Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
689/08.2TTFAR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: MÁRIO BELO MORGADO
Descritores: ALEGAÇÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES DO RECURSO
NÃO CONHECIMENTO DO OBJECTO DO RECURSO
Data do Acordão: 01/21/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / RECURSOS.
Doutrina:
- José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 181 e segs..
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC), NA RED. DA LEI Nº 303/2007, DE 24-8: - ARTIGOS 685.º-A, N.º 3, 685.º-C, N.ºS 1 E 2, AL.B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 20.º.
D.L. N.º 303/2007, DE 24 DE AGOSTO: - ARTIGO 12.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-DE 18.10.2012, PROCESSO N.º 6777/09.0TBSTB.E1.S1, 7ª SECÇÃO;
-DE 11.07.2013, P. 6961/08.4TBALM.B.L1.S1, 7ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :
1. Nos termos do n.º 1 e do n.º 2, b), do art. 685.º-C, do CPC, na redação da Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, a falta de conclusões das alegações impede irreparavelmente o conhecimento do recurso.

2. Os princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais -­ neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.
Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça

I.

1. AA demandou BB, ambos com os sinais nos autos, pedindo a condenação deste a pagar-lhe: as quantias de € 123.669,72, a título de férias não gozadas; € 72.140,67 de indemnização pela ilicitude do despedimento; € l3.74l,08 de retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à propositura da ação; e € 45.803,60, a título de subsídios de Natal não auferidos.

Contestou o R., por impugnação. Em sede de pedido reconvencional, pediu a condenação do A. a pagar-lhe as quantias de € 10.000,00, por litigância de má fé, e de € 9.580,36, a título de indemnização dos prejuízos decorrentes da ilicitude da resolução do contrato de trabalho levada a cabo pelo mesmo.

2. Julgou-se a ação totalmente improcedente e em parte procedente o pedido reconvencional (condenando-se o A. a pagar ao R. a quantia de € 4.580,36).

3. Interposto recurso de apelação pelo autor, o Tribunal da Relação de Évora (TRE), por acórdão de 20/6/2013, decidiu não conhecer do recurso, por total ausência de conclusões nas alegações apresentadas.

4. O A. interpôs recurso de revista, sustentando essencialmente:

- “Foi violado o então art. 685°, n° 2, alínea b), do CPC (…), na interpretação que faz das alegações do recorrente, desprezando os pontos 8 a 10 das alegações de recurso, ainda que às mesmas falte a especificação, sejam deficientes e obscuras” (sic).

- “Foi violado também o art. 266° do CPC - Princípio da Cooperação, pois nem o recurso foi liminarmente indeferido, nem foi concedido a possibilidade de reparar as deficientes conclusões apresentadas”.

- “Tão pouco teve em conta o princípio constitucional previsto e estatuído no art. 20° da CRP, do acesso ao direito, negando assim o acesso à justiça ao recorrente”.

- “De acordo com o atual art. 639°, n.º 3 (anterior artigo 685°-A, n.º 3) do Código de Processo Civil, o tribunal a quo deveria ter tido em conta a falta de especificação das conclusões (…) e em conformidade convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las no prazo de cinco dias, o que nunca aconteceu”.

5. Não foram apresentadas contra-alegações.

6. A Ex.m.ª Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido de ser negada a revista, em parecer a que as partes não responderam.

7. Cumpre decidir, pois, se in casu se configura (no âmbito da apelação) um quadro de não conhecimento do recurso, por ausência de conclusões nas alegações apresentadas.

E decidindo.

II.

8. A presente ação foi proposta em 12/12/2008, tendo a sentença sido proferida em 25/5/2011.

Deste modo, à apelação interposta pelo A. era aplicável o regime processual introduzido pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, nos termos do art. 12.º, n.º 1, deste diploma legal.[1]

9. As alegações do sobredito recurso de apelação são constituídas por 10 artigos, aos quais imediatamente se segue a pretensão do recorrente [“Termos em que pede a V.Exa. altere a decisão no sentido de: (…)”].

É manifesto que das mesmas não constam quaisquer conclusões, como tal se entendendo as proposições sintéticas mediante as quais o recorrente - a finalizar a alegação do recurso - indica os fundamentos da pretendida alteração ou anulação da decisão recorrida (cfr. art. 685.º-A, n.º 1 e 2, CPC); tal como é patente, por outro lado, que as alegações apresentadas na apelação são insuscetíveis de qualquer “interpretação”, ou leitura, que nelas permita vislumbrar qualquer síntese conclusiva deste tipo (nos pontos 8 a 10 das alegações em causa - chamados à colação na presente revista, nos termos constantes de supra n.º 4 -, o recorrente indica a sua pretensão, mas não os respetivos fundamentos[2]).

Ora, nos termos do n.º 1 e do n.º 2, alínea b), do art. 685.º-C, do CPC, a falta de conclusões das alegações impede irreparavelmente o conhecimento do recurso (que não deve, sequer, ser admitido), como se julgou, por exemplo, no Ac. de 18-10-2012 deste STJ (P. 6777/09.0TBSTB.E1.S1, 7ª Secção).

10. Sustenta o recorrente que deveria ter sido convidado a “completá-las [as conclusões], esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, o que nunca aconteceu”.

Mais alega que foi violado o art. 266.° do CPC (principio da cooperação), ”pois nem o recurso foi liminarmente indeferido, nem foi concedida a possibilidade de reparar as deficientes conclusões apresentadas”, bem como que não se teve em conta o princípio constitucional do acesso ao Direito (art. 20.° da CRP), embora sem explicitar as razões deste entendimento.

Sem razão.

11. Antes do mais, nota-se que o (então) apelante não apresentou conclusões deficientes: não apresentou quaisquer conclusões, não se podendo reparar o que não existe.

Ora, no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC).

12. Por outra banda, é evidente que os invocados princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa (como é o caso da norma infringida pelo recorrente), nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.

Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas”.[3]  

Com efeito:

Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões.[4]

O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP).

Ora, em nenhuma das suas dimensões, é beliscado o direito de acesso aos tribunais e a uma tutela judicial efetiva pelas normas processuais subjacentes à decisão recorrida, uma vez que as soluções legislativas nelas consagradas se destinam a agilizar o julgamento dos recursos e - nada contendo de desproporcionado ou intolerável - não afetam os direitos das partes normalmente diligentes e atentas aos ditames legais.

Sem necessidade de considerações complementares, improcede, pois, a revista.




III.


13. Em face do exposto, negando a revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo recorrente.

Anexa-se sumário do acórdão.



Lisboa, 21 de Janeiro de 2014




Mário Belo Morgado (Relator)


Pinto Hespanhol


Fernandes da Silva

________________________
[1] Todas as referências ao CPC são reportadas a este regime processual.

[2] Os aludidos pontos 8 a 10 têm o seguinte teor:
“(…)
8. Pelo que deve o A. receber a título de (…), o montante (…).
9. Assim, deveria o douto Tribunal a quo ter proferido sentença que condenasse a R. a entregar ao A. o montante correspondente a (…), conforme extrato da Segurança Social (…) que constitui prova autêntica nos termos do art. 369º e segs. do Código Civil, recibos de vencimento apresentados pelo Autor (…) e recibos de vencimento apresentados pelo Réu, juntos aos autos.
10. Tendo sido o Autor condenado a entregar ao R. (…) o valor de (…), o qual deverá ser deduzido do montante a entregar pelo R. ao A. no valor (…).
(…)”.
[3] Ac. de 11.07.2013 (Ana Paula Boularot), P. 6961/08.4TBALM.B.L1.S1, 7ª Secção, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 3ª edição, Coimbra Editora, p. 181 e segs.