Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B2469
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: MARIA DOS PRAZERES PIZARRO BELEZA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DANOS PATRIMONIAIS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
ÓNUS DA PROVA
DANOS FUTUROS
ERRO MATERIAL
ERRO NOTÓRIO
ERRO DE ESCRITA
RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
Nº do Documento: SJ200809230024697
Data do Acordão: 09/23/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA.
Sumário : 1. Só há erro de escrita, susceptível de rectificação, quando o lapso se revela no contexto, sendo, neste sentido, ostensivo.
2. Sendo ostensivo, não é a intempestividade da rectificação (nº 2 do artigo 667º do Código de Processo Civil) que impede que se leia a sentença com a correcção correspondente.
3. No recurso de revista, só no âmbito do nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil é que o Supremo Tribunal de Justiça pode alterar o julgamento da matéria de facto.
4. Não basta a possibilidade de um facto se ter verificado para que seja dado como provado.
5. Incumbe ao lesado a prova dos factos constitutivos do direito à indemnização que alega.
6. Numa acção de responsabilidade civil por acidente de viação, devem ser tidos em conta, para efeitos da determinação da indemnização devida, os danos futuros, desde que previsíveis, e quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzam em lucros cessantes.
7. Quando a responsabilidade assenta em mera culpa do lesante, ou quando não é possível averiguar o valor exacto dos danos, o tribunal há-de recorrer à equidade para decidir.
8. O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios.

rectificação sentença
Decisão Texto Integral: Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça:


1. AA instaurou, no Tribunal Cível do Porto, uma acção pedindo a condenação da Companhia de Seguros Empresa-A , SA, no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros, como consequência de um acidente de viação de que foi vítima e que alega ter sido provocado por culpa exclusiva de BB, cuja responsabilidade lhe caberia por virtude de contrato de seguro celebrado entre a proprietária do veículo e a ré (cfr. doc. de fls. 60), assim discriminados:
a) € 8.033,853, a título de danos patrimoniais emergentes;
b) € 111.260,82, a título de danos patrimoniais decorrentes da IPP de que ficou a sofrer;
c) € 37.409,842, a título de danos não patrimoniais;
d) despesas médicas e medicamentosas, já feitas e futuras, sendo que € 23.942,4 se encontram liquidados, sendo o restante a liquidar em execução de sentença;
e) juros de mora sobre todas as quantias pedidas, a contar desde a citação até ao pagamento integral.

Por sentença de 26 de Maio de 2006, de fls. 417, a acção foi julgada parcialmente procedente, sendo a ré condenada a pagar ao autor o seguinte:
f) € 592,44, a título de danos patrimoniais emergentes;
g) € 70.000,00, a título de danos patrimoniais decorrentes da IPP de que ficou a sofrer;
h) € 7.500,00, a título de danos não patrimoniais;
i) quantia correspondente à “necessidade de fazer exames clínicos com certa periodicidade ao joelho afectado, com vista a controlo médico” e despesas com medicamentos relacionadas com a mesma afecção, a liquidar;
j) juros de mora relativos às diversas quantias referidas, a contar desde a citação até ao pagamento integral.

Desta sentença recorreram autor e ré, mas o recurso por esta interposto foi julgado deserto, por falta de alegações.
Por acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de Fevereiro de 2007, de fls. 485, foi concedido provimento parcial à apelação. A ré foi condenada a pagar € 87.945,77, acrescidos de juros, mantendo-se a sentença quanto ao mais.
Para chegar a este valor, a Relação corrigiu o montante atribuído aos danos patrimoniais emergentes, por considerar que a 1ª instância havia deduzido ao valor a que chegara, por duas vezes, a quantia de € 4.853,33 que o autor já tinha recebido da ré, modificando-o, consequentemente, para € 5.445,77; e alterou para € 12.500,00 a indemnização por danos não patrimoniais.
De novo recorreram autor e ré, agora para o Supremo Tribunal de Justiça. Os recursos foram admitidos como revista e com efeito meramente devolutivo, mas o recurso interposto pela ré veio novamente a ser julgado deserto, por falta de alegações (despacho de fls. 544).

2. Nas alegações apresentadas, o autor formulou as seguintes conclusões:
1ª – Estando reconhecido pelo tribunal o direito à reparação integral do autor, decorrente das sequelas do acidente de viação, ele deve ser indemnizado das respectivas consequências na sua vida profissional, social, pessoal e afectiva;
2ª – Está provado que o autor tem sequela ou agravamento de sequela no joelho esquerdo (articulado superveniente), a qual deve ser considerada, pois está provado (com base em juízo pericial e juízo médico) que a mesma pode estar relacionada com a sequela do joelho direito; ora tendo em conta o princípio do nexo de causalidade, constante do artº 563º CC, com o entendimento da doutrina e jurisprudência sobre o seu alcance, este dano não deve considerar-se excluído do direito de reparação;
3ª – Quanto ao dano decorrente da sequela do joelho direito do autor, é entendimento do autor que a indemnização fixada deve ser reponderada, em atenção às razões aduzidas no ponto 6 da alegação; tendo assim em conta a natureza do mesmo, a sua incidência na profissão do autor, designadamente na progressão na carreira, e frustração de ganho, impõe-se a sua reavaliação, na medida em que não pode ficcionar-se (como decorre da douta sentença) que pelo facto de o autor não ter visto diminuído o seu salário (até à data do julgamento) aquele apenas se repercute num maior esforço de execução das tarefas;
4ª – A douta decisão recorrida atribuiu ao dano não patrimonial documentado na matéria provada um valor que não se julga compensatório.
O autor não teve qualquer culpa no acidente e a sua condição social é modesta.
Relevando a natureza, extensão e repercussão deste dano, em função da vida familiar, social e afectiva do autor, o mesmo deve ser valorado conforme se deixa discutido no ponto 7 da alegação.
Tendo assim na devida conta a sua incidência, intensidade e durabilidade, em como a sua função compensatória, é conveniente a sua reavaliação.
5ª – A douta decisão recorrida violou, entre o mais, por erro de interpretação e aplicação, conforme o sentido exposto, as normas decorrentes dos artºs 562, 563 e 496 do CC.”
Nas contra-alegações, a ré sustentou a manutenção do julgado. Afirmou, todavia, louvando-se no artigo 667º do Código de Processo Civil, que ocorreu um lapso manifesto, quer por parte do recorrente, quer quanto às instâncias, ao referirem que aquele ficou afectado com uma incapacidade parcial permanente de 20%, com um agravamento futuro de 5%: “a decisão da matéria de facto de fls. 413 e, bem assim, todos os exames periciais, mormente o de fls. 363, provam que, por causa do acidente de viação dos autos, o Autor ficou afectado de uma IPP de 10%, com um agravamento futuro de 5%”. Daqui conclui que a decisão recorrida tem de sofrer “o ajustamento inevitável e correcção decorrente da efectiva e real incapacidade do Autor, que é de 10%, com um agravamento no futuro de 5% (…)”.

3. Cumpre antes do mais observar que não pode ser atendida a alegação, pela recorrida, de erro material, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 667º do Código de Processo Civil.
Na verdade, o processo não revela, com a certeza que seria necessária a uma rectificação, que a sentença incorreu em “erro de escrita”. Basta verificar que, no julgamento da matéria de facto, o tribunal afirmou (artigo 17º da base instrutória, a fls. 76, e resposta de fls. 411) e reafirmou (artigo 38º, a fls. 78, e resposta de fls. 412) que a incapacidade de que o autor ficou a sofrer era de 20%, com o agravamento futuro de 5% (artigo 18º, a fls. 76, e resposta a fls. 411); que a referência à incapacidade de 10%, definida pela prova pericial, aparece, não nas respostas à base instrutória, mas na fundamentação da matéria de facto; que, sendo a prova pericial livremente apreciada pelo julgador (artigo 389º do Código Civil), não estava o tribunal obrigado a dar como provada a incapacidade de 10%; que a sentença, que efectivamente tomou como assente a incapacidade de 20%, a aumentar em 5%, adoptou um critério final de equidade, o que tornaria impossível uma mera redução, se fosse líquido tratar-se de erro de escrita; que a autora, nas alegações na apelação, mostrou a sua concordância com a indemnização decretada no âmbito da indemnização resultante da incapacidade; e que o acórdão recorrido também apreciou o montante indemnizatório à luz da equidade.
Acresce que já seria intempestiva qualquer rectificação da sentença (nº 2 do citado artigo 667º do Código de Processo Civil); mas não seria a intempestividade que impediria de ler a sentença corrigindo um lapso que resultasse do contexto, ou seja, um erro ostensivo, no sentido do erro previsto no artigo 249º do Código Civil. Não é, todavia, o caso.
Poder-se-ia sustentar ter ocorrido um erro-vício, determinante do concreto valor a que se chegou para efeitos de condenação. Mas, se assim fosse, haveria de ter sido questionada, em recurso, a validade da sentença, o que não sucedeu.

4. É a seguinte a matéria de facto que vem provada definitivamente:

– No dia 19 de Julho de 1999, cerca das 13 horas, no cruzamento da Rua Fernandes Tomás com a Rua da Alegria, na cidade do Porto, ocorreu um embate entre o veículo ligeiro (táxi) de matrícula DZ, conduzido por BB e o motociclo de matrícula GM, conduzido pelo Autor.
O Autor conduzia o motociclo na Rua da Alegria, no sentido Norte – Sul.
No cruzamento da Rua da Alegria com a Rua Fernandes Tomás, o Autor deparou-se com o DZ que seguia na Rua Fernandes Tomás.
O DZ não parou no sinal de trânsito vermelho do semáforo que regula o trânsito nesse cruzamento.
O motociclo embateu na parte lateral direita do táxi, causando a queda do Autor.
O Autor foi então projectado para o solo.
Da queda resultaram para o Autor forte contusão da grade costal esquerda, com escoriações e fractura exposta, cominutiva da rótula direita.
O Autor foi transportado de urgência ao Hospital de Santo António onde foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao joelho da perna direita.
Após a operação cirúrgica, com colocação de dois parafusos, a perna do Autor foi engessada, tendo este andado com o gesso durante cinco semanas.
Ao fim de três meses, o Autor fez sessões de fisioterapia para dar melhor mobilidade à perna.
– Após as sessões de fisioterapia, o Autor não registou significativas melhorias no joelho.
– O Autor teve de retomar os tratamentos de reabilitação até Maio de 2000.
O Autor voltou a sofrer nova intervenção cirúrgica nos serviços clínicos da Ré para lhe serem retirados os parafusos colocados no joelho.
– O Autor suportou muitas dores físicas em consequência da queda e das duas intervenções cirúrgicas a que se submeteu.
– O Autor esteve imobilizado na cama durante várias semanas para recuperar de uma e outra intervenções.
– O Autor andou durante alguns meses com o auxílio de canadianas.
Em Maio de 1999, o Autor sofreu uma operação ao menisco do joelho esquerdo e posteriormente realizou tratamentos prolongados com vista à sua recuperação.
– O Autor ainda hoje faz natação de reabilitação.
Quando faz mais esforço, o joelho da perna direita do Autor aumenta de volume, ficando com um inchaço.
Causando-lhe fortes dores e obrigando-o a repousar.
O Autor não tem a mesma força na perna direita que na esquerda.
O Autor não pode correr e fazer uma marcha apressada.
O Autor cansa-se facilmente e não aguenta estar parado de pé durante longos períodos.
O Autor sente grande dificuldade a subir e a descer escadas.
– As dores no joelho da perna direita agravam-se com os esforços mais agudos e mudanças climatéricas.
O Autor trabalhava como carteiro nos CTT, consistindo o seu serviço na entrega de cartas aos destinatários.
O Autor tem uma retribuição média nos últimos seis meses de trabalho equivalente a € 942,45.
– O Autor, após o embate, deixou de exercer a actividade de entrega de cartas aos destinatários.
– Após o acidente, quando regressou ao trabalho, o autor passou a exercer um serviço interno.
O Autor padece de uma incapacidade parcial para a sua profissão de 20%.
– Incapacidade que virá a agravar-se no futuro, a nível da superfície articular da rótula, em 5%.
– O autor nasceu em 27/05/1973.
– Com a queda, o Autor ficou com umas calças e umas sapatilhas danificadas, no valor de €100.
– Em despesas médicas, medicamentosas e de diagnóstico, o Autor gastou a quantia de € 677,242.
– Durante o período em que esteve sem trabalhar, o Autor deixou de auferir a quantia de € 4.668,47.
O Autor recebeu da Segurança Social a quantia de € 2.858,14.
– O Autor tinha qualidades de trabalho e aspirava a promover-se dentro da empresa.
– Após o regresso ao trabalho, o autor passou a efectuar serviço de rectaguarda, encontrando-se actualmente no serviço de distribuição postal em viatura.
Com a mudança do tempo o Autor é acometido de fortes dores na perna onde sofreu a intervenção.
O Autor jogava futebol amador.
O Autor gostava de praticar desporto.
– O Autor encontra-se impedido de praticar desporto o que lhe causa um profundo desgosto.
– O Autor sofre, dia a dia, por constatar as suas limitações e não ter esperança de retomar a sua forma física anterior.
– O Autor sente uma angústia profunda quanto ao seu futuro.
– O Autor tem necessidade de fazer exames clínicos com certa periodicidade ao joelho afectado, com vista a controlo médico.
– No que despenderá anualmente, bem como em despesas medicamentosas, quantia que não foi possível apurar.
– Após a alta, o autor tem tido períodos em que o joelho direito fica inchado.
– O autor ficou com os músculos da perna direita atrofiados.
– O valor de tal atrofia é de 3 cms.
– As lesões afectaram-no na sua função profissional.
– Após meados do mês de Novembro de 2004, o autor sentiu uma dor violenta no joelho esquerdo, quando se encontrava no seu serviço de carteiro.
– A dor não passou, e era mais premente quando caminhava, obrigando-o a claudicar dessa perna.
– Todavia, feita a observação e demais exames ao joelho esquerdo do autor, o médico especialista, Dr. CC, concluiu que o autor tinha o menisco de joelho esquerdo afectado, aguardando ressonância para ver se existe também afectação dos ligamentos.
– O médico acima referido informou o autor que a lesão do joelho esquerdo pode resultar da fragilidade do outro joelho.
– Por causa da dor que o autor sente no joelho direito, afectado pelo acidente, quando caminha ou faz esforço suplementar, tem a tendência natural para sobrecarregar a outra perna, aliviando assim a mais doente.
– O autor mantém-se ao serviço da empresa CTT, a efectuar giro de entregas de correio feitas de automóvel.
– A lesão que o autor tem no joelho esquerdo é causa de constante dor e incómodo, o que lhe dificulta a marcha.
– O autor claudica na marcha dessa perna.
– O autor utiliza produtos farmacêuticos para aliviar a dor.
– O autor fez um exame de ressonância magnética, que custou cerca de € 250,00.
– Na consulta que fez, acima referida, gastou a quantia de € 90.
A Ré pagou ao Autor a quantia de €1.995,19.
– Por contrato de seguro titulado pela apólice nº 41011580054, a ... – Cooperativa de Transportes do Norte, CRL transferiu para a Ré a responsabilidade civil emergente de acidentes de viação provocados pelo veículo de matrícula DZ.

5. Como resulta das conclusões das alegações do recorrente, estão em causa nestes recurso as seguintes questões:
– nexo de causalidade entre o acidente e a “sequela ou agravamento de sequela” no joelho esquerdo;
– indemnização por danos futuros, decorrentes “da sequela do joelho direito do autor”;
– indemnização por danos não patrimoniais.

6. Quanto ao primeiro ponto (nexo de causalidade entre o acidente e a “sequela ou agravamento de sequela” no joelho esquerdo), a sentença da 1ª Instância entendeu que não podia ter “em conta qualquer relação entre o agravamento da situação clínica do joelho esquerdo do autor e o acidente”, porque “o autor não logrou provar tal relação”, já que “o que consta do ponto 47) [do julgamento da matéria de facto – “O médico (…) informou o autor que a lesão do joelho esquerdo pode resultar da fragilidade do outro joelho”] é apenas a opinião de um médico e não a fixação de uma relação de causalidade”.
Da mesma forma, a Relação considerou não ter ficado “demonstrado que a lesão no joelho esquerdo decorra da lesão no seu joelho direito e, consequentemente, do acidente, pelo que não se pode concluir pela existência de uma relação de tal modo estreita entre esta causa e aquele resultado que tornasse razoável impor à ré o a responsabilidade por tal lesão”.
Ora, tal como recorda a Relação, foi julgado não provado que a sobrecarga no joelho esquerdo, resultante da dor sentida no joelho direito, o prejudicasse necessariamente (resposta negativa ao quesito 49, cfr. fls. 78 e 412), com a fundamentação de que, para além do mais, “a perícia referiu apenas como uma possibilidade o facto de a causa do agravamento do estado do joelho esquerdo radicar na lesão do joelho direito causado pelo acidente”.
O recorrente pretende, em primeiro lugar, que o Supremo Tribunal de Justiça altere o julgamento da Relação no sentido de concluir que está provado que a lesão, ou o agravamento da lesão no joelho esquerdo foi provocada pela lesão no joelho direito e, portanto, pelo acidente.
Não cabe todavia no âmbito do recurso de revista alterar o julgamento de facto, a não ser que ocorra “ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova” (nº 2 do artigo 722º do Código de Processo Civil). Não é pois possível, nem apreciar a prova pericial produzida, nem contrariar as ilações de facto estabelecidas pelas instâncias.
E também não se pode entender, em segundo lugar, que basta a possibilidade (ou, nas palavras do recorrente, a probabilidade) de um facto se ter verificado para o dar como provado. Para dar um facto como provado com base em meios de prova sujeitos à regra da livre apreciação, como é o caso da prova pericial, por exemplo, o tribunal tem de ter excluído qualquer dúvida razoável quanto à sua verificação; se subsistirem dúvidas, tem de o considerar não provado, como, aliás, se explica na fundamentação do julgamento de facto, a fls. 413.
Só no domínio da justiça cautelar, por razões de celeridade e de eficácia, é que o tribunal se basta com a forte probabilidade de verificação dos factos relevantes.
Não é, portanto possível fazer recair sobre a ré o ónus de provar “que a lesão do joelho direito nenhuma influência teve na lesão ou agravamento no joelho esquerdo”, como também pretende o autor, apoiando-se no nº 2 do artigo 342º do Código Civil.
Resta concluir no sentido de que, incumbindo ao recorrente o ónus de provar os factos constitutivos do direito de indemnização que invoca, na falta de prova o tribunal julga contra ele, não condenado no pagamento pretendido.

7. Relativamente ao segundo (indemnização por danos futuros, decorrentes “da sequela do joelho direito do autor”), o recorrente pretende que a indemnização por danos (futuros) decorrentes da incapacidade para o exercício da profissão de que ficou a sofrer seja fixada em € 117.660,39.
Em seu entender, devia ser considerada “a incapacidade do joelho esquerdo que também afecta o autor”, a “reconversão do autor (com perda) no posto de trabalho” e a “desvalorização da moeda decorrente do processo inflacionário, que sempre haverá de pesar no cômputo indemnizatório”.
Relativamente ao modo de determinação do montante indemnizatório determinado pelas instâncias, discorda da fixação do limite da idade activa em 65 anos, sustentando que deveria ser de 70 (citando, para o efeito, o acórdão deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999), da não consideração da frustração de ganho e do risco de perder o emprego por razões ligadas à incapacidade de que ficou afectado, que entende situar-se já em 25%, em virtude do agravamento que tem sofrido.

8. Não está em causa neste recurso que, para efeitos da indemnização reclamada pelo recorrente, se devem ter em conta os danos futuros, desde que previsíveis (nº 2 do artigo 564º do Código Civil), quer correspondam a danos emergentes, quer se traduzam em lucros cessantes (nº 1 do mesmo preceito); nem tão pouco que a lei determina que, quando a responsabilidade assenta em mera culpa do lesante (artigo 494º do Código Civil), ou quando não é possível averiguar “o valor exacto dos danos” (nº 3 do artigo 566º do mesmo Código), como tipicamente sucede quando se pretende arbitrar uma indemnização por danos futuros, o tribunal recorrerá à equidade para julgar.
No caso da responsabilidade por mera culpa, a lei permite que a indemnização seja “equitativamente” reduzida em função do “grau de culpabilidade do agente”, da “situação económica” do lesante e do lesado e das “demais circunstâncias do caso”.
Quanto à hipótese de impossibilidade de avaliação exacta dos danos, o julgamento segundo a equidade tem de respeitar os “limites que [o tribunal] tiver por provados”.
Baseando-se em mera culpa a responsabilidade em que incorreu o causador do acidente e estando agora em causa a determinação do montante a pagar para ressarcimento de danos futuros, como aliás o Supremo Tribunal de Justiça tem repetidamente afirmado (cfr., a título de exemplo, os acórdãos de 22 de Fevereiro de 1999, proc. nº 28 de Outubro de 1999, de 2 de Fevereiro de 2002, proc. nº 01B985, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02ª1321, de 27 de Novembro de 2003, proc. nº 03B3064, de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926, de 8 de Março de 2007, proc. nº 06B4320 ou de 14 de Fevereiro de 2008, proc. nº 07B508, disponíveis em www.dgsi.pt), a equidade desempenha um papel corrector e de adequação da indemnização decretada às circunstâncias do caso, nomeadamente quando, como é frequente, os tribunais recorrem a “cálculos matemáticos e [a] tabelas financeiras” (expressão do acórdão de 27 de Novembro de 2003 acabado de citar).
Esse recurso à equidade não afasta, todavia, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, não incompatível, naturalmente, com a devida atenção às circunstâncias do caso.

9. Assim, e para o efeito de apreciar as críticas que o recorrente formula ao acórdão recorrido, quanto ao ponto agora relevante, tomar-se-á em conta o seguinte:
– Que está provado que o autor, nascido em 27 de Maio de 1973, trabalhava nos CTT como carteiro, auferindo uma retribuição mensal média, nos últimos seis meses de trabalho, de € 942,45; que passou, por causa do acidente, a exercer um serviço interno e, posteriormente, de distribuição postal em viatura, na mesma empresa; que, também por causa do acidente, ficou a sofrer de uma incapacidade parcial para o exercício da sua profissão de 20%, que virá a ter um agravamento de 5%; que tinha qualidades de trabalho e aspirava a ser promovido;
– Que não ficou provado, nem que a mudança de posto de trabalho tenha sido efectuada “com perda”, nem que (à data relevante, ou seja, com referência ao momento do encerramento da discussão em primeira instância, nos termos do artigo 663º do Código de Processo Civil) o agravamento previsto de 5% na incapacidade profissional se tivesse verificado. E que não pode ser considerada, neste ponto, a lesão ou o agravamento da lesão do joelho esquerdo, como se disse já;
– Que os danos futuros decorrentes “da sequela do joelho direito do autor” se não reduzem à redução da sua capacidade de trabalho, já que, antes do mais, se traduzem numa lesão do direito fundamental do lesado à saúde e à integridade física;
– Que, por isso mesmo, não pode ser arbitrada uma indemnização que apenas tenha em conta aquela redução. Nomeadamente, não pode ser considerada a relevância da lesão apenas com referência à vida activa provável do lesado; antes se há de considerar também o período posterior à normal cessação de actividade laboral, com referência à esperança média de vida, em 1999, dos indivíduos do sexo masculino nascidos em 1973.
Feitas estas considerações, e não questionando, nem o método de cálculo utilizado pelas instâncias (desde logo porque apenas serve de “base”, ou de “ponto de referência” para a determinação da indemnização), nem a taxa de juro considerada (3%), verifica-se que, com base em dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística para 2002 (disponíveis em www.ine.pt), a esperança média de vida de um indivíduo do sexo masculino nascido em 1973 era, com referência a 1999, de 50,20 anos (47,20 para 2002).
Também se verifica, recorrendo, agora, ao regime geral de segurança social em vigor à data do acidente, em particular ao nº 1 do artigo 22º do Decreto-Lei nº 329/93, de 25 de Setembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 9/99, de 8 de Janeiro (neste ponto específico, mantido pelo Decreto-Lei nº 187/2007, de 16 de Fevereiro, que revogou aquele diploma), a idade “regra” da reforma era fixada em 65 anos.
Assim sendo, o capital tomado como ponto de referência pelo acórdão recorrido – o “capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir, capital esse que se extinga no final do período provável da sua vida” – deve ser calculado, como também se escreve no mesmo acórdão, de forma a assentar, por entre o mais, “no tempo provável de vida da vítima” (cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de 28 de Outubro de 1999, proc. nº 99B717, de 25 de Junho de 2002, proc. nº 02A1321, já citado, disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, considerando que, com referência a 1999 (data do acidente), a esperança média de vida de um homem residente em Portugal era de 50,20 anos, o montante a que a sentença chegou anteriormente (e que o acórdão recorrido considerou adequado como base), aplicando depois os critérios de correcção que entendeu serem impostos pela equidade, foi de € 81.723,55, deve ser alterado para € 105.193,04.
Tendo em conta que o acidente foi provocado por mera culpa do lesante e que o aumento da IPP de 20% para 25% apenas se projecta para data futura, nos termos já apontados (seria de € 84.154,43 o último valor referido, caso se considerasse a percentagem de 20%), considera-se adequado elevar a indemnização a suportar pela ré, a título de indemnização por danos futuros, decorrentes “da sequela do joelho direito do autor”, para a quantia de € 90.000.

10. Finalmente, o recorrente questiona o valor que foi definido para a indemnização por danos não patrimoniais, por não ser “reparatóri[o], atendendo a que a mesma se destina a compensar o autor dos padecimentos sofridos e a sofrer, das agruras que ainda hoje sente e da perda de auto-estima que a situação pós-acidente lhe acarreta, com relevo da privação de actividades desportivas que antes praticava e lhe proporcionava prazer”.
Para a determinação da indemnização por danos não patrimoniais, ressarcíveis desde “que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito” (nº1 do artigo 496º do Código Civil), o tribunal há-de decidir segundo a equidade, tomando em consideração, também aqui, “o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso” (nº 3 do mesmo artigo 496º e artigo 494º do mesmo diploma).
Ficou provado que o recorrente, que tinha 26 anos à data do acidente, para além de ficar afectado na sua capacidade de ganho e de passar a desempenhar o seu trabalho com maior sacrifício, sofreu com o acidente, foi transportado de urgência para o hospital, foi submetido a duas intervenções cirúrgicas, ficou afectado na sua mobilidade (esteve imobilizado, foi forçado a andar com o auxílio de canadianas, deixou de poder correr e de andar depressa, tem a marcha dificultada pela dor constante no joelho esquerdo), passou a ter menos força na perna direita do que na esquerda, tem dores que se agravam com alterações climatéricas, viu-se privado de participar em actividades, nomeadamente desportivas, que lhe davam prazer, receia pelo seu futuro e teve sequelas físicas relevantes na perna direita (atrofia muscular, joelho inchado).
Como se observou no acórdão recorrido, não está em causa que se trate de danos que, pela sua gravidade, sejam indemnizáveis, mas apenas a determinação do montante da indemnização.
Recorrendo a jurisprudência deste Supremo Tribunal, com o objectivo de “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes”, nas palavras do acórdão de 25 de Junho de 2002, podemos salientar os seguintes casos:
Neste mesmo acórdão de 26 de Junho de 2002, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou o montante de 5.500.000$00 já definido pela Relação, para indemnizar os danos morais sofridos por um lesado de 32 anos, que ficou afectado de uma incapacidade parcial permanente de 40%, que foi vítima de um acidente de viação para o qual em nada concorreu, e que ficou afectado de forma significativa e permanente na sua qualidade de vida, tanto pessoal como desportiva e profissional.
Pelo acórdão de 20 de Novembro de 2003, proc. nº 03A3450 (www.dgsi,pt), foi atribuída a indemnização de € 32.421,86 a uma lesada que, tendo a idade de 25 anos no momento do acidente, ficou em estado de coma, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas e sofreu lesões graves lesões por todo o corpo, que lhe provocaram cicatrizes profundas e visíveis;
No acórdão de 15 de Janeiro de 2004, proc. nº 03B926 (www.dgsi,pt), foi arbitrada uma indemnização de € 10,951,92 a uma lesada que tinha 24 anos à data do acidente, à qual foi atribuída uma IPP de 10%, mas que ficou a sofrer de lesões graves e visíveis.
No acórdão de 5 de Fevereiro de 2004, proc. nº 04B083 (www.dgsi,pt), foi atribuída a indemnização de € 24.939,89 a um lesado que, tendo 52 anos à data do acidente, ficou afectado de um IPP de 35% e sofreu lesões muito graves que o obrigaram a diversas intervenções cirúrgicas e implicaram limitações muito sérias à sua mobilidade.
No acórdão de 12 de Janeiro de 2006, proc. nº 05B4176 (www.dgsi,pt), considerou-se adequada a indemnização de € 12.500 (ou seja, o montante que, no caso, foi fixado pela Relação) a atribuir a uma lesada que sofreu várias lesões corporais, dores persistentes e constantes, teve de se submeter a diversos exames e sessões de tratamento, ficou com um nódulo fibroso e hipotrofia numa das pernas de cerca de 2 cm, e à qual foi fixada 5% de IPP.
No acórdão de 4 de Dezembro de 2007, proc. nº 07A3836 (www.dgsi,pt), foi arbitrado o montante de € 35.000 por danos morais a um lesado com 44 anos à data do acidente, na sequência do qual esteve em conta e em perigo de vida durante vários dias e sofreu diversas sequelas, e ao qual foi fixada uma IPP de 47%.
Feita uma análise comparativa das diversas situações, determina-se, tendo em conta os dados atrás enumerados, que o montante da indemnização correspondente a danos não patrimoniais seja elevado para € 20.000.
A recorrida deve, portanto, ser condenada a pagar ao recorrente a quantia de € 115.445,77 (€ 5.445,77 + € 90.000+€20.000).

11. Nestes termos, concede-se provimento parcial à revista e, consequentemente,
a) condena-se a ré no pagamento ao autor da quantia de € 115.445,77, acrescida dos juros à taxa legal, a contar desde a citação até integral pagamento;
b) quanto ao mais, mantém-se o acórdão recorrido.

Custas pela recorrida.
Lisboa, 23 de Setembro de 2008

Maria dos Prazeres Beleza (Relatora)
Lázaro Faria
Salvador da Costa.