Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2006/09.5TTPNF.P1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: ISABEL SÃO MARCOS
Descritores: CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
NULIDADE DO CONTRATO
DESPEDIMENTO ILÍCITO
ESTADO
Data do Acordão: 04/10/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / NULIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO / PROVAS.
DIREITO CONSTITUCIONAL - PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS.
DIREITO COMUNITÁRIO - CONTRATOS DE TRABALHO A TERMO.
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / FORMAÇÃO DO CONTRATO / CESSAÇÃO DO CONTRATO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA.
Doutrina:
- J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4ª edição revista, pp. 266 e 267, 660, 661.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 286.º, 289.º, N.º1, 294.º, 342.º, N.º1.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 646.º, N.º4, 661.º, N.º2, 668.º, N.º1 AL. D), 684.º, N.º4, 684.º-A, N.º1, 716.º.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, APROVADO PELO DECRETO-LEI Nº 480/99, DE NOVEMBRO: - ARTIGOS 1.º, N.º2, 77.º, N.ºS1 E 2.
CÓDIGO DO TRABALHO (REDACÇÃO INTRODUZIDA PELA LEI Nº 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO): - ARTIGOS 122.º, N.º1, 123.º, N.º1, 125.º, 340.º, 381.º, 390.º, N.º1, 391.º.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 8.º, 47.º, N.º2.
DECRETO-LEI Nº 184/89, DE 02.06: - ARTIGO 9.º.
DECRETO-LEI Nº 303/2007, DE 24 DE AGOSTO: - ARTIGO 12.º, N.º1.
DECRETO-LEI Nº 427/89, DE 07.12 (ALTERADO PELO DECRETO-LEI Nº 218/98, DE 17.07 (POSTERIORMENTE REVOGADO PELA LEI Nº 12-A/2008, DE 27.02) E DECRETO-LEI Nº 409/91, DE 17.10): - ARTIGOS 14.º, 18.º, 20.º, 21.º, 43.º.
DECRETO-LEI Nº 64-A/89, DE 27.02 – LCCT: - ARTIGO 42.º.
LEI Nº 23/2004, DE 22.06: - ARTIGOS 2.º, 5.º, 8.º, 9.º, 10.º.
Legislação Comunitária:
DIRECTIVA COMUNITÁRIA Nº 1999/70/CE, DO CONSELHO DE 28.07.
Jurisprudência Nacional: ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 26.11.2008, PROCESSO Nº 1982/08 LSB.L1.S1; DE 30.09.2009, PROCESSO Nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1; DE 01.06.2011, PROCESSO Nº 156/09.7TTVNG.P1.S1 E DE 22.09.2011, PROCESSOS NºS 528/08.4TTSTR.E1.S1 E 1694/07.1TTLSB.L1.S1, TODOS DA 4ª SECÇÃO.
-DE 30.09.2009, PROCESSO Nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1, 4ª SECÇÃO.
-DE 28.04.2010, PROCESSO Nº 413/08.OCBR.C1.S1; DE 08.06.2011, PROCESSO Nº 118/09.4TTMAI.P1.S1. E DE 22.09.2011, PROCESSO Nº 1694/07.ITTLSB.L1.S1, TODOS DA 4ª SECÇÃO.
-DE 25.09.2002, PROCESSO Nº 1366/02.S1; DE 22.09.2011, PROCESSO Nº 528/08.04TTSTR.E1.S1; DE 26.11.2008, PROCESSO Nº 1982/08.S1; DE 28.04.2010, PROCESSO Nº 413/08.OTTCBR.C1.S1 E DE 03.06.2009, PROCESSO Nº 622/09, TODOS DA 4.ª SECÇÃO.
-DE 03.10.2007, PROCESSO Nº 177/07; DE 18.06.2008, PROCESSO Nº2445/06; DE 25.11.2009, PROCESSO Nº 1846/06.14RCBR.S1 E DE 21.04.2010, PROCESSO Nº 393/03.8TTCTB.C1.S1., TODOS DA 4.ª SECÇÃO.
-DE 30.09.2009, PROCESSO Nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1 E DE 22.09.2011, PROCESSO Nº 528/08.4TTSTR.E1.S1.
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ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-NÚMEROS 368/2000, PROCESSO Nº 243/001 E PUBLICADO NO D.R., 1.ª SÉRIE DE 27.02.2004; 61/2004, DE 27.01.2004, PROCESSO Nº 471/01 E, 409/2007, DE 11.07.2007, PROCESSO Nº 306/07.
Sumário : 1.O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como se fosse válido em relação ao tempo durante o qual esteve em execução, conforme prescreve o artigo 122º, número 1 do Código do Trabalho, na redacção introduzida pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, sendo que a ocorrência de um facto extintivo do contrato antes da declaração de nulidade ou anulação do contrato tem as consequências previstas no artigo 123º, número 1 do mesmo diploma legal.

2. À cessação unilateral do contrato de trabalho por iniciativa da empregadora, uma Junta de Freguesia, verificada antes da declaração de nulidade do mesmo contrato, aplica-se o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho (artigo 123º, número 1, citado) que, no caso, se considera ilícita, porque realizada sem justa causa e sem prévia elaboração de processo disciplinar.

3. Apesar da ilicitude deste despedimento, a trabalhadora tem direito a receber apenas as retribuições que deixou de auferir desde os 30 dias anteriores à propositura da acção até à data em que tomou conhecimento da invocação da nulidade do contrato.

4. Assim, a trabalhadora não terá direito à reintegração no seu posto de trabalho por a tal obstar o comando constitucional ínsito no artigo 47º, número 2 da Constituição da República, quando não se demonstre que o recrutamento da trabalhadora obedeceu ao processo prévio de selecção exigido pela lei em vigor aquando do estabelecimento da relação jurídico-laboral.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:

I. Relatório

1.

Em 28 de Outubro de 2009, no Tribunal do Trabalho de Penafiel, AA intentou acção emergente de contrato de trabalho contra a Junta de Freguesia de Várzea .............., pedindo que fosse declarada nula a cláusula do contrato de trabalho celebrado, em 1 de Outubro de 2002, entre a autora e a ré e o mesmo convertido em contrato de trabalho sem termo certo ou incerto, devendo, se improceder tal pretensão, ser convertido o contrato de trabalho celebrado em 15 de Setembro de 2003 em contrato sem termo, porquanto resulta nula a cláusula que estipulou o termo e respectivas renovações. Em consequência disso, deverá condenar-se a ré a proceder à reintegração da autora no seu posto de trabalho e bem assim a pagar-lhe: i) a quantia de € 5.000,00, a título de danos não patrimoniais; ii) os salários devidos desde 30 dias antes da propositura da acção e até ao trânsito em julgado da decisão. Finalmente, para o caso de se entender que o contrato de trabalho não se converteu em contrato sem termo, deverá a ré ser condenada a pagar à autora uma compensação pela não renovação no valor de € 3.600,00.

Para tanto, invocou os seguintes fundamentos:

Em 1 de Outubro de 2002, a autora celebrou com a ré um contrato de trabalho a termo certo, pelo período de 10 meses, para exercer as funções de auxiliar de cozinha no Jardim-de-Infância de .........., cumprindo o horário de segunda a sexta-feira, das 10 horas às 18 horas, com uma hora de intervalo para almoço e mediante a retribuição mensal de € 375,00.

Em 15 de Julho de 2003, findo o ano escolar e encerrado o Jardim-de-Infância em causa, a autora permaneceu em casa até à reabertura do mesmo.

Em 15 de Setembro de 2003, a autora e a ré celebraram um novo contrato de trabalho, com termo a 15 de Julho de 2004, para a primeira exercer iguais funções, mediante idêntica retribuição.

No final do ano lectivo, mais precisamente em 15 de Julho de 2004, o Jardim-de-Infância fechou para reabrir em 15 de Setembro de 2004, tendo, no entretanto, a autora permanecido em casa.

A ré jamais comunicou à autora a caducidade dos contratos de trabalho a termo certo celebrados em 1 de Outubro de 2002 e em 15 de Setembro de 2003.

Em 15 de Setembro de 2004, a autora retomou as suas funções e, em 15 de Julho de 2005, quando o ano escolar findou e o Jardim-de- Infância encerrou, permaneceu em casa até 15 de Setembro de 2005, data em que retomou o trabalho, exercendo as mesmas tarefas, com idêntico horário de trabalho e igual remuneração mensal.

Esta situação repetiu-se ao longo dos anos que se sucederam, sendo certo que, a partir de 15 de Julho de 2004, a autora nunca assinou qualquer contrato de trabalho com a ré.

Acontece que, em 19 de Maio de 2009, a ré enviou à autora uma carta a comunicar-lhe a não renovação do contrato de trabalho celebrado em 15 de Setembro de 2008.

As cláusulas constantes dos contratos de trabalho que estipularam o seu termo são, porém, nulas e a carta remetida pela ré à autora a comunicar a não renovação do contrato configura um despedimento ilícito.

A ré contestou (cfr. fls. 37 a 49), arguindo a incompetência material do Tribunal de Trabalho e bem assim alegou a prescrição dos créditos laborais relativamente aos contratos verbais ou escritos referentes aos anos de 2002 a 2007, a validade dos contratos a termo celebrados com a autora, concluindo pela procedência das invocadas excepções e pela total improcedência da acção. Requereu ainda a ré a intervenção acessória provocada do Município do Marco de Canaveses, que foi indeferida.

A acção prosseguiu seus termos e, após a realização de audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente e, por via disso, declarou a nulidade do contrato celebrado entre a autora e a ré e condenou esta a pagar àquela a compensação correspondente ao valor das retribuições que a autora deixou de auferir desde o dia 28 de Setembro de 2009 a 14 de Dezembro de 2009, compensação a que haviam de deduzir-se as quantias que a autora tivesse recebido, a título de subsidio de desemprego, no referido lapso de tempo, a entregar pela ré à Segurança Social, a liquidar em incidente de liquidação. Dos demais pedidos foi a ré absolvida.

2.

Inconformada, a autora apelou, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de folhas 399 a 440: i) considerado nulo o contrato de trabalho a termo certo celebrado em 1 de Outubro de 2002 entre autora e ré e declarado a sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos reportados àquela data; ii) condenado a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho e bem assim a pagar à autora as remunerações devidas desde 28 de Setembro de 2009 e até ao trânsito em julgado do acórdão, sem prejuízo do disposto no artigo 390º, nº 2, alínea c) do Código do Trabalho de 2009, a liquidar oportunamente; iii) absolvido a ré dos demais pedidos.

 É contra esta decisão que, agora, a ré se insurge, mediante recurso de revista, em que formula as conclusões que se passam a transcrever:

« 1. A Recorrida foi contratada a termo certo pela Recorrente para exercer a função de auxiliar de cozinha na gestão de fornecimento do serviço de refeições aos Jardins-de-Infância;

2. O exercício de tal actividade por parte da Recorrente foi objecto de um protocolo anual celebrado pela Câmara Municipal de Marco de Canaveses;

3. A contratação visava satisfazer necessidades temporárias dos serviços decorrentes do mesmo protocolo;

4. Não é da competência da Recorrente ou atribuição sua por força do seu estatuto legal o exercício de tal actividade; será, sim, da competência da Câmara Municipal;

5. A Recorrente não possui quadro para pessoal auxiliar;

6. Cada protocolo vigorava pelo período coincidente com o ano lectivo e sujeito a renovação expressa ou tácita;

7. A Recorrida sempre teve conhecimento da existência do protocolo celebrado entre a Recorrente e a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e de que a sua actividade era anual, correspondendo o seu trabalho ao início e fim de cada ano escolar;

8. A Recorrida beneficiou do subsídio de desemprego a partir do ano de 2006;

9. Das declarações emitidas pela Recorrente para obtenção do subsídio de desemprego e das declarações para inscrição de trabalhadores constam todos os elementos referentes ao início e fim de cada contrato, de cada ano escolar, documentos que a Recorrida assinava, disso tendo plena consciência e conhecimento;

10. Do extracto de remunerações da Segurança Social consta[m] os períodos de trabalho da Recorrida relativos a cada ano escolar;

11. A Recorrente não assumiu para com a Autora o compromisso de a contratar para cada um dos anos seguintes;

12. No ano de 2009/2010 as trabalhadoras BB e CC trabalharam a tempo parcial, uma de manhã e outra de tarde, mas apenas três horas por dia cada uma, para as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento, o que é substancialmente diferente das funções da Recorrida e da sua colega DD; 

13. A Recorrente, no início a cada um dos anos lectivos entre 2002/2003 e 2008/2009, admitiu a Recorrida ao serviço com base no protocolo que aquela celebrava e renovava anualmente, sendo os acordos de trabalho coincidentes com o ano lectivo e terminando cada um no fim de ano lectivo, ou seja, em 15 (quinze) de Julho;

14. Em 19.05.2009 a Recorrente comunicou, por escrito, à Recorrida a caducidade do seu contrato a ocorrer em 15.07.2009;

15. A Recorrida, ao não assinar o contrato referente ao ano de 2008/2009, agiu de má fé e com manifesto abuso do direito; já então pretendia ser trabalhadora permanente da Recorrente;

16. A ora Recorrente, por falta de condições para cumprir o protocolo, denunciou-o para o ano 2010/2011, cessando a partir daí a actividade em causa e deixando de existir qualquer posto de trabalho;

17. O Venerando Tribunal da Relação, ao considerar a contratação para satisfazer necessidades permanentes e duradouras da Recorrente, além de contrariar matéria assente, contrariou a própria denúncia do protocolo e, nessa medida, conheceu de matéria que lhe era vedado alterar, o que consubstancia nulidade que se invoca;

18. A Recorrida beneficiou conscientemente de toda a protecção social que a Segurança Social atribui aos trabalhadores desempregados;

19. A Directiva em apreço, transposta para a ordem interna, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que proíbe de modo absoluto, apenas no sector público, a conversão em contratos sem termo os  contratos de trabalho a termo sucessivo que, de facto, se destinaram a satisfazer «necessidades estáveis» da entidade patronal e devem ser considerados abusivos;

20. A fls. 19 do douto acórdão em apreço refere-se "os tribunais nacionais, na medida do possível, [devem interpretar o direito interno, a partir do termo do prazo de interposição, à luz do teor e da finalidade da directiva em causa, para alcançar os resultados por esta prosseguidos], privilegiando a interpretação das normas nacionais. Daqui resulta a possibilidade de existência de "constrangimentos" a tal directiva, como será o caso da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho e da interpretação que resulta do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 368/2000 e da jurisprudência unânime do Supremo Tribunal de Justiça;

21. A actuação da Recorrente foi conforme à Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, designadamente, quanto ao disposto nos artigos 2°, 8°, 9°, 10º e 26º;

22. Não há lugar à conversão pretendida também por força do referido Acórdão do Tribunal Constitucional e do decidido, de forma uniforme, pelo Supremo Tribunal de Justiça, entre outros, nos Processos 08S2451, 06S2445, 08S1536, 08S1982, 08S3443 e 1846/06.1YRCBR.S1;

23. O contrato em causa é nulo e, como tal, foi judicialmente declarado, pelo que as suas consequências são as resultantes da douta decisão de 1ª Instância quanto à pretendida reintegração e prestações devidas, a qual respeitou o direito aplicável, numa apreciação correcta e legal da realidade em causa;

24. O aliás doutíssimo acórdão em causa é manifestamente irrealista, face a todos os elementos objectivos dos autos, inclusive à denúncia do protocolo, ao poder transformar o contrato a prazo numa sinecura para a Recorrida, atenta a morosidade da Justiça;

25. E, interpretando e aplicando assim indevidamente as nossas leis, os Tribunais, face ao número de desempregados a termo certo e a termo incerto, criam o risco de afundar o país, esquecendo-se que todos estamos no mesmo barco;

26. Portugal integra a Comunidade Europeia, mas não é um país federado, pelo que mantém a sua soberania, aí residindo o equívoco em que labora a Recorrida que esquece-se que a nossa dependência é, tão só, económico-financeira, num mundo aberto e de concorrência; beneficia, pois, da solidariedade internacional;

27. As leis devem ser interpretadas, "não de uma forma simplista, automática ou literal mas, buscando o seu sentido e alcance e conseguindo a Justiça do caso concreto", o que não resulta do douto acórdão em apreço, proferido ao arrepio de uma apreciação incorrecta dos factos e de uma interpretação e aplicação da legislação indevidas;

28. O contrato de trabalho em causa é nulo e assim foi declarado, consequentemente, ficará sujeito às consequências legais definidas em 1ª Instância, emergentes da sua nulidade, ao contrário do que decidiu aliás doutamente o Tribunal da Relação, mas incorrectamente;

29. Aristóteles escreveu: «a base da sociedade é a Justiça, o julgamento constitui a ordem da sociedade, ora o julgamento é a aplicação da Justiça»; a douta sentença da 1ª Instância e o voto de vencido do douto acórdão em apreço traduzem tal pensamento;

30. A pretensão da Recorrida seria sempre abusiva do direito por, eventualmente, vir a beneficiar da morosidade da Justiça;

31. O aliás douto acórdão, na valoração dos factos, na interpretação e aplicação da lei, violou o disposto na Directiva Comunitária 1999/70/CE, nos artigos 53º e 8º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa, 2º, 8º e 9º, 10º e 26º da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, 390º, nº 1, 122º, nº 1, 123º do Código do Trabalho e no artigo 712º do Código do Processo Civil».

Conclui a ré sustentando que, conhecendo-se da nulidade referida no ponto 17 das conclusões e concedendo-se a revista, deverá revogar-se o acórdão recorrido e confirmar-se integralmente a sentença proferida em primeira instância.

 A recorrida não contra-alegou.

Subidos os autos a este Supremo Tribunal, foi dado cumprimento ao disposto no artigo 87º, nº 3 do Código de Processo do Trabalho, tendo o Senhor Procurador-Geral-Adjunto emitido parecer no sentido da procedência do recurso, em suma por não resultar possível a conversão de contrato de trabalho a termo em contrato de trabalho sem termo, sob pena de se incorrer em violação do estatuído no artigo 47º da Constituição da República Portuguesa. De onde que, revogando-se o acórdão recorrido, deverá ser repristinada a sentença proferida em primeira instância.

Parecer que não suscitou qualquer resposta às partes, que dele foram notificadas.

3.

Sendo o recurso delimitado pelas conclusões da alegação, como decorre do estatuído nos artigos 684º, nº 3 e 690º do Código de Processo Civil, na versão conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto[1], aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, alínea a) e 87º do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro, de sorte que ao tribunal ad quem somente é lícito conhecer das matérias nelas abordadas, salvo as de conhecimento oficioso, constata-se, face às conclusões da alegação apresentada pela recorrente, que as questões que a mesma coloca são as seguintes:

­ O Tribunal da Relação, ao considerar que a contratação da autora foi efectuada para satisfazer necessidades permanentes e duradouras da ré, conheceu de matéria que lhe era vedado alterar e, como assim, incorreu na nulidade consistente em excesso de pronúncia?

A autora agiu de má fé e com manifesto abuso do direito ao não assinar o contrato de trabalho referente a 2008/2009?

Quais as consequências decorrentes da declaração de nulidade do contrato celebrado entre autora e ré e, designadamente, poderá ele converter-se em contrato de trabalho por tempo indeterminado e, por via disso, ser a autora reintegrada no seu posto de trabalho? 

Corridos os «vistos», cumpre decidir.

II. Dos Fundamentos

II.1 -  De facto

A matéria de facto fixada pelas instâncias é a que se passa a transcrever:

«1. No dia 01.10.2002, foi celebrado entre Autora e Ré o acordo escrito junto aos autos a folhas 17 e 18, intitulado «Contrato de trabalho a termo certo», com o seguinte teor: “Contraentes: Primeira: Junta de Freguesia de Várzea da .............., (…) Segunda: AA, (…). Entre ambas as contraentes é estabelecido e mutuamente aceite o presente Contrato de trabalho a termo certo nos termos das cláusulas seguintes: Primeira 1 - A segunda contraente obriga-se a desempenhar, em benefício da primeira contraente, a função de tarefeira. 2 – A função em causa compreende a execução dos serviços inerentes à sua categoria, designadamente auxiliar de cozinha. Segunda O período de trabalho da segunda contraente é de 35 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta e com o seguinte horário de trabalho: início às 10 h e termo às 18 h, com 1 hora de intervalo para almoço. Terceira 1 – O local de trabalho da segunda contraente é no Jardim-de-Infância de ........... 2 – À segunda contraente poderá ser solicitado pela primeira contraente para exercer as suas funções fora do local referido no número anterior, desde que seja designadamente para a frequência de estágios ou de cursos de aperfeiçoamento profissional. Quarta 1 — A remuneração mensal ilíquida da segunda contraente é de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros). 2 – A primeira contraente, em retribuição pelos serviços prestados pela segunda, obriga-se ainda a assegurar-lhe todos os benefícios do regime geral de previdência, segurança social e segurança no trabalho, não havendo lugar a pagamento de subsídio de refeição, de férias e Natal. Quinta Este contrato é válido pelo prazo de 10 meses a contar da data da sua assinatura. Sexta Este contrato é válido pelo prazo estabelecido na cláusula anterior, cessando a partir desse momento. Sétima Na integração das lacunas emergentes do clausulado no presente contrato, aplicar-se-ão as disposições vigentes sobre o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e caducidade do contrato a termo, constante do Dec.-Lei nº64-A/89, de 27 de Fevereiro (…)”.

2. Nos termos do acordo aludido em 1, a Autora obrigou-se, sob a direcção, fiscalização e orientação da Ré, a exercer as funções de auxiliar de cozinha, no Jardim-de-Infância de .........., de acordo com o horário de trabalho de 35 horas semanal, distribuídas de segunda a sexta, com início às 10 h e termo às 18 h, com uma hora de intervalo para almoço, mediante a retribuição mensal ilíquida de € 375,00.

3. Em 15 de Julho de 2003, terminou o ano escolar e o Jardim-de-Infância encerrou.

4. No dia 15.09.2003, foi celebrado entre Autora e Ré o acordo escrito junto aos autos a folhas 19 e 20, intitulado «Contrato de trabalho a termo certo», com o seguinte teor: “Contraentes: Primeira: Junta de Freguesia de Várzea da .........., (…) Segunda: AA, (…). Entre ambas as contraentes é estabelecido e mutuamente aceite o presente Contrato de trabalho a termo certo nos termos das cláusulas seguintes: Primeira 1 – A segunda contraente obriga-se a desempenhar, em benefício da primeira contraente, a função de tarefeira. 2 – A função em causa compreende a execução dos serviços inerentes à sua categoria, designadamente auxiliar de cozinha. Segunda O período de trabalho da segunda contraente é de 35 horas semanais, distribuídas de segunda a sexta e com o seguinte horário de trabalho: início às 10 h e termo às 18 h, com 1 hora de intervalo para o almoço. Terceira 1 – O local de trabalho da segunda contraente é no Jardim-de-Infância de ........ 2 – À segunda contraente poderá ser solicitado pela primeira contraente para exercer as suas funções fora do local referido no número anterior, desde que seja designadamente para a frequência de estágios ou de cursos de aperfeiçoamento profissional. Quarta 1 – A remuneração mensal ilíquida da segunda contraente é de € 375,00 (trezentos e setenta e cinco euros). 2 – A primeira contraente, em retribuição pelos serviços prestados pela segunda, obriga-se ainda a assegurar-lhe todos os benefícios do regime geral de previdência, segurança social e segurança no trabalho, não havendo lugar a pagamento de subsídio de refeição, de férias e Natal. Quinta Este contrato é válido do dia 15.09.2003 a 15.07.2004. Sexta Este contrato é válido pelo prazo estabelecido na cláusula anterior, cessando a partir desse momento. Sétima Na integração das lacunas emergentes do clausulado no presente contrato, aplicar-se-ão as disposições vigentes sobre o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e caducidade do contrato a termo, constante do Dec.-Lei nº64-A/89, de 27 de Fevereiro (…)”.

5. No final do ano lectivo – 15.07.2004 – o Jardim-de-Infância fechou e só reabriu em 15.09.2004.

6. Em 15.09.2004, a Autora continuou a exercer as mesmas funções que até essa data exercia no Jardim-de-Infância, a cumprir o mesmo horário de trabalho e a auferir a mesma retribuição.

7. Em 15.07.2005, o ano escolar terminou e encerrou o Jardim-de-Infância.

8. Em 15.09.2005, a Autora continuou a receber a mesma retribuição de € 375,00, a cumprir o mesmo horário de trabalho e ajudar na cozinha.

9. Em 15.07.2006, terminou o ano escolar.

10. Em 15.07.2007, o Jardim-de-Infância fechou às crianças, deixou de ter actividade de apoio às crianças.

11. Em 15.09.2007, a Autora continuou a cumprir o mesmo horário de trabalho e a auferir a mesma retribuição.

12. A Autora manteve-se no mesmo local de trabalho até 15.07.2008, data em que terminou o ano escolar e encerrou o Jardim-de-Infância.

13. No dia 15.09.2008, a Autora compareceu ao trabalho e exerceu as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças do Jardim-de-Infância e continuou a auferir a retribuição de € 375,00 ilíquida.

14. A Autora recusou-se a assinar um novo contrato escrito para o ano de 2008/2009, no qual constava a data de 15.09.2008, junto aos autos a folhas 21 e 22, intitulado «Contrato de trabalho a termo», contrato esse que tinha o seguinte teor: “Entre a primeira outorgante, Junta de Freguesia de Várzea da .............(…) e de.AA (…), adiante designada como segunda outorgante. É celebrado o presente contrato de trabalho a termo, a tempo parcial, contrato esse que se regerá pelas seguintes cláusulas, acordadas e aceites por ambas as partes e pelo disposto na Lei nº23/2004, de 22 de Junho e no Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº99/2003, de 27 de Agosto: Primeira: A contratação é celebrada para o exercício de funções de tarefeira; Segunda: As funções a desempenhar pela segunda outorgante serão as relacionadas com serviço de refeições nos Jardins-de-Infância e EB1 do 1ºciclo; Segunda: O horário normal de trabalho é de 35 horas semanais, competindo ao representante da primeira outorgante estabelecer o respectivo horário de trabalho; Quarta: A remuneração ilíquida horária da segunda outorgante será de € 2,50, subsídio de férias de valor correspondente aos dias de férias a que tiver direito e subsídio de Natal correspondente a tantos duodécimos quantos os meses de serviço efectuado, conforme o previsto nos artigos 254º e 255º do Código de Trabalho. Quinta: A aquisição do direito a férias rege-se pelo estipulado no artigo 212º da Lei nº99/2003 de 27 de Agosto. Sexta: A contratação visa satisfazer necessidades temporárias dos serviços decorrentes de protocolo com a Câmara Municipal de Marco de Canaveses, nomeadamente para a gestão da componente social dos estabelecimentos do ensino pré-escolar e gestão do funcionamento do serviço de refeições no âmbito do programa de generalização do fornecimento de refeições nas Escolas 1ºCiclo do Ensino Básico. Sétima: O presente contrato tem início a 15 de Setembro de 2008, data a partir da qual o presente contrato produz efeitos, e o final do ano lectivo 2008/2009, estabelecido pelo Ministério da Educação. Oitava: A segunda outorgante desempenhará as funções na área da Freguesia de Várzea da ............... Nona: O presente contrato não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, sendo-lhe aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especificidades constantes da já referida Lei nº23/2004. A cessação do contrato rege-se pelo estipulado no artº384º da Lei nº99/2003, de 27 de Agosto. A despesa resultante do presente contrato tem cabimento orçamental no ano económico em curso da dotação com a seguinte classificação: 010107 (…)”.

15. Em 19.05.2009, a Ré enviou à Autora uma carta, que foi recebida por esta, com o seguinte teor: “ (…) ASSUNTO: Caducidade do contrato de trabalho - Data 19.05.2009: Esta Junta de Freguesia celebrou, a 15 de Setembro de 2008, contrato de trabalho a termo certo com V.Exª., cujo prazo de caducidade ocorrerá a 15 de Julho de 2009. Tendo em vista formalizar a cessação do contrato, vimos, por este meio, comunicar a V.Exª. que não é nossa intenção renovar o contrato de trabalho a termo certo celebrado com V.Exª. em 15 de Setembro de 2008. Mais solicitamos a V.Exª. que agende, em Julho, dia e hora para passar nas instalações da Junta de Freguesia para levantar recibo de vencimento, bem como regularizar quaisquer outros montantes eventualmente em débito (…)”.

16. À data do envio da carta aludida em 15, a Autora auferia uma retribuição mensal de € 450,00.

17. Aquando da comunicação aludida em 15, a Ré fez igual comunicação a todas as outras trabalhadoras que se encontravam ao seu serviço.

18. Com excepção da Autora e de outra colega de trabalho – DD – todas as demais trabalhadoras celebraram, em Setembro de 2009, outro contrato de trabalho, para exercer as mesmas funções.

19. Em Julho de 2009, a Ré pagou à Autora a retribuição referente ao mês de Junho de 2009 no valor de € 450,00, 15 dias de trabalho referente ao mês de Julho no valor de € 225,00 e ainda € 243,75 referente a subsídio de férias e € 243,75 referente a subsídio de Natal.

20. A Autora subscreveu a declaração constante a folhas 56 dos autos, com o seguinte teor: “ AA (…) declara que recebeu da Junta de Freguesia de Várzea da .............., pelos serviços prestados no Jardim-de-Infância de ....., tudo a que tinha direito, remuneração mensal, subsídio de férias, subsídio de Natal e horas que tenha efectuado, referente ao contrato para o ano lectivo 2008/2009, de 15 de Setembro de 2008 a 15 de Julho de 2009, não tendo por isso mais nada a receber, declara, mais ainda, que lhe foi entregue pela Junta de Freguesia, impresso da Segurança Social para declaração de situação de desemprego. Várzea da .............., 15 de Julho de 2009”.

21. Foi entregue pela Ré à Autora a declaração de situação de desemprego constante de folhas 54 a 55 dos autos, da qual consta que o contrato de trabalho cessou em 15.07.2009.

22. Na data referida em 3, a Autora foi para casa.

23. Para além de exercer as funções de auxiliar de cozinha, a Autora, das 15 às 18 horas, ajudava a tomar conta das crianças, no prolongamento do horário escolar.

24. Em 15.07.2004, a Autora foi para casa.

25. A Ré não comunicou por escrito à Autora a vontade de fazer cessar o contrato celebrado em 01.10.2002, aludido em 1.

26. A Ré não comunicou por escrito à Autora a vontade de fazer cessar o contrato celebrado em 15.09.2003, aludido em 4.

27. Em 15.09.2004, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer, no Jardim-de-Infância, as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças, no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior.

28. Na data referida em 7 a Autora ficou em casa.

29. Em 15.09.2005, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer, no Jardim-de-Infância, as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças, no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior.

30. Em 15.07.2006, o Jardim-de-Infância ficou encerrado, sem receber crianças, e a Autora foi para casa.

31. Em 15.09.2006, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer no Jardim-de-Infância as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças, no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior, com a mesma retribuição e o mesmo horário de trabalho.

32. Na data referida em 1, a Autora foi para casa.

33. Em 15.09.2007, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer no Jardim-de-Infância as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças, no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior.

34. Na data referida em 12, a Autora foi para casa.

35. Em 15.09.2008, com a abertura do ano escolar, a Autora passou a exercer, no Jardim-de-Infância, as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças, no prolongamento do horário escolar que tinha exercido no ano escolar anterior.

36. Em Outubro de 2008, foi realizada uma reunião entre a Junta de Freguesia aqui Ré e as trabalhadoras do Jardim-de-Infância, tendo o Presidente da Junta proposto às trabalhadoras que assinassem um novo contrato de trabalho, mais precisamente o contrato aludido em 14.

37. A partir de 15.07.2004, a Autora não assinou qualquer outro contrato.

38. Para o ano escolar de 2009/2010 e para exercer, no Jardim-de-Infância, as funções de auxiliar de cozinha e apoio às crianças no prolongamento do horário escolar, a Ré contratou duas trabalhadoras –BB e CC – que trabalham a tempo parcial, uma da parte da manhã e a outra da parte da tarde.

39. A Câmara Municipal de Marco de Canaveses incentivou a existência e o funcionamento de jardins-de-infância nas freguesias do concelho, tendo pedido a colaboração das Juntas de Freguesia do concelho e dos pais das crianças que contribuem, mensalmente, com certa quantia.

40. A Câmara Municipal concedia a cada Junta de Freguesia, inclusive à Ré, um certo subsídio, sendo que competia à Ré a gestão do jardim-de-infância, pagando ao pessoal auxiliar e os gastos da cantina que o serve, o que fazia com verbas disponibilizadas pela Câmara e pelos pais.

41. A Ré teve que organizar, em cada jardim-de-infância existente na Freguesia de Várzea .............., a respectiva cozinha e refeitório, contratando o respectivo pessoal.

42. Os jardins-de-infância, geridos pelas Juntas de Freguesia do concelho de Marco de Canaveses, funcionam, desde 15 de Setembro a 15 de Julho seguinte, laborando apenas 10 meses por ano, incluindo já as férias escolares.

43. Para tanto, a Câmara Municipal celebra, no início do ano escolar, um protocolo com a Ré, onde são definidos os direitos e deveres da Câmara Municipal e Junta de Freguesia.

44. Cada protocolo vigora pelo período coincidente com o ano lectivo e sujeito a renovação expressa ou tácita.

45. A Autora sempre teve conhecimento da existência de um protocolo celebrado entre a Ré e a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e de que a sua actividade era anual, correspondendo o seu trabalho ao início e fim do ano escolar.

46. A Autora, pelo menos até Outubro de 2008, sempre aceitou que a cada ano correspondia um acordo de trabalho autónomo e distinto.

47. A Autora foi contratada pela Ré dentro do condicionalismo referido em 39 a 46, tal como as demais trabalhadoras da cozinha e do refeitório (pessoal auxiliar).

48. A Ré, no âmbito do protocolo celebrado anualmente com a Câmara Municipal ou renovado anualmente, celebrava um acordo de trabalho, por igual período, para cada ano lectivo e para cada trabalhador do Jardim-de-Infância.

49. A partir de 15.07.2006, a Ré passou a emitir a respectiva declaração para o Fundo de Desemprego para que a Autora beneficiasse do subsídio de desemprego.

50. A Autora beneficiou do respectivo subsídio de desemprego no ano de 2006, no ano de 2007, no ano de 2008 e no ano de 2009, sendo que: no ano de 2006, beneficiou de tal subsídio 30 dias em Agosto e 15 dias em Setembro; no ano de 2007, beneficiou de tal subsídio 15 dias em Julho, 30 dias em Agosto e 15 em Setembro; no ano de 2008,beneficiou de tal subsídio 13 dias em Julho, 30 dias em Agosto e 15 dias em Setembro; no ano de 2009 beneficiou de tal subsídio a partir de 16 de Julho.

51. A Ré, no início de cada um dos anos lectivos que decorreram entre 2002/2003 a 2008/2009, admitiu a Autora ao serviço, com base no protocolo que aquela celebrava e se renovava anualmente, sendo os acordos de trabalho coincidentes com o ano lectivo e terminando cada um com o fim do ano lectivo, em 15 de Julho.

52. A Ré não assumiu para com a Autora o compromisso de a contratar para cada um dos anos seguintes.

53. Pelo menos até Outubro de 2008, a Autora concordou com o sistema e prática aludidos em 46, 48, 49 e 51.

54. As trabalhadoras BB e CC, a que se alude em 38, trabalham apenas 3 horas por dia, cada uma.

55. Não existe na Ré qualquer quadro para o pessoal auxiliar».

II.2    De Direito

2.1 – Da nulidade do acórdão recorrido:

A.

Como antes assinalado, refere a impetrante que o Tribunal da Relação do Porto incorreu na nulidade da sentença prevista na alínea d) do número 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, na versão conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, aplicável aos acórdãos da Relação por força do disposto no número 1 do artigo 716º daquele diploma legal (regime jurídico próprio, atenta a data da propositura da acção e a entrada em vigor do mesmo diploma), ao considerar que a contratação da autora foi efectuada para satisfazer necessidades permanentes e duradouras da ré.

E isto na medida em que conheceu de matéria que não podia alterar.

Vejamos se assim acontece. Antes, porém, cabe apreciar se a recorrente deu cumprimento ao formalismo exigível para o efeito.

B.

Resulta do disposto no artigo 77º, nº 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de Novembro ([2]), versão aqui aplicável, que «A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso» (nº1) e que « A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso,  mas o juiz, pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso» (nº3).

Esta atribuição de competência ao juiz do processo, justificada por razões de celeridade e economia processual, prende-se ainda com a situação mencionada no número 2 do mesmo artigo 77º, reportada à circunstância de a sentença não admitir recurso ou quando dela não se pretenda recorrer.

Daí que, desde há muito, se tenha sedimentado, na Secção Social deste Supremo Tribunal,  o entendimento de que a remissão feita no citado artigo 716º, nº 1 do Código de Processo Civil para o disposto nos artigos 666º a 670º do mesmo diploma abrange, tratando-se de processo laboral, o regime estatuído no artigo 77º, número 1 do Código de Processo do Trabalho, o que tem como consequência que a arguição de nulidades do acórdão da Relação deve ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso, sob pena de não ser atendível e, por via disto, não haver lugar ao seu conhecimento.

Ora, do requerimento de interposição do recurso apresentado pelo recorrente, em 18.10.2012, e junto a fls. 447 e seguintes dos autos, resulta que, dirigindo-o aos
«Venerandos Juízes Desembargadores», nele declara a ré que vem interpor recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, do acórdão da Relação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com o efeito legalmente previsto, nos termos dos artigos 79º a 81º do Código de Processo do Trabalho e 721º e seguintes do Código de Processo Civil.

A seguir, a recorrente anuncia que o presente recurso envolverá a apreciação da legalidade sobre contratos a prazo, sua renovação e a interpretação da Directiva Comunitária transposta para o ordenamento jurídico português pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, tudo isto sem prejuízo de arguição da nulidade do acórdão na parte em que, considerando que as funções da recorrente se destinavam a satisfazer necessidades permanentes e duradouras da ré, extravasa o âmbito da apelação.

E, depois de consignar as normas jurídicas alegadamente violadas no acórdão sob impugnação, requer a recorrente ao Exmo. Juiz Desembargador Relator a admissão do recurso, para o que apresenta, desde logo, alegações.

Na imediata sequência deste requerimento, a recorrente, dirigindo-se aos Juízes Conselheiros, aborda as questões que anunciou pretender ver apreciadas por este Supremo Tribunal, sendo que à reportada nulidade do acórdão reservou o ponto XIX (o último) das suas alegações e a conclusão 17ª.

Em face do acabado de referir, considera-se que, no essencial, a ré deu cumprimento ao estatuído no aludido artigo 77º do Código de Processo do Trabalho.

E isto na medida em que, embora com sobriedade, não só anunciou como caracterizou minimamente a nulidade que, de modo expresso, arguiu no requerimento de interposição de recurso, a sede própria para o efeito.

Posto isto …

C.

 De harmonia com o estatuído na alínea d) do número 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, é nula a sentença «quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento», ocorrendo, nesta conformidade, excesso de pronúncia ou pronúncia indevida quando, não estando em causa questão que deva conhecer oficiosamente, o juiz conhece de questão que nenhuma das partes sujeitou à sua apreciação.

E, como já visto, esta norma do artigo 668º, número 1, alínea d) do Código de Processo Civil aplica-se aos acórdãos proferidos pela Relação, por força do disposto no artigo 716º do mesmo diploma, sendo que os mencionados normativos projectam-se, subsidiariamente, nos processos laborais, de acordo com o disposto no artigo 1º, número 2 do Código de Processo do Trabalho.

Conforme também já se constatou, a recorrente assaca o mencionado vício ao acórdão sob impugnação na exacta medida em que o mesmo, além de contrariar matéria assente e a denúncia do protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a ré, conheceu de matéria que lhe estava vedado alterar, quando considerou que a autora fora contratada para satisfazer necessidades permanentes e duradouras da ré.

Mas terá a Relação incorrido em tal falta? É o que se verá a seguir!

 E, fazendo-o, cumpre começar por anotar que, ao tecer tal consideração   refira-se, desde já, fruto da apreciação que lhe mereceu, justamente, o manancial fáctico considerado provado  , a Relação não apenas não contrariou como não alterou aquela materialidade ou o dito protocolo celebrado entre a Câmara Municipal de Marco de Canaveses e a Junta de Freguesia de Várzea ...............

É que, passando em revista a facticidade que as instâncias consideraram assente, sobressai, de imediato, que do seu elenco não consta, para além do mais, uma qualquer menção ao carácter temporário ou não das necessidades da ré e para cuja satisfação a mesma teria contratado a autora, o que bem se compreende, atento que, a suceder o inverso, tratar-se-iam de simples conclusões, meros juízos de valor que, como tal, deveriam ser expurgados do acervo factual ou, quando assim não acontecesse, ter-se por não escritos, como prescreve o artigo 646º, nº 4 do Código de Processo Civil.

E não se pretenda convencer do contrário apelando, por exemplo, para o facto dado como provado no ponto 14, posto que aí se consigna apenas o conteúdo do contrato de trabalho escrito, para o ano de 2008/2009, que a ré pretendia celebrar com a autora mas que esta não assinou!

Efectivamente, da circunstância da ré afirmar, nesse contrato, que o mesmo se destinava a satisfazer necessidades temporárias dos serviços, não decorre que assim tivesse acontecido, como também tal não decorre dos termos do referenciado protocolo.

E, por maioria de razão, o mesmo sucede quanto à invocada alteração operada pela Relação e relativa ao considerado assente a respeito, pois, como resulta por demais evidente, modificação alguma foi introduzida pelo tribunal recorrido à matéria de facto dada como provada pelo tribunal de primeira instância.

Por outro lado, importa ainda ponderar que, tendo a questão em causa sido colocada pela autora no recurso que interpôs para a Relação (cfr. conclusão 46ª), sob pena de incorrer, exactamente, na nulidade a que alude a alínea d) do número 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil    ora, por omissão de pronúncia   tinha a Relação de apreciá-la e decidi-la … o que fez!

Disto deflui então que, não existindo qualquer razão para a recorrente imputar ao aresto sob impugnação o vício de nulidade por excesso de pronúncia, o mais a que poderia propor-se convencer era que, ao considerar do mencionado jeito, o tribunal recorrido incorrera em erro de julgamento.

Porém, tal pretensão só lograria encontrar o expectável acolhimento se essa apreciação da Relação estivesse absolutamente desfasada da materialidade fáctica considerada assente ou, melhor dizendo, se nela não pudesse de todo respaldar-se, o que não sucede, como bem decorre do que consta de fls. 17 e 18 do acórdão recorrido.

Efectivamente, começando por referir-se que, após ter celebrado com a autora, em 2002 e 2003, dois contratos a termo [cada um deles com a duração de 10 meses, mediando entre ambos um intervalo de 1 mês e meio] para o exercício das mesmas funções, no mesmo local de trabalho, sem justificar o motivo da celebração, a ré manteve a trabalhadora, a partir de 15.07.2004 e até 15.07.2009, a exercer as mesmas funções, só que desta vez sem qualquer vínculo laboral escrito, conclui-se, no aresto sob impugnação, que, de acordo com as regras da experiência comum, tal comportamento da ré apenas pode significar que ela usou a contratação a termo certo para suprir necessidades não transitórias dos serviços… naturalmente, com o sentido de as referidas necessidades não se identificarem com as que, previstas na lei, justificam a celebração de contrato a termo (certo ou incerto).

Face ao exposto, improcede a questão suscitada na conclusão 17ª da alegação de recurso.

2.2 - Da má-fé e abuso do direito

Sustenta, como se viu, a recorrente que a autora, ao não assinar o contrato de trabalho referente ao ano de 2008/2009, agiu de má fé e com manifesto abuso do direito porquanto já então se propunha ser sua trabalhadora permanente.

Relativamente ao invocado abuso do direito, cabe observar que, tendo a dita questão já sido suscitada pela ré em sede de contestação (confira-se artigo 50º da referida peça processual), o Tribunal do Trabalho de Penafiel apreciou-a e decidiu-a no sentido de que não resultou provada qualquer matéria fáctica que permita concluir pela procedência de tal excepção peremptória (veja-se quinto parágrafo de fls. 355).

Ora, quanto ao assim decidido pelo tribunal de primeira instância, a ré conformou-se, quando é certo que podia tê-lo impugnado, interpondo recurso subordinado ou, enquanto recorrida, nas suas contra-alegações podia ter lançado mão da faculdade consentida pelo número 1 do artigo 684º - A do Código de Processo Civil, o que vale por dizer: prevenindo a necessidade da sua (re)apreciação, podia (o que não fez) ter requerido, de modo expresso, que o Tribunal da Relação conhecesse da questão.

E, porque assim não aconteceu, nessa parte formou-se caso julgado sobre o que o tribunal de primeira instância sentenciou, com total acerto. Daí que não possa o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de tal questão.

Nesta conformidade, não se conhece da questão suscitada na conclusão 15.ª da alegação de recurso.

2.3 – Da nulidade dos contratos de trabalho a termo, celebrados entre autora e ré

A.

A.1 –

Em consonância com o decidido na sentença prolatada no tribunal de primeira instância, considerou-se no acórdão recorrido que, aquando da celebração dos contratos de trabalho (escritos) de 1 de Outubro de 2002 e 15 de Setembro de 2003, encontravam-se em vigor o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de Julho    que definiu o regime de constituição, modificação e extinção da relação jurídica de emprego na Administração Pública , o Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho   que, tal como o primeiro dos diplomas, proibia o estabelecimento de relações laborais entre o Estado e o trabalhador, mediante a celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado  e bem assim o Decreto-Lei nº 409/91, de 17 de Outubro   que tornou extensivo à Administração Local o regime jurídico instituído pelo Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro   .

Ainda em conformidade com o resolvido pelo tribunal de primeira instância, considerou a Relação do Porto que o contrato de trabalho de 1 de Outubro de 2002, celebrado entre a autora e a ré, estava ferido de nulidade, face ao disposto no artigo 294º do Código Civil.

Em síntese, entenderam as instâncias deste jeito por as cláusulas, que estipulam o respectivo termo, não se encontrarem justificadas nos moldes legalmente exigidos, designadamente de acordo com o disposto no artigo 42º, número 1, alínea e) do Decreto-Lei nº 64-A/89 de 27 de Fevereiro (LCCT)   que aprovou o regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato a termo   , aplicável no caso em apreciação atenta a data  da celebração de um e outro dos contratos.

A.2 –

Porém, ao invés do tribunal de primeira instância, que entendeu que os ditos contratos nunca poderiam converter-se em contratos de trabalho por tempo indeterminado (à luz quer da referida legislação quer da Lei nº 23/2004, de 22.06    que, tendo aprovado o regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, entrou em vigor no entretanto, mais exactamente em 22 de Julho de 2004   ), considerou o Tribunal da Relação que havia lugar à sua conversão em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos reportados a 1 de Outubro de 2002.

E isto porque, em suma, não consagrando o Decreto-Lei nº 218/98, de 17.07 (que, como visto, alterou, o Decreto-Lei nº 427/89 de 07.12) medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos a termo e, como assim, não cumprindo os objectivos impostos pela Directiva 1999/70/CE, do Conselho, de 28.07, relativa aos contratos de trabalho a termo e transposta para o ordenamento jurídico português, nos termos do constante do artigo 2º, alínea h) da Lei Preambular do Código de Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27.08, por abusivo há-de ter-se o recurso que se faça ao disposto no artigo 18º, nº 4 do Decreto-Lei nº 427/89, de 07.12 (que estatui que o contrato de trabalho a termo certo não se converte, em caso algum, em contrato sem termo) quando, como no caso vertente, a ré celebrou com a autora dois contratos a termo certo [cada um deles com a duração de 10 meses, mediando entre ambos um intervalo de um mês e meio] para o exercício das mesmas funções, no mesmo local de trabalho e com o mesmo horário de trabalho, sem tão pouco justificar    como determinam os artigos 18º, nº 2, alíneas a), b), c), d), e) do Decreto-Lei nº 427/89, de 07.12 e 42º, nº 1, alínea e) do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27.02   o motivo da sua celebração, a que acresce o facto de a ré ter mantido a autora, a partir de 15.07.2004 e até 15.07.2009, a exercer as mesmas funções, mas desta feita sem qualquer vinculo laboral escrito (cfr. fls. 14 a 18 do aresto sob impugnação).

Que dizer do assim considerado pela Relação que, em consequência disso, condenou, entre o mais, a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho e a pagar-lhe as remunerações devidas desde 28 de Setembro de 2009 até ao trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do disposto no artigo 390º, nº 2 alínea c) do Código do Trabalho de 2009?

É o que, de imediato, se passará a ver…

B.

B.1 −

Como antes anotado, as instâncias não dissentiram quanto à nulidade do contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré.

E, na linha do que tem vindo a ser unanimemente sustentado pela Secção Social deste Supremo Tribunal ([3]), também não encontramos motivo para discordar desse entendimento, bem pelo contrário.

Efectivamente, ponderando o lapso de tempo em que vigorou a relação laboral estabelecida entre autora e ré (desde 1 de Outubro de 2002 até 15 de Julho de 2009, data em que a empregadora teve a iniciativa de fazer cessar o vínculo em causa, mediante missiva que dirigiu à trabalhadora) e não perdendo de vista que, se nesse lapso de tempo, foram, por escrito, celebrados entre as partes, em 1 de Outubro de 2002 e 15 de Setembro de 2003, dois contratos denominados de «contrato de trabalho a termo certo», no período entre 15 de Julho de 2004 e 15 de Julho de 2009 não vigorou qualquer contrato escrito de trabalho (uma vez que, com respeito ao contrato, datado de 15.09.2008 e com termo aprazado para 15 de Julho de 2009, a autora escusou-se a assiná-lo), constata-se, no que releva para o caso em apreciação, que a matéria atinente à constituição, modificação e extinção da relação laboral na Administração Pública foi regulada pelos já citados: i) Decreto-Lei nº 427/89, de 07.12, alterado pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17.07 (posteriormente revogado pela Lei nº 12-A/2008, de 27.02) e Decreto-Lei nº 409/91, de 17.10; ii) Decretos-Leis nºs 64-A/89, de 27.02 e 184/89, de 02.06; iii) Lei nº 23/2004, de 22.06.

B.2  

Posto isto, tem-se então que, de acordo com o estatuído no artigo 9º do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho (que aprovou os princípios gerais sobre salários e gestão de pessoal na função pública) e com o disposto nos artigos 14º e 43º, número 1 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro (que veio desenvolver e regulamentar os princípios a que obedece a relação jurídica de emprego na Administração Pública), não era admissível, à data em que foram celebrados, entre autora e ré, os aludidos contratos (Outubro de 2002 e Setembro de 2003), a contratação por tempo indeterminado (fosse inicial, fosse por conversão) pela Administração Pública [posto que, conforme prescreve o referenciado artigo 14º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, no âmbito desta, a relação jurídica de emprego apenas pode revestir as formas de contrato administrativo de provimento e de contrato a termo certo   alíneas a) e b) do número 1 do mesmo preceito   , sendo que este tipo de contrato, que não confere ao trabalhador a qualidade de agente administrativo, rege-se pela lei geral sobre contratos de trabalho a termo certo, embora com as especialidades constantes do referido diploma número 3 do preceito em questão   ].

E, de harmonia com o estatuído no artigo 42º do Decreto-Lei nº 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT), o contrato de trabalho a termo, certo ou incerto, está sujeito à forma escrita, devendo ser assinado por ambas as partes e conter, para além de outras indicações [elencadas nas alíneas a) a d) e f) do número 1 do mesmo normativo], o prazo estipulado, com menção do motivo justificativo da sua celebração ou, tratando-se de contrato a termo incerto, a menção da actividade, tarefa ou obra cuja execução justifica a respectiva celebração ou o nome do trabalhador substituído.

Por outro lado, importa ainda ter presente que, no âmbito da mesma legislação, a contratação a termo obedece (como se extrai do estatuído no artigo 9º, nº 3 do Decreto-Lei nº 184/89, de 2 de Junho e do artigo 19º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 218/89, de 17 de Julho) a um processo prévio de selecção de candidatos, publicitada por meio adequado, incluindo, obrigatoriamente, e para além de outros aspectos considerados relevantes, a referência ao tipo de contrato a celebrar, ao serviço a que se destina, a função a desempenhar e o prazo de duração e ainda a proposta de remuneração a atribuir.

E, em consonância com o prescrito no artigo 18º do aludido Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, o contrato de trabalho a termo    destinado a satisfazer necessidades transitórias dos serviços de duração determinada (nº 1), pode, conforme o disposto no nº 2 do mesmo dispositivo, ser celebrado para substituição de um funcionário ou agente [alínea a)], para actividades sazonais [alínea b)], para desenvolvimento de projectos não inseridos nas actividades normais dos serviços [alínea c)], por aumento excepcional e temporário da actividade do serviço [alínea d)]    jamais pode vir a converter-se em contrato sem termo (nº 4), sendo que a sua celebração, em violação do disposto no mesmo diploma, implica a nulidade do contrato e constitui os dirigentes em responsabilidade civil, disciplinar e financeira pela prática de actos ilícitos, constituindo ainda fundamento para a cessação da comissão de serviço, nos termos Lei (nº 5).

Em face do acabado de referir, impõe-se então concluir que, como considerado pelas instâncias, os contratos (escritos) de trabalho a termo, celebrados entre autora e ré em 1 de Outubro de 2002 e 15 de Setembro de 2003, com violação do estatuído nos citados artigos 14º, número 1 e 43º, número 1 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro encontram-se feridos de nulidade, por via do disposto no artigo 294º do Código Civil, que prescreve que «Os negócios celebrados contra disposição legal de carácter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei», o que não sucede no caso vertente, uma vez que, como se observou, resulta igualmente inviável a conversão dos ditos contratos a termo em contratos por tempo indeterminado, à luz da mencionada legislação.

É que, como bem flui do teor ([4]) de um e outro dos ditos contratos, as cláusulas que estipulam o respectivo termo (formalidade ad substantiam que, enquanto tal, tendo de integrar  o texto vinculístico, foi preterida) não se encontram justificadas, para além de que a contratação em causa também não foi precedida do exigível processo de selecção de candidatos e publicidade, condicionalismo que não foi ultrapassado com a entrada em vigor, no entretanto verificada (em 22.07.2004), da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, pese embora as significativas alterações que introduziu  à contratação individual de trabalho pela Administração Pública, maxime  ao nível da contratação sem termo, que passou a ser possível, desde que preenchidos os requisitos exigidos para o efeito.

E sucede assim porquanto, estabelecendo o artigo 2º da citada Lei nº 23/2004, de 22 de Junho que «Aos contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas é aplicável o regime do Código do Trabalho e respectiva legislação especial, com as especialidades constantes da presente lei» (nº 1) e que «O contrato de trabalho com pessoas colectivas públicas não confere a qualidade de funcionário público ou agente administrativo, ainda que estas tenham um quadro de pessoal em regime de direito público» (nº 2), de harmonia com o disposto no artigo 5º «A celebração de contrato de trabalho por tempo indeterminado no âmbito da presente lei deve ser precedida de um processo de selecção que obedece aos seguintes princípios: a) Publicitação da oferta de trabalho; b) Garantia de igualdade de condições e oportunidades; c) Decisão de contratação fundamentada em critérios objectivos de selecção» (nº 1) e sendo que, de acordo com o artigo 8º, «Os contratos de trabalho celebrados por pessoas colectivas públicas estão sujeitos à forma escrita» (nº 1), deles devendo constar, entre outras indicações, o processo de selecção adoptado [nº 2, alínea f)], por via do disposto no número 3 do mesmo preceito, a não redução a escrito do contrato de trabalho (ou a falta das indicações constantes das alíneas a), b) e c) do número anterior) determina a sua nulidade.

Por seu turno, especificando-se no artigo 9º as situações em que poderão ser celebrados pelas pessoas colectivas públicas contratos a termo resolutivo e as condições a que deverá sujeitar-se o processo de selecção a que alude o referenciado artigo 5º, prescreve-se no artigo 10º que «O contrato de trabalho a termo resolutivo certo celebrado por pessoas colectivas públicas não está sujeito a renovação automática» (nº 1), «… não se converte, em caso algum, em contrato por tempo indeterminado, caducando no termo do prazo máximo de duração previsto no Código do Trabalho» (nº 2) e «A celebração dos contratos de trabalho a termo resolutivo com violação do disposto na presente Lei implica a sua nulidade e gera responsabilidade civil, disciplinar e financeira dos titulares dos órgãos que celebraram os contratos de trabalho» (nº 3).

Ora, retendo o acabado de mencionar e voltando a nossa atenção para o caso que nos ocupa, conclusão inevitável a extrair será a de que a contratação da autora também não se afeiçoa de todo em todo aos cânones previstos na Lei nº 23/2004, de 22 de Junho para a contratação quer por tempo indeterminado quer a termo.

É que, como se repara na sentença proferida em primeira instância, enquanto contratação por tempo indeterminado não foi, como tal, reduzida a escrito, para além de que, tanto quanto decorre dos autos (e era, de facto, à autora que incumbia o ónus de alegação, nos termos do número 1 do artigo 342º do Código Civil), não se mostra cumprido o processo de concurso, selecção e a existência de um quadro de pessoal para o efeito em vista e bem assim a observância da limitação desse mesmo quadro de pessoal, impostos pelos artigos 5º e 7º da mencionada Lei nº 23/2004, de 22 de Junho.

Exigência legal com que se visa (no dizer, entre outros, do acórdão de 26 de Novembro de 2008, prolatado no processo nº 1982/08,da 4ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça) «…salvaguardar…o princípio da igualdade de oportunidades no acesso ao emprego, através da publicitação da oferta de emprego e da garantia de imparcialidade na apreciação dos candidatos».

Por outra via, para efeitos da contratação a termo da autora, os vícios que antes a inquinavam, e a que atrás se fez menção, não deixaram de manter-se, havendo ainda a acrescer a tudo isto as circunstâncias não menos relevantes de, entre 15 de Julho de 2004 e 15 de Julho de 2009, não ter existido qualquer documento que formalizasse a relação contratual em causa e de o contrato escrito para o ano de 2008/2009 não ter sido assinado pela autora, a quem, como bem flui da matéria de facto provada (cfr. ponto 15), a ré enviou, em 19 de Maio de 2009, uma carta a comunicar que, ocorrendo em 15 de Julho de 2009 o prazo de caducidade do contrato ajustado em 15 de Setembro de 2008, não tencionava renová-lo.

E, sendo assim, impõe-se então rematar que, persistindo a nulidade dos ditos contratos de trabalho, celebrados e mantidos ao longo de anos, com patente violação de normas de carácter imperativo, não há viabilidade da sua convalidação, ao abrigo do disposto no artigo 125º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro (legislação em vigor à data em que cessou de facto a relação laboral entre autora e ré) e que, no número 1, prevê a possibilidade de convalidação do contrato inválido quando, durante a sua execução, cesse a causa de invalidade.

Assente que fica este aspecto, importa ora ter presente que, sendo a nulidade do negócio jurídico susceptível  de ser invocada, a todo o tempo, por qualquer interessado e podendo ser oficiosamente declarada pelo tribunal (artigo 286º do Código Civil) e possuindo, em termos gerais, efeito retroactivo [de sorte que, por via dela, há lugar à restituição de tudo quanto tiver sido prestado ou, quando tal não resultar possível, do valor correspondente (artigo 289º, número 1 do Código Civil )], estabeleceu-se, no artigo 122º, nº 1 do Código do Trabalho de 2009([5])    que prescreve que «O contrato de trabalho declarado nulo ou anulado produz efeitos como válido em relação ao tempo em que seja executado»    , um regime especial em termos de consequências decorrentes da nulidade ou invalidade do contrato de trabalho que tenha sido efectivamente executado entre as partes.

Regime especial que, por efeito de uma ficção legal de plena validade do contrato de trabalho efectivamente celebrado enquanto ele esteve em execução, tem como resultado que, ficcionando-se tal validade, a licitude da respectiva cessação só poderá ocorrer quando for possível concluir que ela verificou-se com observância das normas legais que a prevêem ([6]).

Assim, de harmonia com o estatuído no artigo 123º, número 1 do Código do Trabalho, «Ao facto extintivo ocorrido antes da declaração de nulidade ou anulação de contrato de trabalho aplicam-se as normas sobre cessação do contrato», o que significa que «… a regra de que o contrato trabalho inválido produz efeitos como se fosse válido, enquanto se encontra em execução, abrange os próprios actos extintivos até que a nulidade seja declarada e o contrato anulado» ([7]).

Sendo que, de acordo com o preceituado no artigo 340º do Código do Trabalho de 2009 ([8]), para além de outras, constituem modalidades de cessação do contrato de trabalho a caducidade, a revogação, a resolução, a denúncia.

Ora, neste conspecto (recuperando que a ré, por carta dirigida à autora em 19 de Maio de 2009, comunicou-lhe a sua intenção de fazer cessar o contrato de trabalho, que com ela mantinha, com efeitos a partir de 15 de Julho de 2009, logo por decisão que unilateralmente assumiu), importa ter presente, quanto à nulidade da referida contratação, que a ré suscitou-a  apenas em sede de contestação, mais precisamente no artigo 46º daquela peça processual ([9]), apresentada em juízo em 30.11.2009, notificada à parte contrária em 14.12.2009 e que o tribunal de primeira instância, nos termos do artigo 286º do Código Civil, declarou, na sentença que proferiu em 10 de Janeiro de 2012.

2.4 - Das consequências jurídicas decorrentes da contratação em causa

A.

A1. 

Do que para atrás se aduziu, decorre então que a contratação da autora foi ajustada e manteve-se à margem da disciplina que, então vigente, obstava, de forma imperativa, à celebração de contrato individual a termo nos moldes em que o mesmo foi gizado (designadamente sem justificação, nos moldes exigidos por lei, das cláusulas que estipulavam o termo), de onde a nulidade que inquinou a mesma contratação (artigo 294º do Código Civil), a que a ré, por sua iniciativa e por motivo diverso da sua invalidade, pôs termo, com efeitos a partir de 15 de Julho de 2009.

Porém, tal forma de cessação do contrato de trabalho, assumida unilateralmente pela empregadora, apenas teria fundamento se ela se tivesse verificado no âmbito de um contrato de trabalho a termo certo (ainda que ficcionado), celebrado em conformidade com os ditames legais de carácter imperativo que presidiam a tal espécie de contrato individual de trabalho, o que no caso não aconteceu na medida em que a contratação da autora   que, embora nula, existiu e esteve, durante anos, efectivamente em execução  ocorreu sem justificação das cláusulas que estipulam o respectivo termo, para além de que, entre 15 de Julho de 2004 e 15 de Julho de 2009, tão pouco houve qualquer contrato escrito a titular a referida relação laboral.

Ora, assim sucedendo, tem-se então que, no âmbito da mencionada ficção legal de validade da contratação em causa, a forma adequada e lícita para a ré empregadora fazê-la cessar seria através de resolução, mediante despedimento por facto imputável à autora trabalhadora, a apurar em sede de processo disciplinar.

Porém, como já se reparou, tal não aconteceu e, como assim, a “denúncia” unilateralmente assumida pela ré empregadora configura a forma de despedimento ilícito, nos termos do disposto no artigo 381º do Código do Trabalho ([10]), como  bem entenderam as instâncias.

A2. -

Chegados a este ponto, importa agora apurarmos as consequências decorrentes do afirmado despedimento ilícito.

E, no que tange a este aspecto, antes de mais cabe recordar que, enquanto a Relação do Porto declarou a conversão do contrato de trabalho celebrado, em 1 de Outubro de 2002, entre autora e ré em contrato por tempo indeterminado e condenou a ré a reintegrar a autora no seu posto de trabalho e bem assim a pagar-lhe as remunerações devidas desde 28 de Setembro de 2009 até ao trânsito em julgado da decisão, o tribunal de primeira instância entendeu condenar a ré a pagar à autora a compensação correspondente ao valor das retribuições que esta deixou de auferir entre 28 de Setembro e 14 de Dezembro de 2009, absolvendo-a do demais peticionando.

Disto resulta que, relativamente aos efeitos decorrentes da ilicitude de despedimento, previstos nos artigos 389º a 391º do Código do Trabalho   não tendo, na verdade, a autora formulado o pedido de ressarcimento indemnizatório por antiguidade (artigo 391º do Código do Trabalho) a que, por princípio, teria direito se por ele tivesse optado, nem tendo impugnado a decisão no segmento em que julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais que havia deduzido, e com respeito ao qual, se formou caso julgado (artigo 684º, número 4 do Código de Processo Civil)   ,  as questões que,  aqui e agora, cumpre apreciar e resolver restringem-se à determinada reintegração da autora e às remunerações intercalares que, no acórdão recorrido, se lhe atribuíram e contra as quais se insurge a ré, que pretende ver reposta a decisão proferida pelo Tribunal do Trabalho de Penafiel.

C.

C.1  

Começando, por razões meramente lógicas, pela questão atinente à conversão do contrato de trabalho a termo (como visto, declarado nulo) em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com a reintegração da autora no posto de trabalho que ocupava, importa ter presente que, no entendimento sufragado no acórdão recorrido, considerou-se, em síntese, que: i) não consagrando o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro medidas efectivas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo e, como tal, não cumprindo os objectivos impostos pela Directiva Comunitária nº 1999/70/CE, do Conselho de 28.07, transposta para a ordem jurídica portuguesa nos termos do artigo 2º da Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto que aprovou o Código do Trabalho, resulta abusivo o recurso ao disposto no artigo 18º, número 4 do mesmo Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de Julho (que, como já referido, estabelece que «O contrato de trabalho a termo certo a que se refere o presente diploma não se converte, em caso algum, em contrato sem termo»); ii) a prevalência da mencionada Directiva Comunitária sobre o disposto no citado artigo 18º, nº 4 do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro decorrente do facto do Estado Português, no âmbito do regime jurídico do contrato de trabalho na Administração Pública, não ter consagrado medidas adequadas a combater o uso e abuso da celebração de contratos de trabalho a termo  não ofende os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático (artigo 8º, número 4 da Constituição da República Portuguesa), como não atenta contra o acórdão do Tribunal Constitucional nº 368/00, de 11 de Julho de 2000 e sua força obrigatória geral, uma vez que nele não foi tratada a questão nos termos abordados no presente recurso, para além de que à data da sua prolação ainda não fora introduzida a alteração ao artigo 8º da Constituição da República Portuguesa, o que sucedeu na Lei Constitucional nº 1/2004, que aditou o nº 4; iii) impõe-se, por via disto, converter em contrato por tempo indeterminado o contrato a termo certo celebrado entre autora e ré que, ao contratar aquela, agiu como uma qualquer entidade empregadora privada, a significar que a não justificação do termo aposto nos dois contratos conduziria, necessariamente, à sua nulidade e à sua conversão em contrato de trabalho sem termo.

C.2  

Entendemos, porém, não ser de sufragar este argumentário que, como se afirma na decisão proferida pelo tribunal de primeira instância e bem assim alega a recorrente, contraria, para além do mais, frontalmente o que tem constituído o sentido da jurisprudência do Tribunal Constitucional e da Secção Social deste Supremo Tribunal, no que se refere à possibilidade de conversão do contrato de trabalho a termo, celebrado com uma pessoa colectiva de direito público, em contrato de trabalho por tempo indeterminado, com a consequente reintegração do trabalhador.

E considera-se não ser de acolher o entendimento sustentado no acórdão recorrido, não tanto ou não tão só por a isso se opor o estatuído nos diplomas legislativos para aqui convocados, [maxime o Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 218/98, de 17 de Julho (artigos 14º, número 3 e 18º, números 4 e 5) e a Lei nº 23/2004, de 22 de Junho (artigos 8º, número 3, 9º, número 4º e 10º números 2 e 3)] enquanto fulminam de nulidade os contratos de trabalho a termo celebrados em moldes contrários ao neles determinado e vedam em absoluto a possibilidade da sua conversão em contratos por tempo indeterminado, mas sobretudo por via do estatuído, justamente, no artigo 47º, número 2 da Constituição da República Portuguesa, enquanto prescreve que «Todos os cidadãos têm o direito de acesso à função pública, em condições de igualdade e liberdade, em regra por via de concurso».

Na verdade, como se refere na sentença do Tribunal de Penafiel, maioritariamente tem considerado a jurisprudência ([11]) dos nossos tribunais superiores    sufragando, de resto, o juízo decisório emitido pelo Tribunal Constitucional nos mencionados acórdãos números 368/2000, proferido no Processo nº 243/001 e publicado no D.R., 1.ª Série de 27.02.2004; 61/2004, de 27.01.2004, prolatado no Processo nº 471/01 e, mais recentemente, no acórdão nº 409/2007, de 11.07.2007, proferido no Processo nº 306/07 ([12]), logo, após a alteração introduzida ao artigo 8º da Constituição   que a circunstância de, para efeitos de contratação para a função pública, exigir-se a observância de um processo prévio de selecção e recrutamento que, tendo subjacente a ideia do concurso como regra, seja adequado a garantir, em condições de liberdade, igualdade e legalidade, o acesso à contratação de todos os cidadãos, eventualmente interessados, mais não se visa que dar cumprimento ao mencionado artigo 47º, número 2 da Lei Fundamental.

E isto na exacta medida em que, como se diz no acórdão nº 368/00 do Tribunal Constitucional, não podendo pretender-se que a substituição do concurso para a função pública pela conversão de um contrato de trabalho a termo certo por um contrato por tempo indeterminado seja compatível  com  a finalidade prosseguida com a citada norma do número 2 do artigo 47º da Constituição, no segmento em que preconiza o concurso como regime-regra de acesso à função pública, a admitir-se que assim pudesse não suceder, tal não só implicaria a violação do princípio da legalidade no acesso à função pública, como em nada contribuiria, bem ao invés, para o reforço da legitimação e da legitimidade democrática da administração, que se quer norteada pelos princípios da transparência, eficácia, eficiência.    

É que, como salientam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira ([13]) «A regra constitucional do concurso como meio de recrutamento e selecção de pessoal da função pública (nº 2) é uma garantia do princípio da igualdade do próprio direito de acesso, pois este não existe quando a administração pode escolher e nomear livremente os funcionários …».

De onde que não se vislumbrando qualquer razão para afastar o juízo de inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, emitido pelo Tribunal Constitucional no acórdão nº 368/00 e reiterado nos seus posteriores acórdãos nºs 61/2004 e 306/07, antes referenciados    se partilhe, isso sim, do entendimento que, firmado pelo Tribunal Constitucional no último dos mencionados arestos, vai no sentido de que «… seria naturalmente uma verdadeira fraude à Constituição se a adopção do regime de contrato individual de trabalho incluísse uma plena liberdade de escolha e recrutamento dos trabalhadores da Administração Pública com regime de direito laboral comum, sem qualquer requisito procedimental tendente a garantir a observância dos princípios da igualdade e da imparcialidade».

Entendimento que, como vem de ver-se, foi sancionado pelo Tribunal Constitucional já depois da alteração que a Lei Constitucional nº 1/2004, de 24 de Julho (6ª Revisão Constitucional) introduziu ao artigo 8º da Lei Fundamental e a que foi, por via disso, aditado o número 4, que prescreve: «As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático».

Ora, no que diz respeito a este concreto aspecto da questão, desde já importa consignar que também consideramos que o princípio do primado do direito europeu não se sobrepõe, quanto mais não seja, às normas constitucionais relativas aos princípios em que se fundamenta o Estado de direito democrático e à interpretação que, com força obrigatória geral, o Tribunal Constitucional faça, quando chamado a pronunciar-se, como sucede na situação vertente, em que em causa se encontra o princípio da igualdade no acesso à função pública que, no dizer de J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, «… não tem sentido significativamente diverso do princípio geral da igualdade (cfr. art. 13º e respectivas notas). Só que aqui aparece como elemento constitutivo do próprio direito (direito de igualdade)». ([14])

É que, como ensinam os mesmos autores ([15]), «O primado do direito da União, nos termos definidos no artigo 10º-1 da Constituição Europeia, está condicionado pela reserva constitucional de respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático (art. 8º-4, in fine), sendo que «Entre os princípios do Estado de direito democrático haverá de incluir-se, desde logo, o princípio da soberania popular; o princípio do pluralismo de expressão e organização política democrática; o princípio do respeito, garantia e efectivação dos direitos e liberdades fundamentais, o princípio da separação e interdependência dos poderes; a independência dos tribunais (cfr. CRP, artº. 2:)».

E, para adjuvar o entendimento sufragado no acórdão recorrido, não se diga que o legislador do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro e bem assim da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, não cuidou de criar «medidas de protecção dos trabalhadores contra o uso e abuso da celebração de contratos a termo».

E isto porque a tanto opõe-se frontalmente o que, estatuído nos artigos 18º, números  5 e 6, 20º, números 1, 2, 3 e 6, 21º do Decreto-Lei nº 427/89, de 7 de Dezembro ou nos artigos 9º e 10º, números 1, 2 e 3 da Lei nº 23/2004, de 22 de Junho, observa, no essencial, o preconizado no artigo 5º do Acordo - Quadro CES, UNICE e CEEP, relativo a contratos a termo, Anexo à mesma Directiva Comunitária.

É certo que fizeram-no sem prever a possibilidade de conversão em contrato de trabalho a tempo indeterminado o contrato de trabalho a termo, celebrado no sector público.

Porém, tal resulta de todo compreensível se se considerar, como nós, que tal afrontaria o comando constitucional ínsito no citado número 2 do artigo 47º.

Daí que, tudo ponderado, se entenda que, no caso vertente, não há lugar à conversão do contrato de trabalho a termo, celebrado em 1 de Outubro de 2002 entre autora e ré e declarado nulo, em contrato de trabalho por tempo indeterminado e, como resultado disso, à reintegração da autora.

C.3 -

Finalmente, quanto às retribuições intercalares (artigo 390º, número 1 do Código do Trabalho), desde a data do despedimento da autora (28 de Setembro de 2009) até ao trânsito em julgado da decisão final, a que a ré empregadora foi ainda condenada a pagar à trabalhadora, entende-se assistir razão à recorrente que, insurgindo-se contra este segmento do acórdão sob impugnação, pugna pela reposição do resolvido a propósito na sentença proferida pelo Tribunal de Penafiel.

E entende-se assim porque, como decidido pelo tribunal de primeira instância, tem efectivamente considerado a Secção Social deste Supremo Tribunal ([16]) que, nos casos em que se configura a nulidade do contrato, o pagamento retributivo deve ter como referência a ocasião em que nulidade foi invocada ou, quando assim não aconteça, a ocasião em que ela é oficiosamente declarada pelo tribunal.

Ora, tendo presente o que para trás ficou dito, em consequência do despedimento ilícito tem a autora apenas direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde 28.09.2009 (uma vez que, havendo o despedimento ocorrido em 15.07.2009, a acção foi proposta em 28.10.2009) até 14.12.2009 (data em que a autora foi notificada da contestação apresentada pela ré que, na oportunidade, invocou a nulidade do contrato de trabalho).

Compensação esta a que, como ainda decidido na sentença do Tribunal de Penafiel, terão de ser deduzidas, nos termos da alínea c) do número 2 do artigo 390º do Código do Trabalho, as quantias que, porventura, a autora haja recebido a título de subsídio de desemprego, reportado àquele lapso temporal e que, a liquidar oportunamente (artigo 661º, número 2 do Código de Processo Civil), deverão se entregues pela ré à Segurança Social.

Procedem, em consequência, as restantes conclusões da alegação de recurso.

 III. Decisão

Termos em que, concedendo-se a revista, se revoga o acórdão recorrido e se repristina a sentença proferida pelo Tribunal de primeira instância.

Custas na Relação e neste Supremo Tribunal a cargo da autora.

As custas na primeira instância serão como decidido na sentença repristinada.

(Anexa-se o sumário do acórdão a que se refere o artigo 713º, número 7 do Código de Processo Civil, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/20007, de 24 de Agosto.

Lisboa, 10 de Abril de 2013



Isabel São Marcos (Relatora)

Fernandes da Silva

Gonçalves Rocha

___________________


[1] Regime jurídico aplicável, no caso vertente, atenta a data da propositura da acção e o estatuído no artigo 12º, nº 1 do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto.
[2]  À semelhança, aliás, do que dispunha o artigo 72º, número 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto- Lei nº 272-A/81, de 30 de Setembro.
[3] Confira-se, a propósito e entre outros, os acórdãos de 26.11.2008, Processo nº 1982/08 LSB.L1.S1; de 30.09.2009, Processo nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1; de 01.06.2011, Processo nº 156/09.7TTVNG.P1.S1 e de 22.09.2011, Processos nºs 528/08.4TTSTR.E1.S1 e 1694/07.1TTLSB.L1.S1, todos da 4ª Secção.
[4]  Veja-se pontos 1, 2 e 4 da matéria de facto considerada assente.
[5] À semelhança, de resto, do que sucedia no domínio do Decreto-Lei 49.408, de 24.11.1969 (LCT) e do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto, como bem flui, respectivamente, dos artigos 15º, número 1 e 18º, número 1.
[6] Confira-se, no mesmo sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.2009, Processo nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1, 4ª Secção.
[7] Veja-se, entre muitos e no mesmo sentido, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28.04.2010, Processo nº 413/08.OCBR.C1.S1; de 08.06.2011, Processo nº 118/09.4TTMAI.P1.S1. e de 22.09.2011, Processo nº 1694/07.ITTLSB.L1.S1, todos da 4ª Secção.
[8] Que, com pequenas alterações, corresponde ao disposto no artigo 116º do Código do Trabalho de 2003 e no artigo 15º nº 3 da LCT.
[9] Confira-se fls.44.
[10] Em sentido coincidente, pronunciaram-se, entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25.09.2002, Processo nº 1366/02.S1; de 22.09.2011, Processo nº 528/08.04TTSTR.E1.S1; de 26.11.2008, Processo nº 1982/08.S1; de 28.04.2010, Processo nº 413/08.OTTCBR.C1.S1 e de 03.06.2009, Processo nº 622/09, todos da 4.ª Secção.
[11]  Entre outros, confira-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03.10.2007, Processo nº 177/07; de 18.06.2008, Processo nº2445/06; de 25.11.2009, Processo nº 1846/06.14RCBR.S1 e de 21.04.2010, Processo nº 393/03.8TTCTB.C1.S1., todos da 4.ª Secção.
[12]  Em que, tal qual acontece com o acórdão nº 61/2004, é versada uma situação em que o empregador é um instituto público.
[13]  Constituição da República Portuguesa, Anotada, Volume I, 4ª edição revista, p. 661.
[14]  Obra e autores citados, p. 660.
[15]  Obra e autores citados, p. 266 e 267.
[16]  Confira-se, por todos, os já mencionados acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 30.09.2009, Processo nº 4646/06.5TTLSB.L1.S1 e de 22.09.2011, Processo nº 528/08.4TTSTR.E1.S1.