Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
07B4538
Nº Convencional: JSTJ000
Relator: PEREIRA DA SILVA
Descritores: DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
Nº do Documento: SJ200801170045382
Data do Acordão: 01/17/2008
Votação: MAIORIA COM 1 DEC VOT E 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA.
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA.
Sumário : I - A indemnização por danos não patrimoniais, exigida por uma profunda e arreigada consideração de equidade, sem embargo da função punitiva que outrossim reveste, tem por fim facultar ao lesado meios económicos que, de alguma sorte, o compensem da lesão sofrida, por tal via reparando, indirectamente, os preditos danos, por serem hábeis a proporcionar-lhe alegrias e satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que consubstanciam um lenitivo com a virtualidade de o fazer esquecer ou, pelo menos, mitigar o havido sofrimento moral.
II - Tal indemnização não deve ser simbólica ou miserabilista, antes significativa, que não arbitrária, na fixação do seu "quantum", a levar a cabo não olvidado o exarado no artº 496º, nº 3 do CC, urgindo, "inter alia", não obliterar os patrões de indemnização que vêm sendo adoptados pela jurisprudência, especialmente a mais recente, tal-qualmente as flutuações do valor da moeda.
III - A incapacidade parcial permanente (IPP), mesmo que não impeça o lesado de continuar a trabalhar, que se não prove, sequer,
ser fonte de quebra, actual, da sua remuneração, constitui um dano patrimonial indemnizável, na fixação de indemnização por danos futuros em "handicap" repousante, a operar com a temperança própria da equidade (artº 566º, nº 3 do CC), sem ficcionar que a vida física do sinistrado correspondente à sua activa, importando ter presente que cálculos matemáticos ou tabelas financeiras a que não raro se recorre no achamento da justa indemnização supracitada, feita dedução correspondente à entrega imediata do capital, não são infalíveis, como instrumentos de trabalho, em ordem à obtenção da justa indemnização, antes devendo ser tratados.
Decisão Texto Integral: Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:


I. a) Interpôs AA, revista do acórdão do TRC, datado de 07-06-26, decisão esta que, nos termos e com os fundamentos que fls. 250 a 268 evidenciam, julgando parcialmente procedente a apelação interposta pela aludida pessoa da sentença prolatada em acção declarativa de condenação, com processo comum, ordinário, destinada a efectivar a responsabilidade civil emergente de acidente de viação sucedido a 01-07-09, por si movida contra a "Empresa-A, S.A" , esta condenou a pagar à inconformada sinistrada a quantia global de 47.500 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais (27.500) e não patrimoniais (20.000 euros) sofridos em consequência do predito sinistro e juros de mora, à taxa legal, sobre 27.500 e 20.000 euros, desde a data da citação e do acórdão sob impugnação, respectivamente.
b) Na alegação oferecida, em que pugna pela bondade, como decorrência da sustentada justeza da procedência do recurso, da revogação do supracitado acórdão, com consequente condenação da ré a pagar-lhe, a título de indemnização, 68.000 euros por danos patrimoniais e juros de mora sobre tal "quantum", "à mais alta taxa legal desde a citação da Recorrida para contestar a acção", e 25.000 euros, por danos não patrimoniais, tirou AA as seguintes conclusões:

I - A Recorrente aplaude e aceita a douta decisão ora recorrida no que respeita ao entendimento de que a incapacidade parcial permanente constitui um dano patrimonial indemnizável como tal, bem como na parte em que determina o cálculo dos juros de mora relativos à indemnização por danos patrimoniais desde a citação.

II - Não se conforma por isso a Recorrente com a douta decisão no que respeita à fixação das indemnizações pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, entendendo que esta decisão viola o disposto nos Art.s 564º e 566º do Código Civil, sendo aquela fixação de valores o objecto do presente recurso de revista.

III - Para fixar a indemnização por danos patrimoniais em € 27.500,00, os Venerandos Desembargadores recorreram a um critério, no qual, além do mais, se fixou a taxa de rendimento do capital em 4% e se fez o desconto de 25% sobre o capital achado, do capital em 4%, entendendo que este valor está desactualizado já que, sendo aquele conceito composto pela taxa de juros a longo prazo, a taxa de inflação actual, os ganhos de produtividade e a progressão na carreira da lesada, então, actualmente, aquela taxa é de -1,44%.

VI - Recorrendo-se à tabela financeira referida no próprio acórdão recorrido, substituindo-se as letras por números, tendo em conta a IPP de 7,5%, a esperança de vida de 39 anos e a taxa de rendimento do capital calculada nos termos supra referidos, o resultado é o valor financeiro de € 71.241,00 o qual, sofrendo o desconto e arredondamento aplicados pela Veneranda Relação, resultaria sempre num resultado final, líquido, de € 58.500,00.

VII - A Recorrente não se conforma com o desconto aplicado pela Veneranda Relação, entendendo que 25% é uma percentagem demasiado elevada, desajustada dos objectivos de temperança e de julgamento equitativo que se pretende alcançar com a mesma e que a Lei impõe.

VIII - Tendo em conta a jovem idade da Recorrente e as consequências evidentes que a IPP com que ficou (7,5%) lhe vão determinar na progressão da sua carreira de Oficial do Exército, a antecipação do percebimento do capital não deve ser tão fortemente penalizada, entendendo a Recorrente como justo e adequado o desconto de 10%.

IX - Acresce ainda que o limite da esperança de vida activa nos 70 anos, usado também pela Veneranda Relação, está totalmente desactualizado face à idade actual de reforma (65 anos de idade) e à esperança de vida à nascença das mulheres em Portugal actualmente, que já é de 81,8 anos, conforme anuncia o Instituto Nacional de Estatística.

X - A ser assim, o resultado da aplicação da tabela financeira referido (€ 71.241,00) deve sofrer o desconto de € 7.124,00 e procedendo-se então ao arredondamento do resultado na proporção usada pela Veneranda Relação, o valor da indemnização deve ser de € 68.000,00, sendo este o valor mínimo para satisfazer os objectivos de ressarcimento dos danos patrimoniais futuros da Recorrente de forma justa e adequada.

XI - Entenderam os Venerandos Desembargadores que a quantia de € 20.000,00 é a mais ajustada para a compensação dos danos não patrimoniais, estribando-se para tal na mais actual e esclarecida Doutrina, sufragada e desenvolvida, superiormente aliás, pela Jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal.

XII - Tendo em consideração que foi dado por provado que o acidente se deveu a culpa exclusiva da condutora do veículo segurado da Recorrida, que esta é uma companhia de seguros de elevadíssima capacidade económica, que a Recorrente é pessoa de situação económica média e que, do ponto de vista médico, o "quantum doloris" foi quantificado no grau 3, a Recorrente mantém que a verba peticionada de € 25.000,00 é a que minimamente satisfaz os critérios legais e que poderá proporcionar à Recorrente alguma "...alegria ou satisfação que, de algum modo, contrabalancem as dores, desilusões, desgostos ou outros sofrimentos..."
(AcSTJ de 16/04/91).

c) Contra-alegando, sufragou a demandada o absoluto demérito da pretensão recursória.
d) Importa apreciar e decidir, colhidos que foram os vistos de lei.

II. Ante caso excepcional previsto no art. 722º nº 2 do CPC se não estando, nem se antolhando cabido fazer aplicação do exarado no art. 729º nº 3 desse mesmo Corpo de Leis, com justo arrimo no art. 713º nº 6, o qual joga por mor do vertido no art. 726º, ambos do CPC, remete-se para a matéria de facto elencada na decisão sob recurso, doravante tão só designada por "acórdão".

III. O DIREITO:
1. Balizando as questões vazadas nas conclusões da alegação do recorrente o âmbito do recurso (art.s 684º nº 3 e 690º nº 1 do CPC), para além das, como consabido, de conhecimento oficioso, flagrante se perfila, em tais conclusões, "in casu", atentando, que as questões nucleares a tratar são atinentes aos "quantuns" indemnizatórios a arbitrar a AA, considerados os danos patrimoniais futuros e não patrimoniais sofridos.
Vejamos, pois:

2. A) Danos patrimoniais futuros:
1'. Insurge-se a autora contra a fixação da indemnização por danos patrimoniais futuros em 27.500 euros (capital), defendendo dever aquela ser antes fixada em 68.000 euros (capital), este, o, na sua tese, "valor mínimo para satisfazer os objectivos de ressarcimento" de tais danos, "de forma justa e adequada" (conclusões I a X).
Atentemos se lhe assiste razão:
2'. A incapacidade parcial permanente (IPP), diga-se antes demais, mesmo que não impeça que o lesado continue a trabalhar, que se não prove, sequer, ser fonte de quebra, actual, da sua remuneração, constitui um dano patrimonial indemnizável "com base na consideração de que o dano físico determinante da incapacidade exige do lesado um esforço suplementar físico e psíquico para obter o mesmo resultado do trabalho" - cfr. "Estudo" da autoria do Sr. Conselheiro José de Sousa Dinis, intitulado "Dano Corporal em Acidentes de Viação", in CJ/Acs. STJ-Ano IX-tomo I, págs. 6 e segs., em tal sentido se tendo este Tribunal já pronunciado em plúrimos arestos (vide, v.g. : acórdãos de 12-05-94 e 17-05-94 -CJ / Acs. STJ, -Ano II-tomo II, págs. 98 e 101, 12-10-06 revista nº 2461/06-2ª-, 31-10-06 -revista nº 2988/06-6ª -, 23-11-06 - revista nº 3977/06-7ª e 09-07-98 - revista nº 52/98).
O valor de tal dano patrimonial, decorrente de IPP, deve ser apreciado equitativamente, nos termos do art. 566º nº 3 do CC, o seu cálculo havendo que assentar mais em juízos de equidade do que em tabelas financeiras ou cálculos matemáticos, a lei e o bom senso impondo, em prol da obtenção da justa indemnização, que ao apuramento daquele se proceda no quadro de juízos de verosimilhança e de probabilidade, sopesando as circunstâncias particulares do caso e o curso normal das coisas, sem ficcionar, na determinação do montante indemnizatório, este a achar efectivada dedução correspondente à entrega imediata do capital, em ordem a obstacular à ocorrência de injustificado enriquecimento à custa alheia, que a vida física do lesado correspondente à sua vida activa - cfr. referido "Estudo" e Acs. deste Tribunal, de 27-05-99 (revista nº 339/99-2ª), 25-06-02 (CJ / Acs. STJ -Ano X-tomo II, pág. 128), 08-06-06 (revista nº 1331/06-2ª) e 09-11-06 (revista nº 2849/06-2ª).
Retornando à hipótese "sub judice", deixadas estas breves nótulas liminares:

3'. Sendo, nos nossos dias, ligeiramente superior a 80 anos a esperança média de vida da população feminina, residente em Portugal, a autora, de 31 anos de idade, à data do acidente, auferindo o vencimento mensal líquido de 1283,79 euros, das lesões sofridas por força do sinistro acontecido a 09-07-01 tendo advindo para AA um IPP de 7,5%, a partir de 09-04-02, não esquecendo o prescrito nos art.s 562º e 564º nº 2, ambos do CC, para além do à colação já chamado, não olvidadas as respostas aos nºs 5, 6, 35, 36 e 37 da base instrutória, a dedução nomeada em 2' se cifrando, sem mácula, em 1/4 (cfr. citado acórdão de 25-06-02 e acórdão de 19-10-04 -revista nº 2897/04-6ª), a indemnização, também, devendo corresponder a um capital produtor de rendimento que a vítima não auferirá e que se extingue no final do período provável de vida, tudo, enfim, ponderado, como equitativo temos o montante de 49.500 euros para ressarcir os danos patrimoniais em causa.

B) Danos não patrimoniais:
1. Com a indemnização por danos não patrimoniais, aquela revestindo "uma certa função punitiva, à semelhança, aliás, de qualquer indemnização" (cfr. Menezes Cordeiro, in "Direito das Obrigações"-1ª Edição - 1980-2º vol., pág.288), como, sem dissenso, afirmado pela jurisprudência (cfr., g., acórdão de 22-06-99, in revista nº 454/99-1ª) e doutrina, não se visa, ensina Galvão Telles, outra não sendo a tese expandida por Almeida Costa ("Direito das Obrigações"-3ª Edição Refundida-, pág.395), "...fazer desaparecer o prejuízo, concreta ou abstractamente considerado, eliminando-o na sua própria materialidade ou substituindo-o por um equivalente da mesma natureza, como é o dinheiro em relação aos valores patrimoniais.
Mas há indemnização no sentido de proporcionar ao lesado meios económicos que dalgum modo o compensem da lesão sofrida. Trata-se por assim dizer, de reparação indirecta. Na impossibilidade de reparar directamente os danos, pela sua natureza não patrimonial, procura-se repará-los indirectamente através de uma soma de dinheiro susceptível de proporcionar à vítima satisfações, porventura de ordem puramente espiritual, que representem um lenitivo, contrabalançando até certo ponto os males causados, "Direito das Obrigações" 7ª Edição (Revista e Actualizada), págs. 379 e 380).
Afastados injustificados miserabilismos indemnizatórios, importa, na quantificação de indemnização significativa, que não arbitrária, pelos danos não patrimoniais, com recurso à equidade (art. 496º nº 3 do CC), ponderar, além das circunstâncias citadas no art. 494º do CC, designadamente, os valores fixados noutras decisões jurisprudenciais mais recentes sobre a temática e as flutuações do valor da moeda (cfr. Antunes Varela, in "Das Obrigações em Geral"- 5ª Edição-vol. I, pág. 567).

2. Estas considerações, à guisa de intróito, tecidas, não obliterando, como urge, a pertinente materialidade fáctica provada, pelos fundamentos dissecados no "acórdão" os quais, "in totum", quanto ao conspecto em análise, se acolhem, para eles se remetendo, com amparo no art.713º nº 5, "ex vi" do plasmado no art. 726º, os dois normativos do CPC, censura não merece a, pelo Tribunal "a quo", fixada em 20.000 euros (capital) indemnização por danos não patrimoniais, aquela, antes, se perfilando ajustada.

IV. CONCLUSÃO:
Concede-se, parcialmente, a revista, fixando-se em 49.500 (quarenta e nove mil e quinhentos) euros a indemnização por danos patrimoniais futuros devida à autora, mantendo-se, no mais sob recurso, o "acórdão".
Custas da revista e as atinentes às instâncias, por autora e ré, na proporção do respectivo decaímento (art. 446º nºs 1 e 2 do CPC).

Lisboa, 17 de Janeiro de 2008

Pereira da Silva
Rodrigues dos Santos
Oliveira Vasconcelos
João Bernardo*
Oliveira Rocha**



*(vencido. Acolheria o montante vindo da Relação, subscrevendo os respectivos fundamentos e tendo em conta que, para efeitos do "quantum" indemnizatório deve - a meu ver - ser valorada a inexistência de perda efectiva de proventos).

**Analisando os factos assentes, fixaria em 35.000€ a indemnização a titulo de danos patrimoniais.