Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
471/10.7TTCSC.L1.S2
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: RIBEIRO CARDOSO
Descritores: NULIDADE DO ACÓRDÃO
DESPEDIMENTO COLETIVO
TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO
Data do Acordão: 03/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO – CONTRATO DE TRABALHO / VICISSITUDES CONTRATUAIS / TRANSMISSÃO DE EMPRESA OU ESTABELECIMENTO.
Doutrina:
-Amâncio Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9.ª Edição, p. 56;
-Joana Vasconcelos, A Transmissão da Empresa ou Estabelecimento no Código do Trabalho, Prontuário de Direito do Trabalho, Maio-Agosto de 2005, Coimbra Editora, p. 78 e 79;
-Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Volume I, p. 821;
-Maria do Rosário Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho – Parte II – Situações Laborais Individuais, 6.ª Edição, 2017, Coimbra, p. 64 e 645.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DO TRABALHO (CT): - ARTIGO N.º 285.º.
Referências Internacionais:
DIRECTIVA N.º 2001/23/CE, DO CONSELHO, DE 12-3-2001, IN JO L 82, DE 22-3-2001, HTTP://EUR-LEX.EUROPA.EU.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 05-04-1989, IN BMJ, 386.º, P. 446;
- DE 26-09-2012, PROCESSO N.º 889/03.1TTLSB.L1.S1;
- DE 04-05-2017, PROCESSO N.º 10/11.2YFLSB;
- DE 06-12-2017, PROCESSOS N.º 357/13.3TTPLD.L1.S1.
Jurisprudência Internacional:
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DA UNIÃO EUROPEIA (TJUE):


- DE 13-09-2007, PROCESSO N.º C-458/05 (AC. JOUINI), IN WWW.EUR.LEX.EUROPA.EU;
- DE 09-09-2015, PROCESSO N.º C-160/14, IN WWW.CURIA.EUROPA.EU.
Sumário :

1 - A contradição geradora de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c) do CPC verifica-se quando «os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».

2 – Para que se verifique transmissão do estabelecimento para efeitos do disposto no art. 285º do CT, é essencial que o negócio ou atividade transmitida constitua uma unidade económica autónoma na esfera do transmitente.

3 – Tendo no âmbito do despedimento coletivo por motivos estruturais, o serviço de bengaleiro do casino sido entregue a uma empresa externa que no local, para além do serviço de bengaleiro, passou a vender tabaco, livros e revistas e contratado outras pessoas para essas funções, não ocorre transmissão da unidade económica para efeitos do disposto no art. 285º do CT.

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça ([1]) ([2])

1 - RELATÓRIO

O SINDICATO DOS TRABALHADORES NA INDÚSTRIA DE HOTELARIA, TURISMO, RESTAURANTES E SIMILARES DO SUL por si e em representação de quarenta e sete dos seus associados, entre os quais AA, BB, CC, DD e EE, propuseram ação de impugnação de despedimento coletivo contra a ré FF peticionando que o despedimento coletivo seja declarado ilícito e, consequentemente, a ré condenada a reintegrá-los na categoria profissional que possuíam, sem perda de antiguidade e a pagar-lhes uma indemnização por danos morais no montante de € 25.000,00, as retribuições mensais que deixaram de auferir desde a data do despedimento até à sua reintegração na empresa nas suas funções, todas as despesas que venham a ter com a sua saúde e que fossem cobertas pelo seguro de saúde de que beneficiavam, e da parte que a ré deixou de comparticipar com a aquisição de medicamentos que venham a consumir.

Pedem, subsidiariamente, no caso de o Tribunal considerar o despedimento lícito, a condenação da ré a pagar-lhes a compensação por antiguidade nos mesmos termos em que foi calculada para os trabalhadores que aceitaram o despedimento coletivo plasmada no Plano de Apoio publicitado a 7 de janeiro de 2010 ou, subsidiariamente, a compensação prevista e calculada nos termos do disposto no artigo 366.º, n.ºs 1 e 2, do Código do Trabalho, tudo acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento.

Alegam que o procedimento do despedimento é nulo por a ré não ter negociado a reestruturação que motivou o despedimento coletivo com a Comissão de Trabalhadores e não ter auscultado previamente esta última, além de não ter obedecido a certas formalidades que indicam.

Sustentam que o critério de seleção dos trabalhadores a despedir viola tanto a justiça material como a justiça formal e que a fundamentação para o despedimento dos trabalhadores afetos ao “...” e ao “...” é manifestamente ilegal por encerrar uma transmissão de estabelecimento comercial, daí concluindo que os contratos de trabalho dos trabalhadores afetos à atividade aí desenvolvida deveriam ter transitado para o concessionário e não, como ocorre, sido substituídos por outras pessoas para fazerem as mesmas tarefas.

Invocam ainda que a fundamentação da alteração de modelo de exploração dos referidos estabelecimentos comerciais, bem como da produção de espetáculos, não veio acompanhada da demonstração de que se trata de uma opção empresarial que irá reduzir os custos.

Afirmam que a ré fundamenta o despedimento coletivo na quebra de lucros mas que tal corresponde a uma falácia, pois, na sua perspetiva, não só a ré viola os seus compromissos legais ao desinvestir no GG em prol do investimento no HH, como as suas receitas não diminuíram de 2003 para 2008 e, mesmo que tal diminuição tenha sucedido em 2009, ainda assim, obteve lucro.

Reputam também de ilícito o despedimento dos autores DD e CC por, alguns meses antes do início do processo de despedimento coletivo, terem sido transferidos para categorias e sectores nos quais não seriam afetados pelo despedimento, tendo-‑lhes sido ordenado que regressassem à categoria e sector de origem pouco tempo antes de ser anunciado o despedimento para por ele serem abrangidos.

Afirmam ainda que a ré usou o despedimento para atingir as estruturas representativas dos trabalhadores, despedindo delegados sindicais e membros da Comissão Unitária de Trabalhadores, e que estamos perante despedimentos individuais encobertos pela figura do despedimento coletivo.

Impugnam, em suma, os motivos invocados pela ré para o despedimento.

A ré contestou e, no cumprimento do disposto no artigo 156.º, n.ºs 1 a 3, do Código de Processo do Trabalho, indicou todos os trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, que oportunamente foram citados para, querendo, impugnarem o despedimento, não tendo nenhum apresentado articulado a opor-se ao mesmo.

 Na contestação a ré pugnou pela improcedência da ação e invocou a exceção de ineptidão parcial da petição inicial, a inutilidade superveniente da lide em relação ao autor II e que os autores AA e EE não tinham devolvido a compensação.

Foi elaborado o relatório pericial a que se alude no artigo 158.º do Código de Processo do Trabalho.

Na audiência preliminar foram as referidas exceções e as nulidades invocadas julgadas improcedentes.

Saneado o processo, realizou-se a audiência de discussão e julgamento e foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:

«Por todo o exposto, julgo a acção PARCIALMENTE PROCEDENTE, POR PARCIALMENTE PROVADA e, em consequência:

a) declaro ilícito somente o despedimento dos autores AA, BB, JJ, CC e DD por parte da empregadora FF, S.A. e, consequentemente, condeno a segunda a reintegrá-los no respectivo posto de trabalho;

b) condeno a ré a pagar ao autor AA as retribuições que este terá deixado de auferir desde 21 de Junho de 2010 até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial, no valor mensal de € 1.161,50, que, na data de hoje, perfazem o total de € 75.497,50, acrescidas de subsídios de férias e de Natal e sem prejuízo de (futuras) alterações da remuneração estipuladas ou a estipular através de diploma legal ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, subtraindo-se a estas quantias o valor da retribuição que a primeira lhe pagar a partir da reintegração no seu posto de trabalho;

c) condeno a ré a pagar ao autor BB as retribuições que este terá deixado de auferir desde 21 de Junho de 2010 até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial, no valor mensal de € 1.301,50 (=€ 1.112,00 + € 38,20 + € 151,30), que, na data de hoje, perfazem o total de € 84.597,50, acrescidas de subsídios de férias e de Natal e sem prejuízo de (futuras) alterações da remuneração estipuladas ou a estipular através de diploma legal ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, subtraindo-se a estas quantias o valor da retribuição que a primeira lhe pagar a partir da reintegração no seu posto de trabalho;

d) condeno a ré a pagar ao autor JJ as retribuições que este terá deixado de auferir desde 21 de Junho de 2010 até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial, no valor mensal de € 1.281,84 (=€ 1.059,00 + € 146,44 + € 76,40), que, na data de hoje, perfazem o total de € 83.319,60, acrescidas de subsídios de férias e de Natal e sem prejuízo de (futuras) alterações da remuneração estipuladas ou a estipular através de diploma legal ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, subtraindo-se a estas quantias o valor da retribuição que a primeira lhe pagar a partir da reintegração no seu posto de trabalho;

e) condeno a ré a pagar ao autor CC as retribuições que este terá deixado de auferir desde 21 de Junho de 2010 até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial, no valor mensal de € 1.805,00, que, na data de hoje, perfazem o total de € 117.325,00, acrescidas de subsídios de férias e de Natal e sem prejuízo de (futuras) alterações da remuneração estipuladas ou a estipular através de diploma legal ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, subtraindo-se a estas quantias o valor da retribuição que a primeira lhe pagar a partir da reintegração no seu posto de trabalho;

f) condeno a ré a pagar ao autor DD as retribuições que este terá deixado de auferir desde 21 de Junho de 2010 até ao trânsito em julgado da presente decisão judicial, no valor mensal de € 1.470,18 (=€ 1.059,00+€ 146,44 + € 76,40), que, na data de hoje, perfazem o total de € 95.561,70, acrescidas de subsídios de férias e de Natal e sem prejuízo de (futuras) alterações da remuneração estipuladas ou a estipular através de diploma legal ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aplicável, subtraindo-se a estas quantias o valor da retribuição que a primeira lhe pagar a partir da reintegração no seu posto de trabalho;

g) às quantias a que se alude de b) a f) deverão deduzir-se as importâncias plasmadas nas alíneas a), e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho, a liquidar em incidente ulterior — na falta de acordo das partes quanto às mesmas —, sendo a Segurança Social credora da ré relativamente ao montante que os autores tenham recebido a título de subsídio de desemprego por via desta cessação do contrato de trabalho;

h) a estas quantias acrescem juros de mora vencidos desde a data do vencimento de cada prestação intercalar até efectivo e integral pagamento, à taxa legal a que alude o artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil, que, actualmente, é de 4%;

i) declaro lícito o despedimento colectivo dos restantes autores;

j) condeno a ré a pagar ao autor KK a compensação de € 27.221,86;

k) condeno a ré a pagar ao autor LL a compensação de € 40.467,35;

l) condeno a ré a pagar ao autor MM a compensação de € 8.419,60;

m) condeno a ré a pagar ao autor NN a compensação de € 15.292,91;

n) condeno a ré a pagar ao autor OO a compensação de € 12.291,02;

o) condeno a ré a pagar ao autor PP a compensação de € 12.375,75;

p) condeno a ré a pagar ao autor QQ a compensação de € 13.236,43;

q) condeno a ré a pagar ao autor RR a compensação de € 15.684,86;

r) condeno a ré a pagar ao autor SS a compensação de € 9.397,67;

s) condeno a ré a pagar ao autor TT a compensação de € 15.037,97;

t) condeno a ré a pagar ao autor UU a compensação de € 15.292,91;

u) condeno a ré a pagar ao autor VV a compensação de € 42.477,91;

v) condeno a ré a pagar ao autor XX a compensação de € 36.606,95;

w) condeno a ré a pagar ao autor ZZ a compensação de € 30.925,24;

x) condeno a ré a pagar à autora AAA a compensação de € 28.567,29;

y) condeno a ré a pagar à autora BBB a compensação de € 10.809,83;

z) condeno a ré a pagar à autora CCC a compensação de € 20.272,25;

aa) condeno a ré a pagar à autora DDD a compensação de € 22.083,07;

bb) condeno a ré a pagar à autora EEE a compensação de € 20.667,12;

cc) condeno a ré a pagar à autora EE a compensação de € 6.726,35;

dd) condeno a ré a pagar à autora FFF a compensação de € 5.512,80;

ee) condeno a ré a pagar à autora GGG a compensação de € 33.693,44:

ff) condeno a ré a pagar ao autor HHH a compensação de € 38.861,39;

gg) condeno a ré a pagar ao autor III a compensação de € 28.269,41;

hh) condeno a ré a pagar ao autor JJJ a compensação de € 41.281,63;

ii) condeno a ré a pagar ao autor KKK a compensação de € 47.617,86;

jj) condeno a ré a pagar ao autor LLL a compensação de € 55.868,30;

kk) condeno a ré a pagar ao autor MMM a compensação de € 47.146,43;

ll) condeno a ré a pagar ao autor NNN a compensação de € 35.688,04;

mm) condeno a ré a pagar ao autor OOO a compensação de € 45.617,86;

nn) condeno a ré a pagar ao autor PPP a compensação de € 41.263,73;

oo) condeno a ré a pagar ao autor QQQ a compensação de € 8.257,45;

pp) condeno a ré a pagar à autora RRR a compensação de € 18.449,26;

qq) condeno a ré a pagar ao autor SSS a compensação de € 8.931,78;

rr) condeno a ré a pagar ao autor TTT a compensação de € 12.690,94.

Custas pelos autores/trabalhadores, com excepção dos autores AA, BB, JJ, CC e DD cuja responsabilidade pelas custas é da ré/empregadora — artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Novo Código de Processo Civil.»

Inconformadas apelaram a A. EE e a Ré FF, S.A., tendo sido proferida a seguinte deliberação:

«Julgar procedente o recurso interposto pela A. EE, declarando ilícito o respectivo despedimento pela FF, S.A. e condenando, consequentemente, esta a reintegrá-la sem prejuízo da categoria e antiguidade e a pagar-‑lhe as retribuições (incluindo as parcelas atinentes a acréscimo por trabalho nocturno e o chamado prémio de línguas) vencidas desde o 30º dia anterior à propositura da acção, ou seja, desde 21/6/2010 até à data do trânsito em julgado desta decisão, a que serão deduzidas as importâncias que a A. auferiu com a cessação do contrato e que não receberia se não fosse o despedimento, mormente de subsídio de desemprego, a entregar pela empregadora à Segurança Social, cujo apuramento se relega para momento ulterior, a que acrescem juros de mora à taxa supletiva global desde a data de vencimento de cada prestação até integral pagamento e absolvendo a R. do demais peticionado.

- Julgar improcedente o recurso da R. confirmando quanto a ele a sentença recorrida.

Custas do recurso da A. por ambas as partes, na proporção do decaimento e do recurso da R. pela recorrente.».

Desta deliberação e limitada à A. EE, recorre agora de revista a Ré, arguindo a nulidade do acórdão por oposição entre os fundamentos e a decisão e impetrando a sua revogação e consequente substituição “por outro que julgue lícito o despedimento da Recorrida”.

A recorrida não contra-alegou.

O Tribunal da Relação deliberou julgar improcedente a invocada nulidade do acórdão.

Cumprido o disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, o Exmº Procurador-Geral-‑Adjunto emitiu douto parecer no sentido da improcedência da nulidade invocada e da negação da revista.

Notificadas as partes, respondeu a recorrente e no sentido que defendera nas alegações e da concessão da revista.

Formulou a recorrente as seguintes conclusões, as quais, como se sabe, delimitam o objeto do recurso ([3]) e, consequentemente, o âmbito do conhecimento deste tribunal:

”1.º O acórdão recorrido decidiu pela ilicitude do despedimento da Recorrida com base na transmissão de parte do estabelecimento comercial da Recorrente, onde esta desempenhava a sua atividade, o que apenas se equaciona por dever de patrocínio, nunca concedendo;

2.º O acórdão recorrido não poderia ter considerado existir uma transmissão de parte do estabelecimento comercial da Recorrente para uma terceira entidade - onde a Recorrida exercia a sua atividade de guarda-vestiários - e, simultaneamente, ter condenado a Recorrente a reintegrar a Recorrida;

3.º O acórdão recorrido padece, pois de manifesta nulidade, porquanto encerra em si uma contradição insanável;

4.º Na verdade, a transmissão dos vínculos laborais opera ope legis com a consequente assunção pelo transmissário da posição de empregador nos contratos de trabalho existentes aquando da transmissão, tudo se passando como se a Recorrida não tivesse sido despedida, transitando o seu vínculo contratual para a esfera jurídica do transmissário;

5.º Não poderia, pois, a Recorrente ser condenada a reintegrar a Recorrida porquanto, por um lado, a posição jurídica de empregador foi transmitida para o transmissário e, por outro, ainda que tal não fosse assim, a Recorrente (já) não dispõe de posto de trabalho compatível com as funções de guarda-vestiários ou outro similar que pudesse ser ocupado pela Recorrida;

6.º Os fundamentos do acórdão recorrido estão em oposição com a decisão de reintegração da Recorrida, ou, no limite, sempre teria de se entender que existe uma ambiguidade ou obscuridade que torna a decisão ininteligível;

7.º A decisão padece, pois, de nulidade, nos termos e para os efeitos do artigo 615.º, n.º 1, al. c), do CPC (aplicável ex vi do artigo 666.º do CPC);

8.º Em consequência, deverá ser anulado e reformado o acórdão da Relação, nos termos e para os efeitos do artigo 684º, n.º 2 do CPC;

9.º Declarada a nulidade, deverá mandar-se baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada, expurgando-se tal contradição;

10.º Ainda que não se entenda ser procedente a nulidade apontada - o que apenas se equaciona por cautela de patrocínio, sem conceder - tendo em consideração o entendimento plasmado no acórdão recorrido de que existiu uma transmissão de parte do estabelecimento comercial ou unidade de negócio - sempre se dirá que existiu erro de julgamento por parte do Tribunal a quo, pelos mesmos motivos supra indicados;

11.º Resulta da factualidade provada, que a FF, S.A. decidiu externalizar a atividade de bengaleiro, encontrando-se, à data, a ser assegurada por outra empresa, a qual passou a explorar, no mesmo local, uma tabacaria, vendendo por sua conta e risco, e em seu nome, num dos bengaleiros, além de tabaco, revistas e jornais, (cf. ponto n.º 285 dos factos provados);

12.º A Recorrente não pode reintegrar a trabalhadora, na medida em que com a externalização dos bengaleiros, deixou de ter posto de trabalho compatível com a função exercida pela Recorrida;

13.º Consequentemente, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, rectius de aplicação do direito, nos termos e para os efeitos do artigo 674.º, n.º 1, alínea a) do CPC, porquanto reconheceu ter havido transferência de parte da empresa e simultaneamente condenou a Recorrente na reintegração da recorrida, violando assim o disposto no artigo 285.º, n.º s 1 e 3 do CT;

14.º Acresce que tão-pouco poderá ser procedente a ilicitude do despedimento da Recorrida;

15.º Conforme resulta dos próprios autos, o despedimento coletivo promovido pela Ré traduziu-se na cessação de 112 contratos de trabalho e abrangeu, em maior ou menor grau, diversos setores/áreas do GG e dos Serviços Partilhados da Empresa, tendo tido por fundamento uma redução de pessoal assente em motivos estruturais, tecnológicos e de mercado, nos termos previstos no artigo 359.º do CT;

16.º Nesse âmbito, a Recorrente decidiu deixar de assegurar a atividade de apoio ao bengaleiro em todo o GG, com a consequente extinção de todos os postos de guarda-vestiários;

17.º Verificou-se uma significativa redução do número de entradas no GG e, consequentemente, da procura dos serviços de bengaleiro, o que motivou a necessidade de reequacionar formas mais adequadas e eficientes de assegurar o serviço de recolha e entrega aos clientes dos seus objetos pessoais;

18.º A Recorrente decidiu, assim, à semelhança, aliás, do que decidiu também para o HH, externalizar esta atividade a uma entidade que se propôs a explorar a tabacaria, tendo realizado, para o efeito, obras de adaptação nos bengaleiros por forma a acolher a atividade de tabacaria (venda de revistas, tabaco, jornais...) e o serviço de recolha e entrega aos clientes dos seus objetos pessoais;

19.º Nessa medida, a entidade concessionária da atividade de tabacaria assegura, a título acessório, a atividade de recolha e entrega aos clientes do Casino dos seus objetos pessoais, tendo, para o efeito, contratado os meios técnicos e humanos que considerou adequados para tal fim;

20.º Foi neste âmbito que se tornou necessário proceder ao despedimento efetivo da Recorrida, porquanto na atual organização empresarial da Recorrente, tornou-se desnecessária a prestação laboral das trabalhadoras que exerciam as funções de guarda-‑vestiários;

21.º A causa na qual a Recorrida se fundou para pedir a ilicitude do despedimento, assenta na existência de uma suposta transmissão de estabelecimento - algo que foi profícua a detetar, pese embora o faça, salvo o devido respeito, sem qualquer fundamento;

22.º A Recorrida não identificou minimamente qualquer conjunto organizado de meios com o objetivo de prosseguir uma atividade económica que tenha sido transmitido pela Recorrente, limitando-se a invocar, sem mais, a existência de uma putativa transmissão de estabelecimento;

23.º Sem prejuízo da manifesta e já apontada contradição entre o pedido e causa de pedir (transmissão do vínculo laboral para o cessionário, mas reintegração no cedente...), a total ausência de fundamento de semelhante invocação é evidente, pois estava em causa um mero serviço de recolha e entrega de objetos pessoais disponibilizado gratuitamente aos clientes do Casino, não existindo assim qualquer atividade económica;

24.º Nos termos supra desenvolvidos, tal serviço passou a ser assegurado pela entidade concessionária da atividade de tabacaria através dos meios técnicos e humanos próprios, que considerou adequados para tal fim, com a consequente extinção do posto de trabalho anteriormente ocupado pela Recorrida;

25.º A sentença do Tribunal de 1.ª instância é irrepreensível na parte que decidiu verificar-se o nexo causal entre o motivo estrutural de entregar a uma empresa externa a exploração, por sua conta e risco, do espaço onde se localizava o bengaleiro e o despedimento da Recorrida;

26.º Conforme o Tribunal a quo refere, a decisão de restruturar a empresa reduzindo postos de trabalho através da eliminação de serviços, com a respetiva concessão em outsourcing a outra empresa, é uma decisão de gestão compreendida na liberdade de iniciativa económica, a qual se pauta por critérios de racionalidade que não cabe ao tribunal sindicar;

27.º Houve uma evidente alteração das funções desempenhadas pelas pessoas que passaram a exercer funções nos bengaleiros, face às funções que desempenhavam as guarda-vestiários quando os bengaleiros eram explorados pela Recorrente, pelo que não se pode considerar ter havido a transmissão de parte de estabelecimento ou de unidade económica;

28.º Porquanto, as guarda-vestiários tinham como função receber, guardar e devolver artigos deixados pelos clientes, prestando ocasionalmente, informações;

29.º Acresce que, os locais onde outrora funcionavam os bengaleiros, sofreram obras de remodelação, por forma a tornar possível a atividade de tabacaria/papelaria - a atual e principal atividade que ali agora se desenvolve e que, sublinhe-se, nunca foi desempenhada pela Recorrente -, o que conduziu à alteração da "identidade" do anterior serviço de bengaleiro, bem como da sua clientela;

30.º Nem tão-pouco as trabalhadoras que ali desempenhavam a função de guarda-vestiários foram recontratadas pelo novo concessionário;

31.º Após o despedimento coletivo, nos espaços dos bengaleiros - os quais foram aumentados após as supra referidas obras de adaptação - continuaram a fazer-se as funções próprias de um bengaleiro;

32.º Mas não é menos evidente que a estrutura organizativa que as assegurava se alterou radicalmente: passou a ser uma empresa externa, com quadro de pessoal próprio, que cumulava com as funções de bengaleiro as funções próprias de uma tabacaria/papelaria, como pequenas transações comerciais de publicações, tabacos e outros artigos, envolvendo dinheiro, gestão de stocks, etc... e, assim, outro tipo de responsabilidades;

33.º Na ótica da empresa que passou a explorar os espaços antes afetos à atividade de bengaleiro, as tarefas de entrega e recolha de casacos/pertences dos clientes, passaram a ser manifestamente acessórias à atividade comercial própria de uma tabacaria/papelaria que aí passou a ser desenvolvida;

34.º As tarefas de entrega e recolha de casacos e pertences não têm autonomia funcional, muito menos, económica, que justifique a sua subsunção na figura do estabelecimento comercial, e, consequentemente, a sua exploração por uma empresa externa que tem como escopo o lucro;

35.º Neste particular caberá repetir-se que a Recorrida nunca concretizou, - conforme lhe competia -, com o grau de certeza e rigor que a lei exige, os elementos que permitissem identificar o estabelecimento ou a unidade económica que tivesse sido objeto de transmissão, simplesmente porque tal não ocorreu (aliás, não tinha forma de o fazer dado que não estávamos perante parte de estabelecimento comercial ou unidade económica);

36.º De todo o modo, caberá repetir que caso tivesse existido uma efetiva transmissão do estabelecimento, o que apenas se admite por mera cautela de patrocínio sem conceder, verificar-se-ia, do mesmo modo, a transmissão do vínculo laboral para o transmissário;

37.º Sucede que, não consta que a Recorrida alguma vez tenha invocado tal prerrogativa junto do putativo transmissário, ou sequer tenha manifestado vontade em ser integrada nesse putativo estabelecimento;

38.º Face ao exposto, andou mal o Tribunal a quo ao concluir pela transferência de parte da empresa ou de estabelecimento comercial, tendo violado o disposto no artigo 285.º, n.º 1 e 3 do CT, razão pela qual deve ser revogado e substituído o acórdão recorrido por outro que julgue lícito o despedimento da Recorrida.”

2 – ENQUADRAMENTO JURÍDICO ADJETIVO

Os presentes autos respeitam a ação especial de despedimento coletivo e foram instaurados em 21 de julho de 2010.

O acórdão recorrido foi proferido em 13 de setembro de 2017.

Assim sendo, são aplicáveis:

- O Código de Processo Civil (CPC) na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho;

- O Código de Processo do Trabalho (CPT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de novembro, e alterado pelos Decretos-Leis n.ºs 323/2001, de 17 de dezembro, 38/2003, de 8 de março, 295/2009, de 13 de outubro, que o republicou, e Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto.

3 - ÂMBITO DO RECURSO – DELIMITAÇÃO

Face às conclusões formuladas, as questões submetidas à nossa apreciação consistem em saber:

1 – Se o acórdão é nulo, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão;

2 – Se o despedimento da recorrida deve ser considerado lícito.

4 - FUNDAMENTAÇÃO

4.1 - OS FACTOS

A matéria de facto julgada provada pelas instâncias é a seguinte (consigna-‑se apenas a factualidade de alguma forma relacionada com a recorrida):

“1. A ré tem como objecto social a exploração de jogos de fortuna ou azar nos locais permitidos por lei, através dos meios, formas e condições aí previstos.

2. Pode ainda prosseguir a exploração dos ramos de turismo, hotelaria, restauração e animação, bem como a prestação de serviços de consultadoria nessas áreas de actividade.

3. A ré, por escrito datado de 07 de Janeiro de 2010, comunicou à Comissão Unitária de Trabalhadores a intenção de proceder a um despedimento colectivo que abrangeria 113 trabalhadores nos quais se incluíam os autores […].

4. Todos os autores receberam pré-aviso de despedimento, datado de 11 de Fevereiro de 2010, em período inferior a quinze dias após essa data.

[…]

6. À data da comunicação do despedimento colectivo, os GG e o HH tinham os seguintes serviços partilhados, sediados nas instalações do primeiro:

•            Centro Corporativo (Administração e respectivo staff);

•            Direcção Administrativa e Financeira;

•            Direcção dos Serviços Jurídicos;

•            Direcção de Compras;

•            Direcção de Planeamento e Controlo de Gestão;

•            Direcção de Saúde e Higiene e Segurança;

•            Direcção dos Serviços Técnicos e Manutenção.

7. E a actividade do GG assentava na seguinte organização:

•            Direcção de Jogo, que se desdobra nas áreas dos “Jogos Tradicionais”, “Jogos de Máquinas”, “CCTV” e “SIM”;

•            Direcção Geral de Operações que se desdobra na “Direcção de Relações Públicas”, na “Direcção de …”, no “Departamento dos Serviços Técnicos e Manutenção”, na “Direcção Comercial”, na “Área de Animação”, nos “Serviços de Segurança”, e na “Área de Marketing e Publicidade”

[…]

63. Ao “guarda vestiário” compete receber, guardar e devolver artigos deixados pelos clientes e executar tarefas de apoio a clientes.

[…]

107. A “Direcção de Relações Públicas” desenvolve actividades relacionadas com o acolhimento e acompanhamento dos clientes, recepção e parqueamento de automóveis, serviço de bengaleiro, no qual são recolhidos objectos e pertences pessoais, serviço de portaria à entrada do “...”, distribuição de correio interno e objectos entre secções e central telefónica do GG e HH Lisboa.

108. À data da comunicação do pré-aviso de despedimento colectivo, no que ora releva, trabalhavam para a ré, sob a sua autoridade, direcção e fiscalização, no GG, na “Direcção de Relações Públicas”, no que concerne à recepção e parqueamento de automóveis, 6 “trintanários”, no que respeita à portaria do “...”, 2 “porteiros de restaurante e similares” e, no bengaleiro, 6 “guardas-vestiário”.

[…]

172. (…) EE (…) foi admitida ao serviço da ré [em] Outubro de 2001 como guarda vestiário, no bengaleiro, para trabalhar sob a sua autoridade, direcção e fiscalização.

173. EE estava grávida à data do despedimento.

(…)

175. À data do despedimento, EE auferia o vencimento mensal ilíquido de € 786,00, acrescido de subsídio de alimentação no valor de € 138,40, da quantia de € 220,16, a título de trabalho nocturno e de € 76,49 de prémio de línguas.

[…]

224. No despedimento de (entre outras) autoras EE plasmado nos documentos de fls. 509 a 520 dos autos principais e 211 a 213 do apenso A, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, consta como “motivos de redução” «A Empresa decidiu ainda deixar de assegurar serviços de porteiro do ..., bem como a actividade de apoio ao bengaleiro em todo o GG, com a consequente extinção de todos os postos de trabalho de porteiro de restaurante e guarda vestiário. (…)

No que concerne aos serviços de bengaleiro, a empresa decidiu que deixará igualmente de assegurar esse serviço, passando o mesmo a ser assegurado por uma empresa externa.

(…)

Assim, a entidade concessionária da actividade de tabacaria irá igualmente assegurar a actividade de recolha e entrega aos clientes do Casino dos seus objectos pessoais, devendo, para o efeito, contratar os meios técnicos e humanos que considerar adequados para tal fim.»

225. Consta ainda como “critérios de selecção dos trabalhadores a despedir” — cf. fls. 214 do apenso A, que aqui se dá por integralmente reproduzida — «Neste sector, e em conformidade com o anteriormente exposto, o critério de selecção traduz-se na identificação de todos os trabalhadores que ocupem os postos de trabalho de porteiro de restaurante (...) e guarda vestiário (Bengaleiro).».

(…).

237. De forma autorizada pelo Estado Português, a ré é concessionária do exclusivo de exploração do jogo de fortuna e azar na Zona Permanente do …, detendo e explorando o GG desde 2002 e o HH Lisboa desde 2006, terminando a concessão, em ambos os casos, a 31 de Dezembro de 2020.

238. No cumprimento do contrato de concessão da exploração de jogos de fortuna ou azar de jogo permanente no …., celebrado a 14 de Dezembro de 2001, a ré pagou ao Estado Português a quantia de € 98.761.983,62, encontrando-se adstrita a pagar, anualmente, o montante de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no GG.

239. Com a autorização para exercer a exploração de jogos em dois casinos — GG e HH -, a ré, além de ter tido de assegurar a construção do HH—, pagou ao Estado Português a quantia de € 30.000.000,00, encontrando-se adstrita a pagar, anualmente, o montante de 50% das receitas brutas declaradas dos jogos explorados no HH.

240. A 31 de Dezembro de 2009, a ré devia à Banca cerca de € 116.280.000,00 a título de capital.

241. O que implica pagar, anualmente, à Banca cerca de 10 milhões de Euros de capital acrescido de juros.

242. No ano de 2008, as receitas brutas de jogo, no GG, foram de € 95.821.074,40 e, no HH, de € 97.361.750,91.

243. Dos quais € 17.656.568,50 e € 18.746.281,00 correspondem a “jogos bancados” e os restantes € 78.164.505,90 e € 78.615.469,91 a máquinas de jogo, respectivamente.

244. No ano de 2009, foram, respectivamente, somente de € 84.508.288,05 e de € 89.892.843,18.

245. Dos quais € 15.549.753,00 e € 14.820.851,50 correspondem a “jogos bancados” e os restantes € 68.958.535,05 e € 75.071.991,68 a máquinas de jogo, respectivamente.

246. Por seu turno, no ano de 2008, as receitas líquidas de jogo foram, no GG, de € 47.910.537,20 e, no HH, de € 48.680.875,46.

247. Dos quais € 8.828.284,25 e € 9.373.140,50 correspondem a “jogos bancados” e os restantes € 39.082.252,95 e € 39.307.734,96 a máquinas automáticas de jogo, respectivamente.

248. Ao passo que, no ano de 2009, foram somente de € 42.254.144,03 e de € 44.946.421,59, respectivamente.

249. Dos quais € 7.774.876,50 e € 7.410.425,75 correspondem a “jogos bancados” e os restantes € 34.479.267,53 e € 37.535.995,84 a máquinas automáticas de jogo, respectivamente.

250. No ano de 2008, no GG, os custos com pessoal foram de €22.731.952,00.

251. Nos quais se inclui os salários de Administradores e Directores comuns aos 2 casinos.

252. Dos quais € 11.322.854,00 correspondem a custos com pessoal das áreas de jogo.

253. E € 4.716.186,00 correspondem a custos com pessoal das áreas de “…”.

254. Já no ano de 2009 os custos com pessoal foram de € 19.945.563,00.

255. Nos quais se inclui os salários de Administradores e Directores comuns aos 2 casinos.

256. Dos quais € 10.311.699,00 correspondem a custos com pessoal das áreas de jogo.

257. E € 4.294.165,00 correspondem a custos com pessoal das áreas de “…”.

258. No ano de 2008, no HH, os custos com pessoal foram de € 11.750.345,00.

259. Nos quais se inclui os salários de Administradores e Directores comuns aos 2 casinos.

260. Dos quais € 8.181.437,00 correspondem a custos com pessoal das áreas de jogo.

261. Já no ano de 2009, os custos com pessoal foram de € 10.540.080,00.

262. Dos quais € 7.284.343,00 correspondem a custos com pessoal das áreas de jogo.

[…]

264. Desde 2006 a 2009, inclusive, o número de jogadores que aflui à sala de máquinas de jogo do GG diminuiu.

[…]

278. Em 2005, entraram um total de 152.819 de jogadores/clientes na Sala de Jogos Tradicionais; em 2006, entraram um total de 90.413; em 2007, um total de 76.442; em 2008, um total de 77.472; e, em 2009, até Novembro, um total de 56.417.

[…]

285. Em 2010, o serviço dos dois bengaleiros existentes no GG passou a ser prestado por uma empresa externa à ré que, simultaneamente, passou a explorar, no mesmo local, uma tabacaria, vendendo, por sua conta e risco, e em seu nome, num dos bengaleiros, além de tabaco, revistas e jornais.

286. Após o despedimento, as pessoas que passaram a exercer funções nos bengaleiros eram contratadas por essa empresa externa e não usavam qualquer farda, contrastando com o que sucedia antes do despedimento.

[…]

385. Não houve contratações de trabalhadores para as funções das categorias dos trabalhadores abrangidos pelo despedimento, para além das referidas na factualidade provada, que não fossem para substituir trabalhadores ausentes por doença no GG e no HH — cf. fichas de pessoal de fls. 2527 a 2659 e 2661 a 2947, que aqui se dão por integralmente reproduzidas.”

4.2 - O DIREITO

Vejamos então as referidas questões que constituem o objeto do recurso, mas não sem que antes se esclareça que este tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações e conclusões, mas apenas as questões suscitadas ([4]).

4.2.1 – Se o acórdão é nulo, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, al. c), do CPC, por contradição entre os fundamentos e a decisão.

A ré FF arguiu a nulidade do acórdão, nos termos do art.º 615.º n.º 1 al. c), do CPC, invocando a contradição insanável entre os fundamentos e a decisão e ambiguidade nos seus termos, porquanto, tendo-se considerado ter existido a transmissão de uma parte do estabelecimento, com a consequente transmissão ope legis do contrato da recorrida EE, não poderia ter-se condenado a recorrente a reintegrá-la, porquanto deixou de ter posto de trabalho compatível.

Vejamos.

Para que ocorra a invocada nulidade é necessário que se verifique oposição entre os fundamentos e a decisão e não entre os factos e a decisão, caso em que ocorrerá erro de julgamento e não nulidade da sentença.

Ou seja, a nulidade apontada pela recorrente ao acórdão recorrido respeita apenas à situação em que os fundamentos do acórdão devessem conduzir lógica e necessariamente a uma decisão de mérito diversa da que foi expressa no dispositivo, isto é, quando os fundamentos estão em contradição com a decisão de mérito.

Como escreve Amâncio Ferreira ([5]) «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento». A contradição geradora de nulidade verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente».

Visto o acórdão revidendo constata-se que, em momento algum, o Tribunal da Relação afirma que o contrato da autora se transmitiu para a empresa cessionária.

O que, na verdade, afirma, é que o fundamento invocado para o despedimento da recorrida não é válido por não se verificar nexo de causalidade entre o motivo estrutural invocado e o despedimento, porque se tratava de uma situação em que devia operar ope legis a transmissão da posição contratual.

Pode efetivamente ler-se no acórdão o seguinte:

«Daí que, salvo o devido respeito pela posição do Exº Sr. Juiz, não nos pareça suficiente a factualidade apurada para alicerçar o juízo sobre a verificação de um nexo causal entre o motivo estrutural de entregar a uma empresa externa o serviço desempenhado nos bengaleiros e o despedimento das guarda-vestiários que nesse serviço trabalhavam, designadamente da A. ora recorrente.

Precisamente porque a situação era uma daquelas em que devia operar ope legis a transmissão da posição contratual de empregador para a entidade que passou a explorar os bengaleiros e a norma do art. 285º é oponível tanto ao transmitente, como ao transmissário, impondo-se aos próprios trabalhadores, os elementos trazidos aos autos pela R. não permitem, a nosso ver, considerar que a concessão da exploração a uma outra empresa seja por si só e em termos de razoabilidade causa adequada a justificar o despedimento da A.» (sublinhado nosso).

E mais adiante:

«(…) embora a decisão de reestruturar a empresa, reduzindo postos de trabalho através da eliminação de serviços, com a respectiva concessão em outsourcing a outra empresa seja uma decisão de gestão que releva da liberdade de empresa e que se pauta por critérios de racionalidade económica que não cabe ao tribunal sindicar, na parte em que cabe avaliar se existe nexo de causalidade entre essa medida de extinção de um serviço e o concreto despedimento dos trabalhadores que integravam tal serviço, ou seja se a referida medida é, segundo juízos de razoabilidade, idónea e adequada a determinar a extinção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que desenvolviam a sua actividade nesse serviço, maxime da A. EE, ora recorrente, a nossa resposta é negativa, na medida em que por força do preceituado pelo art. 285º nº 1 e 3 do CT, se trata de uma situação em que se impunha legalmente a transmissão dos vínculos laborais com a assunção pelo novo concessionário da posição de empregador nos contratos de trabalho.» (Sublinhado nosso).

E conhecendo da invocada nulidade, referiu a Relação:

«Analisando, no âmbito de um processo de impugnação de despedimento colectivo, se o fundamento invocado para o despedimento era válido, chegámos à conclusão que não o era por, em nosso entender, não se verificar nexo de causalidade entre o motivo estrutural invocado e o despedimento, porque se tratava de uma situação em que devia operar ope legis a transmissão da posição contratual. Afirmámos que o contrato de trabalho deveria ter sido transmitido. Não dissemos que foi transmitido, até porque ignoramos se a cessão da exploração do serviço de bengaleiro (que considerámos idónea a integrar a previsão da transmissão de parte de empresa ou estabelecimentos para os fins do art. 285º do CT) ocorreu antes, depois ou se foi simultâneo do despedimento. A transmissão para o cessionário da posição de empregador nos contratos de trabalho só operaria ope legis se a cessão de exploração fosse anterior ou simultânea do despedimento, o que se desconhece. Sabemos sim que, de facto, não houve transmissão para o cessionário dos trabalhadores que aí exerciam actividade como guarda-‑bengaleiros. Este (o cessionário) não foi demandado e, tendo o despedimento sido considerado ilícito por improcedência do motivo invocado, era a demandada – que procedeu ao despedimento -, que teria de sofrer as consequências da ilicitude, portanto teria a R. de ser condenada, como foi, nos termos legais, sendo que na falta de opção a que se refere o art. 391º a decisão não pode deixar de ser na reintegração, conforme previsto no art. 389º nº 1 al. b), ambos do CT.»

O que estava em causa no recurso era saber se o despedimento da recorrida integrado no despedimento coletivo, era lícito ou ilícito, e não se ocorreu a efetiva transmissão do contrato para a cessionária.

Nestes termos, tendo o Tribunal da Relação concluído no sentido de que não se verificou o nexo de causalidade entre o motivo estrutural invocado para o despedimento da A., uma vez que se tratava de uma situação em que a transmissão deveria ter ocorrido, o despedimento foi considerado ilícito, com as consequências legalmente previstas.

Não ocorre, por conseguinte qualquer contradição entre os fundamentos invocados e a decisão de condenação da ré a reintegrar a autora, nem qualquer ambiguidade, nos termos conjugados dos artigos art.º 391º e art.º 389.º n.º 1 al. b), ambos do CT.

Termos em que se conclui que o acórdão revidendo não enferma da apontada nulidade.

4.2.2 – Se o despedimento da recorrida deve ser considerado lícito.

A 1.ª instância concluiu pela licitude do despedimento da autora, aduzindo, com relevo, os seguintes fundamentos:

«D.1. DA TRANSMISSÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL

Os autores em relação aos quais a ré fundamentou o seu despedimento por alteração do modelo de produção por entregar a outrem a produção de determinadas actividades, pugnam que o seu contrato de trabalho deveria ter sido transferido para a empresa de “outsourcing” em vez de terem sido despedidos.

Por secção ou estrutura equivalente entende-se uma unidade funcional dentro do organigrama da empresa — artigo 368.º, n.º 2, do Código do Trabalho —, assim, existe encerramento de uma secção ou estrutura equivalente de uma empresa a motivada em perda de postos de trabalho, nos quais os trabalhadores abrangidos pelo despedimento laboravam, se o empregador deixa de proporcionar determinados serviços por os externalizar através do outsourcing a terceiros, ficando, por conseguinte, sem actividade para dar aos seus trabalhadores nessa área.

Donde, como supra se referiu, a externalização é lícita.

A argumentação dos autores funda-se na previsão contida no artigo 318.º do Código do Trabalho por força da qual, no caso de transmissão da empresa ou estabelecimento, o empregador passa a ser o adquirente dessa unidade económica.

Ora, daqui não resulta que quem cede o estabelecimento ou parte de empresa esteja impossibilitado de invocar a referida transmissão para recorrer ao despedimento colectivo. Isto é, o citado artigo 318.º reporta-se ao adquirente e não ao transmitente. Mais, deixando a ré de explorar aquilo que cede, havendo, naturalmente, trabalhadores de quem adquire, a lei não impõe a absorção pela segunda dos trabalhadores da primeira alocados à unidade transmitida, tanto mais que, em caso de transmissão de contrato de trabalho, o trabalhador se pode opor a essa transmissão. O que a lei salvaguarda é a não perca de antiguidade e saber quem passa a ser o empregador caso se mantenham os vínculos laborais existentes em data anterior à transmissão.

Não torna, pois, ilícito o despedimento colectivo ter havido, em relação a alguns dos autores, o recurso à externalização, através do outsourcing a terceiros, de certas actividades desempenhadas por quem foi abrangido no despedimento sem que o seu contrato se tenha transmitido para esses terceiros.

Nem, por se tratar de uma opção de gestão empresarial, se impõe que na fundamentação do despedimento e no processo de impugnação da licitude do mesmo se alegue e se demonstre que a externalização traz vantagens económicas para a empresa.»

E mais à frente acrescenta:

«EEE, EE, FFFe GGG, no seu caso concreto, impugnam a licitude do seu despedimento alegando, em suma, que estranham que se extinga a “Direcção de Relações Públicas” mas se mantenha o Director, que não corresponde à realidade que o novo modelo de espectáculo torne desnecessário a existência de bengaleiros e que deveriam ter sido transferidos para a empresa externa que passou a produzir os espectáculos.

Quanto a este último fundamento o mesmo foi analisado no ponto D.1.

(…)

No despedimento das autoras EEE, EE, FFFe GGG, plasmado nos documentos de fls. 509 a 520 dos autos principais e 211 a 213 do apenso A, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, consta como “motivos de redução” «A Empresa decidiu ainda deixar de assegurar serviços de porteiro do ..., bem como a actividade de apoio ao bengaleiro em todo o GG, com a consequente extinção de todos os postos de trabalho de porteiro de restaurante e guarda vestiário. (…)

No que concerne aos serviços de bengaleiro, a empresa decidiu que deixará igualmente de assegurar esse serviço, passando o mesmo a ser assegurado por uma empresa externa.

(…)

Assim, a entidade concessionária da actividade de tabacaria irá igualmente assegurar a actividade de recolha e entrega aos clientes do Casino dos seus objectos pessoais, devendo, para o efeito, contratar os meios técnicos e humanos que considerar adequados para tal fim.»

Consta ainda como “critérios de selecção dos trabalhadores a despedir” — cf. fls. 214 do apenso A, que aqui se dá por integralmente reproduzida — «Neste sector, e em conformidade com o anteriormente exposto, o critério de selecção traduz-se na identificação de todos os trabalhadores que ocupem os postos de trabalho de porteiro de restaurante (...) e guarda vestiário (Bengaleiro).».

Em 2010, o serviço dos dois bengaleiros existentes no GG passou a ser prestado por uma empresa externa à ré que, simultaneamente, passou a explorar, no mesmo local, uma tabacaria, vendendo, por sua conta e risco, e em seu nome, num dos bengaleiros, além de tabaco, revistas e jornais.

Após despedimento, as pessoas que passaram a exercer funções nos bengaleiros eram contratadas por essa empresa externa e não usavam qualquer farda, contrastando com o que sucedia antes do despedimento.

Urge agora aplicar o Direito ao caso concreto.

A ré fundamenta o despedimento destas autoras em motivo estrutural que consistiu em entregar a função que era desempenhada no bengaleiro a uma empresa externa.

Conclui-se, portanto, que se verifica o nexo causal entre o motivo estrutural de entregar a uma empresa externa o trabalho realizado nos bengaleiros e o despedimento destas autoras, sendo o despedimento lícito.

Nem se afirme que as funcionárias que exerciam funções nos bengaleiros prestavam outras funções como prestar informações, pois essas não constituem o “core” das suas funções, como o facto não põe em causa a opção da ré de deixar de prestar por si esse serviço, preferindo entregá-lo a um terceiro.»

O Tribunal da Relação, por seu turno, concluiu no sentido da ilicitude do despedimento da autora EE.

Em síntese, considerou não se verificar um nexo causal entre o motivo estrutural de entregar a uma empresa externa o serviço desempenhado nos bengaleiros e o despedimento das guarda-vestiários que nesse serviço trabalhava, entre outras, a autora EE, e considerou que deveria ter ocorrido uma situação de transmissão de estabelecimento, em que se impunha legalmente a assunção pelo novo concessionário da posição de empregador no contrato de trabalho daquela.

E fê-lo nos seguintes termos:

«Daí que, salvo o devido respeito pela posição do Exº Sr. Juiz, não nos pareça suficiente a factualidade apurada para alicerçar o juízo sobre a verificação de um nexo causal entre o motivo estrutural de entregar a uma empresa externa o serviço desempenhado nos bengaleiros e o despedimento das guarda-vestiários que nesse serviço trabalhavam, designadamente da A. ora recorrente.

Precisamente porque a situação era uma daquelas em que devia operar ope legis a transmissão da posição contratual de empregador para a entidade que passou a explorar os bengaleiros e a norma do art. 285º é oponível tanto ao transmitente, como ao transmissário, impondo-se aos próprios trabalhadores, os elementos trazidos aos autos pela R. não permitem, a nosso ver, considerar que a concessão da exploração a uma outra empresa seja por si só e em termos de razoabilidade causa adequada a justificar o despedimento da A.

(…)

Ora, aplicando tais ensinamentos ao caso em apreço, embora a decisão de reestruturar a empresa, reduzindo postos de trabalho através da eliminação de serviços, com a respectiva concessão em outsourcing a outra empresa seja uma decisão de gestão que releva da liberdade de empresa e que se pauta por critérios de racionalidade económica que não cabe ao tribunal sindicar, na parte em que cabe avaliar se existe nexo de causalidade entre essa medida de extinção de um serviço e o concreto despedimento dos trabalhadores que integravam tal serviço, ou seja se a referida medida é, segundo juízos de razoabilidade, idónea e adequada a determinar a extinção dos contratos de trabalho dos trabalhadores que desenvolviam a sua actividade nesse serviço, maxime da A. EE, ora recorrente, a nossa resposta é negativa, na medida em que por força do preceituado pelo art. 285º nº 1 e 3 do CT, se trata de uma situação em que se impunha legalmente a transmissão dos vínculos laborais com a assunção pelo novo concessionário da posição de empregador nos contratos de trabalho.

Não acompanhamos, pois, a valoração efectuada pelo Sr. Juiz quanto ao nexo de causalidade, razão pela qual consideramos procedente o recurso da A. EE, declarando ilícito o respectivo despedimento por improcedência quanto a ela do motivo invocado (art. 381º al. b), com as consequências previstas nos art. 389º a 391º do CT).»

 

Vejamos ([6]).

Decorre dos autos que o despedimento da autora EE, que fora admitida ao serviço da ré em outubro de 2001 como guarda- ‑vestiário no bengaleiro, teve por motivo o facto de a ré ter decidido deixar de assegurar, para além do mais, a atividade de apoio ao bengaleiro em todo o GG, com a consequente extinção de todos os postos de trabalho guarda-vestiário.

Efetivamente provou-se, sob o ponto n.º 224:

“No despedimento de (entre outras) autoras EE plasmado nos documentos de fls. 509 a 520 dos autos principais e 211 a 213 do apenso A, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, consta como “motivos de redução” «A Empresa decidiu ainda deixar de assegurar serviços de porteiro do ..., bem como a actividade de apoio ao bengaleiro em todo o GG, com a consequente extinção de todos os postos de trabalho de porteiro de restaurante e guarda vestiário. (…)

No que concerne aos serviços de bengaleiro, a empresa decidiu que deixará igualmente de assegurar esse serviço, passando o mesmo a ser assegurado por uma empresa externa.

(…)

Assim, a entidade concessionária da actividade de tabacaria irá igualmente assegurar a actividade de recolha e entrega aos clientes do Casino dos seus objectos pessoais, devendo, para o efeito, contratar os meios técnicos e humanos que considerar adequados para tal fim.»

Ou seja, a ré decidiu entregar a uma empresa externa, em outsourcing, o serviço que era desempenhado pela trabalhadora EE nos bengaleiros do GG.

Estabelece o art. 285.º do Cód. do Trabalho de 2009:

 «1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.

2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.

3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.

4 - …

5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.

6 -…»

O regime consagrado neste preceito corresponde, sem alterações substanciais, à disciplina que emergia do art. 318.º, n.º 1, do CT/2003, que visou dar cumprimento às obrigações que oneravam o Estado Português decorrentes da Directiva n.º 2001/23/CE, do Conselho, de 12-3-2001 (JO L 82, de 22-3-2001, in http://eur-lex.europa.eu), relativa à aproximação da legislação dos Estados-‑Membros no que se refere à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, parte de empresas, ou de estabelecimentos.

Esta Diretiva 2001/23/CE foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Código de Trabalho de 2003 (alínea q), do artigo 2.º da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto), vindo a matéria em questão a ter assento nos artigos 318.º e seguintes daquele Código, e veio a ser posteriormente reiterada a sua transposição para a ordem jurídica interna pelo art.º 2º, alínea l), da Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, que aprovou o Código do Trabalho de 2009.

O art.º 1.º da referida Diretiva tem a seguinte redação:

«1. a) A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.

b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.

c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativas. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na acepção da presente directiva.

2. (…).

3. (…).»

Por seu turno, o art.º 2.º da Diretiva estabelece:

«1. Na acepção da presente directiva, entende-se por:

a) «Cedente»: qualquer pessoa, singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no nº 1 do art. 1º, perca a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou estabelecimento.

b) «Cessionário»: qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no nº 1 do art. 1º, adquira a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou estabelecimento.»

A transferência de titularidade dos contratos de trabalho prevista nesta Diretiva abrange não apenas a transferência de empresa, ou de estabelecimento, mas também de parte de empresa ou de estabelecimento que se constitua como uma «entidade económica» com o objetivo de prosseguir uma atividade económica não restringida ao exercício da atividade principal.

Da conjugação do regime legal previsto na Diretiva nº 2001/23/CE (art.º 1.º n.º 1 al. a) e art.º 2.º, n.º 1, alíneas a) e b)), com o art.º 285º n.ºs 1 e 3, do Cód. do Trabalho de 2009, resulta que o conceito de transmissão, para efeitos laborais é especialmente amplo.

Assim o tem entendido a nossa doutrina e jurisprudência.

É o caso de Maria do Rosário Ramalho ([7]) segundo a qual «…é qualificada como transmissão para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (i.e., uma transmissão definitiva, por efeito de trespasse, fusão, cisão ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão a ou reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento sem alteração da respectiva titularidade (i.e., uma transmissão das responsabilidades de gestão a título temporário, embora estável) – art. 285º nºs 1 e 3 do CT.

Deste modo, o conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa».

E também de Joana Vasconcelos ([8]), que a propósito do âmbito lato de aplicação do instituto em análise, refere os exemplos clássicos, como a transmissão da propriedade (trespasse, a fusão e a cisão, venda judicial ou a doação) e a transmissão da exploração da empresa ou estabelecimento, assim como as novas situações abrangidas através do art.º 318.º, n.º 3, do CT/2003, como é o caso da cessão ou reversão da exploração da empresa ou estabelecimento, prevendo quanto a estas que a responsabilidade solidária, nos termos do n.º 2, recaia sobre “quem imediatamente antes exerceu a exploração”.   

Entendimento que a jurisprudência desta Secção do Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado. Veja-se, a título de exemplo, os acórdãos de 04.05.2011 e de 06.12.2017, proferidos, respetivamente, nos processos n.ºs 10/11.2YFLSB e 357/13.3TTPLD.L1.S1.

No entanto, é essencial que o negócio ou atividade transmitida constitua uma unidade económica autónoma na esfera do transmitente e que mant[enha] a sua identidade no transmissário (art. 1º, nº 1, al. b) da Diretiva). A noção fundamental inserida na Diretiva e que também está prevista no art.º 285.º, do CT, é a de entidade ou unidade económica e a da manutenção no transmissário da respetiva identidade, como claramente é referido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), no seu Acórdão de 09.09.2015, Processo C-160/14, disponível em www.curia.europa.eu.:

«Segundo jurisprudência constante, a Diretiva 2001/23 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na acepção dessa diretiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma».

Refere Joana Vasconcelos (ob. citada, pág. 82): “[a] averiguação acerca da manutenção, ou não, da identidade da unidade económica transferida implica, em qualquer caso, a ponderação de uma série de fatores – tipo de estabelecimento, transmissão ou não de elementos do ativo (edifícios, bens corpóreos), valor dos elementos incorpóreos à data da transmissão, continuidade da clientela, permanência do pessoal, grau de semelhança entre a atividade prosseguida antes e depois da duração de eventual interrupção.

O tipo de atividade desenvolvido pode mesmo ser decisivo para decidir do peso relativo, no caso concreto, de tais elementos: por vezes, e precisamente por tal motivo, é o complexo humano organizado que confere identidade à empresa (ou a parte dela). E quando assim suceda, frisa o TJUE, importa essencialmente atender a elementos como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração e, ainda, sendo o caso, os meios de exploração à sua disposição: nas atividades que assentam essencialmente em mão de obra é mais o «capital humano» do que os aspetos materiais que identifica o estabelecimento”.

No mesmo sentido, explicita Júlio Vieira Gomes ([9]) nestes termos: «Decisiva para o Tribunal de Justiça é sempre a manutenção da entidade económica, e para se verificar se essa entidade continuou a ser a mesma, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade, ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objecto de uma apreciação global, não sendo em princípio decisivo nenhum deles. Numa indicação meramente exemplificativa podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do activo da entidade, designadamente, bens imóveis, ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efectivos, a duração de uma eventual interrupção da actividade desenvolvida antes e a actividade desenvolvida depois da transferência».

Em termos jurisprudenciais, veja-se, por exemplo, o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido no Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007, disponível em www.eur.lex.europa.eu, assim como os acórdãos deste Supremo Tribunal de 26.09.2012 e 06.12.2017, prolatados nos processos n.ºs 889/03.1TTLSB.L1.S1 e 357/13.3TTPLD.L1.S1, respetivamente, tendo, neste último, se afirmado expressamente o seguinte:

«Aquilatar da subsistência de uma unidade económica exige a ponderação de determinados elementos indiciários, sendo frequentemente enunciados pelo TJUE, como relevantes, os seguintes:

- Avaliar o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata;

- Apurar se houve a transferência ou não de bens corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, bem como o valor dos elementos incorpóreos existentes no momento da transmissão;

- Verificar se se operou a reintegração, ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efectivos, v.g., no domínio dos recursos humanos;

- Confirmar se ocorreu a transmissão, entendida enquanto continuidade, da respectiva clientela;

- Comprovar o grau de similitude entre as actividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão destas actividades

Regressando ao caso dos autos e analisada a matéria de facto provada em relação à autora EE, dúvidas não restam de que ocorreu uma situação de cessão de exploração, conceito que caberá no âmbito de aplicação do regime da transmissão do estabelecimento ou da empresa, pois, como se referiu supra, o legislador pretendeu consagrar um conceito amplo de transmissão do estabelecimento nele se englobando todas as situações em que se verifique a passagem do complexo jurídico-económico em que o trabalhador está empregado para outrem, seja a que título for.

Certo é, porém, que, como vimos, para além do critério que atende ao fenómeno transmissivo, o âmbito de aplicação do regime consagrado no art.º 285.º, do CT depende também da conjugação de outros critérios, como são o da unidade empresarial sobre a qual incide aquele negócio e o da manutenção da sua identidade no transmissário.

Ora, da matéria de facto não se descortina que a ocorrida cessão de exploração tenha incidido sobre uma entidade económica com capacidade para autonomamente prestar serviços e gerar recursos. Tão pouco resulta dos factos provados que tivesse ocorrido uma transferência de atividade acompanhada de bens, corpóreos ou incorpóreos, ou de quaisquer equipamentos. Tão pouco ocorreu a transferência do pessoal ou a sua readmissão por parte daquela empresa, suscetível de configurar os bengaleiros como uma “unidade económica”.

Está apenas provado que ao “guarda vestiário” compete receber, guardar e devolver artigos deixados pelos clientes e executar tarefas de apoio a clientes, que no despedimento de (entre outras) autoras EE…, consta… que a empresa decidiu que deixará… de assegurar esse serviço, passando o mesmo a ser assegurado por uma empresa externa, que a entidade concessionária da actividade de tabacaria irá igualmente assegurar a actividade de recolha e entrega aos clientes do Casino dos seus objectos pessoais, devendo, para o efeito, contratar os meios técnicos e humanos que considerar adequados para tal fim.

Vem ainda provado que em 2010, o serviço dos dois bengaleiros existentes no GG passou a ser prestado por uma empresa externa à ré que, simultaneamente, passou a explorar, no mesmo local, uma tabacaria, vendendo, por sua conta e risco, e em seu nome, num dos bengaleiros, além de tabaco, revistas e jornais. Após o despedimento, as pessoas que passaram a exercer funções nos bengaleiros eram contratadas por essa empresa externa e não usavam qualquer farda, contrastando com o que sucedia antes do despedimento.

Ou seja, como refere a recorrente nas suas conclusões, as tarefas de entrega e recolha de casacos e pertences passaram a ser asseguradas assessoriamente por uma empresa externa em acumulação com as tarefas próprias de tabacaria/papelaria, não se detetando autonomia funcional nas referidas funções de bengaleiro que justifique a sua subsunção na figura da unidade económica para efeitos do disposto no art.º 285.º do CT.

Daqui se conclui que a factualidade provada não permite considerar ter ocorrido, relativamente aos bengaleiros, uma efetiva transmissão de unidade económica para efeitos do disposto no art. 285º do CT, pelo que, atendendo ao circunstancialismo provado sob os números 224, 285 e 286, está demonstrado o fundamento do despedimento da autora e o nexo de causalidade entre esse fundamento e a cessação do respetivo contrato de trabalho.

6 - DECISÃO

Pelo exposto delibera-se:

1 – Conceder a revista e revogar o acórdão recorrido na parte em que declarou ilícito o despedimento da A. e condenou a FF, S.A. a reintegrá-la e a pagar-lhe as retribuições (incluindo as parcelas atinentes a acréscimo por trabalho noturno e o chamado prémio de línguas) vencidas desde o 30º dia anterior à propositura da ação, ou seja, desde 21/6/2010.

2 – Condenar a recorrida nas custas da apelação e da revista.

Anexa-se o sumário do acórdão.


Lisboa, 21.03.2018

Ribeiro Cardoso (Relator)

Ferreira Pinto

Chambel Mourisco

_____________
[1] Relatório elaborado tendo por matriz o constante no acórdão recorrido.
[2] Acórdão redigido segundo a nova ortografia com exceção das transcrições (em itálico) em que se manteve a original.
[3] Cfr. 635º, n.º 3 e 639º, n.º 1 do Código de Processo Civil, os Acs. STJ de 5/4/89, in BMJ 386/446, de 23/3/90, in AJ, 7º/90, pág. 20, de 12/12/95, in CJ, 1995, III/156, de 18/6/96, CJ, 1996, II/143, de 31/1/91, in BMJ 403º/382, Rodrigues Bastos, in “NOTAS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL”, vol. III, pág. 247 e Aníbal de Castro, in “IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS”, 2ª ed., pág. 111.    
[4] Ac. STJ de 5/4/89, in BMJ, 386º/446 e Rodrigues Bastos, in NOTAS AO Código de Processo CivIL, Vol. III, pág. 247, ex vi dos arts. 663º, n.º 2, 608º, n.º 2 e 679º do CPC.
[5]  MANUAL DE RECURSOS EM PROCESSO CIVIL, 9ª edição, pág. 56.
[6] Seguiremos de perto o consignado no acórdão desta secção de 6.12.2017, proc. 357/13.3TTPLD.L1.S1 (Ana Luísa Geraldes) e subscrito pelo aqui relator e pelo 1º adjunto.
[7]  TRATADO DE DIREITO DO TRABALHO – PARTE II – SITUAÇÕES LABORAIS INDIVIDUAIS, 6.ª Edição, 2017, Coimbra, págs. 644-645.
[8]  A TRANSMISSÃO DA EMPRESA OU ESTABELECIMENTO NO CÓDIGO DO TRABALHO, Prontuário de Direito do Trabalho, Maio-Agosto de 2005, Coimbra Editora, pág. 78-79.
[9] DIREITO DO TRABALHO, I Vol., pág. 821.