Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JSTJ000 | ||
Relator: | SANTOS BERNARDINO | ||
Descritores: | VALORES MOBILIÁRIOS ORDEM DE BOLSA FORMA ESCRITA FORMALIDADES AD PROBATIONEM | ||
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Nº do Documento: | SJ200711159930932 | ||
Data do Acordão: | 11/15/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Sumário : | 1. Entre as actividades que, no mercado dos valores mobiliários, são levadas a cabo pelos intermediários financeiros – as entidades mencionadas no art. 293º/1 do CVM – contam-se os serviços de investimento em valores mobiliários, os quais compreendem, além do mais, a recepção e transmissão, e a execução, de ordens por conta de outrem. 2. Essa actuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, sendo estas operações, negócios de execução da relação de cobertura. 3. Entre os negócios de cobertura – contratos de intermediação, na terminologia do CVM – figuram as ordens, cuja disciplina se contém nos arts. 325º e seguintes deste Código. 4. As ordens – que, para serem vinculativas para o intermediário, assentam numa prévia relação de clientela – podem ser dadas oralmente ou por escrito, devendo no primeiro caso ser reduzidas a escrito pelo receptor ou por este fixadas em suporte fonográfico (art. 327º/1 do CVM). 5. Esta exigência de redução a escrito não tem que ver com a prova do negócio unilateral em que a ordem se traduz: não só não resulta claramente da lei que a finalidade tida em vista com a exigência formal seja apenas a de obter prova segura da emissão da ordem, como ainda não se justificaria – se em causa estivesse essa prova – que a formalização fosse relegada para momento ulterior à emissão verbal da ordem, nem que ao intermediário fosse (como é) conferida a faculdade de substituir a redução a escrito pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, incluindo apenas o registo da hora da recepção, a identificação do ordenador e o número sequencial de recepção da ordem, nem ainda que a operação de formalização fosse (como é) cometida unilateralmente ao receptor, sem qualquer controlo do emissor. 6. A exigência do registo, escrito ou fonográfico, da ordem de bolsa está ligada aos princípios da transparência e da confiança, essenciais a todo o tráfico mercantil, e visa permitir o confronto, se tal se mostrar necessário, entre a ordem e os termos da sua execução, para protecção dos interesses do intermediário, do ordenador e de terceiros, e garantir a transparência e correcto funcionamento do mercado; não se trata de formalidade ad probationem de emissão da ordem, sujeita ao regime do art. 393º/1 do Cód. Civil. 7. Estando provado que os lançamentos efectuados pelo Banco, a débito e a crédito, ao longo de quase um ano, na conta de depósitos do autor, foram a este comunicados através de documentos (borderaux), dos quais constava a indicação do fundo de investimento a que se destinaram as aplicações, a data da operação, o n.º de UP´s/Acções e o respectivo valor, e o montante total de cada operação, sem reacção da parte deste; que o Banco lhe enviou, ao longo desse período, extractos bancários com informação discriminada respeitante à dita conta; e que o autor – experiente em matéria de aplicações financeiras – controlou os movimentos efectuados na sua conta, através do telefone e da Internet, é de concluir que ele sempre esteve a par das subscrições e resgates de títulos efectuados pelo Banco, e que estas operações foram mera decorrência de ordens suas. 8. Com aquele conteúdo, os borderaux constituem prova plena das ordens de bolsa emitidas pelo autor, concretizando a exigência legal de redução a escrito contida no art. 327º/1 do CVM; quando assim se não entenda, eles traduzem, pelo menos, no contexto da acção – juntos que foram pelo próprio autor – o reconhecimento de factos que a este são desfavoráveis, e que, não valendo como confissão, relevam, todavia, como elemento probatório de livre apreciação pelo tribunal. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: AA intentou, em 17.03.2004, na 14ª Vara Cível de Lisboa, contra D... BANK (PORTUGAL) SA, acção com processo ordinário, pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de € 317.460,35, acrescida de juros à taxa legal, desde a data da interposição da acção até integral pagamento. Alegou, para tanto, e em síntese, ter celebrado com o réu um contrato de depósito bancário, transferindo para este, numa conta que abriu, várias quantias, tendo o Banco efectuado, sem autorização dele, autor, durante os anos de 2001 a 2003, diversos débitos nessa conta, que atingiram o valor peticionado, e utilizado esse montante em proveito próprio. Na contestação o réu invocou a excepção de caducidade e impugnou os factos alegados na petição inicial, sustentando, em resumo, que todos os movimentos realizados na conta bancária do autor foram efectuados em cumprimento de ordens deste, para subscrição ou resgate de fundos de investimento de diversa natureza, pelo que o autor sempre teve deles conhecimento. Quaisquer menos-valias resultantes dessas operações correspondem apenas aos riscos inerentes a esse tipo de investimento, riscos que o autor, um conhecido investidor, bem conhece e não podia ignorar, devendo, assim, improceder a acção. O A. replicou, pugnando pelo desatendimento da excepção de caducidade. Seguindo o processo a sua normal tramitação, veio a efectuar-se a audiência de discussão e julgamento, sendo, de seguida, proferida sentença a julgar a acção improcedente, com a consequente absolvição do réu do pedido. O autor apelou, mas sem êxito, pois a Relação de Lisboa, em acórdão oportunamente proferido, julgou improcedente a apelação, confirmando, “embora com fundamentação algo diversa”, a sentença recorrida. Não conformado, o autor traz agora a este Supremo Tribunal o presente recurso de revista, culminando as respectivas alegações com um alargado leque de conclusões, todavia sintetizáveis da forma seguinte: 1ª - Foi violada uma disposição legal sobre a exigência de certo meio de prova na resposta ao quesito 1º da base instrutória, pelo que deve ser alterada a matéria de facto; 2ª - A resposta de provado a esse quesito é ilegal, porque não era admissível prova testemunhal – o facto respectivo só através de documento ou por meio de confissão se poderia demonstrar; 3ª - Os “borderaux” não representam uma ordem mas apenas um movimento sobre a conta do cliente; 4ª - Era o Banco – não o recorrente – a parte onerada com a prova dos documentos de que constariam as autorizações por si alegadas; 5ª - Mas não foi produzido pelo Banco recorrido qualquer documento de que constasse a autorização que o legitimaria a movimentar a crédito ou a débito a conta do recorrente, nem foi produzido qualquer outro suporte que substituísse o papel ou assinatura do recorrente e que fosse dotado de níveis equivalentes de inteligibilidade, de durabilidade e de autenticidade; 6ª - Assim, a decisão recorrida terá de ser alterada no que respeita à resposta dada ao quesito 1º, dando-se como não provada ou não escrita a matéria desse quesito, o que levará a concluir que as ordens dos autos não foram autorizadas; 7ª - Dos restantes factos não é possível extrair qualquer conclusão relativa a uma suposta “autorização tácita” dos comunicados movimentos; e conhecer os movimentos não significa autorizá-los; 8ª - Esse conhecimento relevaria, quando muito, para a questão da suposta caducidade ou prescrição – mas essa questão está precludida e dela já não se poderá conhecer; 9ª - A decisão recorrida violou o disposto nos arts. 4º e 327º do Código dos Valores Mobiliários CVM, nas referências subsequentes. e nos arts. 364º, 393º, 498º e 809º do Código Civil. Em contra-alegações, o Banco recorrido pugna pelo não provimento do recurso e consequente manutenção do acórdão recorrido. Corridos os vistos legais, cumpre conhecer e decidir do mérito do recurso. 2.
Com interesse para a decisão, mostram-se provados os factos que se seguem: 1 - Autor e réu acordaram nos termos do doc. de fls. 140 a 146, no que denominaram contrato de depósito bancário; 2 - O autor transferiu para o réu, numa conta bancária aí aberta sob o n.º ..., várias quantias, conforme docs. de fls. 21 a 25; 3 - Entre 26 de Novembro de 2001 e 27 de Setembro de 2002, o réu efectuou débitos na conta-bancária n.º ..., no valor total de € 18.850.395,54, conforme docs. de fls. 21 e ss.. 4 - O réu enviou ao autor os documentos de que se mostram juntas cópias de fls. 21 a 122 (borderaux), dando-lhe conta dos débitos e créditos efectuados e do nome do fundo a que se destinaram as aplicações; 5 - Os débitos da conta bancária n.º ..., da titularidade do autor, referidos em 3), foram efectuados com autorização do autor, no cumprimento de ordens de subscrição e de resgate daquele; 6 - O autor é presidente de um grupo de empresas ligado à construção e promoção imobiliária, fazendo aplicações financeiras, com regularidade, através de gestores de conta; 7 - O autor recebia, a envio do réu, um extracto bancário contendo discriminadamente toda a informação respeitante à conta n.º ..., conforme doc. de fls. 148 a 154; 8 - O autor manteve controlo e conhecimento dos movimentos efectuados na conta n.º ..., tendo assinaladamente procedido a consultas através de meios telefónicos e da Internet, conforme doc. de fls. 155 a 158. 3. Como decorre do resumo conclusivo que acima deixámos expresso, são duas as questões colocadas à apreciação deste Tribunal. Analisemos, pois, cada uma delas. 3.1. Na primeira, o recorrente coloca este Tribunal perante a resposta ao quesito 1º, e pretende ver alterada essa resposta. E, porque decerto não ignora que o Supremo, como tribunal de revista, apenas controla a decisão de direito, não lhe competindo reexaminar a decisão de facto, a não ser nos casos previstos na 2ª parte do n.º 2 do art. 722º do CPC, veio precisamente invocar este preceito para justificar o apelo à intervenção deste Tribunal, sustentando ter havido, por parte das instâncias, ofensa de uma disposição expressa de lei que exige, para a existência do facto dado como provado na resposta a tal quesito, prova documental, que não foi, no caso, produzida. E, na verdade, neste caso – no caso de o tribunal recorrido ter dado como provado um facto, sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência – o Supremo pode censurar a decisão. Vejamos então se o recorrente está com a razão. No quesito 1º perguntava-se: Os débitos da conta bancária n.º ..., da titularidade do autor, referidos em C), foram efectuados com autorização do autor, no cumprimento de ordens de subscrição e de resgate daquele? O quesito mereceu resposta de provado, constando da respectiva fundamentação que tal resposta teve por base o depoimento da testemunha L...M..., funcionária do Banco recorrido, gestora de conta do autor recorrente, com quem este contactava pelo telefone dando-lhe as respectivas ordens de subscrição e/ou resgate de fundos. De acordo com a aludida fundamentação, a testemunha “depôs com conhecimento dos factos em apreciação e depôs de forma que o Tribunal considerou isenta, objectiva e credível”. Ora, na tese do recorrente, esta resposta é ilegal, porque obtida em contravenção ao regime probatório, pois as ditas ordens de subscrição ou resgate tinham de ser reduzidas a escrito nos termos dos preceitos do CVM acima indicados, sendo ainda certo que o próprio contrato de depósito entre ambos celebrado impõe (cláusula 5.2) a redução a escrito ou a fixação em suporte fonográfico das ordens transmitidas por telefone. Ou seja: não sendo admissível, no caso, prova testemunhal, ocorreu também violação dos preceitos do CC também acima mencionados, designadamente dos arts. 364º e 393º. Será assim? Convém, antes de mais, precisar um ponto, embora o que se vai referir já resulte do que acima se deixou evidenciado. Não tem este Tribunal que censurar a avaliação que, do depoimento da testemunha, fizeram as instâncias. O recorrente intenta, no âmbito da questão ora em apreço, afectar o próprio depoimento em si mesmo, pondo em causa a credibilidade, isenção e objectividade de quem o prestou, a pretexto de que a testemunha “confessa a prática reiterada de crimes de falsificação”. Mas o rumo assim traçado não conduz o recorrente a bom porto, já que – repete-se – fora dos casos expressamente previstos na 2ª parte do n.º 2 daquele apontado art. 722º, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista. Dito isto, avancemos! Na tese do recorrente, repete-se, a resposta é ilegal, dada a inadmissibilidade da prova testemunhal. Por força da aplicação ao caso do disposto nos arts. 4º e 327º do CVM, e do preceituado nos arts. 364º e 393º do CC, o facto quesitado apenas podia ser provado por documento ou por confissão. Vejamos se pode aceitar-se este entendimento. Se é certo que o mercado é um ponto de encontro entre a oferta e a procura, através do qual se fixam os preços de certos bens e serviços, o mercado de valores mobiliários é o ponto de encontro entre a oferta e a procura dos valores mobiliários – oferta assegurada pelas entidades emitentes, procura representada pelos investidores. Todavia, para que o funcionamento eficiente e célere desse mercado seja alcançado, o encontro entre a oferta e a procura faz-se aqui, não por forma directa, por contacto entre os emitentes e os investidores, mas através de determinados agentes económicos especialmente qualificados – os chamados intermediários financeiros – que prestam, mediante remuneração, a uns e a outros, o serviço de realização das transacções por sua conta. A qualificação de intermediário financeiro em valores mobiliários, atribuída, entre nós, às entidades mencionadas no art. 293º/1 do CVM – entre as quais se contam as instituições de crédito e, portanto, os bancos – resulta do exercício, por elas, a título profissional, de actividades de intermediação financeira, pressupondo autorização concedida pela autoridade competente e registo prévio na CMVM (art. 295º/1 do CVM). Entre as actividades de intermediação financeira contam-se os serviços de investimento em valores mobiliários (art. 289º/1.a) do CVM), os quais compreendem, além de outros, a recepção e transmissão, e a execução, de ordens por conta de outrem (art. 290º/1.a) e b) do CVM). As situações em que o intermediário financeiro recebe, transmite e executa as ordens dadas pelos investidores são operações por conta alheia: o intermediário financeiro actua no interesse e por conta dos seus clientes, sendo na esfera jurídica destes que se repercutem as consequências – positivas e negativas – das operações de subscrição ou transacção de valores mobiliários. Essa actuação do intermediário financeiro pressupõe a existência de um negócio antecedente – designado normalmente como negócio de cobertura – que serve de base à subscrição ou transacção de valores mobiliários, assumindo-se estas operações como negócios de execução da relação de cobertura. Os negócios de cobertura, que no CVM aparecem designados como contratos de intermediação, têm a sua regulamentação nos arts. 321º e ss. deste diploma, entre eles se contando as ordens, cuja disciplina se contém nos arts. 325º e ss. Como refere o Prof. MENEZES LEITÃO Cfr. Actividades de intermediação e responsabilidade dos intermediários financeiros, in Direito dos Valores Mobiliários, vol. II, Coimbra Editora 2000, págs. 129 e ss. , no caso das ordens estamos perante um negócio de formação complexa – “a ordem tem só por si uma auto-suficiência em termos jurídicos, que permite a sua caracterização como um negócio jurídico unilateral, em virtude de nele existirem liberdade de celebração e liberdade de estipulação”. Mas, para ser vinculativa para o intermediário, é necessário que exista uma prévia relação de clientela, sem o que este poderá recusá-la (art. 326º/3 do CVM). E essa relação de clientela pode ser instituída contratualmente – maxime, através de um contrato de gestão de carteira ou de registo e depósito de valores mobiliários – e existe, também, quando o intermediário financeiro seja destinatário frequente de ordens dadas pelo investidor, caso em que se considera tacitamente estabelecida. Em qualquer caso, como acentua aquele ilustre Professor, a relação de clientela assume uma função enquadrante e integradora das ordens emitidas, pelo que pode ser considerada como um contrato-quadro – contrato celebrado para regular o conteúdo de futuros negócios, cuja celebração não corresponde, porém, a uma obrigação assumida pelas partes – sendo a sua junção com o negócio unilateral, que é a ordem, que vincula o intermediário financeiro a efectuar a subscrição ou transacção de valores mobiliários, desde que preenchidos os requisitos legais a que a ordem deve obedecer. De acordo com o art. 325º do CVM, logo que receba uma ordem para a realização de operações sobre valores mobiliários, o intermediário financeiro deverá: - verificar a legitimidade do ordenador; e - adoptar as providências que permitam, sem qualquer dúvida, estabelecer o momento da recepção da ordem. As ordens – estatui o art. 327º/1 do CVM – podem ser dadas oralmente ou por escrito, devendo no primeiro caso ser reduzidas a escrito pelo receptor ou fixadas por este em suporte fonográfico. Este dever de reduzir a escrito a ordem dada verbalmente é um dos deveres acessórios de quem recebe a ordem, inserindo-se entre os deveres de custódia e segurança, ligados ao princípio da confiança, essencial a todo o tráfico mercantil. Cfr. AMADEU JOSÉ FERREIRA, Ordem de Bolsa, ROA ano 52, II, pág. 483. Em matéria de forma das ordens de bolsa haverá que ter ainda em conta o que consta dos arts. 52º e 53º do Regulamento 12/2000, da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) Além de outras, são atribuições da CMVM, a regulação dos mercados de valores mobiliários, das ofertas públicas relativas a valores mobiliários, das actividades exercidas pelas entidades sujeitas à sua supervisão e de outras matérias previstas no CVM e em legislação complementar (art. 353º/1.b) do CVM), para o que dispões de poderes de regulação, entre eles o de emitir regulamentos, que são publicados na 2ª série do DR, e que devem observar os princípios da legalidade, da necessidade, da clareza e da publicidade (art. 369º/1 e 2). , que contém o desenvolvimento das regras relativas às actividades de intermediação financeira. Dos citados preceitos – o art. 327º/1 do Código e os arts. 52º e 53º do Regulamento – colhe-se que, em sintonia com o princípio da liberdade de forma vazado no art. 219º do CC, não é exigível qualquer forma especial para dar ordens de bolsa, o que bem se entende se tivermos em atenção que a celeridade é um dos valores mais característicos do mercado bolsista. Todavia, se a ordem for verbal, deve ser sempre reduzida a escrito, recaindo tal obrigação sobre o intermediário financeiro que a recebe. Este, porém, pode substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, desde que fique garantido o registo da hora de recepção, da identificação do ordenador e do número sequencial de recepção da ordem; e, se as ordens forem fixadas em suporte fonográfico, este deve assegurar níveis adequados de inteligibilidade, durabilidade e autenticidade (cits. arts. 52º e 53º). E pode mesmo exigir ao ordenador a confirmação por escrito de ordem que deste haja recebido, podendo recusar-se a aceitá-la se tal confirmação não tiver lugar (art. 326º/2.d) do CVM). Esta disponibilidade da forma da ordem de bolsa por parte do intermediário financeiro liga-se a razões de segurança no funcionamento do próprio mercado e à salvaguarda dos interesses dos próprios intermediários financeiros Cfr. AMADEU JOSÉ FERREIRA, ob. e loc. cits., págs. 491/492. . E não tem que ver, parece-nos seguro, com a prova do negócio unilateral em que a ordem se traduz. O Prof. MENEZES CORDEIRO, num estudo que deu à estampa há já alguns anos “Da transmissão em bolsa de acções depositadas”, na revista O Direito, ano 121º, 1989 – I (Jan. – Mar.), págs. 75 e ss. , reconduzia a três os princípios gerais basilares em matéria de direito das bolsas de valores: celeridade, não-formalismo e confiança. Depois de ligar a regra da celeridade “às necessidades prementes da circulação mobiliária, a que as bolsas de valores dão corpo”, e de acentuar a relação que o não-formalismo tem com a celeridade – as operações jurídicas formais são lentas, exigem tempo para serem concretizadas, por via das operações acessórias que precedem ou acompanham os actos, e tais delongas seriam contra natura no domínio da circulação dos títulos de crédito – Menezes Cordeiro aponta ainda outra justificação para a prevalência, neste domínio, do princípio do não-formalismo – justificação que radica no “condicionalismo reinante no campo dos títulos de crédito e das operações em bolsa” Estudo e loc. cits., págs. 76/77.. As razões que justificam, tradicionalmente, a exigência de formalidades para a prática de actos jurídicos – proteger as próprias partes contra a sua irreflexão, facilitar a prova, e publicitar os actos – encontram, no tráfego cambiário, tradução e protecção que não passam pela forma. “A protecção das pessoas – menos intensa já que se trata de um sector específico ao qual só acede quem o quiser fazer – consegue-se pela limitação no acesso: apenas certas entidades podem receber ordens de bolsa. A prova é facilitada pela posse dos títulos. A publicidade, quando necessária, beneficia também desse factor. Portanto: as necessidades de prontidão e de eficácia, por um lado, e a presença de moldes para acautelar os valores prosseguidos, noutras áreas normativas, com recurso às regras formais, por outro, conduzem a um princípio geral de não-formalismo, no tráfego de títulos e, em especial, no que se realize nas bolsas de valores.” O que visa, então, a exigência de redução a escrito, pelo intermediário financeiro, das ordens de bolsa recebidas do ordenador? Já deixámos dito que não é para prova de que a ordem foi dada que tal exigência consta da lei. Se em causa estivesse essa prova, não se justificaria que a formalização da ordem fosse relegada para momento ulterior à sua emissão verbal; tão pouco se compreenderia a faculdade, conferida ao intermediário financeiro, de substituir a redução a escrito das ordens pelo mapa de inserção das ofertas no sistema de negociação, garantindo apenas o registo da hora de recepção, a identificação do ordenador e o número sequencial de recepção da ordem; e menos ainda que a operação de formalização fosse cometida unilateralmente ao receptor, sem qualquer controlo do emissor. Ademais, para que se pudesse afirmar que era aquele o objectivo visado, importaria que tal resultasse claramente da lei: que, tal como o impõe o n.º 2 do art. 364º do CC, resultasse claramente da lei que a finalidade tida em vista com a exigência formal – redução a escrito das ordens de bolsa dadas verbalmente – é apenas a de obter prova segura da sua emissão. E certo é que a lei (o art. 327º ou outro, do CVM) silencia em absoluto a tal respeito. Qual é, então, a finalidade da exigência da redução a escrito ou da fixação em suporte fonográfico? Já acima ficou qualificado o respectivo dever do intermediário financeiro como um dos deveres acessórios a que se acha vinculado quem recebe a ordem, inserido entre os deveres de custódia e segurança, ligados ao princípio da confiança, essencial a todo o tráfico mercantil. Na verdade, a lei (arts. 304 e ss. do CVM) exige que os intermediários financeiros assegurem, no exercício da sua actividade, “elevados níveis de aptidão profissional”, protegendo não só os legítimos interesses dos seus clientes como também a eficiência do mercado, e impõe-lhes um alargado leque de deveres, entre eles deveres acessórios de boa fé nas relações com todos os intervenientes do mercado, concretizados na exigência de elevados padrões de diligência, lealdade e transparência (art. 304º/2 do CVM). A sua contabilidade deve reflectir diariamente, em relação a cada cliente, o saldo credor ou devedor em dinheiro e em valores mobiliários, e manter um registo diário das operações que realiza, por conta própria e por conta de cada um dos clientes; é-lhe vedado, v.g., desenvolver actividade de intermediação excessiva, realizando por conta dos clientes ou incitando-os a efectuar operações repetidas, que tenham por fim objectivos estranhos aos interesses destes; deve evitar ou reduzir ao mínimo o risco de conflito de interesses e, quando este ocorre, deve agir por forma a assegurar aos seus clientes um tratamento transparente e equitativo; deve entregar aos clientes os valores mobiliários adquiridos e o preço dos alienados; deve, através da adequada informação (aos clientes e à CMVM) e publicidade, assegurar a confiança dos investidores e a transparência do mercado; deve abster-se de participar em operações susceptíveis de pôr em risco a regularidade de funcionamento, a transparência e a credibilidade do mercado, designadamente em operações imputadas a uma mesma carteira, tanto na compra como na venda, em operações que envolvam a transferência aparente, simulada ou artificial de valores mobiliários entre diferentes carteiras, ou na execução de ordens destinadas a defraudar ou a limitar significativamente os efeitos de leilão, rateio ou outra forma de atribuição de valores mobiliários, etc. Tudo isto se liga aos aludidos princípios da transparência e da confiança e justifica a obrigação de registo, escrito ou sonoro, das ordens de bolsa. Registo que tem também uma função de salvaguarda dos próprios interesses do intermediário e da sua responsabilidade civil perante o cliente – casos há em que o intermediário deve recusar uma ordem; e outros em que pode fazê-lo (art. 326º/1 e 2 do CVM), devendo, num e noutro caso, comunicá-lo, de imediato, ao ordenador – e perante terceiros, pelo menos, perante aqueles que realizaram a operação inversa. Entendemos, pois, acertada a asserção – expressa no Ac. Rel. Lisboa, de 06.11.2001 Col. Jur. ano XXVI, tomo v, pág. 76. – de que a exigência do registo, escrito ou fonográfico, visa o registo das ordens para confronto, se for caso disso, com os termos da sua execução, para protecção dos interesses, não só do ordenador como de terceiros, e garantir a transparência e correcto funcionamento do mercado. Não se trata de formalidade ad probationem da emissão da ordem, sendo ilegítima, como também decorre do aresto citado, a invocação do disposto no art. 393º/1 do CC para pôr em causa a resposta ao quesito 1º da presente acção. A ordem verbal pode ser provada por quaisquer meios probatórios legalmente admissíveis, incluindo, claro, por testemunhas. Improcede, assim, tudo quanto ex adversu vem sustentado pelo recorrente, designadamente nas conclusões 1ª, 2ª, 4ª (na parte respeitante à exigência de documento), e 6ª da síntese conclusiva acima enunciada. 3.2. Ainda nesta área, e sem prejuízo do que vem de ser referido, não pode passar sem análise um outro aspecto da questão – e com a sua abordagem enfrenta-se também a demais matéria do recurso. Está inequivocamente provado que os múltiplos lançamentos efectuados, a débito e a crédito, na conta do autor, tiveram lugar entre 26.11.2001 e 27.09.2002; que o banco réu remeteu ao autor os documentos (borderaux) comprovativos desses lançamentos, com indicação do nome do fundo de investimento a que se destinaram as aplicações (foi o próprio autor que os juntou com a sua p.i.); que lhe enviou igualmente, ao longo desse período, extractos bancários contendo informação discriminada respeitante à conta de depósitos do autor; e que este – que não é, propriamente, um inexperiente na matéria, dada a sua actividade e o investimento que regularmente faz em aplicações financeiras – manteve controlo e conhecimento dos movimentos efectuados na sua conta, através de meios telefónicos e da Internet. Tudo isto revela que o recorrente sempre esteve a par das subscrições e resgates de títulos efectuados pelo recorrido, quer pelos documentos directamente respeitantes a essas operações (borderaux), quer pelos extractos bancários da sua conta de depósitos, que periodicamente recebia, e que inseriam os lançamentos correspondentes a tais operações, quer, finalmente, pelo escrutínio a que, via telefone e Internet, foi sujeitando essa mesma conta. Mal se perceberia, pois, que, a não ser tudo isto mera decorrência de ordens do recorrente, este se tivesse mantido mudo e quedo, impávido perante aquilo que seria uma actuação abusiva do recorrido. É que, sobretudo em relação aos borderaux, não é aceitável a afirmação do recorrente de que eles “são comprovativos de movimentos, não são registos de ordens”. Na verdade, eles são mais do que meros comprovativos de movimentos, pois que contêm – quer nos casos de subscrição (a que respeitam os lançamentos a débito), quer nos de resgate (lançamentos a crédito) de Fundos de Investimento – a menção do nome do fundo de investimento, da data da operação, do n.º UP´s/Acções, do valor UP/Acções e do montante total da operação, bem como a seguinte referência (conforme o caso): “Subscrição de Fundos de Investimento por débito na conta de depósitos à ordem de V.ª Ex.ª, conforme instruções recebidas nesta data”; ou “Resgate de Fundos de Investimento por crédito na conta de depósitos à ordem de V.ª Ex.ª, conforme instruções recebidas nesta data” Os sublinhados são de nossa autoria.. Compreende-se, por isso, o raciocínio da Relação quando afirma que, a entender-se que as ordens de bolsa só podem provar-se por escrito, e uma vez que o art. 327º/1 do CVM “apenas impõe que a instituição bancária reduza a escrito a ordem recepcionada”, os ditos borderaux constituiriam prova plena das declarações emitidas pelo próprio recorrente – e que, em tal contexto, a acção traduziria um venire contra factum proprium. Estaria, na verdade, vazada em cada um desses documentos escritos, a indicação de que, no dia em cada um deles indicado, o recorrente dera instruções para a subscrição ou resgate de um certo número de UP´s/Acções de um igualmente indicado Fundo de Investimento. Não seria isto a redução a escrito a que alude o apontado normativo? Que mais seria preciso para se haver por satisfeita a exigência legal? Afinal, é o próprio parecer junto pelo recorrente que refere que “(e)ste registo serve para prova da realização da operação, destina-se a permitir que o investidor saiba que uma ordem por si regularmente emitida foi efectivamente executada. Quer porque o intermediário financeiro a introduziu no sistema, quer porque foi possível subscrever ou resgatar as unidades de participação nos termos indicados pelo investidor final” (é nosso o sublinhado). Seja como for, o certo é que se trata de documentos que, no contexto da acção – juntos que foram pelo próprio autor recorrente – traduzem, pela sua aceitação sem reacção, quando lhe foram remetidos pelo Banco, o reconhecimento de factos desfavoráveis, que, não valendo, seguramente, como confissão, valem, todavia, como elemento probatório de livre apreciação pelo tribunal (cfr. art. 361º do CC). Daí o relevo probatório que a tais documentos atribuiu a Relação, não aproveitando ao recorrente o que consta das conclusões 3ª, 5ª, 7ª e 8ª acima exaradas. 4. Não colhe, assim, a argumentação, posto que douta, desenvolvida pelo recorrente no sentido de ver alterado o sentido da decisão da Relação, aliás confirmatória da da 1ª instância.A questão da caducidade – como bem refere o recorrente – não carece de ser aqui analisada. Os normativos indicados pelo recorrente não se mostram violados, pelo que o recurso improcede. Nega-se, pois, a revista. Custas pelo recorrente. Lisboa, 15 de Novembro de 2007 Santos Bernardino (Relator) Bettencourt de Faria Pereira da Silva |