Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
952/12.8TVPRT.P1.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: TÁVORA VICTOR
Descritores: RECURSO DE REVISTA
ADMISSIBILIDADE DE RECURSO
SUCUMBÊNCIA
VALOR DA CAUSA
NULIDADE DE ACÓRDÃO
CONDENAÇÃO ULTRA PETITUM
ALTA
DANO BIOLÓGICO
DANOS FUTUROS
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 05/17/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA / ELABORAÇÃO DA SENTENÇA / VÍCIOS E REFORMA DA SENTENÇA / RECURSOS / RECURSO DE REVISTA / JULGAMENTO DO RECURSO.
DIREITO CIVIL – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / RESPONSABILIDADE CIVIL / RESPONSABILIDADE POR FACTOS ILÍCITOS / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Volume V, reimpressão, 3.ª edição 1952, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 220.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 609.º, N.º 1, 615.º, N.º 1, ALÍNEA E), 629.º, N.º 1, 674.º E 682.º.
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 494.º, 496.º, N.ºS 1 E 4, 564.º E 566.º, N.º 3.
PORTARIA N.º 377/2008, DE 26-05, ALTERADA PELA PORTARIA N.º 679/2009, DE 25-06.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 14-05-2015, ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA N.º 10/2015, IN DR, I SÉRIE, DE 26-06-2015;
- DE 05-12-2017, PROCESSO N.º 1452/13.4TBAMT.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :
I - Em regra, o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal. Porém, não sendo possível quantificar a sucumbência do recorrente – como sucede quando esteja em causa uma condenação ilíquida – há que privilegiar apenas o valor do processo (art. 629.º, n.º 1, do CPC).

II - A consolidação médico-legal mais não é do que, em linguagem corrente, a data da alta clínica, correspondendo esta à situação em que a lesão desapareceu totalmente (cura) ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada (consolidação).

III - Enferma de nulidade, por condenação em montante que extravasa o pedido, o acórdão, proferido em acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação, no qual a Relação condenou a ré no pagamento do montante, a liquidar ulteriormente – sem qualquer limite temporal –, para tratamentos, consultas e medicamentos de que a autora carecer em virtude do acidente, quando esta apenas os peticionou até ter alta e se provou que a consolidação médico-legal ocorreu em data anterior à propositura da acção (arts. 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, al. e), do CPC).

IV - Conforme vem sendo reiteradamente sublinhado pelo STJ, o juízo de equidade de que se socorrem as instâncias, na fixação de indemnização, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos padrões que, generalizadamente, se entende deverem ser adoptados numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (arts. 566.º, n.º 3, do CC, e 674.º, e 682.º, do CPC).

V - A lesão corporal sofrida em consequência de acidente de viação constitui, em si, um dano real ou evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, dele podendo derivar quer a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício da sua profissão habitual ou para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, quer a perda ou diminuição da sua capacidade para os gestos correntes do dia-a-dia.

VI - O dano biológico (dano futuro) deve ser fixado por recurso à equidade já que as tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, apenas relevam no plano extrajudicial ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais (arts. 564.º, e 566.º, n.º 3, do CC).

VII - Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (i) tinha 44 anos à data do acidente de que foi vítima (13-03-2010) e 45 anos à data da consolidação médico-legal; (ii) o prejuízo funcional decorrente da afectação da sua integridade físico-psíquica foi fixado em 3 pontos; e (iii) as lesões de que padecia, mormente ao nível da coluna cervical e lombar, que se agravaram por força do acidente, são compatíveis com o exercício da sua actividade profissional habitual (de cabeleireira), mas exigem esforços suplementares, é de manter a indemnização de € 14 000 fixada pela Relação, a título de dano patrimonial futuro (dano biológico), posto que, situando-se o juízo prudencial e casuístico feito no acórdão recorrido dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade e não colidindo com os padrões jurisprudenciais adoptados pelo STJ em casos análogos ou similares – não há razões para dele dissentir.

VIII - Relevam para a fixação, por recurso à equidade, do quantitativo indemnizatório a título de danos não patrimoniais o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e do lesante e as demais circunstâncias do caso (arts. 494.º, e 496.º, n.os 1 e 4, do CC).

IX - Resultando da matéria fáctica provada que a autora: (i) à data do sinistro padecia de diversas patologias, designadamente doenças do foro psíquico e do foro ortopédico, que se encontravam a ser acompanhadas clinicamente; (ii) mercê do embate se verificou um agravamento dessas lesões físicas pré-existentes; (iii) esteve acamada na sua residência durante 60 dias; (iv) andou de canadianas e foi submetida a tratamentos de fisioterapia; (v) o embate lhe causou susto, dores e abalo psíquico, sendo o quantum doloris fixável em 3/7; (vi) teve um período de défice funcional temporário parcial de 385 dias, com reflexo, pelo mesmo período, na actividade profissional total; (vii) a consolidação médico-legal verificou-se em 01-04-2011; e (viii) não aufere subsídio de doença, nem possui bens ou rendimentos, é de manter a indemnização de € 15 000 fixada pela Relação, a título de danos não patrimoniais, uma vez que, para além de não se afastar, de modo substancial, dos padrões jurisprudenciais adoptados pelo STJ em casos análogos, é consentânea com a gravidade dos danos e com a circunstância de o acidente ser exclusivamente imputável ao condutor do veículo seguro na ré e é equilibrada face à modesta situação económica da autora, por contraposição à da ré, que é uma companhia de seguros.

Decisão Texto Integral:

1. RELATÓRIO.



Acordam na 7ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça.



     AA veio intentar a presente acção com processo sumário contra BB Seguros, S.A., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia total de € 108.526,74, acrescida do montante referido no artigo 14.º da petição, bem como dos ordenados que, desde esta data, até ter alta, deixar de receber, a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento.

    Alegou, para tanto e em síntese, que no dia 13-03-2010, pelas 19h20, no cruzamento da Av. Marechal Gomes da Costa e da Rua de Serralves, no Porto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes o veículo por si conduzido, de matrícula ...-...- UR e o veículo de matrícula ...-...- VB, seguro na Ré, em virtude do qual sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial, cujo ressarcimento reclama da ré por o dito acidente ser exclusivamente imputável ao condutor do veículo aí seguro.

    Contestando, a Ré aceitou a culpa exclusiva do veículo seguro na produção do acidente, impugnando, no mais, a factualidade vertida na petição inicial.

                           

    A Autora requereu, entretanto, a ampliação do pedido para o montante global de € 378.526,74, ampliação essa que foi admitida por decisão de 22-04-2016.

                           

    Por sentença, proferida em 05-08-2016, a acção foi julgada parcialmente procedente e, em consequência, a Ré foi condenada a pagar à Autora a quantia de € 5.838,00 (deduzida das quantias já pagas), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, tendo sido absolvida do demais peticionado.

                           

    Inconformada com o assim decidido, recorreu a Autora, tendo o Tribunal da Relação do Porto decidido, por acórdão de 29-06-2017, julgar parcialmente procedente a apelação, com a alteração da sentença recorrida, condenando a ré no pagamento à Autora: a) Do montante correspondente aos acrescidos (para além dos que já tinha antes do acidente) tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) e às acrescidas consultas médicas e medicamentos que a Autora, em consequência do acidente, terá de realizar no futuro, a liquidar em execução de sentença; b) Da quantia de € 17.838,00 (deduzida das quantias já pagas), acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento.

    Não se conformando com o decidido recorreu agora a Ré de revista, terminando por pedir que o Acórdão da Relação seja revogado nos termos em que expõe.

    Foram para tanto apresentadas as seguintes,


    Conclusões.


 1) Resultou como provado nos presentes autos que "A Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar), em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, e carece de consultas médicas e de medicamentos" (facto provado 15) e que "Do relatório da perícia médico-legal a que a Autora foi submetida no âmbito destes autos consta, em conclusões, o seguinte: "A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 01-04-2011; Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 385 dias; Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total sendo assim fixável num período total de 385 dias; Quantum Doloris fixável no grau 3/7; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos; As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional, compatíveis com o exercício da actividade habitual, mas implicam esforços suplementares; Ajudas técnicas permanentes: assistência médica e ajudas medicamentosas" (facto provado 24).

 2) Nas alegações de recurso da Recorrida, a mesma alega que teria formulado este pedido, na petição inicial, de forma implícita.

3) O Acórdão recorrido considera, de forma paternalista, que o pedido formulado na petição inicial não havia sido implícito, mas, isso sim, expresso sendo que não assiste qualquer razão aos Senhores Juízes Desembargadores quando decidem deste modo.

4) A Autora, no art.° 14.° do petitório, alega que "Acresce que a Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar), em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, bem como de se deslocar em táxi, uma vez que não é indicado deslocar-se em transportes públicos e carece de consultas médicas e de medicamentos, até ter alta" (destaque nosso).

5) No pedido a Recorrida peticiona o seguinte: "Termos em que deverá a acção proceder, condenando-se a Ré a pagar à Autora €108.526,74, acrescido do montante referido no artigo 14.° bem como os ordenados que desde esta data, até ter alta, deixar de receber, a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral cumprimentos".

6) O art.° 14.° da petição inicial é muito claro no que diz respeito àquilo que a Recorrida pretende relegar para execução de sentença, ou seja, os tratamentos de fisiatria, as deslocações de táxi e as consultas médicas e medicamentosas até ter alta.

 7) Se as despesas são aquelas em que a Recorrida incorrer até ter alta, a mesma já teria que as ter apresentado no processo uma vez que, segundo resulta dos factos provados, a Recorrida teve alta clínica no dia 01.04.2011 (facto provado 24).

 8) Não podem os Senhores Juízes Desembargadores ficcionar um qualquer pedido explícito ou implícito pois o que a Recorrida peticionou nos presentes autos não foi aquilo em que os Senhores Desembargadores decidiram ao condenar a Recorrente no pagamento de despesas relacionadas com fisioterapia e despesas médicas e medicamentosas.

 9) Pese embora os factos provados 15 e 24, só os factos constantes do ponto 24 é que têm nexo causal com o sinistro dos autos, conforme resulta do relatório pericial de fls...

 10) Os factos constantes do ponto 15 dos factos provados não têm relação com o evento discutido nos presentes autos mas, isso sim, com maleitas/doenças das quais a Recorrida já padecia antes do sinistro dos autos.

 11) A Recorrida peticiona tratamentos de fisiatra e de fisioterapia sendo certo que, resultante do sinistro dos autos, apenas decorrerá para a mesma necessidade de despesas médicas e medicamentosas até à data da alta.

 12) O facto provado 24 é totalmente explícito neste sentido: "Ajudas técnicas permanentes: assistência médica e ajudas medicamentosas".

 13) Como a Recorrida apenas peticiona despesas em que incorra até à data da sua alta (que ocorreu no dia 01.04.2011), nunca a Recorrente teria de liquidar qualquer quantia a este título uma vez que todas as despesas em que a Autora incorreu até à referida data foram apresentadas nos autos e, por conseguinte, já constam dos valores indemnizatórios atribuídos à Recorrida na sentença proferida pelo Tribunal da Comarca do ....

 14) Sem prescindir, sempre se dirá que os tratamentos de fisioterapia não são tratamentos médicos nem, sequer, tratamentos medicamentosos.

 15) O Acórdão, por erro de interpretação e de aplicação, violou o disposto no art.° 609.°, n.º 1 do CPC pelo que deverá ser revogado nos precisos termos vindos de referir.

 16) Os danos morais ou prejuízos de ordem não patrimonial são prejuízos insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (como, por exemplo, a vida, a saúde, a liberdade, a beleza, etc.).

17) Não devem confundir-se com os danos patrimoniais indirectos, isto é, aqueles danos morais que se repercutem no património do lesado, como o desgosto que se reflecte na capacidade de ganho diminuindo-a, pois esta constitui um bem redutível a uma soma pecuniária.

 18) Porque estes danos não atingem o património do lesado, a obrigação de os ressarcir tem mais uma natureza compensatória do que indemnizatória, sem esquecer, contudo, que não pode deixar de estar presente a vertente sancionatória

19) O julgador deve ter em conta todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida, em esquecer a natureza mista da reparação, pois visa-se reparar o dano e também punir a conduta.

 20) No tocante aos danos não patrimoniais, o Acórdão aumenta o valor atribuído pelo Tribunal da Comarca do Porto de € 10.000,00 para € 15.000,00.

 21) Esta "ampliação" é injustificada e não se estriba em nenhum critério minimamente objectivável.

 22) Considerando os parâmetros acabados de traçar e tendo presente a matéria de facto dada como provada, a Recorrente considera, como já salientou anteriormente, que a decisão do Tribunal da Relação do Porto merece censura, quando fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais a serem arbitrados à Recorrida em € 15.000,00!

23) Tendo em consideração a idade da Recorrida à data da consolidação das sequelas de que fixou a padecer (45 anos de idade), a natureza dos danos físicos que resultaram para a mesma do sinistro, os períodos de convalescença, os tratamentos que teve de sofrer, a IPG de que fixou a padecer (3 pontos), o sofrimento/dores que padeceu (3 pontos), a quantia de € 10.000,00 afigura-se como completamente ajustada a indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pela recorrida.

  24) A tarefa de determinação/fixação indemnizatória (rectius da compensação) devida por danos não patrimoniais, deverá sempre ser orientada segundo critérios de equidade.

  25) Todavia, devido à sempre delicada e complicada tarefa de fixar quais os danos relevantes e qual a indemnização que lhes corresponderá, o legislador sentiu a necessidade de recorrer a um conjunto de normativos específicos que evidenciem, com objectividade, a transparência e justiça do modelo no seu conjunto e que sejam aptos a facilitar a tarefa de quem está obrigado a decidir.

 26)  É neste contexto que surge a Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, a qual veio fixar "os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal".

  27)  A Portaria n.° 377/2008 constitui um instrumento legislativo de enorme utilidade para, juntamente com outros critérios, avaliar do quantum indemnizatório a ser atribuído em sede de indemnizações, quer por danos patrimoniais quer por danos não patrimoniais.

 28)  Para se proceder à determinação do montante da indemnização a estabelecer nos presentes autos, e por forma a uniformizar cada vez mais as decisões dos Tribunais nesta matéria, princípio que se retira do art.° 8.°, n.° 3 do Código Civil, parece à Recorrente que as tabelas constantes da Portaria 377/08, de 26 de Maio, entretanto alteradas pela Portaria 679/2009, de 25 de Junho - diplomas que fixam os "critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização conforme o artigo 10, n.° 1 - deverão ser utilizadas como ponto de referência para os nossos cálculos.

29) Estamos perante uma posição clara tomada pelo legislador no sentido de uniformizar critérios, permitindo assim objectivar um pouco as margens onde deve intervir a equidade.

30) O valor a atribuir à Recorrida a título de danos não patrimoniais nunca poderia exceder o montante de € 10.000,00 e não a quantia manifestamente exorbitante de € 15.000,00.

  31) Deste modo, o douto Acórdão recorrido violou os artsº 494.° e 496.°, do Código Civil.

 32)  No que aos danos patrimoniais (dano biológico) diz respeito, o Tribunal a quo decidiu atribuir à Recorrida a quantia de €14.000,00, por contraposição aos €7.000,00 arbitrados pelo Tribunal Judicial da Comarca do ....

 33) Tendo em consideração a idade da Recorrida à data do sinistro (44 anos de idade), tendo ficado a mesma a padecer de uma IPG de 3 pontos, nunca o quantum indemnizatório por dano biológico poderia ultrapassar os €7.000,00, tendo-se por referência os mesmos parâmetros utilizados anteriormente.

 34) Termos em que a douta sentença do Tribuna Judicial da Comarca do Porto, violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos art.° S 494.°, 496.°, 563.° e 564.° do Código Civil, bem como o disposto na Portaria n.° 377/08, de 26 de Maio, entretanto alterada pela Portaria n.° 679/2009, de 25 de Junho.

 A recorrida contra-alegou.

      Corridos os vistos legais, cumpre decidir.



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2. FUNDAMENTOS.


Estão provados os seguintes,


2.1. Factos.


2.1.1. No dia 13 de Março de 2010, cerca das 19:20, no cruzamento da Avenida Marechal Gomes da Costa e da Rua de Serralves, no Porto, ocorreu um acidente de viação no qual foram intervenientes a Autora, conduzindo o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...-UR, propriedade do seu pai, CC, no sentido poente-nascente, e o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...- VB. Conduzido por DD do veiculo ligeiro de passageiros de matrícula ...-...- VB, conduzido por DD, propriedade de EE, no mesmo sentido, atrás da Autora:

2.1.2. A Autora seguia a velocidade não superior a 30 kms/h e na faixa de rodagem esquerda da via, dado que a avenida tem duas faixas de rodagem em cada sentido de marcha;

2.1.3. por seu turno, o condutor do VB seguia a velocidade não inferior a 70 kms/h:

2.1.4. E, ao avistar o veículo da Autora imobilizado antes da passadeira, para deixar passar peões, travou a fundo e derrapou, tendo deixado um rasto de travagem de 14 metros;  

2.1.5. Embatendo na traseira do veículo da Autora:

2.1.6. A data mencionada em 1., encontrava-se transferida para a Ré a responsabilidade civil por acidentes de viação causados pelo …-…-VB. através da apólice nº AU7…..6;

2.1.7. Mercê do embate, a Autora sofreu agravamento das lesões físicas de que já padecia anteriormente mormente traumatismo raquidiano, parestesias de mãos, braços e pés, cervicalgias, rigidez cervical e tensão miálgica dos trapézios, com dor lombar, a condicionar instabilidade emocional e física, com perturbação frequente da funcionalidade física, nomeadamente nas avds e deambulação;

2.1.8. Esteve acamada na residência durante 60 dias

2.1.9. Foi submetida a tratamentos de fisioterapia;

2.1.10. Andou com canadianas;

2.1.11. A Autora sofreu uma queda na entrada do Hospital …, por falência da MID. com laceração da pele na face medial do hallux e entorse da tibiotársica em inversão;

2.1.12. O embate sofrido no acidente causou à Autora susto e dores;

2.1.13. À data do acidente, a Autora tinha 44 anos de idade e auferia, como ..., o ordenado mensal de € 517,75 × 14 vezes/ano) e em gratificações, cerca de € 250.00 (12 × ano);

2.1.14. Desde a data do acidente, a Autora deixou de receber ordenados, subsídios de férias, subsídios de natal e gratificações;

2.1.15. A Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e Lombar em virtude das dores lombares e cervicais de que padece e carece de consultas médicas e de medicamentos.

2.1.16. A Autora não aufere qualquer subsídio de doença nem possui bens ou rendimentos, tendo de pagar renda de casa e tendo dois filhos menores a seu cargo;

2.1.17. A Autora é beneficiária da Segurança Social n.º 11…6;

2.1.18 A data de consolidação médico-legal dos danos físicos advenientes para a Autora em virtude do acidente verificou-se em 01.04.2011;

2.1.19. A Autora padecia de diversas patologias preexistentes à data do sinistro, nomeadamente doenças do foro psíquico e do foro ortopédico (ao nível da coluna lombar e cervical) que encontravam a ser acompanhadas clinicamente;

2.1.20. A Autora ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos:

2.1.21. Em 27 de Abril de 2012, a Ré remeteu à Autora uma missiva onde consta que “propomos o valor de indemnização global de 1715.50 € (já deduzido o valor de € 3.300.00 pagos a título de adiantamento por conta da indemnização final, que entendemos reunir os critérios de justiça e razoabilidade para a reparação integral e definitiva da totalidade dos donos sofridos (…)”.

2.1.22. A Ré adiantou à Autora, por conta da indemnização final, a quantia de € 3.300.00 e liquidou as despesas/valores no valor global de € 35.337,83

2.1.23. A Ré liquidou, ainda, a prestação mensal de € 510.00,00 a que ficou obrigada no âmbito do procedimento cautelar de reparação provisória apenso a estes autos consta, entre Julho de 2012 e Julho de 2015.

2.1.24. Do Relatório de Perícia médico-legal a que a Autora foi submetida no âmbito destes autos consta em conclusões o seguinte: “A data de consolidação médico-legal das lesões é fixável em 01-04-2011; Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período total de 385 dias; Quantum Doloris fixável no grau 3/1· Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos; As sequelas descritas são, em termos de repercussão Permanente na Actividade Profissional, são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; Ajudas técnicas permanentes: assistência médica e ajudas medicamentosas.”;

2.1.25. Do relatório de perícia médico-legal de psiquiatria a que a Autora foi submetida no âmbito destes autos consta, em conclusões, o seguinte: U Com base nos dados da história clínica e do exame do estado mental conclui-se que, do acidente em apreço, não resultou afectação funcional permanente da integridade psíquico da examinada.

 2.1.26. Os danos físicos referidos em 7 foram agravados pelo embate sofrido no acidente.

2.1.27. O acidente causou à Autora abalo psíquico.

    

   Não se provaram quaisquer outros factos. Designadamente que:

a) A Autora continue doente e com total impossibilidade para o trabalho e que fique com lesões para o resto da sua vida;

      b) o referido em 10. Tivesse durado 1 ano;

      c) o referido em 11. Tivesse sido consequência do acidente;

      d) À data do acidente, a Autora fosse forte, perfeita e saudável:

    e) A Autora tenha de se deslocar em táxi, urna vez que não é indicado deslocar-se e transportes públicos;

      f) A Autora houvesse despendido as seguintes quantias em despesas. As quais não foram reembolsadas pela Ré:

      - Despesas com transportes (táxis): € 1.595.45

      - Despesas com correios e fotografias das lesões: € 61,01

      - Despesas com médicos e farmácias: € 472.41;

   g) Mercê dos ferimentos sofridos com o acidente, a Autora ficasse afectada de uma incapacidade permanente para o trabalho de 100%;

   h) A Autora careça de uma pessoa para a auxiliar nas tarefas domésticas, as quais de deixou poder executar em virtude das sequelas decorrentes dos ferimentos;

   i) A IPG referida em 20. não provocasse para a Autora qualquer tipo de rebate profissional;)

   j) A Autora necessitasse de uma média de € l00,00/mês, pelo período de 3 anos, para ajuda médica e medicamentosa.



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  2.2. O Direito.


    Nos termos do preceituado nos arts.º 608.º nº 2, 635.º nº 3 e 690.º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, cumpre focar os seguintes pontos:

 - Questão prévia: admissibilidade e objecto do recurso de revista:

   - Tratamento jurídico das questões decidendas (à luz da doutrina e da jurisprudência):

   - a) Da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC (pontos 1. a 15. das conclusões):

   - b) Da determinação do quantum indemnizatório devido à ré pelo dano patrimonial futuro e pelos danos não patrimoniais (pontos 16. a 34. das conclusões):


+


    

   2.2.1. Questão prévia: admissibilidade e objecto do recurso de revista.


   Previamente à delimitação do objecto do recurso, importa fazer uma breve referência quanto à sua admissibilidade.

   Dispõe o art. 629.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (doravante CPC) que o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.

   Como refere Alberto dos Reis (Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, reimpressão, 3.ª edição 1952, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 220) a alçada é o limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário e daí que, em regra, a parte vencida apenas possa recorrer da decisão se o valor da causa exceder a alçada do tribunal que a proferiu e se tiver decaído em, pelo menos, metade dessa alçada.

   Estando a alçada da Relação fixada, em matéria cível, em € 30.000,00 (cf. art. 44.º da LOSJ, aprovada pela Lei n.º 61/2013, de 26-08), em princípio, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça em processos de valor superior àquele.

    A este requisito geral de recorribilidade acresce o da sucumbência, que impõe que a parte vencida, para poder recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça, decaia em, pelo menos, € 15.000,01.

    No caso, não se suscitam dúvidas quanto ao preenchimento do pressuposto atinente ao valor da causa, posto que este é de € 108.526,74 (art. 297.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

    Porém, no que toca à sucumbência, importa atentar nos termos das condenações das instâncias, uma vez que, em conformidade com o AUJ n.º 10/2015, de 14-05-2015 (publicado no DR, I Série, de 26-06-2015), Conformando-se uma parte com o valor da condenação na 1.ª instância e procedendo parcial ou totalmente a apelação interposta pela outra parte, a medida da sucumbência da apelada, para efeitos de ulterior interposição de recurso de revista, corresponde à diferença entre os valores arbitrados na sentença de 1.ª instância e o acórdão da Relação.

     Vejamos:

    A 1.ª instância condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 5.838,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Já a Relação, alterando essa decisão, condenou a Ré no pagamento à Autora da quantia de € 17.838,00 acrescida dos juros de mora, à taxa legal, vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento, bem como no montante a liquidar ulteriormente, correspondente aos acrescidos tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) e às acrescidas consultas médicas e medicamentos que a Autora, em consequência do acidente, terá de realizar no futuro.

   Na parte que ora releva (por ser a que é posta em causa na presente revista), resulta, da comparação que se faça, entre os valores arbitrados pelas instâncias, que a 1.ª instância atribuiu à Autora, a título de dano biológico, a quantia de € 7.000,00 e, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00, enquanto a Relação fixou, por esses mesmos danos, as quantias, respectivamente, de € 14 000,00 e de € 15 000,00 (sendo que as condenações nos valores já liquidados que supra se descreveram resultaram da subtracção das quantias já pagas pela ré, que ficaram demonstradas nos autos).

   Assim sendo e olhando apenas às quantias que foram objecto de condenação líquida, é evidente que, situando-se a sucumbência da recorrente no valor de € 12.000,00 (diferença entre o valor fixado numa e noutra decisão), o recurso não seria admissível por falta de preenchimento do dito requisito, mas a verdade é que a Relação condenou igualmente aquela, no acórdão recorrido, numa quantia ilíquida, sem que existam quaisquer elementos nos autos que a permitam quantificar, sendo certo que a recorrente põe igualmente em causa, na revista interposta, a condenação nessa parte.

    Ora, ciente de que nem sempre se mostra fácil ou possível quantificar a sucumbência (designadamente quando estejam em causa pedidos que não tenham uma clara tradução monetária ou pedidos genéricos), o legislador adoptou uma solução pragmática, mandando atender, nessas situações de dúvida fundada acerca do valor da sucumbência, apenas ao valor da causa (art. 629.º, n.º 1, in fine, do CPC). Donde, não sendo, in casu, possível quantificar o valor da sucumbência da recorrente na parte concernente à condenação ilíquida, há que privilegiar apenas o valor do processo, sendo, consequentemente, admissível o recurso de revista, cujo objecto importa, então, delimitar.

    

    2.2.2. Tratamento jurídico das questões decidendas (à luz da doutrina e da jurisprudência):

    a) Da violação do disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC (pontos 1. a 15. das conclusões):

    Sustenta, a este propósito, a recorrente, que, face ao art. 14.º da petição inicial, para o qual remete a Autora no pedido formulado, esta apenas pediu a sua condenação no pagamento da quantia de € 108.526,74, acrescida do montante dos tratamentos de fisiatria, em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, das deslocações de táxi (por não ser indicado deslocar-se em transportes públicos) e das consultas médicas e medicamentos, até ter alta, bem como dos ordenados que, desde essa data até ter alta, deixar de receber, a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento. Pelo que, sendo o art. 14.º da petição muito claro no que diz respeito àquilo que a recorrida pretendia relegar para execução de sentença – ou seja, os tratamentos de fisiatria, as deslocações de táxi e as consultas médicas e medicamentosas até ter alta - não podia a Relação ter ficcionado um qualquer pedido explícito ou implícito já que o que aquela peticionou nos autos não foi aquilo em que a Relação decidiu condenar a recorrente, sendo certo que as despesas que foram peticionadas até à data da alta (ocorrida em 01-04-2011) foram apresentadas nos autos e já constam dos valores indemnizatórios atribuídos à recorrida na sentença.

    Concluiu dizendo que, ao ter assim procedido – isto é, ao tê-la condenado nos aludidos tratamentos de fisiatria, consultas e medicamentos cujo montante relegou para execução de sentença – a Relação violou, no acórdão recorrido, o disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC.

    Tal condenação surgiu na sequência de, em sede de apelação, a Autora ter invocado a nulidade da sentença nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC por o tribunal de 1.ª instância não se ter pronunciado sobre o pedido implícito de condenação da ré no pagamento dos tratamentos de fisiatria e fisioterapia, ainda que a liquidar em execução de sentença.

   Apreciando a invocada nulidade, a Relação concluiu que, efectivamente, apesar de a Autora ter formulado o pedido de condenação da ré no pagamento dos valores necessários para continuar a fazer tratamentos de fisioterapia e dos valores relacionados com as deslocações em transporte de táxi para fazer esses tratamentos – fazendo, portanto, um pedido explícito e não implícito – o tribunal de 1.ª instância não se havia pronunciado sobre essa pretensão, cometendo, em consequência, nulidade por omissão de pronúncia.

   Nessa conformidade, suprindo a nulidade verificada, a Relação condenou à Ré no pagamento à Autora das quantias relacionadas com os ditos tratamentos e consultas que esta terá de continuar a fazer e com os medicamentos de que continuará a carecer em virtude do acidente, tudo a liquidar em execução de sentença, de modo a distinguir aqueles que a Autora já teria de fazer e de tomar antes do acidente por força das patologias pré-existentes que ficaram provadas nos autos, daqueles que, por força do acidente, terá de fazer e de tomar.

     Vejamos, então, se assiste razão à recorrente.

   Dispõe o art. 609.º, n.º 1, do CPC que “sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”.

    Conforme ensina, a este propósito, Alberto dos Reis (ob. cit., volume V, p. 67 a 70), trata-se de limite que se encontrava já previsto no artigo 281º do Código velho que proibia que, na sentença, o juiz condenasse além, ou em coisa diversa, do que se houvesse pedido.

    Com efeito, A sentença deve manter-se quanto ao seu conteúdo, dentro dos limites definidos pela pretensão do autor e da reconvenção eventualmente deduzida pelo réu, não podendo o juiz proferir sentença que transponha os limites do pedido, quer no que respeita à quantidade, quer quanto ao seu próprio objecto.

    A limitação contida no normativo em questão – consubstanciada na velha máxima do direito romano ne eat iudex ultra vel extra petita partium - constitui um corolário do princípio dispositivo, numa área que constitui o núcleo irredutível deste princípio. Será, assim, sobre o titular de determinado direito subjectivo que recairá o ónus de escolher, de entre diversas providências possíveis, aquela que melhor satisfaça os seus interesses, sendo o tribunal alheio a essa escolha, que depende única e exclusivamente da vontade do interessado e que uma vez efectuada – através da dedução do pedido – delimitará os poderes do juiz (art. 3.º, n.º 1, do CPC).

    Os tribunais são órgãos incumbidos de dirimir os conflitos reais formulados pelas partes, mas não constituem, no foro da jurisdição cível contenciosa, instrumentos de tutela ou curatela de nenhum dos litigantes e daí que quando não haja coincidência entre a decisão e o pedido a lei fulmine a sentença com o vício da nulidade – artigo 615º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil.

    No caso vertente e como se referiu, sustenta a recorrente, que, ao tê-la condenado no pagamento do montante correspondente aos tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) e às acrescidas consultas médicas e medicamentos que a Autora, em consequência do acidente, terá de realizar no futuro, a liquidar em execução de sentença, a Relação violou, no acórdão recorrido, o disposto no art. 609.º, n.º 1, do CPC já que a Autora apenas peticionou nos autos os ditos tratamentos, consultas e medicamentos até ter alta e ficou provado que a mesma teve alta clínica no dia 01-04-2011 (cf. facto provado sob o ponto 24.) e tanto assim é que a recorrida alegou, em sede de apelação, que teria formulado esse pedido de forma implícita e a Relação, de forma paternalista, considerou que teria havido pedido expresso nesse sentido. E, de facto, no acórdão recorrido, o Tribunal da Relação, depois de ter feito referência à matéria fáctica dada como provada sob os pontos 15. e 24., concluiu que não se vislumbrava motivo para que a Autora não tivesse direito a ser ressarcida das mencionadas despesas (embora restringindo-as às que resultaram do acidente e não por causa de doença anterior) e que tendo sido formulado pedido expresso nesse sentido, ainda que não quantificado, o tribunal de 1.ª instância deveria ter-se pronunciado sobre ele.

Tal entendimento ancorou-se no facto de a Relação ter considerado que a consolidação médico-legal – fixada em 01-04-2011 – não significava que a Autora tivesse ficado curada, mas sim e apenas que a partir dessa data não mais as lesões evoluíram ou involuíram, tendo ficado consolidadas, com a fixação do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica em 3 pontos.

    Ora, ainda que se reconheça que a consolidação médico-legal não afasta, necessariamente, a circunstância de o lesado poder continuar a carecer de tratamentos ou de consultas e medicamentos, embora os mesmos já não se destinem a obter uma melhoria da situação (por não ser possível), mas antes tão só apenas a evitar o seu retrocesso ou um novo agravamento da situação já estabilizada, a verdade é que essa afirmação não justifica a condenação proferida pela Relação neste particular. E muito menos a justifica a circunstância de ter ficado demonstrado que a Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) em virtude das dores lombares e cervicais de que padece e carece de consultas médicas e de medicamentos (facto provado sob o ponto 15.), posto que o que importava verdadeiramente saber, antes de apurar se a Autora tinha ou não direito a ser ressarcida das mencionadas importâncias, era se a Autora as tinha peticionado nos autos.

    A Relação concluiu que tinha havido pedido expresso nesse sentido. Porém, sem razão e sem que tenha justificado essa conclusão, crendo-se que esta, salvo o devido respeito, apenas poderá encontrar explicação numa leitura, porventura, menos atenta da petição inicial.

     Senão vejamos:

    É pacífico que a petição inicial (na qual é deduzido o pedido) – constituindo uma declaração da parte, por escrito, que, embora dirigida a tribunal, opera no confronto da parte contrária – deve ser interpretada à luz do disposto nos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil. Com efeito, revestindo a petição, à semelhança dos outros articulados, a natureza de acto jurídico, a sua interpretação deve ser feita, face ao disposto no art. 295.º do CC, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial. Para além disso, o pedido deve ser interpretado à luz da causa de pedir em que se alicerça[1].

   O pedido formulado pela Autora na petição inicial tem o seguinte teor:

   “Termos em que deverá a acção proceder, condenando-se a Ré a pagar à Autora € 108.526,74, acrescido do montante referido no artigo 14.º bem como os ordenados que desde esta data, até ter alta, deixar de receber, a liquidar ulteriormente, tudo acrescido de juros desde a citação até efectivo e integral pagamento”. Consta, por sua vez, do artigo 14.º da petição para o qual remete o petitório:

“Acresce que a Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar), em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, bem como de se deslocar em táxi, uma vez que não é indicado deslocar-se em transportes públicos e carece de consultas médicas e de medicamentos, até ter alta (negrito e sublinhado nossos).

    A Autora ancorou os danos peticionados, além do mais, nos seguintes factos:

     Mercê do embate a Autora:

     a) sofreu danos físicos (…);

(…)

   e) continua doente e com total impossibilidade para o trabalho, não sendo previsível quando venha a ter alta para retomar o trabalho;

    f) ainda não está curada, nem sequer se encontra fixada a incapacidade de que padece em virtude do acidente, pelo que não lhe pode ser dada alta médica (…)”.

   Já na ampliação do pedido que apresentou, depois de se terem realizado várias sessões da audiência de julgamento, a Autora não fez qualquer referência ao aludido pedido de condenação da ré no pagamento do montante para tratamentos, consultas e medicamentos, mantendo-se, portanto, quanto a este apenas o que verteu inicialmente na petição.

    Nesta conformidade, da interpretação que se faça do pedido nos termos supra expostos e à luz da causa de pedir, resulta ser evidente que o mesmo é expresso no sentido de a Autora pretender que a Ré seja condenada a pagar-lhe o montante para futuros tratamentos, consultas e medicamentos (isto é, os que tenha de efectuar depois da entrada da acção em juízo). Contudo, apenas até ter alta. Na verdade, é esse o sentido que qualquer destinatário, colocado na posição da ré, atribuiria ao pedido formulado nos autos.

   Para essa delimitação temporal, terá certamente contribuído a circunstância de a Autora ter partido do pressuposto que, em 28-09-2012 (data da propositura da acção), ainda não lhe tinha sido dada alta, que não se encontrava curada e que, como tal, também ainda não lhe tinha sido fixada a incapacidade de que ficou a padecer em virtude do acidente.

    Sucede, porém, que ficou demonstrado nos autos que a data da consolidação médico-legal dos danos físicos advenientes para a Autora em virtude do acidente se verificou em 01-04-2011 (cf. facto provado sob o ponto 18.) e, portanto, em data anterior à da propositura da acção.

    Ora, a data da consolidação médico-legal mais não é do que, em linguagem corrente, a data da alta.

    Por conseguinte, correspondendo a alta clínica à situação em que a lesão desapareceu totalmente (cura) ou se apresenta como insusceptível de modificação com terapêutica adequada (consolidação), é de concluir que, ao ter condenado a ré no pagamento à Autora do montante para tratamentos, consultas e medicamentos, a liquidar ulteriormente, sem qualquer limite temporal, a Relação excedeu claramente o pedido, posto que este estava expressamente delimitado até à data da alta.

Sublinhe-se, de resto, que foi a Autora que optou por limitar o seu pedido apenas até à data da alta, o que, de resto, acabou por reconhecer, já que só assim se explica que tenha tido necessidade de alegar, em sede de recurso de apelação, que tal pedido tinha sido formulado de forma implícita, quando, na verdade, o mesmo foi expresso e claro no apontado sentido.

   Pelas razões aduzidas, forçoso é concluir que o acórdão recorrido, na parte em que condenou a Ré no pagamento do montante, a liquidar ulteriormente, sem qualquer limite temporal, para tratamentos, consultas e medicamentos de que carecer a Autora em virtude do acidente, enferma de nulidade por condenação em montante que extravasa o pedido (arts. 609.º, n.º 1, e 615.º, n.º 1, alínea e), do CPC).

    Cumpre, assim, suprir a mencionada nulidade, conhecendo do pedido formulado pela recorrente, o qual, face ao que acima se deixou dito, tem, naturalmente, de claudicar (art. 684.º, n.º 1, do CPC).

    Com efeito, tendo a Autora peticionado a condenação da ré no pagamento do montante, a liquidar ulteriormente, para tratamentos de fisiatria, consultas e medicamentos, desde a data da propositura da acção até ter alta e tendo ficado demonstrado nos autos que a alta ocorreu em 01-04-2011, altura em que se consolidaram as lesões sofridas, é evidente que o pedido tem de improceder na medida em que quando a petição deu entrada em juízo (em 28-09-2012) já há muito que a alta tinha ocorrido.

    Tal conclusão em nada sai beliscada pela circunstância de ter ficado demonstrado nos autos que a Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) em virtude das dores lombares e cervicais de que padece, bem como que carece de consultas médicas e medicamentos, posto que o direito a ser ressarcida por eventuais tratamentos, consultas e medicamentos de que possa carecer, no futuro, em virtude do acidente em questão, estava dependente de a mesma ter formulado pedido nesse sentido, incluindo para além da data da alta – sendo certo que se a Autora não o fez, sibi imputet.

    Pelo exposto, suprindo a nulidade de que enferma o acórdão recorrido, há que revogar o segmento decisório em questão, com a consequente absolvição da Ré desse pedido.


   b) Da determinação do quantum indemnizatório devido à ré pelo dano patrimonial futuro e pelos danos não patrimoniais (pontos 16. a 34. das conclusões):

Insurge-se a recorrente quanto aos montantes indemnizatórios que foram fixados à Autora, no acórdão recorrido, a título de dano biológico e de danos não patrimoniais, pretendendo repristinar, neste particular, os valores que haviam sido fixados, a esse título, pelo tribunal de 1.ª instância.

    Sustenta, para tanto, que os aumentos efectuados no acórdão recorrido, no que tange a esses danos, são injustificados e não se estribam em nenhum critério minimamente objectivo, devendo, como tal, essas indemnizações – face aos parâmetros que devem ser utilizados para as calcular, orientados pela equidade, mas também pelas tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, e face aos factos dados como provados, - ser fixadas nos valores, respectivamente, de € 7.000,00 e de € 10.000,00 como fez a 1.ª instância.

     Vejamos:

    A Relação fixou os valores devidos para reparação/compensação do dano patrimonial futuro e dos danos não patrimoniais respectivamente em € 14.000,00 e em 15.000,00.

O Supremo Tribunal de Justiça, sendo um tribunal de revista, só conhece, em regra, de matéria de direito (arts. 674.º, e 682.º do CPC).

   É incontroverso que, na determinação dos aludidos montantes indemnizatórios, a Relação se socorreu da equidade (art. 566.º, n.º 3, do CC).

    Conforme vem sendo reiteradamente sublinhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tal juízo de equidade das instâncias, alicerçado, não na aplicação de um estrito critério normativo, mas na ponderação das particularidades e especificidades do caso concreto, não integra, em bom rigor, a resolução de uma questão de direito, pelo que tal juízo prudencial e casuístico das instâncias deverá, em princípio, ser mantido, salvo se o julgador se não tiver contido dentro da margem de discricionariedade consentida pela norma que legitima o recurso à equidade – muito em particular, se o critério adoptado se afastar, de modo substancial e injustificado, dos critérios ou padrões que generalizadamente se entende deverem ser adoptados, numa jurisprudência evolutiva e actualística, abalando, em consequência, a segurança na aplicação do direito, decorrente da necessidade de adopção de critérios jurisprudenciais minimamente uniformizados e, em última análise, o princípio da igualdade.

    Deste modo, o que importa, essencialmente verificar, em sede de revista, é se os critérios seguidos e que estão na base dos valores indemnizatórios fixados são passíveis de ser generalizados para todos os casos análogos – arts. 13.º da CRP, e 8.º, n.º 3, do CC (    Para tal verificação, importa relembrar a matéria fáctica dada como provada que releva para apreciação destas questões decidendas[2].

    No que ora releva, provou-se que, mercê do embate, ocorrido em 13-03-2010:

    7 – (…) a Autora sofreu agravamento das lesões físicas de que já padecia anteriormente, mormente traumatismo raquidiano, parestesias de mãos, braços e pés, cervicalgias, rigidez cervical e tensão miálgica dos trapézios, com dor lombar, a condicionar instabilidade emocional e física com perturbação frequente da funcionalidade física, nomeadamente nas avds e deambulação.

     8 – Esteve acamada na residência durante 60 dias;

     9 – Foi submetida a tratamentos de fisioterapia; e

     10 – Andou com canadianas;

     Mais se provou que:

     12 – O embate sofrido no acidente causou à Autora susto e dores.

     13 – À data do acidente, a Autora tinha 44 anos de idade e auferia, como cabeleireira, o ordenado mensal de € 517,75 (14 x ano) e em gratificações, cerca de € 250,00 (12 x ano).

(…)

    15 – A Autora carece de continuar a fazer tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar), em virtude das dores de que padece, e carece de consultas médicas e medicamentos.

    16 – A Autora não aufere qualquer subsídio de doença, nem possui bens ou rendimentos, tendo de pagar a renda da casa e tendo dois filhos menores a seu cargo.

(…)

    18 – A data da consolidação médico-legal dos danos físicos advenientes para a Autora em virtude do acidente verificou-se em 01-04-2011.

    19 – A Autora padecia de diversas patologias pré-existentes à data do sinistro, designadamente doenças do foro psíquico e do foro ortopédico (ao nível da coluna lombar e cervical) que se encontravam a ser acompanhadas clinicamente.

   20 – A Autora ficou a padecer de uma IPG de 3 pontos;

(…)

    24 – Do relatório da perícia médico-legal a que a Autora foi submetida no âmbito destes autos consta, em conclusões, o seguinte: “A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 01-04-2011; Período de Défice Funcional Temporário Parcial sendo assim fixável num período de 385 dias; Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total, sendo assim fixável num período total de 385 dias; Quantum Doloris fixável no grau 3/7; Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica fixável em 3 pontos; As sequelas descritas são compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicam esforços suplementares; Ajudas técnicas permanentes: assistência médica e ajudas medicamentosas”.

   25 – Do relatório de perícia médico-legal de psiquiatria a que a Autora foi submetida no âmbito destes autos consta, em conclusões, o seguinte: “Com base nos dados da história clínica e do exame do estado mental conclui-se que, do acidente em apreço, não resultou afectação funcional permanente da integridade psíquica da examinada”.

    A Relação, reapreciando a decisão da matéria de facto, deu ainda como provada a seguinte factualidade:

    - Os danos físicos referidos em 7. foram agravados pelo embate sofrido no acidente.

    - O acidente causou à Autora abalo psíquico.

    Conforme tem sido, reiteradamente, afirmado pelo Supremo Tribunal de Justiça em inúmeros arestos, a lesão corporal sofrida em consequência de acidente de viação constitui, em si, um dano real ou antevendo, que tem vindo a ser designado por dano biológico, na medida em que afecta a integridade físico-psíquica do lesado, dele podendo derivar quer a perda ou a diminuição da capacidade do lesado para o exercício da sua profissão habitual ou para o exercício de outras actividades profissionais ou económicas, susceptíveis de ganhos materiais, quer a perda ou diminuição da sua capacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia.

    Acresce que, estando-se no domínio do dano futuro, produzido em considerável período temporal, o dano biológico dificilmente se exprime por fórmulas aritméticas ou sequer pelas tabelas constantes da Portaria n.º 377/2008, de 26-05, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25-06, antes devendo ser fixado por recurso à equidade (arts. 564.º, e 566.º, n.º 3, do CC), já que, conforme vem sendo pacificamente entendido, aquelas tabelas apenas relevam no plano extrajudicial (isto é, em sede de “proposta razoável para indemnização do dano corporal”) ou, quando muito, como critério orientador ou referencial, mas nunca vinculativo para os tribunais).

No caso sub judice, não vem sequer questionada a ressarcibilidade deste dano, mas antes tão só e apenas a determinação do seu quantum,

    Retomando a matéria fáctica dada como provada e considerando os factores que, usualmente, relevam para aferir do dano biológico, haverá que ponderar, in casu, a idade da Autora (44 anos à data do acidente e 45 anos à data da consolidação médico-legal), o prejuízo funcional decorrente da afectação da sua integridade físico-psíquica (fixada em 3 pontos) e o maior esforço que a mesma terá de empreender no exercício da sua profissão habitual, o qual se repercutirá no seu padrão de vida, actual e vindouro. Com efeito, as lesões de que a Autora padecia, que se agravaram por força do acidente, mormente ao nível da coluna cervical e lombar, e que vieram a determinar a aludido défice funcional permanente (ainda que de reduzida expressão), embora sejam compatíveis com o exercício da actividade profissional habitual da Autora, exigem esforços suplementares, sendo, nessa medida, susceptíveis de afectar quer as possibilidades de progressão na sua profissão de cabeleireira (tanto mais que esta, como é sabido, implica o uso do braços e das mãos e a permanência de pé por longos períodos de tempo), quer ainda, face à idade da Autora, as possibilidades de futura mudança ou reconversão profissional.

    Pelo que, tendo em conta os aludidos factores, afigura-se que a indemnização de € 14.000 fixada pela Relação, a título de dano patrimonial futuro (dano biológico), não colide substancialmente com os critérios ou padrões jurisprudenciais adoptados pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos análogos ou similares, razão pela qual, situando-se o juízo prudencial e casuístico que foi feito no acórdão recorrido ainda dentro da margem de discricionariedade que legitima o recurso à equidade, não há razões para dele dissentir.

    Por seu turno e no que concerne ao quantitativo indemnizatório atribuído a título de danos não patrimoniais, valem, mutatis mutandis, as considerações acima expendidas acerca do juízo de equidade segundo o qual aquele quantitativo deve ser fixado, bem como as circunstâncias referidas no art. 494.º do CC (grau de culpabilidade do agente, situação económica do lesado e do lesante e demais circunstâncias do caso), tudo nos termos do art. 496.º, n.ºs 1 e 4, do mesmo Código

    Nesta conformidade, para aferir da correcção do montante fixado pela Relação a título de danos não patrimoniais, há que atentar, para além da idade da Autora (44 à data do acidente e 45 à data da consolidação) e do défice funcional permanente que lhe foi fixado (3 pontos, compatível com o exercício da actividade habitual, embora com esforços suplementares, mas sem afectação funcional permanente da integridade psíquica), no seguinte quadro fáctico provado: (i) a Autora padecia de diversas patologias pré-existentes à data do sinistro, designadamente doenças do foro psíquico e do foro ortopédico (ao nível da coluna lombar e cervical) que se encontravam a ser acompanhadas clinicamente; (ii) mercê do embate ocorrido em 13-03-2010, verificou-se um agravamento das lesões físicas de que já padecia (designadamente traumatismo raquidiano, parestesias de mãos, braços e pés, cervicalgias, rigidez cervical e tensão miálgica dos trapézios, com dor lombar); (iii) esteve acamada na sua residência durante 60 dias; (iv) andou de canadianas e foi submetida a tratamentos de fisioterapia; (v) o embate causou-lhe susto, dores e abalo psíquico, sendo o quantum doloris fixável no grau 3/7; (vi) teve um período de défice funcional temporário parcial de 385 dias, com reflexo, pelo mesmo período, na actividade profissional total (e, portanto, durante um ano); (vii) a consolidação médico-legal das lesões verificou-se em 01-04-2011; (viii) a situação económica da Autora caracterizada pelo facto de não auferir qualquer subsídio de doença, nem possuir bens ou rendimentos, tendo de pagar a renda da casa e tendo dois filhos menores a seu cargo.

    Tendo em conta os factos supra enunciados, bem como os critérios ou padrões jurisprudenciais que vêm sendo seguidos pelo Supremo Tribunal de Justiça em casos idênticos, que se mostram supra retratados, crê-se, mais uma vez, que a indemnização de € 15.000 fixada pela Relação, a título de danos não patrimoniais, não se afasta, de forma substancial, dos ditos padrões, sendo ao invés, consentânea com a gravidade dos danos e bem assim com a circunstância de o acidente ser exclusivamente imputável ao condutor do veículo seguro da ré (sem que, portanto, a Autora tenha contribuído para a sua produção), sendo ainda equilibrada face à situação económica modesta da Autora, por contraposição à da ré, que é uma companhia de seguros, pelo que, situando-se o juízo prudencial e casuístico que foi feito pelo tribunal recorrido dentro da margem de discricionariedade que lhe é legalmente consentida, por recurso à equidade, não se vislumbram razões para alterar o decidido.

    De resto, é no sentido exposto que tem decidido o Supremo Tribunal de Justiça em inúmeros arestos, transcrevendo-se, por ser ilustrativo do entendimento aqui sufragando, o trecho do seguinte sumário: (…) V - Deve ser mantido o juízo de equidade formulado pela Relação na fixação das indemnizações por dano biológico e por danos não patrimoniais, se o mesmo, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso, não se revela colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade (Acórdão de 05-12-2017, Revista n.º 1452/13.4TBAMT.P1.S1 - 1.ª Secção, disponível em www.dgsi. pt).

    Tudo para concluir que a revista apenas procede parcialmente, mantendo-se, pois, o decidido no acórdão recorrido, isto é, na parte em que condenou a ré no pagamento à Autora das quantias líquidas, deduzidas dos montantes já pagos, que se mostram demonstrados nos autos.


    3. DECISÃO


    Por todo o exposto, decide-se o seguinte:

   Concede-se parcialmente a revista e, consequentemente:

    a) Suprindo a nulidade de que padece o acórdão recorrido, revoga-se este último na parte em que condenou a ré no pagamento à Autora do montante correspondente aos acrescidos (para além dos que já tinha antes do acidente) tratamentos de fisiatria (fisioterapia cervical e lombar) e acrescidas consultas médicas e medicamentos que, a Autora, em consequência do acidente, terá de realizar no futuro, a liquidar em execução de sentença,

b) Mantém-se no mais todo o decidido.


   Custas na proporção do vencimento/decaimento.


Lisboa, 17 de Maio de 2018


Távora Victor (Relator)

António Joaquim Piçarra

Fernanda Isabel Pereira


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[1] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-03-2004, proc. 04B107 e 21-04-2005, proc. 05B942 in Bases da DGSI

[2] cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-01-2016, proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt; e ainda, neste sentido, entre muitos outros, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02-06-2016, proc. 959/11.2TBSJM.P1.S1, http://www.stj.pt/ficheiros/jurisp-sumarios/civel/Civel2016.pdf).