada confissão não tem qualquer suporte nos factos provados e correspondente fundamentação. 3. Acompanhamos a resposta do Ex.mo Procurador da República. Deve-se anotar que o arguido foi condenado por um crime de tráfico, que compreendeu as acções dadas como provadas sob os n.ºs 1 a 12, ou seja, recebeu no EP, onde cumpria pena, 13 bolotas com haxixe com o peso líquido de 117,3 gr, que dissimulou no interior do seu organismo, que destinava a comercializar no interior do EP, tendo em vista a obtenção de lucro. Ora, sendo a moldura penal de 6 anos e 8 meses a 15 anos de prisão, é manifesto que a pena fixada, 4 meses acima do limite mínimo, é insusceptível de redução, por não ocorrer qualquer circunstância atenuante (geral ou especial) de relevo que a fundamente. Embora se trate de haxixe, importa salientar que as quantidades e natureza do estupefaciente devem ser dimensionadas no contexto do próprio estabelecimento prisional, com uma população fixa diminuta, sujeita a particular fiscalização, ou seja, o tráfico na cadeia está fortemente condicionado e limitado em todas as fases, desde o transporte para o interior do EP até à entrega e consumo pelo destinatário final. Vale por dizer que a menor ilicitude do tráfico de rua não é comparável à menor ilicitude do tráfico em estabelecimento prisional. Nesta medida, a quantidade detida pelo arguido - 117,3 gr -, que destinava à comercialização, assume relevo significativo, a justificar, até, uma pena superior. E assim sendo, ante a manifesta improcedência do recurso, deve o mesmo ser rejeitado, nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Penal. Notificado nos termos do art. 417º, nº 2 do Código de Processo Penal (CPP), o arguido nada disse. |