Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
03B1925
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: LUCAS COELHO
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
APLICAÇÃO DA LEI PROCESSUAL NO TEMPO
RECURSO PARA O SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
ADMISSIBILIDADE
OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS
Nº do Documento: SJ200507060019252
Data do Acordão: 07/06/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: T REL PORTO
Processo no Tribunal Recurso: 585/02
Data: 11/28/2002
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA AMPLIADA.
Decisão: FINDO O RECURSO POR NÃO EXISTIR OPOSIÇÃO.
Sumário : I - Em matéria de admissibilidade de recursos a lei nova é de aplicação imediata, salvo disposição em contrário, a todas as decisões proferidas depois da sua entrada em vigor, mesmo nos processos já anteriormente pendentes, como é o caso do n.º 5 do artigo 66 do Código das Expropriações de 1999 relativamente ao presente processo de expropriação por utilidade pública;
II - Consoante flui desse normativo, exceptuados os casos em que é sempre admissível recurso - enunciados nomeadamente nos n.os 2, 3, 4 e 6 do artigo 678 do Código de Processo Civil -, não há recurso para o Supremo, seja qual for o valor da causa e o valor da sucumbência, do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização;
III - E a solução da inadmissibilidade de recurso não é prejudicada pela circunstância de no mesmo se pretenderem discutir questões de direito, ou a violação da lei substantiva e adjectiva, implicando nevralgicamente parâmetros e critérios de aferição do quantitativo ressarcitório, com reflexos no quantum da indemnização, o que redundaria na reapreciação do valor desta;
IV - É, pois, inadmissível a presente revista do expropriante, na medida em que, por um lado, se limita a controverter perante o Supremo Tribunal de Justiça a quantificação do factor de localização e qualidade ambiental referido no artigo 25.º, n.º 3, alínea h), do Código das Expropriações de 1991, e a questão do arrendamento rural na parcela expropriada enquanto vector de desvalorização desta em termos de a indemnização devida à arrendatária dever ser deduzida da indemnização a que têm direito os expropriados proprietários, tudo parâmetros definidores do quantitativo indemnizatório com implicações determinantes na fixação da indemnização devida;
V - A revista é, por outro lado, inadmissível na parte em que considera a decisão de fixação das indemnizações ferida da nulidade tipificada na alínea b) do n.º 1 do artigo 668 do Código de Processo Civil, por mera insuficiência de fundamentação resultante de remissão para o laudo unânime dos peritos do tribunal, tanto mais que a procedência do vício conduziria outrossim necessariamente à reapreciação do valor da indemnização;
VI - Não pode fundadamente afirmar-se que o acórdão da Relação do Porto aqui recorrido tenha sido proferido em contradição com a jurisprudência uniformizada pelo Supremo através do acórdão n.º 1/99, de 12 de Janeiro de 1999 - que tornaria a revista admissível ao abrigo do n.º 6 do artigo 678 do Código de Processo Civil -, nas suposições infundadas de que, tendo os peritos do tribunal e as instâncias atribuído uma percentagem global de 28% ao valor do terreno nos termos do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991, isso revela que aplicaram a taxa máxima de 15% prevista na alínea h) do n.º 3 deste artigo, e de que interpretaram esta alínea como se estabelecesse um taxa fixa, contra o referido acórdão uniformizador que lhe atribuiu natureza variável;
VII - Verifica-se a contradição de dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, na acepção do n.º 4 do artigo 678.º - uma questão jurídica necessariamente recortada na norma pelos factos da vida que relevaram nas decisões -, quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos os arestos, havendo aquela questão não obstante sido resolvida em sentidos divergentes;
VIII - Entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação do Porto, de 25 de Junho de 2002, certificado nos autos, não se patenteia contradição relevante no sentido da admissibilidade da revista nos termos do n.º 4 do artigo 678.º, a pretexto de que o primeiro aplicou uma taxa de localização e qualidade ambiental de 15% e o segundo de 10%, quando, decisivamente, subsistem as dúvidas afloradas supra, VI, sobre se uma taxa de 15% foi realmente aplicada na presente expropriação, sendo, por outro lado, insuficiente no sentido da comparação de acórdãos pressuposta no citado normativo a mera alegação de que as parcelas expropriadas, num e noutro caso, se situam numa mesma área geográfica e são portadoras dos difusos aspectos comuns esboçados na conclusão 15.ª da alegação de recurso;
IX - Por seu turno, o acórdão recorrido e o acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 1997, documentado no processo, não tomaram igualmente posições contraditórias sobre a mesma questão fundamental de direito de saber se um arrendamento existente na parcela expropriada influi na fixação da indemnização aos expropriados proprietários de forma a que nesta seja deduzida a indemnização devida ao expropriado arrendatário - o que tornaria admissível a presente revista nessa óptica ao abrigo do n.º 4 do artigo 678.º -, uma vez que o acórdão recorrido rejeitou a possibilidade de desvalorizar a indemnização aos proprietários mediante essa dedução, enquanto o acórdão fundamento recusou baixar-lhes a indemnização por nela valorar ao invés a expectativa de cessação do arrendamento como factor de incremento da mesma.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:
I
1. No presente processo de expropriação da Parcela n.º 67 da planta cadastral, necessária à construção dos «Acessos Norte à Ponte do Freixo», conforme declaração de utilidade pública, de 8 de Março de 1994, do Secretário de Estado das Obras Públicas (1)., por falta de acordo quanto aos montantes das indemnizações entre a expropriante Junta Autónoma das Estradas, a que sucedeu o Instituto das Estradas de Portugal (IEP), e os expropriados - herdeiros de A e de B, enquanto proprietários da parcela, e sociedade C, Lda., na qualidade de arrendatária rural da mesma, todos com os sinais dos autos -, foi constituída arbitragem que fixou em 639.217.000$00 e 73.061.000$00 as indemnizações a atribuir, respectivamente, aos proprietários e à arrendatária.

Inconformados com os valores aludidos, recorreram expropriante e expropriados da decisão dos árbitros para a 8.ª Vara Cível da comarca do Porto.

Procedendo-se aí a avaliação (artigos 59.º e segs. do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro) e prosseguindo o processo os trâmites legais, veio a ser pronunciada sentença, em 21 de Junho de 2001, que julgou improcedente o recurso do expropriante, e parcialmente procedentes os recursos dos expropriados, fixando as indemnizações de 1.219.400.000$00 para os proprietários na proporção dos respectivos quinhões, e de 139.098.689$00 para a arrendatária, ambas a actualizar nos termos do artigo 23.º do mesmo Código.

Apelaram os três grupos de interessados, sem sucesso, tendo a Relação do Porto negado provimento às apelações do expropriante e dos proprietários, e apenas julgado parcialmente procedente a da arrendatária no tocante ao ressarcimento da quebra de vendas causada pela mudança e adaptação a outro local, fixando a respectiva parcela indemnizatória no valor de 4.000.000$00, a que correspondem 19.951,92 €, em lugar dos 1.000.000$00 atribuídos na sentença, e confirmando esta quanto a tudo o mais.

2. Do acórdão neste sentido proferido, a 28 de Novembro de 2002, interpôs o expropriante IEP, em 17 de Dezembro subsequente, recursos de revista e de agravo (fls. 945/946).

Quanto à revista, alega ter ocorrido violação de lei substantiva e requer a ampliação do recurso para uniformização de jurisprudência.

Em primeiro lugar, por oposição (cfr. o n.º 4 do artigo 678.º do Código de Processo Civil) entre o aresto recorrido e o acórdão transitado da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 1997 - certificado pelo recorrente de fls. 1139/1148 -, na medida em que o primeiro decidiu que os arrendamentos são considerados autónomos para efeito de indemnização dos arrendatários (artigo 29.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 91), recusando por isso deduzir esta indemnização à indemnização a pagar aos proprietários, conforme era pretensão do expropriante na apelação (cfr. a conclusão 6.ª da alegação respectiva). Enquanto o segundo acórdão, considerando o arrendamento como um ónus, entendera contrariamente que o valor da propriedade «terá que ser aquele que um comprador médio do mercado atribuir a um prédio naquele condicionamento».

Em segundo lugar, por contradição do acórdão em recurso com outro transitado da mesma Relação do Porto, de 25 de Junho de 2002 - também certificado de fls. 1096/1106 -, quanto à taxa do factor de localização e qualidade ambiental no cálculo do valor do solo apto para construção [artigo 25.º, n.º 3, alínea h), do mesmo Código], que o primeiro fixou em 15% e o segundo em 10%, situando-se as parcelas expropriadas, num e noutro caso, na mesma zona geográfica. E, ainda, por oposição do aresto recorrido com a jurisprudência uniformizada nessa matéria pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 1/99, de 12 de Janeiro de 1999 (2) ..

Isto em relação à revista. Quanto ao agravo, alegou que o acórdão sob recurso incorrera na comissão das nulidades previstas nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil - havendo na alegação, se bem se interpreta, prescindido da segunda.

3. Por despacho, de 6 de Janeiro de 2003, sobre o requerimento de interposição, foi admitido tão-somente um recurso único de revista, nos termos dos artigos 678.º, n.º 4, e 722.º, n.º 1.

Na alegação respectiva formulam-se as conclusões que elucidativamente se reproduzem, pese a extensão:

3.1. «O acórdão sob recurso é nulo por violação dos artigos 158.°, n.° 1, e 668.°, n.° 1, alínea b), do Código de Processo Civil, na medida em que não incorpora fundamentação suficiente;

3.2. «A fundamentação consistente na remissão para o relatório dos peritos escolhidos do tribunal, não valorando criticamente as demais provas dos autos nem se pronunciando especificamente sobre questões levantadas em sede de alegações, é manifestamente insuficiente;

3.3. «A fundamentação consistente na opção pelo relatório dos peritos escolhidos pelo tribunal porquanto os mesmos se presumem credíveis e imparciais não pode colher como critério e como fundamentação lógica, racional e suficiente porquanto os árbitros também são escolhidos pelo tribunal e, como tal, também gozam de uma presunção de credibilidade e imparcialidade;

3.4. «O relatório de avaliação dos peritos escolhidos pelo tribunal está submetido à livre apreciação do julgador e deve ser objecto de uma leitura critica, tendo em conta a sua comparação com os demais elementos dos autos;

3.5. «Uma interpretação conjugada dos artigos 158.°, n.° 1, e 668.°, n. 1, alínea b), do Código de Processo Civil no sentido de que, em processo de expropriação, a remissão para o relatório dos peritos escolhidos pelo tribunal para o acto de avaliação, decorrente do facto de os mesmos se presumirem credíveis e imparciais, é suficiente para fundamentar a decisão judicial, está ferida de inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 20.° e no artigo 205.°, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa;

3.6. «O aresto recorrido está em oposição com o acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 1997, da 1.a Secção, com o n.° 1750/96, quanto à questão de direito de saber se a circunstância de o prédio expropriado, classificado como solo apto para construção, se encontrar arrendado determina ou não a fixação da indemnização a atribuir ao proprietário;

3.7. «O acórdão recorrido, ancorando-se no disposto no artigo 29.º do Código das Expropriações de 1991, decidiu que, sendo o arrendamento um encargo autónomo, a sua existência não influencia a indemnização a atribuir ao proprietário;

3.8. «O acórdão da Relação de Lisboa decidiu que sendo o arrendamento um ónus, o valor a atribuir terá que ser aquele que um comprador médio do mercado atribuir a um prédio naquele condicionamento;

3.9. «Deve uniformizar-se jurisprudência no sentido de que a existência do arrendamento deve ser levada em conta na definição da indemnização a atribuir ao proprietário de solo classificado como solo para construção que se encontre arrendado;

3.10. «No processo de cálculo autónomo e separado da indemnização a atribuir ao proprietário intervêm vários critérios e um desses terá que consistir na avaliação da influência do arrendamento no valor de mercado ou corrente do bem expropriado;

3.11. «A não consideração do valor do arrendamento conduziria a um claro locupletamento dos proprietários e à consequente atribuição de uma indemnização injusta, já que, a via expropriatória acabaria por se traduzir no conseguimento de um ganho que aqueles jamais poderiam almejar por quaisquer outras vias de transmissão do prédio, já que, em valor de mercado, um prédio arrendado vale menos do que um prédio livre;

3.12. «Encontra-se definido nos autos o valor com que compensar a arrendatária - aquilo que os proprietários teriam que pagar-lhe pela cessação do arrendamento para que pudessem vender o terreno para construção -, pelo que, tal valor deve ser retirado à indemnização a pagar aos proprietários e que previamente se calcule, nesta medida se revogando o aresto recorrido;

3.13. «Uma interpretação conjugada dos artigos 22.°, 23.° e 25.° do Código das Expropriações de 1991, normas que definem o critério de cálculo da indemnização a pagar ao proprietário, no sentido de que na fixação da indemnização devida aos proprietários pela expropriação de um solo apto para construção não deve considerar-se a existência de um arrendamento é inconstitucional por violação do n.° 2 do artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, por ofensa ao princípio da justa indemnização ali inscrito, e por violação do princípio da igualdade (artigo 13.°), o que expressamente se invoca;

3.14. «Da circunstância de as instâncias terem fixado a taxa máxima de 15% como factor de localização e qualidade ambiental e de o terem feito sem que esboçassem qualquer especifica justificação para o efeito, não obstante o sentido das alegações da expropriante, resulta que a alínea h) do n.° 3 do artigo 25.° do Decreto-Lei n.° 348/91, de 9 de Novembro, foi interpretada e aplicada contra a jurisprudência obrigatória do acórdão de fixação de jurisprudência de 12/1/99 - «DR», I Série-A, de13/12/99;

3.15. «O aresto recorrido está em oposição com o acórdão da Relação do Porto, de 25 de Junho de 2002, proferido no recurso n.º 506/02, da 2ª Secção, e já transitado na parte com interesse para os presentes autos, e que determinou que para uma parcela sita na freguesia da Campanhã, no Porto, situando-se ao longo da Estrada da Circunvalação e cuja declaração de utilidade pública é do ano de 1994 e que provém de prédio que pertence aos ora expropriados e que se encontrava arrendada à arrendatária destes autos, o factor de localização e qualidade ambiental é de 10% ao invés dos 15% aceites pelo aresto ora recorrido;

3.16. A escolha do concreto grau que o factor de localização e qualidade ambientai deve assumir é matéria de direito e, perante factos idênticos, deve optar-se pela interpretação jurídica constante do acórdão, de 25 de Junho de 2002, da Relação do Porto, acima citado;

3.17. «Ao não os interpretar da forma assinalada a decisão recorrida violou os artigos 158.° n.° 1, 668.°, n.° 1, alínea b), 22.°, 23.°, 25.° e 29.° do Código das Expropriações de 1991, e os artigos 13.°, 20.°, 62.°, n.° 2, e 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa.»

O recorrente remata as conclusões extractadas requerendo, ao abrigo do n.º 2 do artigo 732-A, aplicável por força do n.º 4 do artigo 678.º, que o julgamento seja alargado para uniformização de jurisprudência, visto existir a «oposição entre os arestos mencionados, no domínio da mesma legislação e sobre as mesmas questões de direito».

Devendo por isso o recurso ser julgado procedente, «revogando-se a decisão recorrida, e decretando-se a nulidade do acórdão recorrido, ou, se assim se não entender, descontando-se a indemnização devida à arrendatária à indemnização a pagar aos proprietários e fixando-se o factor de localização e qualidade ambiental em 10%, assim se fazendo inteira e sã justiça».

4. Em face da alegação, os proprietários e a arrendatária expropriados opuseram nas suas contra-alegações a inadmissibilidade do recurso, à luz fundamentalmente do assento deste Supremo Tribunal, de 30 de Maio de 1995 (3) , hoje com valor de acórdão de uniformização, segundo o qual o Código das Expropriações de 1991 «consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida».

Notificado o Instituto das Estradas de Portugal recorrente, veio responder (fls. 1035/1036) sustentando ser o recurso admissível.

Por um lado, porque, mantendo-se a doutrina do assento indubitavelmente em vigor - e tendo mesmo sido acolhida no n.º 5 do artigo 66.º do vigente Código das Expropriações de 99, agora «sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso» -, o certo, sublinha o recorrente, é que nem o assento nem a citada norma legal excluem «o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça para conhecimento de questões que não contendem com a fixação da indemnização», tal como «o controlo do cumprimento das regras processuais por parte do Tribunal da Relação» aqui em causa.

Com efeito, o recurso visa a questão de saber se o acórdão da Relação do Porto violou ou não a alínea b) do n.º 1 do artigo 668 e o n.º 1 do artigo 158 do Código de Processo Civil, ou seja, os deveres de fundamentação das decisões judiciais - bem como os artigos 20.º e 205 n.º 1, da Constituição -, estando, por conseguinte, em questão «unicamente o controlo da observância de regras processuais em sede de elaboração do acórdão recorrido e, jamais, o mérito da indemnização fixada».

Por outro lado, acrescenta o IEP, a revista é admissível ainda por aplicação conjugada do n.º 5 do artigo 66.º do Código das Expropriações de 99 e dos n.os 4 e 6 do artigo 678.º do Código de Processo Civil.

Junta douto Parecer de ilustre jurisconsulto (4) , a que dentro em pouco se aludirá.

O Ex.mo Procurador-Geral observa, por seu lado, que a revista foi admitida nos termos do artigo 678.º, n.º 4, implicando, consequentemente, atenta a normatividade em vigor ao tempo da interposição do recurso - 17 de Dezembro de 2002 -, o julgamento ampliado com intervenção do plenário das Secções Cíveis, conforme os artigos 732.º-A e 732.º-B, pronunciou-se em resumo como segue (fls. 1141 e segs.).

A admissibilidade do recurso depende, no caso, fundamentalmente da existência de oposição de acórdãos sobre as duas questões fundamentais de direito alegadas pelo recorrente.

A oposição não se verifica, todavia, quanto à questão do factor de localização e qualidade ambiental, «porque falha a necessária identidade nuclear das situações de facto em confronto», no acórdão recorrido e no acórdão fundamento da Relação do Porto, de 25 de Junho de 2002, «dada a natural especificidade de cada uma das parcelas objecto da expropriação analisada em cada um dos mencionados acórdãos, não obstante a proximidade e porventura contiguidade da correspondente localização».

O mesmo não poderá quiçá concluir-se tão afoitamente quanto à outra questão controvertida, uma vez que o acórdão recorrido entendeu não constituir factor de desvalorização da indemnização a atribuir aos proprietários a existência de um arrendamento rural, enquanto o acórdão fundamento, de 25 de Novembro de 1997, da Relação de Lisboa, considerou que a existência de um arrendamento é ónus que não pode deixar de ser atendido como elemento mitigador no cálculo do valor da indemnização a atribuir ao proprietário do prédio expropriado.

Aparentemente, existiria, pois, oposição quanto a esta segunda questão fundamental de direito entre o acórdão recorrido e o acórdão de 97 da Relação de Lisboa, apontando no sentido do julgamento ampliado da revista.

Mas aqui interfere a doutrina do assento de 10 de Maio de 1995, entretanto positivada no artigo 66.º, n.º 5, do Código das Expropriações de 1999, no sentido da irrecorribilidade do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização devida.

Bem como a jurisprudência a propósito desenvolvida pelo Supremo no sentido de não ser outrossim admissível recurso com fundamento em questões de direito, ou na oposição de julgados sobre a mesma questão de direito, sempre que tal implique com a fixação da indemnização, ou, como aconteceria in casu, redunde na reapreciação da decisão que fixou tal indemnização (5) .

Admitir o recurso em tais circunstâncias seria, na metáfora dos arestos, «deixar entrar pela janela o que saiu pela porta».

De todo o modo, pondera o Ex.mo Procurador-Geral da República, no tocante especificamente ao tema da ampliação da revista, à luz do entendimento que vem sendo seguido neste Supremo Tribunal, que «só em casos contados de relevante interesse, em que as questões tenham dado origem a um número significativo de decisões conflituantes, deverá ser acolhido o tipo de recurso em equação» - «com intervenção do plenário das Secções Cíveis para assegurar a uniformização da jurisprudência» -, «sob pena de se estar a admitir a sua banalização e, consequentemente, a comprometer a sua natureza de recurso extraordinário».

Considera em suma «deveras problemático e improvável o acolhimento e deferimento do julgamento ampliado pretendido pelo recorrente/expropriante e seu consequente reflexo na própria (in)admissibilidade deste seu recurso».

5. O detalhe que presidiu à exposição antecedente permite bem compreender os termos da suscitada admissibilidade/inadmissibilidade da presente revista, e a forma como ficou assegurado o exercício do contraditório, a dispensar por inútil nova audição das partes, conspecto em que razões de celeridade e economia processual justificam e aconselham a sujeição da questão à apreciação da conferência, na qual radica a competência, ultima ratio, para a decisão da mesma.

Tanto mais, adiante-se desde já, que, tudo ponderado, a revista sub iudicio é, salvo o devido respeito, inadmissível, por isso mesmo, decisivamente, não se desencadeando qualquer procedimento atinente à ampliação.

É certo que o recurso foi admitido na Relação do Porto, mas a decisão não vincula como quer que seja o tribunal ad quem (artigo 687.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
II
A Relação considerou provada a matéria de facto assente na 1.ª instância, à qual se aludirá na medida indispensável.

Vejamos, pois.

1. No Código das Expropriações de 1991, em vigor na data da declaração de utilidade pública da presente expropriação, não existia norma que vedasse especificamente o recurso para o Supremo por razões diferentes da alçada - o artigo 37.º limitava-se literalmente a estipular que o valor da indemnização, na falta de acordo, seria fixado por arbitragem, «com recurso para os tribunais, de harmonia com a regra geral das alçadas».

Todavia, o assento n.º 10/97, de 30 de Maio de 1995, há pouco aludido (supra, I, 4., e nota 3), tomando, aliás, o partido da corrente já então maioritária no Supremo (6)., formulou como sabemos a seguinte doutrina:

«O Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 438/91, de 9 de Novembro, consagra a não admissibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça que tenha por objecto decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida.»

Esta concepção mantém flagrante actualidade, como se disse no intróito, tanto mais que, revogado o Código de 91 pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (artigo 3.º), a qual aprovou, por seu turno, o Código das Expropriações de 1999 (artigo 1.º), este último acolheu expressamente a tese do assento no n.º 5 do seu artigo 66.º, com uma nuance oportunamente salientada, que segue em itálico:

«Sem prejuízo dos casos em que é sempre admissível recurso, não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal da Relação que fixa o valor da indemnização devida.»

2. Pois bem. Este normativo ofereceu ao Tribunal de topo da hierarquia judiciária o ensejo de firmar uma corrente de entendimento que importa detalhar.

2.1. Em determinado litígio expropriativo objecto de revista, desde logo se ponderou que em matéria de admissibilidade de recursos a lei nova é de aplicação imediata, salvo disposição em contrário, «a todas as decisões proferidas depois da sua entrada em vigor, mesmo nos processos já anteriormente pendentes», como sucedia no caso sub iudicio.

Era, pois, na circunstância pertinente a asserção-chave do acórdão respectivo, segundo a qual a formulação do n.º 5 do artigo 66.º denotava a intencionalidade legislativa de «afastar quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de recurso» para o Supremo Tribunal (7) .
Mais exactamente, salvo nos casos «em que é sempre admissível recurso - e que são os enunciados nos n.s 2, 3, 4 e 6 do artigo 678.º, especifica o aresto que estamos a acompanhar - não há recurso para o Supremo (seja qual for o valor da causa e o valor da sucumbência) do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização».

Arredou-se «de forma inequívoca - lê-se ademais na fundamentação - a possibilidade de instituir, nesta matéria, e ao arrepio da regra tradicional do nosso direito, um regime excepcional de quatro graus de jurisdição, entendendo-se, assim, a decisão arbitral como decisão de natureza jurisdicional, e o tribunal de comarca como segunda instância judicial». «Já foram facultados à expropriada três graus, através da decisão dos árbitros, da sentença do tribunal da 1.ª instância e do acórdão da Relação, todos eles com incidência na fixação do valor da indemnização». «A lei - o citado artigo 66.º, n.º 5 - não quer uma quarta pronúncia sobre a matéria.» (8)

E a solução da inadmissibilidade de recurso para o mais alto tribunal - precisa o mesmo acórdão - não é prejudicada «pelo facto de, no recurso, pretender a recorrente discutir questões de direito, e demonstrar que houve violação da lei substantiva ou adjectiva», posto que a sua admissibilidade então, implicando «a análise de questões de direito substantivo cuja resolução teria, forçosa e logicamente, reflexos no quantum indemnizatório», «redundaria na reapreciação do valor da indemnização».

2.2. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça desenvolveu-se com efeito, no sentido exposto, de considerar inadmissível o recurso quando neste se questionam nevralgicamente parâmetros de aferição do quantitativo da indemnização.

Assim, numa situação paradigmática, veio a esta estância controverter-se a qualificação do solo expropriado como apto para construção, que os recorrentes defendiam, contra a natureza de terreno agrícola atribuída pela Relação a quo (9) .
À primeira vista - observa-se no respectivo acórdão da 1.ª Secção, de 25 de Fevereiro de 2003 -, o recurso não tinha por objecto «decisão sobre a fixação do valor da indemnização devida», mas o argumento seria «puramente literal», pois o que estava em causa era efectivamente «o montante indemnizatório», que decorreria «naturalmente da qualificação do terreno».

«Nos processos de expropriação o que, normalmente, se discute é a fixação da justa indemnização», e no «caso em apreço - pondera a 1.ª Secção ad quem - é exactamente isso que opõe expropriante e expropriados, estando os parâmetros indemnizatórios directamente ligados à qualificação do terreno a expropriar».

De modo que, admitir o recurso na fattispecies configurada equivaleria a «deixar entrar pela janela aquilo que saiu pela porta».

2.3. O acórdão que acaba de se examinar vem, aliás, na esteira do acórdão, de 18 de Março de 2001, também já mencionado (10), no qual se formulara a mesma doutrina da inadmissibilidade de recurso para este Tribunal quando exactamente o recorrente põe em causa «os critérios definidores do quantitativo indemnizatório».

Vale a pena dedicar ainda breve alusão a estoutro aresto, onde se discutiam diferentes vectores de fixação da indemnização, entre os quais por sinal o factor de localização e qualidade ambiental também ventilado no caso que temos presente, e uma situação de falta de fundamentação aqui também alegada pelo recorrente.

Da decisão da Relação que anulara a sentença da 1.ª instância, a fim de os peritos se pronunciarem sobre determinados aspectos influentes na avaliação, foram interpostas revistas do expropriante e dos expropriados, mediante a alegação de não estar em causa a fixação do valor indemnizatório, como tal admitidas na 2.ª instância.

Era, de resto, ponto assente que a Relação não fixara o valor da indemnização, e daí poder concluir-se pela admissibilidade das revistas.

Mas um exame mais atento das alegações patenteou ao Supremo que o objecto dos recursos apenas se referia afinal a «alguns dos critérios definidores do quantitativo indemnizatório», para mais ou para menos, a saber:

- a dedução ou não na indemnização dos custos de um possível loteamento a efectuar na parcela expropriada, consoante o número de lotes a construir;
- o relevo do índice de construção de 0,45, fixado no acórdão recorrido sem fundamentação;
- o factor de actualização do montante da indemnização a ter em conta no período considerado;
- a relevância de servidões non aedificandi decorrentes da existência de valas hidráulicas que atravessam a parcela expropriada e da linha de caminho de ferro confinante a norte com a mesma;
- a percentagem de localização e qualidade ambiental que deve ir de 1% a 5%, e não até 15% como decidira o acórdão recorrido;
- a consideração devida ao valor de mercado dos prédios limítrofes, adquiridos pelo expropriante em mercado livre.

Posto isto, estando assim em discussão tão-somente «critérios definidores do quantitativo indemnizatório», em relação «directamente com a fixação do valor da indemnização devida», concluiu o aresto em exame pela inadmissibilidade das revistas, abstendo-se de conhecer do seu objecto, com a consequente manutenção do acórdão sob recurso.

3. A concepção que flui dos acórdãos examinados, na jurisprudência desenvolvida pelo Supremo acerca do regime de recursos definido no n.º 5 do artigo 66.º do Código das Expropriações - e outros poderiam ser chamados à colação (11) -, merece-nos inteira concordância.

Não se vislumbra, inclusive, como poderia uma interpretação que se quisesse materialmente fundada do aludido normativo cingir-se à mera literalidade da «fixação do valor da indemnização devida». E como seria possível, à luz dessa literalidade, fora dos limites do entendimento explanado, equacionar a aplicação prática da restrição de recursos que constitui o escopo nuclear do preceito.

3.1. Pois bem. Esse entendimento aplica-se mutatis mutandis ao recurso de revista que nos é presente.

O seu objecto, como bem resulta das conclusões da alegação oportunamente reproduzidas, limita-se em suma - deixando momentaneamente de parte a deficiência de fundamentação sobre que versam as conclusões 1.ª a 5.ª (supra, I, 3.1./3.5.), que seguidamente se retomará - limita-se a controverter perante o Supremo Tribunal de Justiça a quantificação do factor de localização e qualidade ambiental (conclusões supra, I, 3.14./3.17.) - tal como no caso do acórdão há momentos analisado em último lugar -, e a questão do arrendamento rural enquanto factor de desvalorização da parcela expropriada em termos de a indemnização devida à arrendatária dever ser deduzida da indemnização a que têm direito os expropriados proprietários (conclusões supra, I, 3.6./3.13.)

Tudo, portanto, parâmetros definidores do quantitativo indemnizatório, com implicações determinantes na fixação da indemnização devida, e, por conseguinte, abrangidos pela restrição recursória gizada no artigo 66.º, n.º 5, na acepção da doutrina deste Supremo Tribunal (12) .
Viu-se inclusivamente como o recorrente encerra as conclusões da sua alegação, requerendo, em derradeiro termo, o desconto da indemnização devida à arrendatária na indemnização a pagar aos proprietários - «e que previamente se calcule», precisa na conclusão 12.ª -, e a fixação do factor de localização e qualidade ambiental em 10%.

A revista é nessa medida inadmissível nos termos do n.º 5 do artigo 66.º do Código das Expropriações, conforme a concepção do preceito emergente da jurisprudência deste Supremo Tribunal.

E a impostação da questão da irrecorribilidade não se altera, nem é prejudicada, como salienta o acórdão, de 8 de Julho de 2003, desta 2.ª Secção acima analisado (supra, II, 2.1.), pela circunstância de os elementos influentes na fixação da indemnização se apresentarem argumentativamente em veste de questões jurídico-substantivas e jurídico-processuais que de qualquer modo redundariam na reapreciação do valor da indemnização.

Salvo nos casos em que é sempre admissível recurso, assevera o mesmo acórdão, citando os n.os 2, 3, 4 e 6 do artigo 678.º, não há recurso para o Supremo do acórdão da Relação que fixa o valor da indemnização.

3.2. Por isso mesmo, se não erramos, é também inadmissível a presente revista na parte relativa à insuficiência de fundamentação a que aludem as conclusões 1.ª a 5.ª, há pouco deixadas em suspenso.

Na verdade, o recorrente insurgiu-se na apelação contra a sentença da 8.ª Vara Cível do Porto alegando que esta se tinha limitado, na fixação das indemnizações, a remeter para o laudo unânime dos peritos do tribunal, quando devia proceder a uma apreciação crítica de todas as provas, sofrendo por isso de insuficiência de fundamentação e da nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.

A arguição foi apreciada e desatendida pela Relação do Porto, considerando em síntese, por um lado, que a nulidade em questão pressupõe a falta absoluta de fundamentação, e, procurando mostrar, por outro lado, que a sentença não se limitara a remeter para o laudo dos peritos do tribunal - que além de unânime foi de resto maioritário, observamos nós, no confronto com os laudos divergentes dos demais peritos - e, longe de pecar por insuficiência de fundamentação, antes se mostra devidamente fundamentada.

O expropriante recorrente argúi agora a mesma nulidade da alínea b), por insuficiência de fundamentação, relativamente ao acórdão recorrido, a qual evidentemente sempre improcederia, ao menos por não ser caso de falta absoluta de fundamentos.

Releva, porém, neste momento que a procedência da nulidade conduziria necessariamente à reapreciação do valor da indemnização, com a inerente integração da hipótese de inadmissibilidade do recurso configurada no n.º 5 do artigo 66.º do Código das Expropriações.

A revista é, por conseguinte, inadmissível também nesta parte, em paralelismo, aliás, com o acórdão, de 8 de Março de 2001, na revista n.º 2148/00, 2.ª Secção, precedentemente examinado (supra, II, 2.3.), versando sobre situação em que um vício similar se detectava.

4. Sendo a revista nos termos expostos inadmissível, conforme o artigo 66.º, n.º 5, não se olvidará que o normativo ressalva, do mesmo passo, os casos, previstos nomeadamente no artigo 678.º do Código de Processo Civil, em que é sempre admissível recurso.

4.1. O recorrente alega neste sentido, como sabemos, circunstâncias conducentes à admissão da revista com fundamento nos n.s 4 e 6 deste último artigo.

Importa, por consequência, apurar se na realidade se verificam as hipóteses delineadas nesses incisos.

No tocante ao n.º 4 do artigo 678, a resposta afirmativa depende nuclearmente de saber se o acórdão da Relação do Porto aqui em recurso se encontra em contradição ou oposição com outro, da mesma ou diferente Relação, sobre a mesma questão fundamental de direito.

E neste plano pretende o Instituto das Estradas de Portugal recorrente, como se viu em momento oportuno, que o acórdão recorrido está em contradição com o acórdão da Relação do Porto, de 25 de Junho de 2002, na questão do factor de localização e qualidade ambiental, pelo facto de neste último se ter atribuído a taxa de 10%, e naquele de 15%, apesar de as parcelas, em suma, se situarem na mesma área geográfica; e com o acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 1997, relativamente à questão do arrendamento,

Em quanto, por sua vez, concerne ao n.º 6 do artigo 678.º, aduz o expropriante que o acórdão recorrido foi proferido contra jurisprudência uniformizada pelo Supremo Tribunal de Justiça através do acórdão n.º 1/99, de 12 de Janeiro de 1999, referenciado supra, nota 2, em sede, outrossim, da taxa do aludido factor de localização e qualidade ambiental.

Vamos abordar sucessivamente cada uma das situações.

4.2. Observe-se, porém, desde já não se afigurar que assista razão ao recorrente, salvo o devido respeito, na questão mencionada em derradeiro lugar, à qual respeita a conclusão 14.ª (supra, II, 3.14.).

No corpo da alegação (fls. 994/995) infere o expropriante do laudo dos peritos do tribunal, onde se atribui uma percentagem global de 28% ao valor do terreno nos termos do artigo 25.º do Código das Expropriações de 1991 (fls. 548), que tudo leva a crer terem aqueles aplicado a taxa máxima de 15% prevista na alínea h) do n.º 3 do referido artigo - que aliás consideram «totalmente desadequada em face de todas as circunstâncias de facto em que se engloba o terreno».

E a eventualidade de as instâncias terem acolhido essa taxa máxima sem qualquer específica justificação leva também o expropriante recorrente a crer que a aludida alínea h) foi interpretada como se estabelecesse uma taxa fixa, contra a jurisprudência uniformizada pelo citado acórdão n.º 1/99 - cujo teor decisório se transcreveu supra, nota 2 -, o qual lhe atribuiu ao invés a natureza de taxa variável dentro desse limite máximo, em função dos dados factuais de localização e ambientais ocorrentes.

Pois bem. Desde logo, não se compreende como pode fundadamente inferir-se da percentagem global de 28% que os peritos - e as instâncias - aplicaram a taxa da alínea h) no seu máximo de 15%, quando pode inclusivamente pensar-se, salvo erro, atendendo às demais taxas do artigo 25.º, com excepção daquelas que o expropriante considera excluídas, ter a mesma sido aplicada em valor inferior.

Em segundo lugar, não parece também justificada a ilação, segundo a qual a aplicação do máximo da alínea h) constituiria o lógico corolário de uma interpretação que lhe conferisse a natureza de uma taxa fixa, em contradição com o acórdão uniformizador, quando tal poderia apenas representar mera valoração «desadequada», como diz o recorrente, das circunstâncias de facto existentes.

Por último, os próprios peritos esclareceram, em resposta a instância do digno expropriante na fase de instrução, que, apesar de o acórdão de uniformização ser posterior ao laudo, tiveram em consideração o «carácter gradativo» da alínea em causa, «aplicando a percentagem corrente em casos semelhantes de parcelas inseridas no mesma zona» (fls. 645).

Não é assim viável considerar lógica e factualmente fundadas as conjecturas, sem desprimor, em que o recorrente pretende ancorar a contradição do aresto recorrido com o acórdão uniformizador n.º 1/99, que tornaria admissível a revista nos termos do n.º 6 do artigo 678.º

4.3. Falta apreciar as situações referentes ao n.º 4 deste mesmo artigo, concitando previamente uma questão comum.

Que deve na verdade entender-se por contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito?

Atendo-nos evidentemente a tópicos sobressalientes, já que não seria viável ensaiar aqui uma desenvolvida explanação, observaríamos o seguinte.

Em primeiro lugar, a questão fundamental de direito - cuja identidade nos acórdãos em confronto pode, pela diferente solução que lhe é dada num e noutro, legitimar a conclusão de contradição entre ambos no sentido do preceito - essa questão não se define pela hipótese/estatuição, desenhada abstractamente na norma jurídica em sua maior ou menor extensão e compreensão, a que seja possível subsumir uma pluralidade de eventos reais a regular.

Em verdade, na jurisprudência não se trata propriamente de considerar o direito plasmado na norma nessa perspectiva abstracta e estática, alheada de casos concretos.

Se assim fosse, os casos de oposição e contradição entre acórdãos multiplicar-se-iam na prática de forma indominável, em flagrante distorsão, se bem se pensa, da intencionalidade legislativa.

Trata-se, bem ao invés, de perspectivar o direito na tónica, ultima ratio, da sua transposição dinâmica para a resolução de situações litigiosas da realidade social que sempre vai implicada nas decisões judiciais.

E, então, a questão jurídica coenvolvida na comparação de acórdãos em apreço tem de ser uma questão nuclear necessariamente recortada na norma pelos factos da vida que relevaram nas decisões.

Em síntese (13) , dir-se-á que se verifica a contradição de dois acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito, no sentido do n.º 4 do artigo 678.º, «quando o núcleo da situação de facto, à luz da norma aplicável, é idêntico em ambos eles», tendo a questão, não obstante sido resolvida de forma divergente.

4.4. Mas, assim sendo, imediatamente se conclui que entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação do Porto, de 25 de Junho de 2002, não pode este Supremo dar como verificada uma semelhante contradição.

Decisivamente, pelas dúvidas que há momentos se constatou subsistirem sobre se uma taxa de 15%, no tocante ao factor de localização e qualidade ambiental, terá sido realmente aplicada na presente expropriação, a qual não consta da matéria de facto provada, e não é mencionada, nem na decisão arbitral - que aliás aplicou uma taxa de apenas 7,5% -, nem na sentença - que apenas se refere, tal como o laudo dos peritos, já o vimos, à taxa global de 28% abrangendo já todos ao factores do artigo 25 no caso relevantes -, nem no acórdão recorrido.

Dúvidas, obviamente, cujo suprimento não está ao alcance dos poderes deste Supremo em matéria de facto, e que verdadeiramente impossibilitam a comparação de acórdãos.

Sempre, de resto, seria manifestamente insuficiente, no sentido dessa comparação, a mera alegação do recorrente de que as parcelas expropriadas num e noutro caso se situam numa mesma área geográfica e são portadoras dos difusos aspectos comuns meramente esboçados pelo recorrente na conclusão 15.ª, a saber: parcela sita na freguesia de Campanhã, no Porto, situando-se ao longo da Estrada da Circunvalação, cuja declaração de utilidade pública é de 1994, que provém de prédio pertencente aos ora expropriados.

Uma pequena diferença, efectivamente quanto aos possíveis vectores factuais de localização e ambiente, inapreensível em face dos contornos esquissados pelo expropriante, logo se traduzirá numa diferenciação das taxas aplicáveis nos dois casos, sem que por isso seja legítimo falar de contradição.

Não se patenteia, por conseguinte, perante este Supremo Tribunal a contradição de acórdãos na questão da alínea h) do n.º 3 do artigo 25 que poderia tornar admissível a revista nos termos do n.º 4 do artigo 678 do Código de Processo Civil.

4.5. Resta apurar se na questão do arrendamento se verifica contradição.

O recorrente alega que uma contradição relevante nos termos do n.º 4 do artigo 678.º existe entre o acórdão recorrido e o acórdão da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 1997, certificado nos autos (supra, I, 2.; fls. 1139/1148).

O primeiro decidiu que o arrendamento é considerado encargo autónomo para efeito de indemnização ao arrendatário, conforme o artigo 29.º, n.º 1, do Código das Expropriações de 1991, pelo que a sua existência não influencia a indemnização a atribuir ao proprietário (conclusão 7.ª) em termos de aquela dever ser deduzida nesta.

O segundo, considerando o arrendamento como um ónus, entendeu contrariamente que o valor da propriedade terá que ser aquele que um comprador médio do mercado atribuir a um prédio naquele condicionamento (conclusão 8.ª).

No entender do recorrente, a jurisprudência em contradição há-de, pois, ser uniformizada no sentido de que o arrendamento rural dos autos deve relevar na fixação da indemnização aos proprietários (conclusão 9.ª).

E relevar como elemento negativo desta, nela incidindo com factor de desvalorização.

De outro modo, haveria um locupletamento injusto dos proprietários, observa o recorrente, visto que, em valor de mercado, um prédio arrendado vale menos que um prédio livre (conclusão 11.ª).

Diga-se, em aparte, que este ponto de vista é pelo menos assaz discutível, porque faria impender sobre os proprietários o prejuízo sofrido pelo arrendatário mercê da expropriação, do mesmo passo que o expropriante receberá a propriedade liberta do arrendamento, o que sugere ao invés um locupletamento do expropriante à custa dos proprietários.

Por isso se pondera doutrinariamente, em contraponto, que «a ideia de considerar o arrendamento rural como encargo autónomo, para o efeito de o arrendatário ser indemnizado à custa da entidade expropriante pelo prejuízo que lhe causa a caducidade do contrato, corresponde sem dúvida à orientação mais avisada». «Não se lesa o proprietário, que recebe a indemnização correspondente ao valor da propriedade plena do imóvel; não se prejudica o arrendatário, que recebe a indemnização adequada ao prejuízo sofrido; apenas se sobrecarrega o expropriante com uma indemnização suplementar, o que é justo, uma vez que recebe o prédio imediatamente livre do vínculo contratual que sobre ele recaia» (14)- e cuja caducidade, precisamente, é por ele determinada, acrescentamos nós

Importa, todavia, recordar que não nos cumpre aqui resolver propriamente a questão de saber se o arrendamento influi na fixação da indemnização aos proprietários de forma a que nesta seja descontada a indemnização devida à arrendatária, mas o problema de apurar se os acórdãos em confronto tomaram posições contraditórias sobre a mesma.

Tal efectivamente a questão fundamental de direito, à luz do critério acima explanado, acerca da qual deve ser aferida a contradição de acórdãos sub iudicio.

Assim a equaciona, de resto, Alves Correia, no douto Parecer junto ao processo pelo expropriante (cfr. supra, I, 4. e nota 4), escrevendo em remate de breve excurso teórico:

«Com efeito, a mesma questão fundamental de direito, à qual os dois arestos deram resposta contrária, consiste em saber se, quando sobre o imóvel objecto de expropriação incidir um arrendamento, seja ele para comércio, indústria ou exercício de profissão liberal, ou para habitação, ou rural, na indemnização a atribuir ao proprietário do prédio expropriado deve ser tomada em consideração, ou não, como elemento diminuidor do seu valor, a existência do arrendamento.» (15)

4.6. Posto isto, sabemos que o acórdão recorrido recusou proceder ao desconto da indemnização da arrendatária na indemnização devida aos expropriados proprietários, apelando para a natureza autónoma do arrendamento.

E o recorrente afirma que o acórdão fundamento tomou a posição contrária, sugerida por determinado passo do acórdão, constante da conclusão 8.ª: «sendo o arrendamento um ónus o valor a atribuir terá que ser aquele que um comprador médio do mercado atribuir a um prédio naquele condicionamento».

Não nos parece, todavia, sem embargo de alguma dificuldade na leitura do respectivo manuscrito, que o aresto possa ser entendido nos termos pretendidos pelo ora expropriante.

Estava em causa, em poucas palavras, a pretensão em apelação do ali expropriante contra a avaliação do imóvel expropriado, onde existiam andares arrendados para habitação, pelo facto de ter valorado uma «hipotética valorização do rendimento do prédio se os andares estivessem devolutos». Nesse caso, alegava, «para se considerar o valor dos andares devolutos, também se deveriam considerar todos os ónus sobre o prédio, incluindo o valor a pagar pela denúncia dos contratos de arrendamento, e que presumivelmente será um valor até superior ao valor real dos andares do prédio expropriado».

Concluía, pois que «o valor a pagar pelo prédio objecto do presente processo de expropriação deve ser calculado com base nas construções nele existentes, nos termos do artigo 27.º do Código das Expropriações, para o que deve ser considerado o valor do rendimento do prédio pelo valor que unanimemente consideraram os Senhores Peritos, bem como os Senhores Árbitros na fase arbitral do processo, no montante de 5.605.714$00».

E isto quando a sentença fixara o valor em causa e a correspondente indemnização ao expropriado proprietário em 12.480.000$00.

O acórdão fundamento da Relação de Lisboa rejeitou, porém, a pretensão do expropriante considerando:

«Ora, no caso em apreço, a tese do recorrente não prevalece: certo é que o arrendamento é um ónus. Mas mais certo é que o valor a atribuir terá que ser aquele que um comprador médio do mercado atribuiria ao prédio em causa com tal ónus. E bem sabemos que existem actualizações de rendas, cessação de contrato de arrendamento, enfim expectativas, as quais, dentro do critério atrás referido da justa indemnização, não podem ser olvidadas.
«É o que nos diz, e a título de exemplo, Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, pág. 209 (vejam-se os acórdãos de 30.1.76 do STJ, e da Relação do Porto, de 20.1.92, aí citados .
(...)
«No caso vertente, o laudo dos peritos do tribunal e dos expropriados é unânime em considerar que o valor devido deverá ter em conta as expectativas decorrentes de uma hipotética cessação do arrendamento. (...)»

E nesta base improcedeu a pretensão do expropriante em conseguir uma indemnização mais baixa, mantendo o acórdão fundamento, com a motivação transcrita, a indemnização recorrida.

De modo algum se pode, por conseguinte afirmar, a nosso ver, que tenha sido decidido o que quer que seja de análogo a uma dedução da indemnização devida ao arrendatário na indemnização a atribuir ao proprietário.

No acórdão recorrido rejeitou-se a possibilidade de desvalorizar a indemnização aos expropriados proprietários através dessa dedução.

O acórdão fundamento recusou igualmente baixar-lhes a indemnização, nela valorando um factor de incremento desta, a expectativa de cessação do arrendamento.

Não deixa neste conspecto de existir inclusive sintonia entre os dois arestos, quanto mais antinomia.

E não se revela nas condições referidas, também quanto a este último fundamento de recurso ao abrigo do n.º 4 do artigo 678.º, a contradição de acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito que o tornaria admissível.
III
Sendo por todo o exposto inadmissível a presente revista, acordam no Supremo Tribunal de Justiça em não conhecer do seu objecto, julgando-se findo o recurso.

Sem custas por delas estar isento o expropriante [artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do anterior Código das Custas Judiciais].

Lisboa, 6 de Julho de 2005
Lucas Coelho,
Bettencourt de Faria,
Moitinho de Almeida.
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(1) «Diário da República», II Série, n.º 62, de 15 de Março do mesmo ano.
(2) «Diário da República», I Série-A, n.º 37, de 13 de Fevereiro de 1999, uniformização sintetizada na proposição seguinte: «A percentagem de 15% estabelecida na alínea h) do n.º 3 do artigo 25.º do Código das Expropriações, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 348/91, de 9 de Novembro - elemento uniformizador de critério de avaliação -, perderá a sua fixidez, passando a maleabilizar-se, no momento da sua aplicação, a cada caso concreto, de acordo com a avaliação que se faça da ‘localização e qualidade ambiental’ do bem expropriado, visando alcançar a constitucional justa indemnização».
(3) « Diário da República», I Série-A, n.º 112, de 15 de Maio de 1997, e «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 447, págs. 51/64.
(4) Parecer de Fernando Alves Correia, Professor da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.
(5) Citam- se nesta orientação os acórdãos, de 8 de Março de 2001, de 25 de Fevereiro de 2003, e de 8 de Julho de 2003, respectivamente, na revista n.º 2148/00, 2.ª Secção, agravo n.º 4378/02, 1.ª Secção, e revista n.º 1846/03, 2.ªSecção.
(6) Cfr., neste sentido, o acórdão, de 25 de Fevereiro de 2003, no agravo n.º 4378/02, 1.ª Secção, referido na nota 5, citando decisões representativas dessa corrente.
(7) Acórdão, de 8 de Julho de 2003, na revista n.º 1846/03, desta 2.ª Secção (supra, nota 5), que ora se segue por momentos, aliás tirado com o voto concordante de dois dos subscritores do presente aresto. Também no sentido exposto, o acórdão, de 8 de Março de 2001, revista .º 2148/00, 2.ª Secção, citado na mesma nota 5.
(8) Na mesma linha o acórdão, de 25 de Fevereiro de 2003, citado supra, nota 6.
(9) Trata-se do caso decidido no agravo n.º 4378/02, da 1.ª Secção, citado há momentos nas notas 5, 6 e 8.
(10) Cfr. supra, notas 5 e 7.
(11) Vejam-se neste sentido alguns dos recenseados por José António Barreto Nunes, Código das Expropriações (na jurisprudência), Vislis Editores, Lisboa, Fevereiro de 2001, em especial págs. 211 e seguintes.
(12) Inclusive, porventura, aqueles índices aludidos na conclusão 2.ª da alegação (supra, I, 3.2.), sumariados no corpo desta a fls. 987, que o recorrente diz não terem sido apreciados pela Relação, os quais, por outro lado, envolvendo matéria de facto, o Supremo estaria impedido de sindicar na óptica da segunda parte do n.º 2 do artigo 722.º do Código de Processo Civil.
(13) Colhida, com a devida vénia, em Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3.ª edição revista, actualizada e ampliada, Almedina, Março de 2002, pág. 104.
(14) Pires de Lima/Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. II, 3.ª edição, pág. 486, citado com aplauso por José Osvaldo Gomes, Expropriações por Utilidade Pública, 1.ª edição, Texto Editora, Lisboa, 1997, pág. 221.
(15)Observe-se, aliás, a título ilustrativo, que o jurisconsulto da Universidade de Coimbra não sufraga o entendimento do recorrente, segundo o qual a indemnização devida à arrendatária deve ser descontada na indemnização dos expropriados proprietários, antes se pronuncia contra, devido ao carácter autónomo do arrendamento: se à arrendatária cabe uma indemnização autónoma, pondera, trata-se de uma indemnização «que não sai ou não é retirada do valor do prédio expropriado».
(16) Acórdãos efectivamente citados pelo autor mencionado, na nota 434. A título elucidativo, refira-se apenas o primeiro, que assim decidiu: «para efeitos de expropriação, o valor do prédio dado de arrendamento não é determinado apenas pelas rendas que os inquilinos pagam, mas antes pelo maior rendimento que pode ser conseguido no caso de vagar ou de haver possibilidade de actualização das rendas».