Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
15467/15.4T9PRT.P1.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO
Relator: PEDRO BRANQUINHO DIAS
Descritores: NEGLIGÊNCIA MÉDICA
MÉDICO
FORMADOR
ESTÁGIO
RESPONSABILIDADE MÉDICA
OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA POR NEGLIGÊNCIA
LEGES ARTIS
CONDENAÇÃO
OBJETO DO RECURSO
ABSOLVIÇÃO CRIME
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 06/06/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :
I. A situação retratada nos autos tem a ver com um caso de negligência médica alegadamente por parte de um médico formador, especialista em cirurgia geral e de duas médicas internas estagiárias, no tratamento de uma paciente, na decorrência de uma intervenção cirúrgica, tendo em vista a extração de um lipoma, localizado na região lombar direita.

II. Estamos, assim, no domínio da relação entre um médico formador/ orientador de estágios e duas médicas em formação (médicas internas), sendo uma de formação específica de cirurgia vascular, no 1.º ano de formação de especialidade médica, e a outra interna de dermatologia, tendo iniciado o internato de especialidade de dermatovenereologia cerca de duas semanas antes da cirurgia em causa.

III. Trata-se, como é sublinhado pela doutrina mais abalizada, de uma divisão vertical de trabalho, diferente da que se estabelece no exercício da medicina em equipa, que, por norma, consiste numa divisão horizontal de trabalho, que pressupõe a repartição do tratamento entre profissionais com um nível semelhante de conhecimentos e capacidades, ainda que com qualificações profissionais distintas, que se encontram, por conseguinte, numa posição de igualdade.

IV. No caso concreto, os intervenientes não se movem no mesmo plano no que diz respeito a conhecimentos e competências, existindo relações hierárquicas entre eles, que supõem o exercício de poderes de orientação e vigilância e de correlativos deveres de obediência, como é o caso paradigmático da intervenção conjunta de um médico especialista em cirurgia/formador e de duas internas estagiárias.

V. O princípio da confiança que é muito relevante no exercício da medicina em equipa, ou seja, na divisão horizontal de trabalho, tem, no âmbito da divisão vertical, um valor menos destacado, cedendo a primazia ao dever de controlo das atividades realizadas pelo médico interno por parte do médico orientador, o que, naturalmente, não deixará de ter reflexos em sede da delimitação de responsabilidades.

VI. Nesta conformidade, sobre o médico tutor impende um dever de fiscalização permanente da atuação do médico em formação, a que acrescerão ainda deveres de controlo e supervisão. Por sua vez, sobre os médicos em formação incumbe um dever de obediência, que não sendo, obviamente, absoluto constitui, dentro do espaço de autonomia, a regra.

VII. Significa tal, em termos práticos, que se o médico interno atuar de acordo com as instruções e ordens do médico tutor e se dessa atuação resultar uma lesão para o paciente, só o orientador da formação poderá, em princípio, ser responsabilizado por não ter cumprido o seu dever de controlo e intervenção.

VIII. Só muito excecionalmente haverá a possibilidade de o médico interno também vir a ser responsabilizado (ou até ser exclusivamente responsável), se se provar que violou o dever objetivo de cuidado que sobre ele impendia, dependendo das especificidades do caso concreto.

IX. Ora, na situação em análise, ficou provado que no dia 20/05/2015, no Centro Hospitalar…, EPE, sito em…, da cidade…, teve lugar, em ambulatório, e com recurso a anestesia local, uma cirurgia à ofendida com o objetivo de lhe extrair um lipoma, isto é, um nódulo benigno de gordura, com cerca de 3 cm, na região lombar direita. Intervieram nessa operação o arguido, na qualidade de médico especialista em cirurgia geral e orientador de estágios e as arguidas, médicas em regime de estágio.

Acabaram, contudo, por não remover o lipoma na região lombar direita, que tinha determinado a realização dessa cirurgia e que causava dor à ofendida.

Em virtude de não terem identificado e marcado convenientemente o local cirúrgico, não obstante as indicações dadas até pela ofendida, fizeram uma incisão na área da nádega direita da ofendida e daí extraíram material que remeteram para análise, mas que não correspondia ao referido lipoma.

A ofendida ficou com uma cicatriz, com 3,50 cm, no membro inferior direito e com dores permanentes, fruto dessa cirurgia.

A intervenção realizada foi, assim, inútil e desnecessária, sendo que o lipoma, que era para retirar, mantém-se, tendo a ofendida de vir a ser submetida a nova intervenção cirúrgica.

X. O tribunal recorrido deveria ter tido em conta a circunstância das arguidas se encontrarem numa fase muito inicial do seu internato médico, tendo as respetivas especialidades de cirurgia vascular e dermatovenereologia pouco ou nada a ver com o ato cirúrgico em questão e que atuavam, na ocasião, sob a alçada e supervisão do médico formador comum, especialista em cirurgia geral, cumprindo as instruções que este lhes dava, no decurso da intervenção.

XI. Nesta conformidade, entendemos que nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada, designadamente, por violação do dever objetivo de cuidado, sendo o único responsável pelo desleixo, falta de cuidado e desatenção relativamente às concretas condições em foi desenvolvido o mencionado ato cirúrgico, bem patenteados na matéria de facto dada como assente, o médico cirurgião e formador do estágio das arguidas, que, além do mais, falhou também no seu dever de orientação e fiscalização do trabalho destas.

XII. Termos em que, em face do exposto, se julga procedente o recurso das arguidas, ainda que por fundamentos não totalmente concordantes, e, em consequência, revoga-se, nesta parte, o acórdão recorrido, absolvendo-se as mesmas do crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148.º n.º 1, do Cód. Penal, e da indemnização a pagar à ofendida/demandante que haviam sido condenadas e se julga improcedente o recurso do arguido e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido no que se refere à condenação do último pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148.º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 110  dias de multa, à taxa diária de € 12,50, no valor total de € 1 375,00, bem como a pagar à ofendida/demandante a quantia de € 15.000,00, a título de indemnização para compensar os danos não patrimoniais sofridos por esta, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação deste acórdão e até efetivo e integral pagamento.

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 3.ª Secção Criminal, do Supremo Tribunal de Justiça



I. Relatório

1. Em 06/07/2022, foi proferido acórdão pelo Tribunal da Relação do Porto, que revogou a sentença absolutória do Juízo Local Criminal ... -J..., de 27/10/2021, e condenou os arguidos AA, BB e CC pela prática, cada um deles, do crime de ofensa à integridade física por negligência, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1, do Cód. Penal, nas penas, respetivamente, de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 12,50 (doze euros e cinquenta cêntimos), no valor total de € 1 375,00 (mil trezentos e setenta e cinco euros), de 100 (cem) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no valor total de € 1 000,00 (mil euros), e de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), no valor total de € 600,00 (seiscentos euros).

Foi ainda julgado parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil formulado por DD, e, em consequência, condenados os referidos arguidos/demandados a pagar à ofendida/demandante a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), fixada como indemnização para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela assistente, acrescido de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação deste acórdão e até efetivo e integral pagamento.

2. Inconformadas, as arguidas BB e CC interpuseram, em 26/09/2022, recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes Conclusões, que passamos a transcrever:

1. Vem o presente recurso interposto do douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto que condenou as arguidas BB e CC pela prática do crime de ofensa à integridade física negligente, previsto e punido pelo artigo 148.º, n.º 1, do Código Penal, bem como a pagarem solidariamente com o arguido AA a quantia de €15.000,00 (quinze mil euros), fixada como indemnização para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela assistente.

2. As Arguidas submetem ao juízo crítico deste Supremo Tribunal a apreciação das seguintes questões com as quais as Recorrentes não podem, de todo, conformar-se: da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia; da errada subsunção jurídico-penal por violação do DL 45/2009 de 13 de Fevereiro; do não preenchimento do tipo legal de crime; da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – vício constante da alínea b) do n.º2 do art. 410.º do CPP.

Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia.

3. Em sede de contra-alegação ao recurso apresentado pelo Ministério Público, e tal como já havia feito em sede de audiência de Julgamento, a Arguida BB apontou que, à data dos factos, era interna de primeiro ano de estágio, tal como a aqui Recorrente CC (matéria de facto provada nos pontos 2., 3., 4., e 5.)

4. Ainda naquela contra-alegação invocou o ponto 2 dos factos provados da Douta Sentença e o que resultou das declarações do próprio Arguido Dr. AA, gravadas na audiência de Julgamento do dia 13 de Maio de 2021 (32min50s – 33min), que assumiu toda a responsabilidade pelos actos das médicas internas.

5. Porém, o Douto acórdão do Tribunal da Relação não apreciou o depoimento supramencionado, não emitindo qualquer juízo quanto a essa prova.

6. Como bem decidiram os Venerandos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça em 13/01/2010: “O acórdão da Relação não apreciou o depoimento de uma das testemunhas, elemento de prova produzido, e invocado pelo recorrente na impugnação da matéria de facto, não efectuando assim o exame crítico imposto pelo art. 374.º, n.º 2, do CPP, quanto a essa prova. Houve, por isso, omissão de pronúncia na valoração de uma prova indicada como fundamento de recurso, o que constitui nulidade nos termos do art. 379.º, n.º 1, als. a) e c), do CPP. Na verdade, o art. 379.º do CPP determina que é nula a sentença quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (n.º 1, al. c)). As questões impostas à apreciação do julgador são as suscitadas pelos sujeitos processuais, ou as de conhecimento oficioso.” (negrito e sublinhado nossos).

7. Nas suas contra-alegações (ponto XIX das conclusões), a Arguida BB firmou que o Decreto-Lei 45/2009 de 13 de Fevereiro (em vigor à data dos factos) reconhecia o exercício autónomo da Medicina apenas aos internos que concluíam, com aproveitamento, o segundo ano do internato (art.º 2.º, n.º 2).

8. Ora, deverá perfilhar-se do entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, que em 03/02/2021 postulou: “Padece de omissão de pronúncia o acórdão do Tribunal Central Administrativo que procede à reapreciação da matéria de facto fixada pela 1.ª instância, e não se pronuncia sobre questão suscitada pela recorrida nas contra-alegações…”

9. Destarte, porque o acórdão recorrido deixou de se pronunciar sobre as questões supra referidas e cuja apreciação se impunha, e atendendo ao disposto no art. 379.º, n.º1, alínea c) do CPP aplicável ex vi art. 425.º, n.º4 do mesmo diploma, este aresto é nulo, nulidade que expressamente se invoca para os devidos efeitos legais.

Da errada subsunção jurídico-penal por violação do DL 45/2009 de13 de Fevereiro.

10. Ainda que se entendesse que as Recorrentes praticaram os factos dados por provados, o que não se concede, certo é que nunca poderiam ser responsabilizadas. Não fizeram mais do que cumprir as instruções do orientador, tal como o próprio admitiu em sede de audiência de Julgamento.

11. Nos termos do já apontado Decreto-Lei 45/2009 de 13 de Fevereiro (em vigor à data dos factos) o exercício autónomo da Medicina era reconhecido apenas aos internos que concluíam, com aproveitamento, o segundo ano do internato (art.º 2.º, n.º 2 daquele normativo).

12. Conforme ensina Sónia Fidalgo, “além do dever de organização e coordenação inicial, sobre o superior impenderão também, em certas situações, deveres de vigilância, instrução e coordenação no decurso da actividade da equipa – numa palavra, sobre o superior impenderá, em certas circunstâncias, um dever de controlo da actuação dos seus subordinados”

13. E neste sentido também JORGE FIGUEIREDO DIAS aponta: “Poderá entender-se que sobre o orientador de formação, dadas as suas funções de instrução, impende um dever de garante face à atuação do médico interno, pelo que aquele poderá ser responsabilizado por omissão”.

14. Ensina ainda aquele Insigne Professor: “Em princípio se diria não existir qualquer dever de garante face à actuação de terceiros, uma vez que esta deve ser atribuída à sua auto-responsabilidade. Todavia, este princípio deve ceder face a certas situações especiais. E esse será desde logo o caso em que o terceiro, por vários motivos, ou não é responsável ou tem a sua responsabilidade diminuída. Nestes casos se aceitará que a ordem jurídica ponha o cumprimento de um dever de vigilância, relativamente ao irresponsável ou responsável limitado, a cargo de quem exerce sobre ele um poder de domínio e de controlo.” E exemplificando, o autor salienta: “o mesmo deverá dizer-se…e uma forma geral, de internato médico”.

15. Estamos perante uma situação de Divisão de Trabalho Vertical, em que as internas não tinham qualquer autonomia para o desempenho de funções (além da parca experiência, assim define o art.º 2, n.º 2 do Decreto-Lei 45/2009), onde os níveis de subordinação derivam do maior ou menor grau de formação dos intervenientes e, além disso, o próprio Arguido Dr. AA, médico especialista responsável pela formação das Arguidas, assim admitiu.

Do não preenchimento do tipo legal de crime.

16. Decidiram os Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora, por Douto Acórdão datado de 06/11/2018: “Para que se possa responsabilizar um médico por ofensa à integridade física por negligência, é necessário que ele tenha violado: o dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia, criando, deste modo, um perigo não permitido que se concretizou no resultado; mas para que o agente seja punível por negligência não é suficiente que viole o cuidado objectivamente imposto – é necessário ainda que não afaste o perigo ou evite o resultado desde que aquele se apresente como pessoalmente cognoscível e este como pessoalmente evitável.” (sublinhado nosso)

17. Resulta ainda deste aresto jurisprudencial: “No entanto, para determinar se cada um dos arguidos se encontrava ou não em condições de cumprir o dever de cuidado que integra o tipo negligente, há-de ter-se em conta não o poder dos médicos concretamente em causa, mas sim os conhecimentos e as capacidades pessoais dos outros médicos como os arguidos. Vai averiguar-se se, de acordo com a experiência, os outros, agindo em condições e sob pressupostos fundamentalmente iguais àqueles que presidiram à conduta das agentes, teriam previsto a possibilidade de realização do tipo de ilícito e o teriam evitado.”

18. Ainda, na esteira do entendimento do Tribunal da Relação de Guimarães, que em 09/10/2017, Processo n.º 103/15.7GTVCT.G2 decidiu: “A formulação do juízo de censurabilidade depende da capacidade pessoal do agente de reconhecer e observar o dever de cuidado e de prever o resultado e o concreto processo causal, sendo essa capacidade apreciada em função das faculdades ou qualidades que ao agente assistem.”

19. Assim, as arguidas BB E CC eram internas de primeiro ano com semanas de exercício da profissão e sempre sob orientação (factos provados 1., 2., 3., 4. e 5.), o que vale por dizer que a conduta das recorrentes não preenche o tipo de crime pelo qual vêm condenadas, impondo-se a sua absolvição.

20. Sem conceder na concretização de um perigo não permitido, em nenhum momento esse perigo foi às arguidas pessoalmente cognoscível ou o resultado seria por elas pessoalmente evitável, não podendo ser condenadas pelo crime de ofensa à integridade física negligente.

Da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão – vício constante da alínea b) do n. º2 do art. 410.º do CPP.

21. Importa referir que a al. b) do n.º 2 do artigo 410.º do CPP abrange dois vícios distintos, que são: a contradição insanável da fundamentação; e a contradição insanável entre a fundamentação e a decisão.

22. No primeiro caso incluem-se as situações em que a fundamentação desenvolvida pelo julgador evidencia premissas antagónicas ou manifestamente inconciliáveis.

In casu, há contradição insanável da fundamentação: há factos provados que manifestamente não podem estar simultaneamente provados (factos 2, 3 e 4 e facto 30 (H) que viria a ser dado por provado no acórdão recorrido está em contradição com os factos 25, 26, 27, 28, 29, 31 e 32)

23. Se o Tribunal a quo dá como provado que as médicas eram internas e estavam sob a orientação do Dr. AA e este incumpriu com o dever de orientação por forma a estas cumprirem as regras de cuidado que são impostas aquando da realização de procedimentos cirúrgicos, não pode depois imputar responsabilidade criminal às arguidas.

24. Quanto à segunda situação, abrange as circunstâncias em que os factos provados ou não provados colidem com a fundamentação da decisão. Há, in casu, contradição insanável entre a fundamentação e a decisão: ao darem-se por provados os factos 2, 3 e 4 e facto 30 (H) nunca poderia concluir-se pela responsabilidade das arguidas internas à data dos factos.

25. Fica cristalino para as aqui Recorrentes a inexistência de qualquer ilícito criminal, pelo que terá necessariamente que sucumbir o pedido de indemnização civil apresentado.

Termos em que

concedendo provimento ao recurso e revogando o acórdão recorrido nos termos expostos, farão Vossas Excelências a costumada

JUSTIÇA!

3. Por seu turno, o arguido AA interpôs também recurso, na mesma data, para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo a sua Motivação, da seguinte forma, que iremos igualmente transcrever:

Da Recorribilidade do Acórdão

1 - A recente alteração legislativa, operada no âmbito da entrada em vigor da Lei n.º 94/2021, de 21 de Dezembro, no que à matéria dos recursos diz respeito, veio resolver uma questão que há muito se colocava no seio doutrinal e jurisprudencial, relativamente à inadmissibilidade dos recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, no caso de aplicação de penas não privativas da liberdade.

2 - Ora, atendendo a que o arguido foi absolvido, pelo tribunal singular de 1ª instância, mas condenado, pelo tribunal que apreciou o recurso da Digna Magistrada do Ministério Público, temos por certo que, tendo em conta o plasmado nos referidos normativos nas motivações, a decisão é recorrível.

Do Erro Notório na Apreciação da Prova (art.º 410º n.º 2 c) CPP)

3 - Há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das suas leges artis.

4 - Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).

5 - Isto significa que não se pode ir buscar outros elementos para fundamentar o vicio invocado fora da decisão, nomeadamente ir à cata de eventuais contradições entre a decisão e outras peças processuais, como por exemplo do inquérito, da instrução ou do próprio julgamento.

6 - Por outro lado, o recurso às regras da experiência comum, de que se pode lançar mão para justificar o vicio invocado, tem que ser feito cum grano salis, pois tal prescrição não se adequa a todos os vícios referenciados no n.º 2 do art.º 410º.

7 - A questão reside, então, em saber se existe a certeza de o arguido ter violado o dever objectivo de cuidado, a que estava adstrito, por distracção, falta de concentração, capaz de fundar um juízo de certeza para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade, certeza que nos parece não só inexistir, como até se tendo provado o contrário.

8 - E não podemos deixar de lamentar, logo em primeira linha, o factor primordial que formou a convicção do tribunal a quo, bem plasmado na decisão recorrida e conduziu à alteração da matéria de facto: “Para qualquer individuo de formação média a região lombar é a parte mais baixa da coluna e fica perto da bacia. E o material extraído foi da região da nádega direita da ofendida.”

9 - Como pode o tribunal a quo proferir semelhante afirmação, se foi precisamente essa a dúvida, conforme consta amplamente dos dois libelos decisórios, como veremos, que conduziu a que tivessem de ser ouvidas diversas testemunhas em várias sessões de julgamento.

10 - Foi precisamente a questão da localização do lipoma, cuja mobilidade poderia situá-lo na fronteira de diferentes zonas do corpo humano (no caso concreto na zona de transição da região lombar para a região nadegueira direita), que se revelou ser de definição complexa e que o tribunal a quo vem afirmar ser de localização óbvia para o homem médio, para o senso comum da generalidade dos indivíduos.

11 - Tal afirmação não corresponde à verdade e influenciou negativamente o processo de convicção do julgador, que urge corrigir.

12 - Na verdade, conforme consta das decisões de 1ª instância e recorrida, cuja matéria nesta parte não foi impugnada (O Ministério Público, em sede de recurso, considerou antes que o depoimento da assistente e das testemunhas que esta arrolou é que foi pouco valorizado), relativamente aos depoimentos de testemunhas e peritos, que constam do Relatório da decisão recorrida, resulta à saciedade que o procedimento era simples, mas a sua localização revelava alguma complexidade:

- Da audição da Sr.ª Perita, Dr.ª EE, resultou a indicação que em termos anatómicos a zona onde, em seu entender, se localiza a cicatriz que resultou da cirurgia em causa, referindo que a nómica anatómica pode variar consoante as escolas.

- A testemunha, Sr.ª Dr.ª FF, médica no Centro Hospitalar ... afirmou que é muito comum haver lipomatose múltipla, ou seja, a concentração de vários lipomas numa pessoa só. Admitiu poder ser considerada uma indicação vaga para a cirurgia “pequeno lipoma na região lombar com cerca de 3cm”. Explicou, no entanto, que a região lombar é muito extensa e vai desde o bordo inferior da 12ª costela até à crista ilíaca (osso da bacia) e acompanha as 5 vertebras lombares, daí que não seja correcta a afirmação feita pela perita médica de que a cicatriz se localiza a 11 cm da região lombar. A parte lombar termina em L5 e articula com o sacro. A crista ilíaca, que acaba por incluir parte da região nadegueira superior, está sensivelmente ao nível da L4.

Mencionou também que a especifica localização da lesão pode variar consoante a posição (em pé ou deitado) do paciente.

Porém, não tem dúvidas em afirmar que o que foi removido se trata de um lipoma e vai também de encontro à indicação que deu para cirurgia.

- A testemunha, GG, enfermeira no Centro Hospitalar... desde 2009, disse ter estado presente na cirurgia em apreço, descrevendo os procedimentos habituais e parâmetros observados na cirurgia segura.

Afirmou que a intervenção cirúrgica decorreu com normalidade e sem ocorrência de qualquer incidente, caso em que teriam obrigatoriamente de registar por escrito, o que não sucedeu.

- A testemunha, Sr. Dr. HH, médico especialista de cirurgia geral em exercício de funções no Centro Hospitalar ... – trabalha no serviço de cirurgia de ambulatório desde 2004 e é ... do Serviço desde 2017.

Na qualidade de docente da disciplina de Anatomia no ... (Instituto de ...) explicou em termos anatómicos que a zona lombar é uma região ampla, que está situada abaixo do limite inferior das costelas até às cristas ilíacas e até à região sagrada.

Diz que é aceitável em termos anatómicos considerar a região da nádega ainda como fazendo parte da zona lombar.

Os limites e áreas anatómicas nem sempre correspondem às áreas cirúrgicas, sendo que há descrições diferentes quando se fala da anatomia descritiva pura e da anatomia cirúrgica, por isso há tratados diferentes. Não significa que a anatomia seja diferente, mas a forma como é organizada é distinta.

13 - O tribunal de 1ª instância considerou que que tais depoimentos mereceram inteira credibilidade pela forma espontânea, objectiva e coerente como foram prestados, sendo certo que nada de perturbador ou nenhuma contradição de monta se encontra neles capaz de afectar a sua sinceridade e o tribunal a quo não descredibilizou qualquer destes depoimentos.

14 - Segundo o texto da decisão recorrida, não resulta da prova produzida em audiência de julgamento que a ofendida previamente à intervenção cirúrgica indicou na zona lombar direita o local onde se situava o lipoma a extrair e porque os arguidos estavam desatentos, não observaram as regras estipuladas para a identificação do local a operar e não se certificaram do local exacto onde se encontrava o lipoma a extrair, não marcaram convenientemente o local cirúrgico apesar de a ofendida ter indicado o local a intervencionar que se situava na zona lombar direita, fazendo uma incisão na área da nádega direita da ofendida.

15 - Acresce que, é também configurável a hipótese de lipomatose múltipla, ou seja, uma condição que provoca a acumulação de vários nódulos de gordura pelo corpo ou, por outras palavras, a concentração de vários lipomas numa só pessoa, sendo possível que a assistente no momento da intervenção cirúrgica tivesse vários lipomas e apontado para um em detrimento do outro também existente, ainda que não se tivesse apercebido de tal.

16 - E importa também não esquecer que a especifica localização da lesão pode ainda variar consoante a posição em que se encontre o paciente (em pé ou deitado).

17 - Perante esta multiplicidade de hipóteses não é possível concluir que os arguidos estavam desatentos, que não observaram as regras estipuladas para a identificação do local a operar e que não se certificaram do local exacto onde se encontrava o lipoma a extrair, não marcando convenientemente o local cirúrgico, daí que o tribunal cometeu um erro notório na apreciação da prova ao modificar a matéria de facto, que conduziu à condenação dos 3 arguidos.

18 - Por fim, sempre se dirá que o tribunal a quo, desvalorizando o depoimento de diversas testemunhas que explicaram com detalhe e credibilidade, os procedimentos inerentes a este tipo de intervenções e de que foi efectivamente um lipoma, com as características descritas nos autos, deixou-se influenciar pelo facto aparente de ter permanecido e um outro lipoma e pela aparente delimitação do que considera ser a zona lombar facilmente perceptível.

19 - Pelo que se verifica um erro notório de apreciação da prova, nos termos do art.º 410º n.º 2 c) do Código de Processo Penal.

Da Contradição Insanável na Fundamentação (art.º 410º n.º 2 b) CPP)

20 - No caso sub iudice, ocorrem os dois sobreditos vícios:

- A contradição insanável da fundamentação: há factos provados que manifestamente não podem estar simultaneamente provados (factos 2, 3 e 4 e facto 30 (H) que viria a ser dado por provado no acórdão recorrido está em contradição com os factos 25, 26, 27, 28, 29, 31 e 32).

- A contradição insanável entre a fundamentação e a decisão: ao darem-se por provados os factos 2, 3 e 4 e facto 30 (H) nunca poderia concluir-se pela responsabilidade das arguidas internas à data dos factos.

Da Matéria de Direito (art.º 410º n.º 1 CPP e 148º CP

20 - Muito embora o legislador penal nada diga (aqui como na maioria dos delitos negligentes), acerca da medida do cuidado exigível do agente, pode afirmar-se que esta coincide com o necessário para evitar a ocorrência do resultado típico.

A afirmação de um tal dever de cuidado far-se-á caso a caso, em função das particulares circunstâncias da actuação do agente, constituindo auxiliares importantes nessa determinação as normas jurídicas que impõem aos seus destinatários específicos deveres e regras de conduta no âmbito das actividades perigosas.

21 - Mas não só se torna evidente que não são apenas essas normas as fontes do dever jurídico de cuidado, como, por outro lado, a sua violação não constitui mais do que um indício da efectiva lesão desse dever por parte do seu destinatário, assumindo neste contexto um peso fundamental a especifica configuração do caso concreto e a sua análise (grau de perigosidade do comportamento, importância dos bens jurídicos envolvidos, entre outros factores).

22 - Na verdade, tendo por assentes os pressupostos objectivos e subjectivos acima enunciados, importa referir que, na lógica interna da acusação que submeteu os arguidos a julgamento, necessário se tornaria a demonstração segura e incontestável de que, num primeiro plano, o arguido erroneamente procedeu à marcação do local cirúrgico e que tal erro seria directamente atribuível a uma acção (negligente) desse agente - desatenção / falta de concentração -, que, contrariamente àquilo que seria expectável e exigível, segundo as circunstâncias do caso concreto e, sobretudo, considerando as suas qualificações técnicas e intelectuais, não teria assim actuado, como devia e podia e, num segundo plano, que foi essa conduta negligente dos arguidos que teria causado as lesões físicas sofridas pela assistente, no caso uma cicatriz com cerca de 3,5cm localizada na região nadegueira direita.

23 - Da matéria de facto que o arguido considera provada, resulta, em termos sumários, que não ficou demonstrado que este, no exercício da sua actividade profissional de médicos e na prestação desses serviços, à doente DD, não tivesse procedido com o cuidado a que, atentas as circunstâncias - de tempo e lugar, bem como da prudência - estava obrigado, e de que era capaz, como é exigido a um médico.

24 - Deste modo, a não demonstração dessa factualidade impõe a absolvição do arguido, desde logo, pela não violação do dever objectivo de cuidado, nos moldes acima descritos.

- Nestes termos, verificam-se os vícios insanáveis, a que aludem os artigos 410º n.º 2 b) e c) do Código de Processo penal, bem como foi violado o disposto no art.º 148º do Código Penal.

- Pelo que o Douto Acórdão deve ser alterado, nos termos sobreditos,

Dessa forma, Vossas Excelências farão a costumada

JUSTIÇA

3. Por despacho da Senhora Desembargadora Relatora, de 30/09/2022, foram os recursos em causa admitidos para este Tribunal.

4. O Ministério Público, junto do TRP, respondeu, em 28/10/2022, aos recursos dos arguidos, defendendo a sua improcedência.

5. O Senhor Procurador-Geral Adjunto, neste Supremo Tribunal, teve vista, em 17/11/2022, nos autos e, como foi requerida audiência, nos termos do art. 411.º n.º 5, do C.P.P., por todos os recorrentes, não emitiu parecer, mas indicou as questões que, em seu entendimento, os recorrentes pretendem debater.

Observado o contraditório, uma vez que o digno magistrado do Ministério Público não se limitou a apor o seu visto, respondeu a recorrente BB, em 05/12/2023, para dizer que, para além das questões enunciadas pelo Senhor PGA, deveria também ser debatida a violação do regime jurídico da formação médica (DL n.º 45/2009, de 13/02).

6. Realizada a audiência com todo o formalismo legal (art. 423.º, do C.P.P.) e tendo-se reunido, posteriormente, o Tribunal para deliberar, cumpre agora decidir.

II. Objeto dos recursos

Em face do teor das Conclusões apresentadas, que, como é sabido, delimitam o objeto dos recursos, temos assim:

Recurso das arguidas BB e CC:

- Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

- Errada subsunção jurídico-penal por violação do DL n.º 45/2009, de 13/2;

- Não preenchimento do tipo legal de crime por que foram condenadas; e

- Contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão proferida.

Recurso do arguido AA:

- Erro notório na apreciação da prova;

- Contradição insanável da fundamentação do acórdão recorrido e Contradição insanável entre a sua fundamentação e a decisão; e

- Não violação do dever objetivo de cuidado.


III. Fundamentação

1. Dos factos

O tribunal recorrido deu como provado os seguintes factos (Transcrição):

1. O arguido AA é médico e exerce funções como médico cirurgião da especialidade de cirurgia geral, no Centro Integrado de ..., sito nesta cidade;

2. À data dos factos, o arguido era o orientador de formação e responsável pelo estágio profissional das arguidas BB e CC;

3. A arguida BB é médica, à data interna de formação específica de cirurgia vascular;

4. No âmbito da sua formação, à data dos factos, a arguida efectuava procedimentos cirúrgicos, sempre sob a supervisão do médico da especialidade respectiva;

5. A arguida CC é médica e, desde ... de Maio de 2015, foi interna de dermatologia;

6. Desde Setembro de 2014, que a DD apresentava uma tumefacção na zona lombar direita, com cerca de 1cm de maior diâmetro, dolorosa à palpação e não aderente aos planos profundos;

7. No dia 21 de Novembro de 2014, o médico II – Extensão USF de ..., dirigiu um pedido ao Cento Hospitalar ..., para observação da ofendida, pela especialidade de cirurgia geral, para excisão do lipoma - tumefacção na zona lombar direita com cerca de 1cm de maior diâmetro, dolorosa à palpação, não aderente aos planos profundos;

8. No mesmo dia, o pedido foi encaminhado para triagem tendo sido posteriormente, reencaminhado para a Unidade de Cirurgia Geral de Ambulatório, sub-especialidade de Cirurgia de Ambulatório e especialidade de Cirurgia Geral – Cirurgia de Ambulatório;

9. No dia 25 de Novembro de 2014, o pedido foi encaminhado para a médica FF para marcação de consulta, que foi realizada no dia 17 de Abril de 2015, pelas 10h;

10. No dia 17 de Abril de 2015, a médica FF observou a ofendida na consulta externa de cirurgia ambulatório no Centro Integrado de ... e, de acordo com a informação clínica enviada pelo Dr. II, onde constava ainda informação de ecografia: “tumefacção na região lombar direita que evidenciou lobulação de gordura mais proeminente 14x6mm”, confirmou a presença de lipoma na região lombar direita;

11. Na sequência dessa consulta, a ofendida foi encaminhada para cirurgia, a realizar-se no dia 20 de Maio de 2015, de exérese do lipoma na região lombar direita, sob anestesia local e, com vista à realização desse procedimento para excisão do lipoma, assinou o consentimento livre e esclarecido para actos médicos;

12. A cirurgia foi realizada em ambulatório, no dia 20 de Maio de 2015, no Centro Hospitalar ..., EPE, sito no Largo..., ...;

13. A intervenção cirúrgica consistia na exérese do lipoma na região lombar direita tal como previamente identificado;

14. Na cirurgia, participaram as arguidas BB e CC e o arguido AA, este como especialista em cirurgia geral e orientador de formação das duas arguidas;

15. Aos médicos que executam o procedimento cirúrgico e aos que ajudam na sua realização cabe a identificação, marcação e validação do local cirúrgico, mediante a consulta do processo clínico do doente, exames, demais elementos documentais e quando possível com a colaboração do doente ou dos seus representantes;

16. Todos os casos que envolvam lateralidade, múltiplas estruturas ou diversos níveis, obrigam sempre à marcação do local cirúrgico, que tem que ser efectuada sempre antes do procedimento cirúrgico;

17. A marcação deve ser efectuada no local de incisão ou adjacente a ele, de forma inequívoca, com marcador dérmico permanente, não tóxico, resistente à preparação antisséptica da pele e o sinal de marcação deve ficar visível, mesmo depois da preparação do local cirúrgico e da colocação dos campos cirúrgicos;

18. A última verificação da marcação do local cirúrgico é efectuada pelo médico executor do procedimento, em colaboração estreita com os enfermeiros e médicos presentes na sala de operações, no momento da verificação dos critérios de segurança cirúrgica;

19. Naquele dia 20 de Maio de 2015, depois de entrar na sala onde se iria realizar o procedimento cirúrgico, porque lhe foi pedido, a ofendida indicou o local onde se situava o lipoma a extrair;

20. Mercê da intervenção cirúrgica descrita resultou para a ofendida no membro inferior direito, uma cicatriz com 3,5cm, linear, com vestígios de pontos de sutura, nacarada de direcção horizontal, localizada no quadrante supero medial da região nadegueira direita, que lhe causou dor e sofrimento;

21. Os arguidos não têm antecedentes criminais;

22. O arguido AA, de 57 anos, é licenciado em Medicina, desde 1993, pelo Instituto de Ciências .... Em 2002 obteve o grau de Especialista em Cirurgia Geral. Exerce funções, como médico daquela especialidade, encontrando-se, desde 2008, afecto ao Centro Integrado de .... No âmbito das funções que exerce, é orientador de formação e responsável pelo estágio profissional de médicos internos que passam por aquele centro. Presta ainda serviços médico-cirúrgicos no .... Descreve a sua actividade profissional como gratificante, considerando-se privilegiado por gostar do que faz. Natural do ..., onde foi criado num contexto familiar caracterizado como estruturado, com uma dinâmica harmoniosa, AA constituiu agregado familiar próprio há … anos, tendo contraído matrimónio e fixado residência em ..., ..., na actual morada. AA vive com a mulher, JJ, de … anos, ..., desempregada/doméstica, e com os 3 descendentes do casal: dois filhos, de … e … anos, ambos estudantes do ensino superior, e uma filha, de … anos, aluna do 10º ano de escolaridade, elementos com os quais estabelece um relacionamento caracterizado como afectuoso e coeso. O arguido reside na ..., ..., ... ..., correspondente a uma moradia própria, de construção antiga, de tipologia 3, inserida em meio residencial suburbano da …, não associado a fenómenos de exclusão social. Naquele meio comunitário o arguido apresenta uma inserção social referenciada como ajustada, marcada por relações de cordialidade com os elementos da vizinhança. O quotidiano do arguido é preenchido sobretudo com a sua actividade profissional e com a vida familiar/doméstica. O cônjuge dedica-se sobretudo à gestão doméstica e ao apoio familiar, designadamente ao processo educativo dos filhos, prestando ainda suporte aos pais/sogros do arguido, residentes ..., que apresentam problemas de saúde associados à idade avançada. Nos tempos livres o arguido dedica-se à música, tocando vários instrumentos … . Participa nas actividades da Associação ..., do qual faz parte, tal como o cônjuge. A situação económica do agregado familiar do arguido é caracterizada como estável e capaz de proporcionar aos seus elementos um estilo de vida confortável, estando assente no seu vencimento, de cerca de €2400, valor ao qual acresce a remuneração auferida pela prestação de serviços médico-cirúrgicos realizados no ..., que varia entre os €1000 e os €1500. O arguido destaca como principais encargos fixos os que provêm das propinas dos estabelecimentos de ensino superior frequentados pelos filhos, que totalizam cerca de €400, e do fornecimento de serviços domésticos básicos;

23. O processo desenvolvimental de BB decorreu no seio da família de origem, composta pelos progenitores e irmã mais velha, residente na .... O processo educativo da arguida decorreu sem registos de disrupção, tendo concluído o 12º ano de escolaridade, sem retenções, e ingressado na licenciatura em Medicina, na Universidade ..., que concluiu nos 6 anos previstos do curso. Terminada a licenciatura integrou a especialização em … e Cirurgia Vascular, com duração de 6 anos, encontrando-se em fase de conclusão da mesma. À data dos factos pelos quais vem acusada, BB encontrava-se no primeiro ano de formação da especialidade médica, a decorrer no Hospital ..., ..., no âmbito da qual efetuava então estágio na área de Cirurgia Geral. Neste período a arguida residia sozinha em apartamento arrendado na cidade ..., subsistindo dos rendimentos do seu trabalho. Presentemente, BB encontra-se a trabalhar como médica interna no Hospital ..., tendo finalizado a sua especialização em … e Cirurgia Vascular. A arguida reside em apartamento arrendado, tipologia 1, com condições de habitabilidade, localizado em zona residencial com baixa incidência de problemáticas sociais e/ou criminais. BB subsiste dos rendimentos do seu trabalho, na ordem dos 1790 euros líquidos, apresenta como principais despesas fixas mensais os encargos com a renda da habitação, 450 euros, fornecimento de eletricidade, gás e água, cerca de 50 euros, serviços de internet e comunicações, cerca de 40 euros, telecomunicações, 11 euros, e alimentação, avaliando a sua situação económica como equilibrada. A arguida ocupa o seu quotidiano com a atividade profissional, referindo que nos tempos livres aprecia ler, fazer desporto e conviver com família e amigos. É descrita pelas fontes contatadas como uma pessoa investida profissionalmente, responsável e humilde, beneficiando de uma imagem positiva nos diferentes contextos em que integra;

24. CC é a única descendente dos progenitores e cresceu numa estrutura familiar normativa e socialmente ajustada. O pai, ... de vendas e a mãe …, ambos no setor têxtil, garantiram à descendente a resposta às suas necessidades materiais de forma contida, mas sem especiais constrangimentos económicos. Integra atualmente o agregado de origem, residente em habitação própria, situada em freguesia periférica do concelho .... Vivem em casa própria, sendo reportada uma dinâmica familiar gratificante e solidária entre os seus elementos. Efetuou um percurso escolar/académico caracterizado por elevado investimento pessoal, ingressando no curso de medicina na Universidade .... Na data a que se reportam os factos, a arguida tinha iniciado o internato de especialidade – dermatovenereologia (a ...-05-2015), no Centro Hospitalar ... . Em outubro de 2020 realizou exame final de especialidade e, desde então, encontra-se a trabalhar no mesmo hospital, como médica especialista de dermatovenereologia, com contrato de trabalho a termo resolutivo, auferindo um vencimento base no valor de 1943,19€. Refere a expectativa de continuidade do exercício de funções na mesma unidade de saúde hospitalar. Socialmente CC apresenta uma inserção ajustada, mantendo convívios sociais com elementos do seu meio familiar alargado (primos), académico e profissional. São referidos sentimentos de pertença e vínculos solidários também a este nível.

25 - Sucede que porque os arguidos estavam desatentos, não observaram as regras estipuladas para a identificação do local a operar e não se certificaram do local exacto onde se encontrava o lipoma a extrair, não marcaram convenientemente o local cirúrgico apesar de, depois de ter entrado na sala para realização da cirurgia, a ofendida ter indicado o local a intervencionar e que se situava na zona lombar direita;

26 - Por não terem actuado com a cautela e o cuidado de que deviam, eram capazes e estavam obrigados, os arguidos fizeram uma incisão na área da nádega direita da ofendida, no grande glúteo superior direito e daí extraíram material que remeteram para análise, mas que não correspondia ao referido lipoma;

27 - Acontece que os arguidos não removeram o lipoma na região lombar direita que tinha determinado a realização da cirurgia e que causa dor à ofendida;

28 - Os arguidos ao realizarem o procedimento cirúrgico descrito, não actuaram com a diligência e o cuidado devidos e exigíveis a uma equipa médica e a que estavam obrigados e de que eram capazes, acautelando-se de que não procediam à incisão e remoção de material adiposo em outro local que não o cirúrgico, antes actuaram sem observar as regras de cuidado que lhe eram impostas e que o dever geral de prudência aconselha, adoptando um estado de concentração imprudente, sem prestar atenção às concretas condições em que desenvolviam o acto cirúrgico em questão, pois podiam e deviam ter previsto e evitado a realização da cirurgia em local que não o cirúrgico;

29 - Ao actuarem da forma descrita, os arguidos não observaram a atenção e o cuidado que o exercício da medicina requer, cuidado e atenção que lhes era exigível e de que eram capazes;

30 - O arguido AA, na qualidade de especialista em cirurgia geral e orientador de formação das duas arguidas, não cumpriu o dever de orientação da actuação destas, por forma a cumprirem as regras de cuidado que são impostas aquando da realização de procedimentos cirúrgicos, para evitar a realização da cirurgia em local que não o cirúrgico, confiando levianamente que tal não iria acontecer;

31 - Os arguidos agiram de forma leviana e imprudente, tendo previsto como possível que em resultado da inobservância, na íntegra, do procedimento de marcação do local cirúrgico, poderiam realizar o procedimento cirúrgico em local diferente do local cirúrgico, como fizeram, lesando a ofendida no seu corpo, mas levianamente confiaram que tal não viria a acontecer;

32 - Os arguidos sabiam que as suas condutas são proibidas e punidas por lei;

33 - Da referida intervenção médica, inútil e despropositada, em local do corpo da queixosa que não correspondia (nem corresponde) ao da situação do lipoma diagnosticado resultaram dores que ainda hoje subsistem, sofrimento absolutamente desnecessário e injustificado;

34 - O lipoma a extrair, razão primeira da intervenção cirúrgica em causa, mantém-se e necessitará de futura nova intervenção a que necessariamente a demandante se submeterá para extracção do mesmo; e

35 - A ofendida sofre de dores permanentes fruto da intervenção clínica.

2. Do direito

Longe vão os tempos de um certo sentimento de resignação por parte da comunidade em geral, de que nos dava conta Figueiredo Dias e Sinde Monteiro, num relevante e pioneiro estudo do início dos anos oitenta[1], em relação ao sofrimento de um dano, incluindo daqueles que atingem diretamente a própria pessoa e não apenas o seu património, como é o caso típico da responsabilidade médica.

Hoje a situação é totalmente diversa e a responsabilidade (civil e penal) dos médicos e de outros profissionais de saúde assume um relevo muito considerável, sendo os tribunais cada vez mais solicitados a dirimir e resolver casos sobre tal tipo de responsabilidade.

Por sua vez, os doentes estão cada vez mais informados e rejeitam a doença como uma fatalidade, exigindo altos padrões de medicina[2].

Acontece, porém, que todas as atividades humanas são passíveis de erro e a medicina não constitui exceção. A especificidade do erro, neste âmbito, reside na possibilidade de potenciar lesões na saúde e na vida dos doentes, consistindo a intervenção do Direito na salvaguarda de bens jurídicos fundamentais que possam vir a ser lesados.

Ora, a situação retratada nos autos é bem elucidativa, a este propósito, e tem essencialmente a ver com um caso de negligência médica alegadamente por parte de um médico formador, especialista em cirurgia geral e de duas médicas internas estagiárias, no tratamento de uma paciente, na decorrência de uma intervenção cirúrgica, tendo em vista a exérese de um lipoma[3], localizado na região lombar direita.

Estamos no domínio da relação entre o médico formador/ orientador de estágios - no caso o arguido AA, especialista em cirurgia geral - e as médicas em formação (médicas internas) - as arguidas BB e CC, a primeira interna de formação específica de cirurgia vascular, no 1.º ano de formação de especialidade médica, e a segunda interna de dermatologia, tendo iniciado o internato de especialidade de dermatovenereologia cerca de duas semanas antes da cirurgia em causa efetuada à ofendida.

Trata-se, como vem sendo sublinhado pela doutrina[4], de uma relação diferente da que se estabelece no exercício da medicina em equipa.

Com efeito, além da divisão horizontal de trabalho, que pressupõe a repartição do tratamento entre profissionais com um nível semelhante de conhecimentos e capacidades, ainda que com qualificações profissionais distintas, que se encontram, por conseguinte, numa posição de igualdade, existe também uma divisão vertical de trabalho[5], sempre que colaboram profissionais de saúde de diferentes áreas, que não se movem no mesmo plano no que diz respeito a conhecimentos e competências, com relações hierárquicas entre eles, que supõem o exercício de poderes de orientação e vigilância e de correlativos deveres de obediência, como é o caso paradigmático do trabalho conjunto de um cirurgião e de um médico assistente ou também de um médico formador e de um interno estagiário.

O princípio da confiança[6] que é, como se sabe, muito relevante no exercício da medicina em equipa, ou seja, na divisão horizontal de trabalho, tem, no âmbito da divisão vertical, um valor menos destacado[7], cedendo a primazia ao dever de controlo das atividades realizadas pelo médico assistente/médico interno por parte do chefe de equipa/médico orientador.

O que, naturalmente, não deixará de ter reflexos em sede da delimitação de responsabilidades.

Nesta conformidade, concretamente sobre o médico tutor impende um dever de fiscalização permanente da atuação do médico em formação, a que acrescerão ainda deveres de controlo e supervisão.

Por sua vez, sobre os médicos em formação incumbe um dever de obediência, que não sendo, obviamente, absoluto constitui, dentro do espaço de autonomia, a regra.

Significa tal, em termos práticos, que se o médico interno atuar de acordo com as instruções e ordens do médico tutor e se dessa atuação derivar uma lesão para o paciente, só o orientador da formação poderá, em princípio, ser responsabilizado por não ter cumprido o seu dever de controlo e intervenção no caso concreto.

Todavia, como alerta a doutrina mais abalizada, não está excluída, de todo, a possibilidade de o médico interno também vir a ser responsabilizado (ou até ser exclusivamente responsável) se se provar que violou o dever objetivo de cuidado que sobre ele impendia[8]. Dependerá, obviamente, das especificidades do caso concreto.

Em qualquer caso, o médico interno tem o dever de atuar de acordo com as leges artis[9].

Ora, na situação em análise, ficou provado que no dia 20/05/2015, no Centro Hospitalar ..., EPE, sito no Largo ..., daquela cidade, teve lugar, em ambulatório, e com recurso a anestesia local, uma cirurgia à ofendida DD com o objetivo de lhe extrair um lipoma, isto é, um nódulo benigno de gordura, com cerca de 3 cm, na região lombar direita.

Intervieram nessa operação o arguido AA, na qualidade de médico especialista em cirurgia geral e orientador de estágios e as arguidas BB e CC, médicas em regime de estágio.

Acabaram, contudo, por não remover o lipoma na região lombar direita, que tinha determinado a realização dessa cirurgia e que causava dor à ofendida.

Em virtude de não terem identificado e marcado convenientemente o local cirúrgico, não obstante as indicações dadas até pela ofendida, fizeram uma incisão na área da nádega direita da ofendida e daí extraíram material que remeteram para análise, mas que não correspondia ao referido lipoma.

A ofendida ficou com uma cicatriz, com 3,50 cm, no membro inferior direito e ficou com dores permanentes, fruto desta intervenção.

A intervenção realizada foi, assim, inútil e desnecessária.

Quando ao lipoma, que era para retirar, mantém-se, tendo a ofendida de ser, brevemente, submetida a nova intervenção cirúrgica.

3. Voltando-nos, agora, concretamente para os fundamentos constantes das Conclusões da Motivação apresentada pelas arguidas BB e CC, não detetamos do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum o vício da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previsto no art. 410.º n.º 2 b), do C.P.P.

Não é por aí, na verdade, que a decisão peca.

Não relevamos também muito o tribunal recorrido não ter tido em consideração o DL n.º 203/2004, de 18/08, que define o regime jurídico da formação médica, após a licenciatura em Medicina, com vista à especialização, e estabelece os princípios gerais a que deve obedecer o respetivo processo, com as alterações introduzidas pelo DL n.º 45/2009, de 13/02, dado tal diploma se limitar a estabelecer princípios gerais sobre a formação médica, que não têm um particular interesse para o sentido da decisão.

Todavia, já consideramos que o tribunal recorrido deveria ter tido em conta a circunstância das arguidas BB e CC se encontrarem numa fase muito inicial do seu internato médico, tendo as respetivas especialidades de cirurgia vascular e dermatovenereologia pouco ou nada a ver com o ato cirúrgico em questão e que atuavam, na ocasião, sob a alçada e supervisão do médico formador comum, especialista em cirurgia geral, cumprindo as instruções que este lhes dava, no decurso da intervenção.

Nesta conformidade, entendemos que nenhuma responsabilidade lhes pode ser assacada, designadamente, por violação do dever objetivo de cuidado.

Tal responsabilidade, consubstanciada no desleixo, falta de cuidado e desatenção relativamente às concretas condições em foi desenvolvido o mencionado ato cirúrgico, bem patenteados na matéria de facto dada como assente, apenas poderá ser, nas circunstâncias descritas, atribuída, em exclusividade, ao médico cirurgião formador e responsável pelo estágio das arguidas, que, além do mais, falhou também no seu dever de orientação e fiscalização do trabalho destas.

Termos em que, ainda que por razões não totalmente concordantes com as alegadas, o recurso das arguidas merece provimento.

4. Por fim, no que concerne à Motivação do recurso do arguido AA, gostaríamos de dizer o seguinte:

Consoante jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça[10], nos casos em que não esteja em causa recurso da decisão da Relação proferida em primeira instância, nem recurso direto de decisão proferida por tribunal de júri ou coletivo de primeira instância, mas sim recurso interposto de um acórdão da Relação que decidiu já recurso anterior, como é a presente situação, nada foi alterado pela Lei n.º 94/2021, de 21/12, no que respeita à (im)possibilidade de o recurso (não) poder ter os fundamentos previstos nos n.ºs 2 e 3 do art. 410.º.

Em todo o caso, sem prejuízo de discordarmos, na parte em que condena as arguidas BB e CC, sempre diremos que não se vislumbra do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugado com as regras da experiência comum, os invocados vícios do erro notório na apreciação da prova e da contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, previstos no art. 410.º n.º 2 b) e c), do C.P.P.

No que concerne à violação do dever objetivo de cuidado, reafirmamos o que já tivemos oportunidade de dizer, quando analisámos o recurso daquelas arguidas, ao atribuirmos ao arguido AA toda a responsabilidade das lesões causadas à ofendida DD, em resultado da referida intervenção cirúrgica, pois foi a sua falta de cuidado, desleixo, desatenção e omissão do dever de supervisão com que atuou, na dupla qualidade de cirurgião e formador das médicas estagiárias, que esteve na origem do insucesso da cirurgia e das ofensas causadas à integridade física daquela.

Teremos, assim, de manter a condenação do arguido AA pela prática do crime de ofensa à integridade física por negligência e, atendendo a que das Conclusões da motivação do seu recurso, não existe qualquer referência à medida concreta da pena que lhe foi aplicada pelo Tribunal da Relação do Porto, bem como à indemnização em que foi condenado a pagar à ofendida, a título de compensação dos danos não patrimoniais por esta sofridos, terão as mesmas, em consequência, de ficar intocáveis, uma vez que não fazem parte do objeto do recurso.

IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em:

a) julgar procedente o recurso das arguidas BB e CC, ainda que por fundamentos não totalmente coincidentes, e, em consequência, revogar-se, nesta parte, o acórdão recorrido, absolvendo-se as mesmas do crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148.º n.º 1, do Cód. Penal, e da indemnização a pagar à ofendida/demandante que haviam sido condenadas;           

b) julgar improcedente o recurso do arguido AA e, consequentemente, manter-se o acórdão recorrido no que se refere à condenação do mesmo pela prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência p. e p. pelo art. 148.º n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa, à taxa diária de € 12,50 (doze euros e cinquenta cêntimos), no valor total de € 1 375,00 (mil trezentos e setenta e cinco euros), bem como a pagar à ofendida/demandante a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros), a título de indemnização para compensar os danos não patrimoniais sofridos por esta, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da prolação deste acórdão e até efetivo e integral pagamento.

Custas a cargo deste último arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC.             

Lisboa, 6 de junho de 2023

(Processado e revisto pelo Relator)

Pedro Branquinho Dias (Relator)

Teresa de Almeida (Adjunta)

Ernesto Vaz Pereira (Adjunto)

Nuno Gonçalves (Presidente da Secção)

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[1] Responsabilidade médica em Portugal, BMJ 332-21.
[2] Cfr. Ana Margarida Carvalho Araújo, in O erro e a negligência médica numa perpectiva jurídico-penal, Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto, 2011, pg. 4 e ss.
[3] Trata-se de um nódulo benigno de gordura, que, normalmente, se situa debaixo da pele e que pode causar dor ou desconforto à pessoa.
[4] Sónia Fidalgo, in Responsabilidade penal por negligência no exercício da medicina em equipa, Coimbra Editora, 2008, pg. 249 e ss.
[5] Sobre a noção desta divisão de trabalho e competências, veja-se, com muito interesse, Maria Paula Ribeiro de Faria, O crime negligente – A negligência do médico, Universidade Católica Editora Porto, 2021, pg. 207 e ss.
[6] Sobre o relevo deste princípio em matéria de crimes negligentes, vide, com grande desenvolvimento, Sónia Fidalgo, in Princípio da Confiança e Crimes Negligentes, Almedina, 2019, pg. 192 e ss.
[7] Maria Paula Ribeiro de Faria, ob. cit., pg. 208.
[8] Tal poderá acontecer, como observa Sónia Fidalgo, na fase mais avançada de formação, em que o médico interno já realiza pessoalmente determinadas intervenções ou, então, nas situações em que se excede ou se desvia das tarefas que lhe foram atribuídas pelo formador.
[9] O conjunto de regras técnico-científicas e princípios profissionais que o médico tem obrigação de conhecer e utilizar, tendo em conta o estado da ciência e a situação concreta do doente.
[10] V., por todos, o acórdão de 15/2/2023, cuja relatora é a Senhora Conselheira Ana Barata Brito, Proc. n.º 7528/13.0TDLSB.L3.S1, disponível em www.dgsi.pt.