Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
06P3042
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: ARMINDO MONTEIRO
Descritores: OFENDIDO
MERA DETENÇÃO
BEM JURÍDICO PROTEGIDO
CONSUMPÇÃO
COACÇÃO
VIOLÊNCIA
CO-AUTORIA
DOCUMENTO
MATRÍCULA
DOCUMENTO AUTÊNTICO
FALSIFICAÇÃO
DETENÇÃO ILEGAL
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
CONCURSO DE INFRACÇÕES
Nº do Documento: SJ20061025003042
Data do Acordão: 10/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
I - Constando dos factos provados que o arguido J fez uso de um instrumento com lâmina cortante e perfurante em tudo semelhante a outro, retratado nos autos, não pode afirmar-se revelar-se aquele instrumento incaracterístico, de formato indeterminado ou portador de características dissemelhantes ao apreendido.
II - E pelo seu descritivo fotográfico estava ao alcance do julgador denominá-lo de arma, na definição que dela dá o art. 4.º do DL 48/95, de 15/3, ou seja enquanto instrumento, ainda que de aplicação definida, que seja usado ou possa ser utilizado como tal, para lesar fisicamente, conceito que a Lei 5/2006, de 23/2, na sua feição revogatória, deixou intocado.
III - A integração da qualificativa do crime de roubo prevista no art. 204.º, n.º 2, al. f), do CP (por remissão do art. 210.º, n.º 2, al. b), do mesmo diploma legal) através do mero porte de arma oculta, não visível, sem mesmo chegar a ser aparente, denota a particular exigência do julgador, atendendo aos proeminentes e predominantes bens pessoais, ligados à protecção da vida, integridade física e liberdade individual da vitima, em condenar indistintamente da circunstância da arma estar municiada ou não, embora, para efeitos de pena tal não seja completamente indiferente.
IV - Com efeito, o mero porte de arma torna mais vulnerável a vítima à apropriação violenta, essencial segundo o art. 210.º, n.º 1, do CP, prevendo múltiplas modalidades, já que o agente se traz a arma oculta a todo o tempo pode ela deixar de o ser, o facto de se achar não municiada, sem grande dificuldade o pode ser, e o facto de não o poder ser nem por isso deixa de revelar arrojo, insensibilidade pela pessoa da vítima que fica constrangida ao desapossamento da coisa móvel, pela ameaça que representa à sua integridade física a exibição de uma pistola, enfraquecendo a vítima na sua resistência física e psíquica, à mercê do agente.
V - O propósito da lei ao fazer a alusão a armas de fogo, proibidas ou sem o serem, aparentes ou ocultas, sem restringir o campo de incidência ao seu funcionamento efectivo ou sua imediata possibilidade, estando municiada, tem por ratio a consideração da maior associalidade do agente e como tal uma maior culpa sua.
VI - Arma, para os fins do preceito legal em apreço, será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de serem lesadas, independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar, pois se mostra de todo irrazoável, desproporcionado mesmo, do ponto de vista da sua protecção legal, exigir-se esse prévio conhecimento, que lhe podia ser inacessível, impraticável até, não obstante ter sido em nexo causal com a exibição da arma que a entrega da coisa teve lugar, relevando a impressão, analisada à luz de um normal destinatário, de perigo, que àqueles bens representa.
VII - Sujeito passivo do crime de roubo pode ser não só o proprietário da coisa, mas ainda o seu detentor, a pessoa que tem a guarda do bem, por exemplo o “caixa” de supermercado.
VIII - O roubo, enquanto crime pluriofensivo, nos termos do art. 210.º do CP, que põe em crise tanto bens patrimoniais, como bens jurídicos pessoais, nos domínios da integridade física, liberdade individual de decisão e da própria vida, sob a forma de violência, ameaça e impossibilidade de resistir, consome os crimes de furto, de sequestro, em condições limitadas de perduração, de coacção e ameaça, este já consumido pelo de coacção, sendo esta vertente pessoal que introduz uma tipologia destacada do crime de furto e uma maior necessidade de punição.
IX - No crime de coacção, p. e p. pelo art. 154.º do CP, enquanto crime contra as pessoas, o bem protegido com a incriminação é da liberdade de decisão e de acção.
X - A violência referida no preceito, definida como um acto de força, físico ou psíquico, que leva alguém a actuar de determinada maneira, pode ser física, por meio de uma conduta omissiva, traduzir-se numa utilização de meios que eliminem ou diminuam a capacidade de decisão ou resistência da vítima, ou consistir numa intervenção física sobre as coisas.
XI - Mal importante, para os fins do preceito incriminador, não é aos olhos do legislador um qualquer mal, mas um mal com acentuado relevo, um mal a que comunitariamente se é sensível, censurado pelo dano relevante ao nível físico ou psíquico a que a coacção conduz.
XII - No caso dos autos, o arguido exerceu duas condutas coactivas, uma sobre a pessoa da empregada do posto de abastecimento de combustível, consumida pelo crime de roubo, e outra, autonomizada desta, na pessoa da cliente da loja do posto, pela via da comparticipação, no âmbito da co-autoria.
XIII - A tal respeito provou-se que os arguidos acordaram ambos, e previamente, em fazerem seu, com o uso de armas - in casu de uma pistola, pelo arguido P - e através da ameaça e constrangimento da ofendida A, o dinheiro contido na caixa da loja do posto de abastecimento; igual acordo firmaram, voluntariamente, com o mesmo propósito, com o concurso, agora pelo co-arguido J, de um instrumento similar ao fotografado a fls. 38, constituído por uma lâmina cortante e perfurante, e ainda pelo uso da locução “Não faças nada. Encosta-te aí”, de perturbarem a liberdade pessoal de decisão e de acção” da ofendida M, o que sabiam ser condenável.
XIV - Assistiu-se, pois, à celebração de um acordo, por ambos os arguidos, deles vinculante, não só de usarem aquela arma como aquelas expressões, a fim de tolherem a liberdade ambulatória e de decisão da vítima, na mira do sucesso do assalto.
XV - Não há co-autoria sem acordo, ao menos na forma mínima de mera consciência e vontade de colaboração de várias pessoas, na realização do crime (Prof. Eduardo Correia, Direito Criminal, II, pág. 253).
XVI - O arguido, no projecto criminoso delineado com o outro comparsa, em vista da consecução de um resultado por ambos querido e acordado, tornou-se senhor do facto, que dominou na totalidade, tanto pela positiva, assumindo um poder de intervenção e de direcção, na execução conjunta do facto total, ou seja no plano de execução comum, como pela negativa, podendo impedi-lo, ainda que não se torne necessária a prática de todos os factos que integram o iter criminis (cf. Maria da Conceição Valdágua, O Início da Tentativa do Co-Autor, 1985, Ed. Danúbio, págs. 155-156, na esteira de Roxin, Stratenwerth, Welzel e Jescheck, ali citados).
XVII - Incorreu, deste modo, o arguido na prática do crime de coacção, em co-autoria, nos termos do art. 26.º do CP, porque o acordo abrange todos os elementos do crime, que quis, como se deu por provado, e não impediu a sua produção, comunicando-se-lhe apesar de não ter intervindo materialmente na sua execução.
XVIII - O conceito de documento para fins penais, previsto no art. 255.º, al. a), do CP, é mais amplo, do que o relevante no CC, pois compreende toda a declaração registada em disco, corporizada em material, fita gravada ou qualquer meio técnico, inteligível pela generalidade das pessoas ou para certo círculo de pessoas, que, permitindo reconhecer o emitente, é idónea para provar facto juridicamente relevante, ou seja acto idóneo a constituir, modificar ou extinguir uma relação jurídica.
XIX - A chapa de matrícula, embora provinda de entidade particular, é um sinal material aposto no veículo, destinando-se a provar factos juridicamente relevantes, irradiando em várias direcções, de reconhecida importância, portadora de uma força probatória equivalente à dos 48 documentos públicos, transcrevendo-se os seus elementos nos registos oficiais, sendo a expressão visível desses elementos, tidos, em princípio, como verídicos.
XX - Não é um documento autêntico, na definição que dele fornece o art. 363.º, n.º 2, do CC, mas um documento com igual força - cf. acórdão, com força uniformizadora, do Pleno das Secções Criminais deste STJ, n.º 3/98, de 05-11, pondo termo às oscilações jurisprudenciais entre o ser ou não a chapa de matrícula documento autêntico -, porém sempre a sua substituição por outra é de reputar como falsificação de documento.
XXI - A alteração do seu teor, do documento onde figuram aqueles elementos, configura a falsificação prevista no art. 255.º, n.º 1, al. a), do CP, e é punível por força do seu n.º 3.
XXII - A utilização pelo arguido de pistola semi-automática [que apontou à ofendida A], originariamente arma de alarme ou de emissão de gás lacrimogéneo, não manifestada e nem registada, transformada em arma de calibre 6,35 mm, Browning, integra o crime de detenção ilegal de arma, p. e. p. pelas disposições dos arts. 1.º, n.º 1, e 6.° da Lei 22/97, de 27-06 (ao caso ajusta-se a jurisprudência deste STJ, no seu Ac. do Pleno das Secções Criminais, com feição uniformizadora, sob o n.º 1/02, de 05-11, no sentido de uma arma de fogo, de calibre 6,35 mm, resultante de adaptação ou transformação de uma arma clandestina de gás ou de alarme, não integrar o crime previsto no art. 275.º do CP, por se não tratar de arma absolutamente proibida, mas de defesa).
XXIII - À luz da Lei 5/2006, de 23-02, a detenção de arma transformada - arts. 2.º, n.º 1, al. t) e 86.º, n.º 1, al. e) - é punida com prisão até 5 anos ou multa até 600 dias.
XXIV - Entre os dois preceitos intercede uma continuidade normativo-típica, que sustenta um tratamento punitivo de maior favor, pela simples comparação de molduras, em ponderação abstracta, se o agente for sancionado ao abrigo da lei em vigor na data da prática dos factos ou seja ao abrigo da lei antiga, considerando a sucessão legal penal estabelecida.
XXV - O crime de detenção ilegal de arma, de perigo abstracto, concorre com o de roubo agravado, pois acautela os valores da ordem, segurança e tranquilidade públicas, não sendo aqueles coincidentes com os do roubo, enquanto crime complexo, obtido por fusão, em resultado de uma síntese normativa, correspondente a uma norma em concurso aparente com a regra do tipo matriz sobre que prevalece, pluriofensivo de bens patrimoniais e, essencialmente, bens pessoais, que faz dele um crime comunitariamente altamente reprovável.
Decisão Texto Integral:
Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

Em processo comum com intervenção do tribunal colectivo sob o nº …………. GAVCD, do 1.º Juízo da Comarca de......., foi, com outros, submetido a julgamento AA, vindo , a final , a ser condenado como co-autor de :
um crime de roubo agravado previsto e punível pelo art. 210º, nºs 1 e 2, al. b), por referência ao art. 204º , nº 2, al. f), do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 10 (dez) meses de prisão;
um crime de coacção previsto e punível pelo art. 154º, nº 1, do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão;
um crime de falsificação de documento previsto e punível pelos arts. 256º, nºs 1, al. a), e 3, do Código Penal, na pena de 7 (sete) meses de prisão ; e
um crime de detenção ilegal de arma previsto e punível pelos arts. 1º, nº 1, al. b), e 6º da Lei nº 22/97, de 27 de Junho, na redacção dada pela Lei nº 98/2001, de 25.08, na pena de 8 (oito) meses de prisão.
Em cúmulo jurídico das penas parcelares referidas foi-lhe aplicada a pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.

I. Inconformado com o teor desta decisão , interpôs o arguido AA recurso para este STJ , apresentando na motivação as seguintes conclusões:
Não podia dar-se como provado que o arguido levava uma arma na medida em que se deu como provado que o instrumento usado era em tudo semelhante ao descrito na decisão recorrida , o que significa que não foi apreendido .
Não se provou também que a pistola usada estivesse municiada e , assim , que fosse idónea para ser utilizada como meio de agressão .
Não há razão para qualificar o crime de roubo .
Dos factos provados resulta uma só ordenação e conduta , ou seja a de roubo , sendo a coacção meio para a prática daquele crime .
A acção coactiva é , apenas , meio instrumental para a prática da apropriação , não havendo concurso real entre o roubo e a coacção , aquele consumindo esta sob pena de se verificar uma dupla penalidade do mesmo facto .
Nada permite concluir que o arguido coagiu a cliente BB . Inexiste razão para o condenar por tal crime .
A mera substituição das chapas de matrícula não comporta falsificação de documento , antes devendo considerar-se como um expediente destinado à materialização do crime de roubo .
Não se provando que a arma estivesse municiada não se pode considerar como tal para fins de integração do art.º 210 .º n.º2 , do CP , por referência ao art.º 204.º n.º 2 f) , do CP .
Não sendo o arguido portador de uma arma em sentido técnico-jurídico não deverá ser considerada como integrante do crime de detenção ilegal de arma .
Mesmo a “ lâmina cortante e perfurante “ que se deu como provado que fosse portador , já determinou a qualificação do tipo legal de roubo , com o consequente agravamento do tipo legal de crime .
O crime de detenção ilegal de arma é , necessariamente , consumido pelo crime de roubo .
Deve o arguido ser condenado como autor de um crime de roubo simples e não agravado .
As necessidades de prevenção são “ in casu” reduzidas , o que resulta de os arguidos terem reconhecido parcialmente os factos e ressarcirem a lesada , o que revela arrependimento .
Do relatório social ressalta que o arguido tem “ sólida retaguarda familiar e o enquadramento profissional de que dispõe na Câmara Municipal de……… e a motivação manifestada pelo próprio num processo de mudança parece-nos que , na caso de condenação e de ser equacionável a aplicação de uma medida alternativa à da pena de prisão , existem condições para a sua exequibilidade mediante a tutela do Instituto de Reinserção Social “ .
Deve ser ponderada a possibilidade de aplicação de penas não privativas de liberdade .
Caso assim se não entenda , em virtude das diminutas necessidades de prevenção e em face das circunstâncias que ocorrem em seu favor , deve substituir-se a excessiva e desajustada condenação em 4 anos e 8 meses de prisão , para que se aproxime de prisão mínima , especialmente atenuada , suspendendo-se a sua execução , por violação das normas dos art.ºs 70.º , 71.º , , 154.º , 210.º e 256.º , do CP e 6.º da Lei n.º 22/97 , de 27/6 e 27.º , da CRP .

II . O Exm.º Procurador -Adjunto , em 1.ª instância rebateu a tese do recorrente , pugnando pela manutenção do julgado .

III . Colhidos os legais vistos , cumpre decidir , considerando que o Colectivo teve como provados os seguintes factos :
a) No dia 18 de Julho de 2005, cerca das 15.00 horas, AA e CC encontraram-se na confeitaria "…….", sita na Rua da ……., em ……, Vila do ……;
b) Nessa altura, como necessitassem de dinheiro para comprar droga decidiram que durante essa tarde iriam procurar obter dinheiro mediante a prática de facto ilícito;
c) Na sequência dessa combinação, o AA deslocou-se até à sua residência e aí muniu-se de uma pistola semi-automática, da marca RECK, modelo P6 E, originalmente de calibre nominal 8 mm para munições de alarme ou gás lacrimogéneo, posteriormente adaptada a disparar munições com projéctil, de calibre 6,35 mm, Browning, sem número de série visível, não manifestada ou registada;
d) Seguidamente, substituiu as chapas de matrícula originais com o número …-…-… do seu automóvel Fiat Punto, de cor cinzenta, por outras duas chapas de matrícula, com o número …-…-…, as quais havia obtido em momento anterior, e voltou às imediações do sobredito café, onde o CC já se encontrava à sua espera, trazendo consigo um objecto com lâmina, cortante e perfurante, em tudo semelhante àquele que se encontra fotografado a fls. 38 (F8);
e) Após o reencontro, o AA e o CC dirigiram-se para o Posto de Abastecimento "…….", sito na Rua …….., em ….., Vila do ……, pertencente a DD, no automóvel supra identificado, ostentando as matrículas não originais com o número …-…-…, conduzido pelo AA e seguindo o CC ao seu lado;
f) Ali chegados, pararam o automóvel na zona destinada à lavagem e verificação da pressão dos pneus dos automóveis;
g) Passado cerca de 15 minutos, encontrando-se no interior da loja de conveniência a funcionária EE, ao balcão, e a cliente FF, o AA e o CC irromperam na loja, o primeiro empunhando a pistola supra mencionada e o segundo o referido objecto com lâmina, cortante e perfurante;
h) De imediato, e em simultâneo, enquanto o AA se dirigiu ao balcão e apontou a arma que empunhava à funcionária EE e lhe gritava "isto é um assalto", o CC aproximou-se da cliente FF, apontou-lhe o referido objecto com lâmina, cortante e perfurante, e ordenou-lhe: "Não faças nada. Encosta-te ali.";
i) Como EE reagisse e tentasse accionar o alarme o AA prontamente a manietou, agarrou-lhe uma das mãos contra o tampo do balcão, enquanto o José Paulo foi em direcção à caixa registadora donde retirou todo o dinheiro aí existente, no valor total de € 250,00.
j) Acto contínuo, e com o dinheiro na sua posse, o AA e o CC saíram da loja, entraram no automóvel e puseram-se em fuga, em direcção à EN 13;
l) Alguns minutos depois, numa bouça existente na Rua de ……, em frente ao nº ……, em Vila Nova ……., Maia, o AA e o CC trocaram as chapas de matrícula, voltando a colocar as originais no veículo do primeiro e lançando as falsas, com o número …-…-…, para um silvado.
m) Na sequência de uma busca ao domicílio do AA, além da pistola supra referida, foi-lhe ainda apreendido um carregador contendo seis munições de calibre 6,35 mm, um gorro em malha, do tipo "passa montanhas", com três orifícios, dois para os olhos e um para a boca.
n) No interior do veículo Fiat Punto utilizado no assalto, foram apreendidos: o objecto cortante fotografado a fls. 38 (F8); uma bolsa de cor verde, contendo diversas seringas; quatro malas de senhora de trazer a tira-colo; uma mala de nylon de cores bege e verde; e um par de óculos escuros.
o) Os arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de fazerem seu, com o uso de armas e através de ameaça e do constrangimento da ofendida EE, o montante em dinheiro existente na loja, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono;
p) Os arguidos agiram de comum acordo e em conjugação de esforços, com o propósito conseguido de, com o uso do referido objecto com lâmina, cortante e perfurante, e com as expressões então proferidas, perturbarem a liberdade pessoal de decisão e de acção da ofendida FF, bem sabendo que tal conduta era idónea a causar tal efeito;
q) Do mesmo modo, com a substituição das chapas de matrícula pelo modo supra descrito, fizeram-no com o alcançado propósito de alterar os sinais identificativos de um veículo automóvel, bem sabendo que defraudavam, como defraudaram, a autenticidade e a fé pública que foi atribuída pelo Estado àquele documento enquanto identificador do veículo automóvel;
r) Não obstante saberem que não é permitida a detenção e uso da arma de fogo não manifestada ou registada e sem o seu detentor estar munido com a necessária licença, os arguidos, de comum acordo e em conjugação de esforços, transportaram e usaram no assalto uma arma que sabiam não possuir aqueles requisitos e sem que nenhum deles fosse portador de licença de uso e porte de arma;
s) Nas descritas condutas, os arguidos agiram deliberada, livre e conscientemente, bem as sabendo proibidas e punidas por lei.
t) Os arguidos reconheceram parcialmente os factos;
u) O arguido CC não tem antecedentes criminais;
v) O arguido AA foi condenado no processo comum singular nº ……. , do 3ºJuízo Criminal de Matosinhos, por sentença de 22.11.00, pela prática, em 13.05.98, de um crime de desobediência qualificada e detenção ilegal de arma, na pena de admoestação;
x) O processo de desenvolvimento do arguido AA decorreu no seio de um agregado familiar com uma dinâmica equilibrada tanto ao nível emocional como económico; o arguido frequentou a escola com um percurso que não registou problemas relevantes com uma adaptação adequada ao contexto escolar, verificando-se uma progressão normalizada; abandonou o sistema de ensino após concluir o 8º ano de escolaridade de molde a inserir-se profissionalmente; iniciou a vida profissional activa numa serralharia como aprendiz a que se seguiu uma fábrica têxtil e a actividade de motorista de pesados; em finais do ano de 2004 o arguido conseguiu colocação na Câmara Municipal de ……. nos serviços de higiene e limpeza integrando o quadro alguns meses depois; na adolescência iniciou-se no consumo de haxixe e mais tarde em drogas de maior poder aditivo; à data dos factos trabalhava na Câmara Municipal de………… nos serviços de higiene e limpeza, sendo considerado um trabalhador assíduo, com bons níveis de desempenho e disponibilidade para efectuar qualquer tarefa que lhe fosse atribuída, permanecia integrado no agregado de origem constituído pelos pais e uma irmã, participando activamente na dinâmica familiar quer ao nível de tarefas de organização doméstica como na contribuição com parte do salário auferido para as despesas daquele núcleo familiar; nessa ocasião efectuava tratamento direccionado à problemática aditiva desde há cinco anos no Centro de Atendimento a Toxicodependentes de Cedofeita no Porto com terapia de substituição com metadona, apesar de ter registado algumas recaídas no decurso da terapêutica; no decorrer do período de privação da liberdade adaptou-se às normas e regras institucionais e deu continuidade ao programa de substituição com metadona, sendo paralelamente acompanhado na especialidade de psicologia; conta com o apoio da família e, a nível profissional, foi manifestado interesse pelo responsável do serviço que integrava na manutenção do seu enquadramento, atenta a motivação e a qualidade do desempenho que sempre revelou nas funções que lhe eram atribuídas.
z) O processo de crescimento do arguido CC decorreu num agregado de estrutura monoparental dado que o progenitor manteve com a mãe um relacionamento paralelo ao matrimónio. O seu processo educativo decorreu no agregado dos avós onde residia também a mãe; o seu percurso escolar não registou problemas relevantes; abandonou o sistema de ensino no 8º ano de escolaridade na sequência do seu envolvimento no consumo de estupefacientes; o seu percurso profissional é diversificado, registando como experiências a esse nível, a actividade desempenhada num estabelecimento comercial de molduras, de operário fabril e no ramo da construção civil; numa tentativa de se afastar da problemática aditiva integrou a instituição Patriarche em Itália e França por um período de três anos, decorrido o qual regressou a Portugal e registou recaída nos consumos; iniciou relacionamento conjugal há cerca de três anos do qual nasceu uma filha actualmente com dois anos de idade; no ano de 2004 tomou conhecimento do facto de ser portador de doença infecciosa grave e irreversível, notícia que o transtornou e esteve na origem de nova recaída no consumo de estupefacientes e perda de motivação para estrutura normativamente o seu quotidiano; à data dos factos integrava o agregado dos avós constituído por estes, pela companheira e pela filha do casal; no plano laboral desenvolvia a actividade de pintor da construção civil entregando à companheira a totalidade do vencimento auferido; no estabelecimento prisional protagonizou um comportamento em conformidade com as normas e regras institucionais; pouco tempo após a entrada em meio prisional foi integrado no programa de substituição com metadona e paralelamente é acompanhado na especialidade de psicologia.

IV. A primeira questão que urge solucionar respeita à desqualificação do crime de roubo , suscitada pelo arguido , repousando numa dupla ordem de considerações :
-Não poder ter-se como assente que o roubo foi cometido com uma arma quando o Colectivo fixou que o arguido CC usava um instrumento ” em tudo semelhante “ ao fotografado a fls . 38 dos autos ;
-Não estando a pistola municiada não resulta que fosse idónea , em concreto , para ser usada como meio de agressão , para os fins do art.º 210.º n.º 2 b) , com referência ao art.º 204.º n.º 2 f) , do CP .

Este STJ , enquanto tribunal de revista , aceita , em princípio, os factos fixados pelo Colectivo, nos termos do art.º 434.º , do CPP , preceito com a implicitude de que um veredicto colegial oferece garantias , ao nível do facto , do seu acerto , adquirindo foros de fixidez.
E é facto , imutável , o dar-se como provado que o arguido CC fez uso de um instrumento com lâmina cortante e perfurante em tudo semelhante a outro , retratado nos autos , e por essa semelhança , contra o que arguido recorrente intenta fazer crer , se não revelava incaracterístico , de formato indeterminado ou portador de características dissemelhantes do apreendido .
Era semelhante , e nada mais . Foi usado; tinha existência material e reunia características similares a outro , essa a incontornável conclusão , não se revelando necessária a sua apreensão , desde que o Colectivo em sua livre convicção comprovou o seu uso .

E , pelo seu descritivo fotográfico , de ilacionar estava ao alcance do julgador denominá-lo de arma , na definição que dela dá o art.º 4.º , do Dec.º-Lei n.º 48/95 , de 15/3 , ou seja enquanto instrumento , ainda que de aplicação definida , que seja usado ou possa ser utilizado como tal , para lesar fisicamente , conceito que a Lei n.º 5/2006 , de 23/2 , deixou intocado , na sua feição revogatória .

O arguido AA , ao dirigir-se , com o arguido CC , ao Posto de Abastecimento da “….” , em ….. , Vila do ….. , para o assaltar , no dia 18 de Julho de 2005 , pelas 15h15 , apontou uma pistola semi-automática ,da marca “ Reck” , originariamente de calibre 8mm , para munições de alarme ou gás lacrimogéneo , posteriormente transformada para munições 6, 35 mm , Browning , a EE , empregada do Posto , que se achava ao balcão , gritou-lhe “ isto é um assalto” , manietando-a , de seguida , quanto tentou accionar o sistema de alarme e agarrando-lhe uma das mãos contra o tampo do balcão da loja de conveniência do Posto .
O arguido CC, munido daqueloutro instrumento , apontando-lho , disse à cliente do Posto , FF, “ Não faças nada .Encosta-te ali “ , e , dirigindo-se à caixa registadora , retirou 250 € , todo o dinheiro aí existente .

Mas por se não achar municiada aquela pistola , o arguido defende que se não verifica a agravante qualificativa do roubo , prevista no art.º 204.º n.º 2 f) , do CP , por remissão que para este preceito faz o art.º 210.º n.º2 b) , do CP .
Qualifica , por essa remissão , o roubo o porte de arma aparente ou oculta , e se assim é , desde logo, o imperativo legal , no seu formato gramatical , sugere a não exigência de a arma se mostrar municiada ; a integração da qualificativa através do mero porte de arma oculta , não visível , sem mesmo chegar a ser aparente , denota a particular exigência do julgador , atendendo aos proeminentes e predominantes bens pessoais , ligados à protecção da vida , integridade física e da liberdade individual da vítima , em condenar , indistintamente , o estar municiada ou não , para tipicização da qualificativa , embora , para efeitos de pena, não seja completamente indiferente .
O porte de arma torna mais vulnerável a vítima à apropriação violenta , essencial segundo o art.º 210.º n.º 1 , do CP , prevendo múltiplas modalidades , já que o agente se traz a arma oculta a todo o tempo pode ela deixar de o ser , o facto de se achar não municiada , sem grande dificuldade o pode ser , e o facto de não o poder ser nem por isso deixa de revelar arrojo , insensibilidade pela pessoa da vítima , que fica constrangida ao desapossamento da coisa móvel , pela ameaça que representa à sua integridade física a exibição de uma pistola , enfraquecendo a vítima na sua resistência física e psíquica , à mercê do agente .

O propósito de a lei ao fazer a alusão a armas de fogo , proibidas ou sem o serem , aparentes ou ocultas , sem restringir o campo de incidência ao seu funcionamento efectivo ou sua imediata possibilidade , estando municiada , tem por “ ratio” a consideração da maior associalidade do agente e como tal uma maior culpa sua , escreveu-se no AC. deste STJ , de 27.6.96 , in BMJ 458 , 199 , na esteira de jurisprudência dominante.
Arma , para os fins do preceito legal em apreço , será todo o instrumento com virtualidade para provocar nas vítimas um justo receio de ser lesada , independentemente de saberem se a mesma se acha municiada e pronta a disparar , pois se mostra de todo irrazoável , desproporcionado mesmo , do ponto de vista da sua protecção legal , exigir-se esse prévio conhecimento , que lhe podia ser inacessível , impraticável , até , não obstante ter sido , em nexo causal com a exibição da arma , que a entrega da coisa teve lugar , relevando a impressão , analisada à luz de um normal destinatário , de perigo, que àqueles bens representa .
A lei não exige um intimorato destinatário , pessoa de excepcional valentia , mas uma pessoa normal , que , como tal , em regra , se deixa impressionar pelo risco que representa uma arma de fogo , quando lhe é apontada .
Funciona , pois , aquela agravante , que se concorrer com outras , no furto , leva , até , a que se considere aquela que comporta maior pendor agravativo , intervindo as demais na valoração a ter em conta na fixação da pena , nos termos do art.º 204.º n.º3 , do CP .
Sem qualquer fundamento a advogada desqualificação , ficando sem compreender-se solução oposta uma vez que ainda se adequa ao conceito de arma vertido no art.º 4.º , do Dec.º-Lei n.º 48/95 , de 15/3 , pois se trata de objecto que pode ser usado como meio de agressão .
De resto a Comissão de Revisão do Projecto do CP de 1991 acordou em que na enunciação da agravante seria preferível uma redacção que consagrasse a recepção do conceito “ arma “ , sem qualquer caracterização ( Actas , 1993 ,330) .

V. E quanto à consumpção do crime de coacção pelo de roubo , é de precisar que o arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo na pessoa da empregada do Posto de gasolina da “ …..” , de …..-Vila do…… , EE e de um de coacção na pessoa da cliente do Posto , FF .
Sujeito passivo do crime de roubo pode ser não só o proprietário da coisa , mas ainda o seu detentor , a pessoa que tem a guarda do bem , por ex.º o caixa de supermercado , salientando –se que o detentor tem a ver com a postura daquele que goza de um poder de facto sobre a coisa , no sentido social , já não civilístico , podendo alargar-se o conceito de sujeito passivo a todos os que oponham resistência à subtracção do bem , isto no entendimento de Conceição Ferreira da Cunha , in Comentário Conimbricense ao Código Penal , II , 192 .

O roubo , enquanto crime pluriofensivo , nos termos do art.º 210.º , do CP , que põe em crise tanto bens patrimoniais , como bens jurídicos pessoais , nos domínios da integridade física , liberdade individual de decisão e da própria vida , sob a forma de violência , ameaça e impossibilidade de resistir , consome os crimes de furto , de sequestro , em condições limitadas de perduração , de coacção e ameaça , este já consumido pelo de coacção , sendo esta vertente pessoal que introduz uma tipologia destacada do crime de furto e uma maior necessidade de punição .

O crime de coacção , p. e p . no art.º 154 .º , do CP , dispondo que “ Quem , por meio de violência ou de ameaça , com mal importante , constranger outra pessoa a uma acção ou omissão , ou a suportar uma actividade , é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa “ .
Enquanto crime contra as pessoas , o bem protegido com a incriminação é da liberdade de decisão e de acção.
Definido como um acto de força , físico ou psíquico , que leva alguém a actuar de determinada maneira , a violência pode ser física , por meio de uma conduta omissiva ou traduzir-se numa utilização de meios que eliminem ou diminuam a capacidade de decisão ou resistência da vítima , podendo ainda consistir numa intervenção física sobre as coisa s .
Mal importante para os fins do preceito incriminador , não é aos olhos do legislador um qualquer mal , mas um mal com acentuado relevo , um mal a que comunitariamente se é sensível , censurado pelo dano relevante ao nível físico ou psíquico a que a coacção conduz .
O arguido exerceu duas condutas coactivas , uma sobre a pessoa da empregada do Posto , EE , consumida pelo crime de roubo e outra autonomizada desta na pessoa da cliente da loja do Posto de abastecimento de gasolina , FF , pela via da comparticipação , no âmbito da co-autoria .
A tal respeito provou-se –fls. 554 -que os arguidos , José Paulo e o recorrente , acordaram ambos , e previamente , em fazerem seu , com o uso de armas –in casu de uma pistola , pelo arguido AA -e através da ameaça e constrangimento da ofendida EE , o dinheiro contido na caixa da loja do Posto de abastecimento de gasolina ; igual acordo firmaram , voluntariamente , com o mesmo propósito , com o concurso , agora pelo co-arguido CC, de um instrumento similar ao fotografado a fls . 38 , constituído por uma lâmina cortante e perfurante , e ainda pelo uso da locução “ Não faças nada . Encosta-te aí “ , “ de perturbarem a liberdade pessoal de decisão e de acção” , da ofendida FF , o que sabiam ser condenável , escreveu-se no acórdão recorrido .
Assistiu-se , pois , à celebração de um acordo , por ambos os arguidos , deles vinculante , não só de usarem aquela arma como aquelas expressões , a fim de lhe tolher a liberdade ambulatória e de decisão , na mira do sucesso do assalto.

É , pois ,de lhe imputar o crime de coacção , em co-autoria , porque o facto criminoso surge praticado por acordo com outro , um seu resultado global e unitário , nos termos do art.º 26.º , do CP.

Não há co-autoria sem acordo , ao menos na forma mínima de mera consciência e vontade de colaboração de várias pessoas , na realização do crime ( Prof. Eduardo Correia , Direito Criminal , II , 253) .

O arguido , no projecto criminoso delineado com o outro comparsa , em vista da consecução de um resultado por ambos querido e acordado , tornou-se , senhor do facto , que dominou na totalidade , tanto pela positiva , assumindo um poder de intervenção e de direcção , na execução conjunta do facto total , ou seja no plano de execução comum , como pela negativa , podendo impedi-lo , ainda que não se torne necessária a prática de todos os factos que integram o “ iter criminis “ ( cfr. Dr.ª Maria da Conceição Valdágua , in O Início da Tentativa do Co-Autor , 1985 , Ed. Danúbio , 155/156 , na esteira de Roxin , Stratenwerth , Welzel e Iescheck , ali citados ) e BMJ 341 , 202 e segs .

Incorreu , deste modo , o arguido na prática do crime de coacção , porque o acordo abrange todos os elementos do crime , que quis , como se deu por provado , e não impediu a sua produção , comunicando-se-lhe apesar de não ter intervindo materialmente na sua execução .

VI. O arguido AA nega a prática de um crime de falsificação , p . e p . pelo art.º 256.º n.ºs 1 a) e 3 , do CP , no acto material de substituição a que procedeu , antes do roubo , das chapas com a matrícula …-… –… , do seu veículo , da marca FIAT PUNTO , por outras , com a matrícula …-…-… .

O conceito de documento para fins penais , previsto no art.º 255.º a) , do CP , é mais amplo , do que o relevante no CC, pois compreende toda a declaração registada em disco , corporizada em material , fita gravada ou qualquer meio técnico , inteligível pela generalidade das pessoas ou para certo círculo de pessoas , que permitindo reconhecer o emitente , é idónea para provar facto juridicamente relevante , ou seja acto idóneo a constituir , modificar ou extinguir uma relação jurídica .

A chapa de matrícula , embora provinda de entidade particular , é um sinal material aposto no veículo , destina-se a provar factos juridicamente relevantes , irradiando em várias direcções , de reconhecida importância , portadora de uma força probatória equivalente à dos documentos públicos , transcrevendo-se os seus elementos nos registos oficiais , sendo a expressão visível desses elementos , tidos , em princípio , como verídicos .

Não é um documento autêntico , na definição que dele fornece o art.º 363.º n.º2 , do CC, mas um documento com igual força –cfr. Ac. com força uniformizadora , do Pleno das Secções Criminais deste STJ , n.º 3/98 , de 22/12/98 , DR I Série –A , n.º 294 , pondo termo as oscilações jurisprudenciais entre o ser ou não a chapa de matrícula documento autêntico , mas sempre a sua substituição por outra reputada como falsificação de documento –cfr. BMJ 460 , pág. 439 .

A alteração do seu teor , do documento onde figuram aqueles elementos , configura a falsificação prevista no art.º 255.º n.º1 a) , do CP e é punível por força do seu n.º 3 .

Mais uma vez carece de razão o arguido , contrariando conhecida e uniforme jurisprudência ao nível das instâncias .

VII .E que dizer do uso da pistola semi-automática que apontou à ofendida EE, originariamente arma de alarme ou de emissão de gás lacrimogéneo , não manifestada e nem registada , transformada em arma de calibre 6, 35 mm , Browning , mormente , quanto à natureza criminógena do facto , visto, , também o seu enquadramento jurídico tendo em apreço a evolução legislativa introduzida pela lei n.º 5/2006 , de 23/2 , institutivo de um novo regime legal sobre armas , e por fim se concorre , a ser crime , com o de roubo qualificado , pergunta-se .

Ao caso ajusta-se a jurisprudência deste STJ , no seu AC. do Pleno das Secções Criminais , com feição uniformizadora , sob o n.º 1/02 , de 5/11 , DR n.º 255 , I Série – A , de 7/5 , decidindo que uma arma de fogo , de calibre 6, 35 mm , resultante de adaptação ou transformação de uma arma clandestina de gás ou de alarme , não integra o crime previsto no art.º 275.º , do CP , por se não tratar de arma absolutamente proibida , mas de defesa , embora a sua detenção , desacompanhada de manifesto e de registo , constitua o crime de detenção ilegal de arma , p. e . p. pelas disposições do art.ºs 1.º , n.º1 e 6.º da Lei n.º 22/97 , de 27/6 .

À luz da Lei n.º 5/2006 , de 23/2 , a detenção de arma transformada –art.ºs 2.º n.º 1 t) , 3.º n.º 4 e 86.º n.º1 c) –é punida com prisão até 5 anos ou multa até 600 dias .

Entre os dois preceitos intercede uma continuidade normativo-típica , que sustenta um tratamento punitivo de maior favor , pela simples comparação de molduras , em ponderação abstracta , se o agente for sancionado ao abrigo da lei em vigor na data da prática dos factos ou seja ao abrigo da lei antiga , considerando a sucessão legal penal estabelecida .

O crime de detenção ilegal de arma , de perigo abstracto acautela os valores da ordem , segurança e tranquilidade públicas , não sendo aqueles coincidentes com os de roubo , enquanto crime complexo , obtido por fusão , em resultado de uma síntese normativa , correspondente a uma norma em concurso aparente com a norma do tipo matriz sobre que prevalece ( cfr. Da Unidade à Pluralidade de Crimes no Direito Penal Português , Prof . Lobo Moutinho , ed. Da Faculdade de Direito da UC , 2005 , 972) , pluriofensivo de bens patrimoniais e , essencialmente , bens pessoais , à integridade física e até à pessoa do visado , que faz dele um crime comunitariamente altamente reprovável , pelo alvoroço e alarme social que causa , por atingir segmentos indefesos socialmente , jovens em idade escolar , idosos e mulheres , indefesa ainda mais vincada porque os seus agentes , em regra , agem em grupo , com grande poder de mobilidade , obedecendo a m plano cego .

Alguns penalistas , entre os quais Cuello Calón , sustentam que quando a detenção ilegal de armas concorre com um delito ou delitos de homicídio ou ofensas corporais , aquela infracção não fica absorvida , pelas regras da consumpção –Derecho Penal , II , Parte Especial , págs. 159 e 160 , ed. Barcelona .

Este STJ , nos seus Acs. de 15.12.94 , in CJ , STJ , Ano III , 263 referindo-se , é certo , a armas proibidas , considerou , na esteira do que se decidira no seu AC. de 30.11.83 , in BMJ 331 , 345 , atenta a diversidade de interesses a proteger , o que afasta que os mesmos sejam punidos duplamente , figurado um concurso real de infracções , com apoio no art.º 30.º n.º1 , do CP , firmando a pluralidade de infracções num critério normativo , teleológico : tantos crimes quantas as normas jurídicas violadas .

Descortinando um concurso aparente de infracções o Ac. deste STJ , de 12.6.90 , BMJ 366 , 289 , decidiu pela consumpção do crime de detenção ilegal de armas pelo crime de roubo , mas no AC. deste STJ de 1.2.95 , in BMJ 444, pág. 355 , de novo se reiterou a autonomia dos crimes em causa , sem preterição do clássico princípio “ ne bis in idem “ , face à diversidade de interesses a acautelar , tese perfilhada , e havida como predominante , nos Acs. de 14.10.87 , CJ , STJ , IV , Ano XII , 106 e de 15.12.94 , CJ , STJ , Ano II , III , 263 .

O entendimento que perfilhamos é o de que o crime de detenção ilegal de arma , por aplicação daquele 30.º n.º 1 , do CP , concorre com o de roubo agravado e , por isso , correctamente condenado foi o arguido pela prática de tal crime , também efectivamente cometido .

O arguido não vai, pois , absolvido da prática dos crimes de falsificação , coacção e detenção ilegal de arma e nem se qualifica o crime de roubo como simples .

VIII . No capítulo das penas :

São duas as questões cuja solução o recorrente demanda deste STJ :

-A primeira concerne à aplicação da pena não detentiva de liberdade porque as necessidades de prevenção são reduzidas , porque ressarciu parcialmente a lesada , revelando arrependimento , porque o arguido possui uma “ sólida retaguarda familiar “ e um enquadramento familiar na Câmara Municipal de …… , nas palavras do relatório social .

-A segunda , em alternativa , a atenuação especial da pena , fixando-se próximo do seu limite mínimo , suspendendo-se na sua execução .

Os crimes por que o arguido foi condenado são puníveis : o roubo agravado , com prisão de 3 a 15 anos ( art.ºs 210.º n.ºs 1 e 2 b) e 204.º n.º 2 f) , do CP) ; a coacção , com prisão até 3 anos ou multa ( art.º 154.º , do CP); a falsificação com prisão de 6 meses a 5 anos ou multa de 60 a 600 dias ( art.ºs 255.º a) e 256.º n.ºs 1 a) e 3) , do CP e o de detenção ilegal de arma de prisão até 2 anos ou multa até 240 dias ( art.ºs 1.º n.º 1 e 6.º , da Lei n.º 22/97 , de 27/6 ) .

A opção pela pena de multa , em alternativa à de prisão ( salvo quanto ao roubo , que a não consente a não ser pela via da atenuação especial) não daria satisfação aos fins das penas numa área de criminalidade violenta , ofensiva de uma pluralidade de bens jurídicos , de primeira grandeza , respeitando a integridade física , a liberdade de movimentos e de decisão , a ordem , segurança e tranquilidade públicas , a força probatória dos documentos , a sua fé pública e genuinidade , o património , ilícitos de prática reiterada , de gravidade assinalável sobretudo os roubos contra postos abastecedores de gasolinas, não raro palco de extrema violência , culminando com a perda de vidas humanas , esbarra com inarredáveis sentimentos de intervenção punitiva reclamados ao nível comunitário , por forma a garantir a segurança daqueles locais , de inquestionável interesse público , que o pagamento de uma simples multa não aplaca .

Pela frequência da prática criminosa descrita , a pena de prisão é aquela que se apresenta com maior potencial dissuasor , respondendo ao pragmatismo que lhe é próprio , à protecção dos bens jurídicos violados ( art.º 40.º n.º 1 , do CP) , além de desempenhar uma função retributiva , na forma de interiorização do mal causado , sendo a aconselhável em nome de uma incontornável e premente prevenção geral.

Ao nível da ressocialização do agente , de conformação futura aos valores da lei , muito embora se afirme que primeiro que ressocializar o agente importa ressocializar a sociedade , que esconde essa sua necessidade , mas lhe fornece parâmetros distorcidos de comportamento , o arguido não deixa de suscitar alguma apreensão .

No entanto há que responder aos cultores da criminologia - crítica dizendo que a reforma da sociedade assim desagregada passa pela reforma do homem .

Na verdade se , como se diz , goza de apoio familiar , se se mostra familiarmente integrado , se profissionalmente goza de estabilidade e consideração , fica , então por compreender-se a prática do crime , mais merecedor de censura e se apresentando , inadequada , até , a sugestão – sem pertinência num relatório social , que não é proposta de pena , mas de fim bem determinado no preceito do art.º 1.º n.º 1 g) , do CPP – de medida não detentiva, por não surpreender todas as coordenadas em redor da questão.

Escamoteia o fim , condenável , primeiro , de toda a acção criminosa : obtenção de dinheiro para compra de droga .

Não se leva em conta o seu passado criminal , que já regista duas condenações anteriores , uma por desobediência e outra por detenção ilegal de arma , o que só demonstra que aquelas não serviram para o demover da prática de futuros crimes –fls . 559.

Aliás em todo o processo criminoso , o recorrente pontificou e comparticipou materialmente , entrando nele desde a primeira até à derradeira hora , munindo-se da pistola com que amedrontou a empregada do Posto de Abastecimento , substituindo as chapas de matrícula do seu automóvel para não ser descoberto , conduzindo-o até ao local de consumação do crime e repartindo , após a apropriação , pela violência , o produto do roubo com o seu comparsa , CC.

O arguido é tóxico-dependente e a toxicodependência tem sido encarada predominantemente por este STJ , “ in malam partem “ do agente, porque sendo fruto de um consumo prolongado no tempo ,além de facto atentatório da lei , retrata culpa na formação da personalidade , ausência de esforço de reversão ao “ status quo ante “ .

Sem se afirmar um fatalismo intransponível, a recidiva quer no consumo de drogas , quer no cometimento de crimes que se lhe associam , em leque alargado , está sempre pendente sobre o tóxico-dependente .

Detinha , ainda , o arguido , em sua casa , 6 munições de calibre 6, 35 mm , um gorro em malha , do tipo ” passa-montanhas “ , com três orifícios , dois para os olhos e outro para a boca , o que coloca séria interrogativas sobre a sua eventual predisposição futura .

Apenas confessou parcialmente os factos .

Reparou o dano causado , de pouca monta , minimizando os maus efeitos da sua conduta , como era seu dever .

A prevenção especial cabida ao caso não se basta como uma mera advertência sob o modelo da pena de multa , mas antes exige e impõe pena de prisão , como forma de emenda cívica .

Não concorrem circunstâncias , anteriores , posteriores ou concomitantes à prática do crime , que diminuam de forma acentuada o grau de culpa , na forma de dolo directo na acção criminosa , o desvalor da acção ou seja a ilicitude ou a necessidade da pena , neste caso , bem pelo contrário , atento o desprezo que merecem aqueles locais , vítimas de frequentes acções criminosas , com incidência tanto ao nível das coisas como das pessoas , justificando a criação de uma moldura punitiva especial , para uma situação que de especial , em termos punitivos , nada tem , bastando as molduras penais normais para lhe dar resposta , sendo de rejeitar , como é evidente , nos termos do art.º 72.º n.º1 e 73.º , do CP a atenuação especial da pena , cujas penas parcelares , respondem à culpa e prevenção e a unitária à valoração , no seu conjunto , dos factos e personalidade do arguido .

E sendo esta a conveniente ilação , de afastar é a suspensão da execução da pena de prisão imposta , excedente a 3 anos de prisão , nos termos do art.º 50.º n.º 1 , do CP .

IX. Do exposto resulta que o recurso não merece provimento , confirmando-se a decisão recorrida .

Condena-se o arguido ao pagamento de 7 Uc,s de taxa de justiça , acrescendo a procuradoria de 1/3 .

Lisboa, 25 de Outubro de 2006

Armindo Monteiro
Sousa Fonte
Santos Cabral
Oliveira Mendes