Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
44/08.4TBFAG.C2.S1
Nº Convencional: 7ª SECÇÃO
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
DECLARAÇÃO DE UTILIDADE PÚBLICA
AUTO-ESTRADA
NEXO DE CAUSALIDADE
DANO
AMBIENTE
RUÍDO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO ADMINISTRATIVO - EXPROPRIAÇÕES.
DIREITO CIVIL - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES / OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- Fernando Alves Correia, Manual de Direito do Urbanismo, Volume II, Almedina, 2010, 261, nota 238; in Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 134.º, 99.
- Salvador da Costa, “Código das Expropriações” e “Estatuto dos Peritos Avaliadores”, Almedina, 2000, 216-217.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGO 564.º, N.º 2.
CÓDIGO DAS EXPROPRIAÇÕES DE 1999 (CEXP): - ARTIGOS 23.º, N.º1, 29.º, N.º2, 66.º, N.º5
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC) / 2013: - ARTIGO 629.º, N.º1, ALÍNEA D).
Jurisprudência Nacional:
JURISPRUDÊNCIA

*NO SENTIDO DA RESSARCIBILIDADE:

ACÓRDÃOS DO S.T.J.
-DE 10-1-2013, P.º N.º 3059/07.6TBBCL.G1.S1
-DE 1-3-2001, P.º N.º 01A058 E TAMBÉM NA R.L.J.,ANO 134.º, 87/92

ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DE COIMBRA
-DE 23-2-2014, P.º N.º 2741/08.5TBVIS

-

*NO SENTIDO DA IRRESSARCIBILIDADE:

ACÓRDÃOS DO S.T.J.
-DE 9-7-2014, P.º N.º 2053/07.1TBFAF.G1
-DE 18-2-2014, P.º N.º 934/11.7TBOAZ.S1
-DE 6-9-2011, P.º N.º 3116/06.6TBBCL.G1.S1-1ª SECÇÃO
-DE 7-7-2009, P.º N.º 95/09.1YFLSB - 1.ª SECÇÃO
-DE 25-3-2009, P.º N.º 08A3820

ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE COIMBRA
-DE 13-2-2011, P.º N.º 182/04
-DE 2-7-2009, P.º N.º1363/06
-DE 29-6-2009, P.º N.º1176/06
-DE 8-3-2006, P.º N.º 70/06

ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
-DE 25-6-2009, P. 431/06
-DE 16-3-2005, 2333/04 -1 E TAMBÉM NA C.J.,2, 287


ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DE LISBOA
-DE 20-11-2012, P.º N.º 4136/99
-DE 8-3-2007, P.º N.º 8774/2006

ACÓRDÃOS DA RELAÇÃO DO PORTO
-DE 23-1-2012, P.º N.º 852/10.6TBCHV.P1 E TAMBÉM NA C.J.,1, 184
-DE 16-12-2009, P.º N.º 1031/07
-DE 8-9-2009, P.º N.º 1157/06
-DE 24-6-2008, P.º N.º 318/2000
-DE 20-4-2006, P.º N.º 0631436
Sumário :
I - Constitui princípio geral do direito que rege a indemnização na expropriação por utilidade pública que esta seja calculada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (art. 23., n.º 1, do CExp 1999), não podendo, por isso, serem considerados prejuízos que não provêm do ato expropriativo, mas unicamente da obra que justificou a expropriação.

II - Os prejuízos a que alude o art. 29.º, n.º 2, do CExp 1999 são os que resultam da divisão do prédio expropriado, não contemplando esse preceito os prejuízos que resultem da obra construída, no caso de uma autoestrada, designadamente os que se possam traduzir em perda de qualidade ambiental ou acréscimo de riscos provenientes da circulação rodoviária ou violação de direito de personalidade do morador em habitação sita próxima da via rodoviária.

Decisão Texto Integral: N.º44/08.4TBFAG.C2.S1[1]


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


1. Os presentes autos respeitam à expropriação por utilidade pública em que é expropriante EP - Estradas de Portugal - EPE, expropriação declarada com caráter de urgência conforme despacho do Secretário de Estado Adjunto das Obras Públicas, de 16-8-2006, publicado no DR, II Série, n.º 175 de 11-9-2006.

2. A expropriação teve em vista as parcelas, propriedade de AA, necessárias à construção da obra A/25/IP5 - Lanço Mangualde/Guarda - Sublanço Mangualde Fornos de Algodres - Ligação a Fornos de Algodres.

3. As parcelas expropriadas situam-se na freguesia de Fornos de Algodres e estão identificadas com os nºs 12 (área de 3274 m2), este a desanexar do prédio inscrito na matriz predial rústica sob o artigo n.º ..., n.º10 com a área de 22 m2, a desanexar do prédio sito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ... e n.º11 com a área de 19 m2, a desanexar do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ....

4. O expropriado, tendo em vista a arbitragem junto da entidade expropriante, apresentou quesitos (fls. 38 e segs do Vol. I e fls. 262/277 do Vol. II respondidos a fls. 245 e segs desse Vol. II) para determinação dos prejuízos a causar pela abertura do lanço de estrada, provenientes designadamente do aumento de ruído e luz, do risco de acidentes, da diferença de cotas entre a via e a habitação que permaneceu na parte sobrante do imóvel expropriado e ainda para apuramento da quebra de produção no aviário ali existente.

5. O acórdão arbitral de 27-7-2007 fixou a indemnização de 2.310,00 euros à parcela n.º 10 (ver fls. 127 do Vol. II); o acórdão arbitral de 27-7-2007 (fls. 185 do Vol. II) fixou a indemnização de 855,00 euros à parcela n.º 11; o acórdão arbitral de 7-4-2008 (fls. 239 do Vol. II) fixou a indemnização de 31.924,00 euros à parcela n.º12.

6. AA interpôs no dia 12-12-2008 recurso da decisão arbitral (ver fls. 382 a 410 do Vol. II).

7. Os peritos nomeados pelo Tribunal consideraram que a desvalorização da habitação foi de 13.657,50 euros. Referiram que " a abertura da estrada criou uma situação de relativo risco, para as pessoas que nela vivem, devido à pequena distância que a separa da nova via. Além disso, a plataforma da estrada e o telhado da habitação situam-se ao mesmo nível, o que contribui para o aumento do risco. Esta situação de desconforto, proveniente do risco, determina uma depreciação do complexo habitação -logradouro, considerando-se que a área deste é três vezes superior à área de implantação da habitação, ou seja, de 210 m2" (ver fls. 515 do Vol. III).

8. No que respeita ao valor dos encargos com a transferência dos aviários (ver fls. 518 do Vol. III), os peritos consideraram o custo de 186.025,00 euros (385.680,00 euros é o valor considerado pelo perito do expropriado).

9. No que respeita à parcela n.º 12 os peritos consideraram o valor do solo em 64.568,00 euros e o valor das benfeitorias em 9.805,50 euros (fls. 514 do Vol. III)

10. Por sentença de 21-1-2014 o recurso do expropriado foi julgado parcialmente procedente, fixando-se a indemnização a pagar pela entidade expropriante em 281.154,64 euros correspondendo 5.504,89 euros à parcela n.º 10, 1.978,75 euros à parcela n.º 11 e 274.059 euros à parcela n.º 12, valores estes em conformidade com os laudos periciais (a fls. 501 do Vol. III os peritos atribuíram o valor de 5.504,89 euros à parcela n.º 10 e a fls. 507 do Vol. III os peritos fixaram à parcela n.º 11 o valor de 1.987,75 euros).

11. Da sentença interpôs recurso a entidade expropriante, recorrendo subordinadamente o expropriado.

12. O acórdão da Relação de Coimbra de 7-10-2014 julgou o recurso da expropriante parcialmente procedente, reduzindo a indemnização total para o valor de 81.860,64 euros; julgou improcedente o recurso do expropriado.

13. O acórdão considerou o seguinte:

- A indemnização a fixar, de acordo com o artigo 23.º/1 do Código das Expropriações de 1999, corresponde ao valor real e corrente do bem, considerado o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal à data da declaração de utilidade pública à luz das circunstâncias de facto existentes naquela data

- O artigo 29.º/2 do Código das Expropriações dispõe sobre os danos ou depreciações resultantes da própria divisão do prédio.

- O projeto do novo Código das Expropriações propõe-se (porventura para clarificar a interpretação) dispor que não são indemnizáveis os danos que resultarem da realização da obra pública que fundamentou a declaração.

- O processo de expropriação e o direito aplicável a esta são um conjunto processual e substantivo especiais.

- Salvaguarda-se que os danos resultantes da obra que originou a expropriação devem ser indemnizados em ação própria.

- Assinala-se, quanto aos restantes prejuízos invocados, que, depois da expropriação, na parte sobrante, a habitação continuou a ser habitada e a exploração avícola continuou a desenvolver-se, iniciando-se em 2009 um 3.º pavilhão de aves.

14. Mencionou o acórdão ora recorrido:

"1) Desvalorização da habitação e seu logradouro.

Neste caso, estão em causa danos resultantes da obra (estrada), consubstanciados na perda de qualidade vivencial e risco para a casa e seu logradouro (nomeadamente, factos kk) a pp)).

Por força do entendimento supra aceite, estes danos não são indemnizáveis no processo de expropriação. Estão em causa 13.657€ aceites na decisão recorrida, que deve ser revogada nesta parte.

2) Quebra na produção de ovos (o recurso subordinado, com reapreciação factual).

[…] Conciliando os pareceres, é aceitável dar como provado uma quebra na produção de ovos, em valor não completamente apurado, que se terá refletido de algum modo na empresa, em medida não provada e que não teve relevo na contabilidade.

O ónus de prova destes danos cabe ao expropriado.

Assim, sem prejuízo do que já dissemos quanto aos danos ambientais (está em causa o ruído e luz da nova circulação, que não são os únicos determinantes), não está provado o prejuízo financeiro.

3) A necessidade de transferência do 1º aviário;

[…] No caso, com os factos e legislação disponíveis, a cessação ou a transferência da atividade mostra-se um acontecimento futuro imprevisível, não sendo indemnizável agora.

Neste particular, a sentença recorrida deve ser revogada.

Em conclusão, o total indemnizatório deve reduzir-se a 81.860,64 € (5.504,89 € + 1.978,75 € + 9.808,50 € + 64.568,50 €), afastados os valores relativos à desvalorização da habitação e logradouro e os relativos à transferência do 1º aviário.

15. O expropriado interpôs recurso do acórdão da Relação de Coimbra para o Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 629.º/2, alínea d) do C.P.C. 2013 quanto ao segmento "que julgou parcialmente procedente o recurso da expropriante, revogando parcialmente a decisão recorrida, na questão da 'depreciação da parte não expropriada' consistente na 'desvalorização da habitação e seu logradouro' pela perda da qualidade ambiental, decidindo que estes danos não são indemnizáveis no processo de expropriação […] por não se conformar com tal decisão e por estar em contradição com o acórdão desta Relação, de 23-2-2011, com o p. n.º 2741/08 - de que junta certidão com menção do trânsito em julgado - no domínio da mesma legislação sobre a mesma questão fundamental de direito, a de saber se os danos causados não diretamente pela expropriação parcial, mas antes pela construção da obra à qual a expropriação se destinou, devem ser indemnizados no processo expropriativo, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 29.º do Código das Expropriações de 1999".

16. Nas conclusões da minuta de recurso o expropriado refere que o acórdão recorrido considera aceitável dar como provado uma quebra na produção de ovos, em valor não completamente apurado, julgando, porém, o recurso improcedente, mantendo a sentença, o que traduz oposição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida (artigo 615.º/1, alínea c) do C.P.C.); é que, provada a existência de danos, mas não o seu montante, impõe-se a condenação no que se vier a liquidar.

17. No que respeita à questão da desvalorização da habitação e seu logradouro, o recorrente evidencia que, no acórdão fundamento, os danos decorrentes da depreciação de natureza ambiental foram indemnizados no processo expropriativo em conformidade com o disposto no artigo 29.º/2 do Código das Expropriações de 1999; no acórdão recorrido todavia seguiu-se entendimento diametralmente oposto.

18. Existe identidade de situação de facto em ambos os acórdãos; no acórdão fundamento a DUP foi publicada em fevereiro de 2004, o objeto da expropriação é a construção da obra da autoestrada A25/IP5; da expropriação resultou uma parte sobrante, onde está edificada a casa de habitação dos expropriados, distante cerca de 25 metros da plataforma e a um nível inferior, sendo a diferença de cotas de 8 metros sofrendo de poluição sonora e anulação do horizonte visual.

19. No acórdão recorrido a DUP foi publicada em 11-9-2006, o objeto da expropriação é a construção da obra da autoestrada A25/IP5; da expropriação resultou uma parte sobrante, onde está edificada casa de habitação dos expropriados em que o limite norte se situa a 6,2 metros do muro de suporte da estrada, sendo que este muro, de 4,20 metros, está ao nível da cumeeira da casa que sofre também de poluição sonora e anulação do horizonte visual.

20. A questão fundamental de direito foi assim equacionada pelo recorrente: "saber se os danos não causados diretamente pela expropriação [v.g perda de vistas, efeitos da luz e do ruído produzido pelo tráfego rodoviário], mas antes pela construção da obra à qual a expropriação se destinou, devem ser indemnizados ao abrigo do disposto no artigo 29.º/2 do Código das Expropriações de 1999, no processo expropriativo"

21. Suscitam-se duas questões, a saber:

- Se o recurso é admissível e, sendo-o, em que termos.

- Se, admitido que seja o recurso, devem considerar-se objeto de indemnização no processo de expropriação os danos decorrentes da obra que levou à expropriação.

22. Factos provados:

a) Por despacho do Senhor Secretário de Estado Adjunto, das Obras Públicas e das Comunicações, datado de 17 de agosto de 2006, publicado no Diário da República, II Série, n.º 175, de 11 de setembro de 2006, foi declarada a utilidade pública, com caráter de urgência, da expropriação dos bens imóveis e direitos a eles inerentes necessários à execução da obra da SCUT Beiras Litoral e Alta – A25/IP5 – lanço Mangualde-Guarda – sublanço Mangualde-Fornos de Algodres – ligação a Fornos de Algodres.

b) Nas parcelas referidas em a) foram abrangidas as seguintes:

- Parcela 10, a destacar do prédio sito no lugar denominado Quinta da ..., freguesia e concelho de Fornos de Algodres, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., confrontando: a Norte – AA; Sul – AA; Nascente – AA e Poente – AA;

- Parcela 11, a destacar do prédio sito no lugar denominado Quinta da ..., freguesia e concelho de Fornos de Algodres, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ..., confrontando: a Norte – AA; Sul – AA; Nascente – AA e Poente – AA;

- Parcela 12, a destacar do prédio sito no lugar denominado Quinta da ..., freguesia e concelho de Fornos de Algodres, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ..., confrontando: a Norte – Estrada; Sul – BB; Nascente – CC e Poente – DD e outro.

c) Em 23 de novembro de 2006, foram realizadas as vistorias “ad perpetuam rei memoriam” das parcelas propriedade do expropriado, indicadas em b);

d) A Entidade Expropriante tomou posse administrativa das Parcelas referidas em b), em 21 de dezembro de 2006.

e) Em 27 de julho de 2007, foi proferido Acórdão de Arbitragem referente à Parcela 10, tendo os árbitros fixado a indemnização a atribuir aos interessados na importância de 2310,00 €

f) Em 27 de julho de 2007, foi proferido Acórdão de Arbitragem referente à Parcela 11, tendo os árbitros fixado a indemnização a atribuir aos interessados na importância de 855,00 €

g) Em 7 de abril de 2008, foi proferido Acórdão de Arbitragem referente à Parcela 12, tendo os árbitros fixado a indemnização a atribuir aos interessados na importância de 31.924,00 €

h) Por despacho judicial proferido em 17 de novembro de 2008, foram adjudicadas as referidas parcelas, para integração no domínio público, à EP – Estradas de Portugal, E.P.E.

i) A parcela 10 está inserida numa zona do PDM do Município de Fornos de Algodres, classificada como “Espaço urbanizável”.

j) A parcela 10 estava ocupada, na sua totalidade, por uma casa, com as dimensões de 4,20 x 4,80m, a que corresponde uma área de implantação de 20,16m2, constituída por dois pisos, um superior com soalho em tábuas de pinho e outro ao nível do solo com pavimento térreo.

k) A parcela 10 era acessível por um caminho de terra batida, transitável por veículos automóveis pesados e ligeiros.

l) Junto da parcela 10, existiam as seguintes infraestruturas urbanísticas: acesso rodoviário com pavimento em terra batida, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão e rede telefónica.

m) A parcela 11 está inserida numa zona do PDM do Município de Fornos de Algodres, classificada como “Espaço urbanizável”.

n) A parcela 11 estava ocupada, na sua totalidade, por uma casa de arrumos, em ruínas, com uma área de implantação de 4,0 x 4,8 m (=19,20 m2).

o) A parcela 11 dispunha de acesso através de um caminho de terra batida, transitável por veículos automóveis ligeiros e pesados, onde se situavam as seguintes infraestruturas urbanísticas: acesso rodoviário em terra batida, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão e rede telefónica.

p) A parcela 12 está inserida numa zona do PDM do Município de Fornos de Algodres, classificada como “Espaço urbanizável”.

q) A parcela 12 tinha 2800m2 de área e era marginada por um caminho de terra batida, transitável por veículos automóveis ligeiros e pesados, que lhe conferia acesso.

r) Na parcela 12 estão implantados três prédios urbanos, constituídos por casa de habitação e dois aviários.

s) A casa de habitação tem uma área coberta de 70,125m2 e situa-se numa zona com padrões ecológicos, ar puro, ausência de ruídos e de fumos poluentes.

t) O limite norte da casa de habitação situa-se a 6,2 metros do muro de suporte da estrada, sendo que este muro, de 4,20 m, está ao nível da cumeeira da casa.

u) Na parcela 12 existem três nascentes/minas e poços de água, pura e não tratada, vulgo virgem, adequado e necessária à vacinação das aves instaladas nos dois aviários.

v) A parcela 12 caracterizava-se por possuir ligeiro declive e ser dotada de um solo de origem granítica com textura franco-arenosa, boa profundidade e sem problemas de drenagem, possuindo boa capacidade de uso agrícola.

w) A parcela 12 dispunha de água de rega proveniente de duas poças e de um poço, que forneciam também água a dois aviários instalados nas imediações.

x) A expropriação afetou as seguintes construções: um muro de vedação, em pedra solta, com 196m de comprimento e 2,20m de altura; um poço de secção retangular, com 4,0 x 2,5 m de profundidade, não revestido; uma poça com 2,0 x 2,0 m de superfície e 2,0 m de profundidade; e uma poça com 2,0 x 1,5 m de superfície e 1,0 m de profundidade.

y) A expropriação afetou as seguintes árvores: dois sobreiros, um com 0,70m de DAP e outro com 0,40m; 32 oliveiras de porte médio; um alperce, uma figueira, uma macieira bravo de Esmolfe e cinco videiras.

z) Junto da parcela 12, existiam as seguintes infraestruturas urbanísticas: acesso rodoviário em terra batida, rede de abastecimento domiciliário de água, rede de distribuição de energia elétrica em baixa tensão e rede telefónica.

aa) A ocupação atual da parte não expropriada do prédio de onde se destaca a parcela é exploração avícola.

bb) O primeiro aviário situa-se a 17,20 metros da estrada.

cc) O segundo aviário situa-se a 68 metros e 65 metros da estrada.

dd) Existe um matadouro de aves nas imediações da parcela 12.

ee) O troço do sublanço dos autos permite o acesso ao matadouro referido em dd).

ff) No local, não parece evidente que a luz dos faróis das viaturas que circulem no troço em causa, possa incidir diretamente sobre as aberturas do pavilhão mais próximo, a não ser por momentos, aquando da entrada na exploração.

gg) O sublanço, no local, revela-se uma reta, de cerca de 300 metros de extensão, seguida de uma curva, ampla e outra reta, com cerca de 500 metros.

hh) A inclinação do traçado do sublanço, no local e no sentido este-poente, tem pouco significado.

ii) O troço do sublanço potencia velocidades superiores a 120 km/hora.

jj) Fronteira à casa de habitação, o troço revela uma curva muito ligeira.

kk) A força centrífuga pode ocasionar que um veículo, que transite no local, por excesso de velocidade ou por despiste, venha a projetar-se contra/sobre a casa de habitação.

ll) A disposição do traçado do sublanço é uma fonte de ruído.

mm) A luz dos faróis dos veículos no sentido ascendente incide na casa de habitação momentaneamente.

nn) Fazem-se sentir na casa de habitação vibrações por força da passagem de veículos.

oo) As “vistas” de casa de habitação ficaram obstruídas pela construção da via de comunicação.

pp) Em virtude da expropriação ocorre menor ventilação da zona envolvente e menor exposição solar com sombreamento ao entardecer e de inverno dada a direção e sentido da via relativamente à casa de habitação – poente, o que poderá penalizar ganhos térmicos associados ao aproveitamento da radiação Qs.

qq) Um ruído estridente (compatível com buzina ou sirene) poderá ser causa de stress nas aves e consequentemente afetar os seus níveis de produção.

rr) A luz direta sobre as aves, quer seja constante quer seja repentina, é causa de stress nas aves.

ss) O transporte de aves em viaturas abertas (que são as que vulgarmente transportam aves adultas, nomeadamente para abate) é sempre um risco potencial de transmissão de agentes causadores de doença.

tt) Os dois aviários são constituídos, cada um per se, por um pavilhão, em forma de retângulo, com quatro paredes em bloco.

uu) No primeiro pavilhão existem 4 filas de baterias, cada uma das quais com 4 pisos, no total de 1408 baterias.

vv) No segundo pavilhão existem 5 filas de baterias, cada uma das quais com 4 pisos, no total de 3440 baterias.

ww) O ciclo de postura de aves é em regra de 45 semanas.

xx) Para a transferência do primeiro aviário serão necessários os seguintes encargos: construção de um novo pavilhão, abertura de um estradão, compartimento estanque para receção de dejetos com capacidade 50 m3, aquisição de um PT, instalação de uma baixada, aquisição de um gerador, captação de água através de furo artesiano, licenciamento e alvará, transferência de equipamento.

yy) Da perícia contabilística junta aos autos constam os seguintes dizeres: “ (…) O volume de negócios registou inicialmente, de 2004 para 2005, uma variação negativa na ordem dos 13,6% (em termos absolutos, VN 2004 = 349262,74 € e VN 2005 = 301748,83 €). Após este decréscimo inicial verificou-se um período de 2 anos de crescimentos em que são evidentes variações positivas na ordem dos 10% de 2005 para 2006 e de 2006 para 2007, (em termos absolutos, VN 2006=337263,15 € e VN 2007=373078,83 €), para, logo de seguida, em 2008, se registar uma quebra de 5,6% em relação a 2007 e por fim haver um aumento muito significativo em 2009 que se cifrou nos 70,6% (em termos absolutos, VN 2008=352144,63 € e VN 2009=600891,27 €). Os resultados de exploração, dada a forte correlação verificada, apresentam igual tendência (em termos absolutos, RE 2004 = (86270,80 €); RE 2005 = (11231,78 €); RE 2006=(3172,98 €); RE 2007=(7323,36) €; RE 2008 = (68230,15) € e RE 2009=111835,01 €). (…) Em conclusão, (…), pelo exame de perícia efetuado aos documentos contabilísticos e fiscais e ponderados todos os elementos ali constantes considera-se que, a ter havido quebras na produção nos aviários e consequente perda de rendimento decorrente da situação criada pela expropriação e respetivas obras de construção do troço de ligação da A25 a Fornos de Algodres, aquelas quebras de produção não se encontra relevadas na contabilidade do empresário AA. (…)”.

zz) Os peritos nomeados pelo Tribunal classificaram e fixaram as indemnizações nos seguintes termos:

- A Parcela 10, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 5.504,89 €;

- A Parcela 11, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 1.978,75 €;

- A Parcela 12, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 274.059,00 €.

aaa) O perito nomeado pela Entidade Expropriante classificou e fixou as indemnizações nos seguintes termos:

- A Parcela 10, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 2.453,44 €;

- A Parcela 11, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 978,88 €;

- A Parcela 12, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 43.880,00 €.

bbb) O perito nomeado pelo Expropriado classificou e fixou as indemnizações nos seguintes termos:

- A Parcela 10, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 5.504,89 €;

- A Parcela 11, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 1.978,75 €;

- A Parcela 12, como solo apto para construção, fixando a indemnização em 767.134,00 €.


Apreciando

Sobre a admissibilidade do recurso

23. O artigo 66.º/5 do Código das Expropriações de 1999 aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de setembro, prescreve no n.º5 que " sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida".

24. No caso vertente, o acórdão da Relação de Coimbra considerou que à luz da interpretação dos artigos 023.º/1 e 29.º/2 do CE/99 a desvalorização da habitação e seu logradouro não eram indemnizáveis; está em causa nesta questão a quantia de 13.657 euros.

25. Considerou também o acórdão recorrido que não está provado o invocado prejuízo financeiro respeitante à quebra de produção dos ovos dos aviários existentes; considerou igualmente, no tocante à transferência de um dos aviários, que ali se encontra desde os anos 80, que esse dano deve equiparar-se ao dano imprevisível, não sendo indemnizável antecipadamente, o que resulta dos factos e legislação disponível.

26. Significa isto que, quanto a estes últimos danos, a decisão não pode ser alterada, pois que radica numa apreciação de factos que não permitem a procedência do pedido. Ou seja, ainda que, relativamente a tais danos, eles pudessem considerar-se indemnizáveis à luz da interpretação normativa que o recorrente perfilha, certo é que o resultado seria sempre o mesmo: a improcedência do pedido.

27. O recurso não é, por conseguinte, admissível no que respeita a estes invocados e pretendidos danos no montante de 186.025 euros (custos com a transferência dos aviários) e de 151.278,00 euros (quebra de produção pela construção da autoestrada).

28. O artigo 629.º/1, alínea d) do C.P.C./2013 permite a interposição de recurso de revista, independentemente do valor da causa e da sucumbência (está em causa, como se disse, a quantia de 13.657 euros) no caso de contradição entre acórdãos da Relação proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito quando não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada da Relação, situação que abrange o caso em apreço conforme resulta do mencionado artigo 66.º/5 do Código das Expropriações.

29. Os dois acórdãos têm em vista a interpretação dos artigos 23.º/1 e 29.º/2 do Código das Expropriações de 1999. Nos dois acórdãos considera-se a ressarcibilidade a favor do expropriado de danos provenientes da obra (autoestrada) construída na sequência de processo expropriativo. Tais danos, no acórdão recorrido, reconduzem-se ao risco de despiste de veículo sobre a habitação, perda de vistas e perda de exposição solar em consequência do traçado da autoestrada e também às vibrações, ruídos e luzes provenientes da circulação rodoviária (ver kk a pp)

30. No acórdão fundamento considera-se que a apelante clamou pela valorização do prejuízo com a fruição do espaço sobrante pelos ruídos e perda das condições paisagísticas decorrentes da imediação da A25 o que decorreria dos artigos 70.º do Código Civil e 29.º/2 do Código das Expropriações.

31. Nesse acórdão, tendo em atenção o laudo pericial, foi relevada a poluição sonora gerada pela passagem dos veículos, a anulação completa do horizonte visual e diminuição de incidência dos raios solares, calculando-se a depreciação (que também tomou o risco de acidentes pela cota inferior) em 25%, estimando-se esse valor em 39.174,40 €.

32. É, pois, inegável que existe entre os acórdãos similitude de facto a justificar a admissibilidade do recurso pois a divergência situa-se unicamente no plano normativo.

33. A questão fundamental de direito consiste, portanto, em saber se, na justa indemnização destinada a ressarcir os prejuízos que para o expropriado advêm da expropriação, se incluem os prejuízos provenientes da obra que foi construída.

34. Dá-se notícia de alguma jurisprudência sobre esta questão.

Sobre a questão fundamental de direito

No sentido da ressarcibilidade:

- Ac. do S.T.J. de 10-1-2013 (rel. Pires da Rosa), revista n.º 3059/07.6TBBCL.G1.S1

- Ac. do S.T.J. de 1-3-2001 (rel. Lemos Triunfante), 01A058 e também na R.L.J.,Ano 134.º, pág. 87/92

- Ac. da Relação de Coimbra de 23-2-2014, n.º 2741/08.5TBVIS (acórdão fundamento; ilegível o nome do juiz relator).

No sentido da irressarcibilidade:

- Ac. do S.T.J. de 9-7-2014 (rel. Alves Velho), revista n.º 2053/07.1TBFAF.G1

- Ac. do S.T.J. de 18-2-2014 (rel. Pinto de Almeida), 934/11.7TBOAZ.S1

- Ac. do S.T.J. de 6-9-2011 (rel. Martins de Sousa), revista n.º 3116/06.6TBBCL.G1.S1-1ª secção

- Ac. do S.T.J. de 7-7-2009 (rel. Paulo Sá), revista n.º 95/09.1YFLSB - 1.ª secção

- Ac. do S.T.J. de 25-3-2009 (rel. Ernesto Calejo), revista n.º 08A3820

- Ac. da Relação de Lisboa de 20-11-2012 (rel. Roque Nogueira), rev. 4136/99

- Ac. da Relação do Porto de 23-1-2012 (rel. Anabela Calafate), apelação n.º 852/10.6TBCHV.P1 e também na C.J.,1, pág. 184

- Ac. da Relação de Coimbra de 13-2-2011, (rel. Isaías Pádua), P. 182/04.

- Ac. da Relação do Porto de 16-12-2009 (rel. José Ferraz),P. 1031/07.

- Ac. da Relação do Porto de 8-9-2009, (rel. Rodrigues Pires), P. 1157/06.

- Ac. da Relação de Coimbra de 2-7-2009 (rel. Maria Catarina), P. 1363/06.

- Ac. da Relação de Coimbra de 29-6-2009 (rel. Fonte Ramos), P. 1176/06.

- Ac. da Relação de Guimarães de 25-6-2009 (rel.Rosa Tching) P. 431/06.

- Ac. da Relação do Porto de 24-6-2008 (rel. Ferreira Barros),P. 318/2000.

- Ac. da Relação de Lisboa de 8-3-2007 (rel. Salazar Casanova) P. 8774/2006.

- Ac. da Relação do Porto de 20-4-2006 (rel. Saleiro de Abreu) 0631436.

- Ac. da Relação de Coimbra de 8-3-2006 (rel. Hélder Roque), P. 70/06.

- Ac. da Relação de Guimarães de 16-3-2005 (rel. António Magalhães), 2333/04 -1 e também na C.J.,2, pág. 287.

35. O artigo 23.º/1 do Código das Expropriações de 1999 prescreve:

1- A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as condições e circunstâncias de facto existentes naquela data.

36. É, pois, "às circunstâncias e condições de facto existentes" à data da publicação da declaração de utilidade pública que importa atender para se fixar a justa indemnização.

37. Na determinação dos prejuízos pode atender-se aos prejuízos futuros, conquanto previsíveis (artigo 564.º/2 do Código Civil) que advenham da expropriação tendo em conta as condições de facto existentes à data da DUP. Daí todo o interesse na vistoria ad perpetuam rei memoriam. Assim, por exemplo, é prejuízo ressarcível a perda de rendimentos que resulta da expropriação que destrua um pomar.

38. Por sua vez o artigo 29.º/2 do Código das Expropriações de 1999 prescreve:

2- Quando a parte não expropriada ficar depreciada pela divisão do prédio ou desta resultarem outros prejuízos ou encargos, incluindo a diminuição da área total edificável ou a construção de vedações idênticas às demolidas ou às subsistentes, especificam-se também, em separado, os montantes da depreciação e dos prejuízos ou encargos que acrescem ao valor da parte expropriada.

39. Os prejuízos que o preceito tem em vista são os que resultam da divisão ou fragmentação do prédio expropriado, mencionando a lei, a título exemplificativo, a " diminuição da área total edificável" ou "a construção de vedações idênticas às demolidas ou subsistentes". Outros exemplos são assinalados por Salvador da Costa:" a depreciação ou prejuízo diretamente resultantes da expropriação parcial a que a lei se reporta, ocorrem, por exemplo, no caso de a parte sobrante, por qualquer facto, deixar de ser edificável, ficar reduzido o seu anterior índice de construção, ocorrer a impossibilidade de cultivo por virtude da perda de água do poço existente na parte expropriada do prédio, o encravamento ou o défice de acesso à via pública" (Código das Expropriações e Estatuto dos Peritos Avaliadores, Almedina, 2000, pág. 216).

40. Já não são suscetíveis de indemnização, no âmbito da expropriação, as depreciações e prejuízos que não resultam diretamente da expropriação," mas de atuações posteriores da entidade beneficiária da expropriação" como é o caso, por exemplo, "da depreciação ambiental, da instalação na parcela sobrante de infra- estruturas, da constituição de servidões administrativas ou da sujeição a restrições de utilidade pública" (Salvador da Costa, loc. cit., pág. 217).

41. Também Fernando Alves Correia considera que  " a exigência de que os prejuízos patrimoniais subsequentes, derivados ou laterais sejam uma consequência direta e necessária da expropriação parcial de um prédio para que possam ser incluídos na indemnização implica que não possam ser abrangidos na indemnização aqueles que têm com a expropriação parcial do prédio apenas uma relação indireta, porque encontram a sua causa em fatores posteriores ou estranhos à expropriação" (Manual de Direito do Urbanismo, Volume II, Almedina, 2010, pág. 261, nota 238.

42. O autor evidencia que constitui princípio geral de direito que rege a indemnização por expropriação que esta seja "calculada tendo em consideração as circunstâncias e as condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (devendo, no entanto, o montante da indemnização reportado à data da declaração de utilidade pública ser atualizado à data da decisão final do processo, de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação" (Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 134.º,pág. 99).

43. A referência a danos diretos e indiretos não significa que estes últimos sejam danos causados pelo ato de expropriação; quando se fala em danos indiretos pensa-se naqueles danos que ocorrem em consequência da construção de obra, pressupondo que esta apenas foi possível porque houve expropriação, sendo esta tão somente a conexão que se pode evidenciar com o ato expropriativo. Em boa verdade, não há nexo de causalidade entre o ato expropriativo e os mencionados danos, pois estes advêm única e exclusivamente da obra construída. Esses invocados danos têm natureza diversa, incidindo alguns mais sobre a violação de direitos de personalidade (ruído da circulação rodoviária, incómodo causado pelas luzes dos veículos) do que sobre a vertente patrimonial respeitante à depreciação patrimonial do imóvel pela natureza da obra que levou à expropriação.

44. Note-se que esses danos, alheios causalmente à expropriação, como se disse, perspetivados no plano estritamente patrimonial respeitante à depreciação do imóvel, não podem deixar de ser compaginados com as vantagens que podem resultar da localização de um imóvel cujo acesso seja fácil a uma via rápida, tudo a ponderar na ação em que se discutam tais danos e respetivo montante.

45. A entender-se de forma diversa, seríamos levados a ter de aguardar, para efeitos de justa indemnização na expropriação, os danos que se comprovassem uma vez realizada a obra expropriada, pois, em boa verdade, muitos deles podem nunca chegar a verificar-se (v.g. os incómodos resultantes da luminosidade causada pelos veículos ou pelo seu despiste, por exemplo, não ocorrem se for edificada uma barreira protetora), o que afasta desde logo a sua consideração enquanto danos futuros previsíveis.

46. Teria, assim, o processo expropriativo, para efeitos indemnizatórios, de contemplar a possibilidade de se prolongar até ao termo da obra com todas as delongas e inconvenientes que é fácil supor. E não é pelo facto de num determinado processo, que se arrastou ao longo de anos, tais danos acabarem por se revelar por se ter entretanto construído a obra que justificou a expropriação, que, por isso, se justifica uma atribuição indemnizatória que a lei não consente e não prevê que seja atribuída no processo de expropriação por utilidade pública.

Concluindo

I- Constitui princípio geral do direito que rege a indemnização na expropriação por utilidade pública que esta seja calculada à luz das circunstâncias e condições de facto existentes à data da declaração de utilidade pública (artigo 23.º/1 do Código das Expropriações de 1999), não podendo, por isso, serem considerados prejuízos que não provêm do ato expropriativo, mas unicamente da obra que justificou a expropriação.

II- Os prejuízos a que alude o artigo 29.º/2 do Código das Expropriações de 1999 são os que resultam da divisão do prédio expropriado, não contemplando esse preceito os prejuízos que resultem da obra construída, no caso uma autoestrada, designadamente os que se possam traduzir em perda de qualidade ambiental ou acréscimo de riscos provenientes da circulação rodoviária ou violação de direitos da personalidade do morador em habitação sita próxima de via rodoviária.

Decisão: nega-se a revista

Custas pelo recorrente

Lisboa, 26 de março de 2015

Salazar Casanova (Relator)

Lopes do Rego (com voto vencido)

Orlando Afonso

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Voto de vencido

Vencido pelas razões aduzidas no Ac. de 10/1/13 - P. 3059/07 - que subscrevi como adjunto.

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[1] Processo distribuído no Supremo Tribunal de Justiça no dia 17-2-2015 [P. 2015/271 44/08]N.º44/08.4TBFAG.C2.S1[1]