Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
42/21.2T8STR.E1.S1
Nº Convencional: 6.ª SECÇÃO
Relator: GRAÇA AMARAL
Descritores: AUTORIDADE DO CASO JULGADO
EXTENSÃO DO CASO JULGADO
IDENTIDADE SUBJETIVA
INTERVENÇÃO DE TERCEIROS
CASO JULGADO FORMAL
EFEITOS DA SENTENÇA
TERCEIRO
HIPOTECA
IMOVEL
NULIDADE DO CONTRATO
EFEITOS
OPONIBILIDADE
Data do Acordão: 01/16/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVISTA IMPROCEDENTE.
Sumário :

I – O despacho de admissão de intervenção de terceiro na acção constitui uma decisão de forma (incidindo sobre um aspecto processual) que, transitada, assume valor de caso julgado formal (eficácia obrigatória apenas dentro do processo onde foi proferido), tão só vinculativo inter parte, mostrando-se insusceptível de valer em acção intentada posteriormente.


II – Apresenta-se inoponível ao beneficiário da hipoteca constituída sobre imóvel para garantia de um contrato de mútuo, a sentença que julgou aquele parte ilegítima e declarou a nulidade do contrato de permuta do imóvel, circunscrevendo o respectivo âmbito ao referido negócio (de permuta), alheada do direito do beneficiário da hipoteca, uma vez que, nessa acção, as autoras apenas deduziram pedido de declaração de nulidade da permuta de imóvel, sem formulação de qualquer pretensão (ou alegação de factualidade relevante para o efeito) quanto à declaração de nulidade da hipoteca constituída sobre o mesmo imóvel, a favor de terceiro.


III - Estando em causa a nulidade (e não ineficácia) do contrato de permuta por impossibilidade originária do negócio (cfr. artigos 280.º, n.º1 e 401.º, n.º1, ambos do Código Civil), não se encontra o beneficiário da hipoteca vinculado pela declaração de nulidade da permuta.

Decisão Texto Integral:

Processo n.º 42/21.2T8STR.E1.S1


Acordam na 6ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça,

I – relatório

1. AA e BB instauraram acção declarativa com processo comum contra Caixa Geral de Depósitos, SA, deduzindo os seguintes pedidos:

a) ser declarada nula a hipoteca constituída em 06-07-2009 sobre o imóvel pela sociedade C....................., Lda., a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos SA;


Subsidiariamente:


a) ser declarada a ineficácia/inoponibilidade dessa hipoteca relativamente às Autoras;


- em qualquer caso:


b) ser determinado o cancelamento/extinção do registo desta hipoteca.


Sustentaram o pedido no trânsito em julgado da sentença que declarou a nulidade do contrato de permuta pela qual a C......... ..........., Lda. havia adquirido das Autoras a propriedade do imóvel, considerando que tal invalidade do contrato determina a nulidade ou ineficácia da hipoteca.


Alegaram essencialmente:


- serem proprietárias do imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 3552, da Freguesia do ...;


- fundar-se o seu direito de propriedade sobre o imóvel em doação e por ter sido judicialmente declarada a nulidade do contrato de permuta, pela qual as Autoras haviam transmitido (em 06-07-2009) o imóvel à sociedade C........ . ........... Lda., que celebrou com a Caixa Geral de Depósitos um contrato de abertura de crédito/mútuo com fiança e hipoteca sobre o referido imóvel;


- terem interposto, em 03-05-2011, acção judicial para ser declarada a nulidade da permuta, acção que foi objecto de registo pela Apresentação n.º 3128 de 17-05-2011;


2. A Ré contestou, excepcionando a caducidade do direito das Autoras (por decurso do prazo de três anos após a conclusão do negócio, nos termos do artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil), invocando ainda:


- não terem as Autoras alegado qualquer facto que determine a nulidade do contrato de abertura de crédito/mútuo através do qual se constituiu a hipoteca;


- ter sido declarada parte ilegítima na acção de declaração da nulidade do contrato de permuta onde não foi pedida a nulidade da hipoteca.


3. Em resposta as Autoras concluem pela improcedência da excepção alegando que a anterior acção foi proposta em prazo inferior a três anos após a celebração do negócio nulo, invocando, ainda, o artigo 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, para concluírem que a absolvição da Ré da instância na referida acção não obsta à propositura da presente.


4. Dispensada a audiência prévia (a que as partes expressamente declararam não se opor) e tendo sido entendido que dos autos constavam todos os elementos necessários para conhecer de mérito sem necessidade de produção de prova, após notificação das partes, foi fixado o valor da acção (em €156.801,01) e proferido saneador que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito das Autoras e procedente a acção, decidindo nos seguintes termos:


Declara-se nula a hipoteca constituída em 06.07.2009, pela sociedade C......... ..........., Lda., a favor da Ré Caixa Geral de Depósitos S.A., sobre o imóvel sito no gaveto formado pela Avenida ... com a Rua ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o nº 3552/20050902 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesia do ... e ... sob o artigo 4858;


b) Determina-se o cancelamento do registo da referida hipoteca efectuada pela Apresentação nº 4121, de 15.07.2009”.


5. A Ré interpôs recurso, tendo o tribunal da Relação de Évora proferido acórdão que julgou a apelação procedente e, alterando parcialmente a factualidade fixada na sentença, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de opor a terceiro de boa fé a declaração de nulidade e absolveu a Ré do pedido.


6. As Autoras interpuseram recurso para este tribunal, formulando as seguintes conclusões (transcrição):


1ª Quanto à questão 1 (O ACÓRDÃO RECORRIDO REMOVEU DO ELENCO DOS FACTOS ASSENTES O TEOR/CITAÇÃO DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA DO REFERIDO DESPACHO DE 06.12.2017 PROFERIDO NO ANTERIOR PROCESSO E FUNDAMENTOU ESSA REMOÇÃO NOS SEGUINTES TERMOS: SÓ O DISPOSITIVO DECISÓRIO DESSE DESPACHO TRANSITA EM JULGADO E NÃO TAMBÉM, PORTANTO, A DECISÃO DAS QUESTÕES PRELIMINARES QUE CONSTITUAM ANTECEDENTE LÓGICO INDISPENSÁVEL A ESSA PARTE DISPOSITIVA DO JULGADO):


1.1 Esta decisão foi proferida no 3º parágrafo da pág. 7 do Acórdão recorrido e, com o devido respeito, não só assenta num equívoco, como não respeita o Direito aplicável.


Assenta num equívoco porque parte do pressuposto que neste Despacho de 06.12.2017 (proferido na anterior ação) só se decidiu a intervenção da CGD requerida pelas Recorrentes. No entanto, não foi assim. De facto, como já se deixou referido no histórico processual relevante, para além de se ter decidido a intervenção da CGD do processo requerida pelas Recorrentes, também se decidiu o seguinte:

a. Por um lado, na relação entre a nulidade da permuta e a hipoteca decidiu-se aí expressamente que se a nulidade da permuta viesse a ser declarada essa nulidade seria oponível à hipoteca a favor da CGD:

b. Em segundo lugar, decidiu-se neste Despacho que a CGD era parte legítima nessa ação.

Estas decisões foram proferidas neste Despacho de 06.12.2017 porque eram essenciais para se decidir a legitimidade da CGD nessa anterior ação e a sua intervenção no processo.


Estas decisões transitaram em julgado, pois a CGD, depois de notificada deste Despacho de 06.12.2017 que decidiu a sua legitimidade/intervenção nessa primeira ação, requereu a interposição de recurso do mesmo, recurso esse que não foi admitido por extemporaneidade.


E ainda que se considerasse que estas decisões proferidas no Despacho de 06.12.2017 não constituem decisões ad hoc mas tão-somente pré-decisões relativas à legitimidade/intervenção da CGD nessa anterior ação, as mesmas também estão cobertas pela força do caso julgado, pois constituem prédecisões essenciais, antecedentes lógicos necessários, para a decisão final aí proferida.


Neste sentido, pacificamente, a jurisprudência deste Venerando Supremo Tribunal de Justiça, culminada, mais recentemente, no Acórdão do STJ de 21-06-2022.


1.2 Deste modo podemos seguramente concluir o seguinte: ao contrário do que se decidiu no Acórdão recorrido, para além de ter decidido a intervenção da CGD no anterior processo, o Despacho de 06.12.2017 proferido nessa anterior ação proferiu outras decisões (que se a nulidade da permuta viesse a ser declarada essa nulidade seria oponível à hipoteca a favor da CGD e que a CGD era parte legítima nessa anterior ação) e estas decisões transitaram em julgado, revestem a força de caso julgado, vinculando decisões subsequentes, seja enquanto decisões autónomas, seja como decisões de questões preliminares que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva do que se decidiu nesse Despacho (a intervenção da CGD no anterior processo).


1.3 Aqui chegados importa então concluir que estamos perante decisões contraditórias:

a. por um lado, o Despacho de 06.12.2017, onde foi decidido na anterior ação com trânsito em julgado (i) que se a nulidade da permuta viesse a ser declarada essa nulidade seria oponível à hipoteca a favor da CGD e (ii) que a CGD era parte legítima nessa anterior ação;

b. por outro lado, a Sentença de 10.04.2019 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.09.2019 que confirmou essa Sentença (ambos proferidos na anterior ação), bem como o Acórdão recorrido, onde se decidiu de forma diametralmente oposta à daquele Despacho de 06.12.2017, isto é, (i) que a nulidade da permuta não é oponível à hipoteca a favor da CGD e (ii) que a CGD é parte ilegítima, seja na anterior ação seja nesta ação.

Desconsiderando para o que aqui releva as decisões quanto à (i)legitimidade (mera consequência formal da prévia decisão de natureza material relativa à nulidade da permuta ser ou não oponível à hipoteca a favor da CGD), importa então chamar à colação o regime do art. 625º, nºs. 1, do CPC, onde se prescreve expressamente que “Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumpre se a que passou em julgado em primeiro lugar”.


Deste modo, (i) porque no Despacho de 06.12.2017 se decidiu com trânsito em julgado que se a nulidade da permuta viesse a ser declarada essa nulidade seria oponível à hipoteca a favor da CGD, (ii) porque a Sentença de 10.04.2019 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.09.2019 que confirmou essa Sentença (ambos proferidos na anterior ação) e o Acórdão recorrido decidiram contraditoriamente essa mesma questão (no sentido que a nulidade da permuta não é oponível à hipoteca a favor da CGD) e (iii) porque o Despacho de 06.12.2017 transitou em julgado antes destas 3 últimas decisões, importa então concluir que, nos termos prescritos no art. 625º, nº 1, do CPC, essa contradição deve ser resolvida a favor do Despacho de 06.12.2017, devendo ser respeitado e observado o transito em julgado que aí se formou sobre aquela mesma questão material (e, consequentemente, sobre a legitimidade).


Pelo que ficou referido neste capítulo destas Alegações, este recurso terá que ser julgado procedente, mantendo-se o decidido na Sentença da 1ª Instância.


Em qualquer caso, mesmo que assim não se entendesse (isto é, mesmo que as razões que ficaram aduzidas não convencessem este Venerando Tribunal – o que só por dever de patrocínio se pondera), o Acórdão recorrido terá que ser revogado pelas razões que a seguir se apresentam.


2ª. QUESTÃO 2 – NO PRESSUPOSTO QUE NA ANTERIOR AÇÃO SÓ SE PEDIU A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DO CONTRATO DE PERMUTA SUB JUDICE E ATENDENDO A QUE NESTA AÇÃO SE PEDE A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA HIPOTECA EM CAUSA, DECIDIU-SE QUE NÃO SE APLICA AQUI O REGIME DO ART. 279º, NºS. 1 E 2, DO CPC, O QUE IMPLICA, NESTA LEITURA DO ACÓRDÃO RECORRIDO, QUE SE CONSIDERE QUE A CGD FOI DEMANDADA NESTA AÇÃO MAIS DE TRÊS ANOS DEPOIS DA OUTORGA DA PERMUTA/HIPOTECA, ISTO É, JÁ DEPOIS DO PRAZO PREVISTO NO ART. 291º, Nº 2 DO CC, PELO QUE NÃO PODE SER AQUI INVOCADA A TUTELA DESTE PRECEITO.


Nesta altura já podemos constatar que esta decisão do Acórdão recorrido assenta num equívoco estruturante. De facto, ao contrário do que aí se pressupôs, na anterior ação não se pediu só a declaração de nulidade da permuta. Se é certo que num primeiro momento, na petição inicial, só se formulou esse pedido, por desconhecerem a hipoteca constituída sobre o Imóvel, posteriormente, porque a R. C........, Lda. suscitou nesse processo a hipoteca constituída sobre o Imóvel a favor da CGD, as Recorrentes vieram então esclarecer e requerer ao Tribunal que a sua pretensão nesse processo era, naturalmente, que o Imóvel em causa lhes deveria ser devolvido/restituído livre e desonerado de ónus e encargos, designadamente da hipoteca a favor da CGD, defendendo que a nulidade da permuta é oponível à hipoteca registada a favor da CGD e que a decisão que declarar a nulidade da permuta deverá também determinar que essa decisão de nulidade é oponível à CGD quanto à hipoteca de que a mesma é beneficiária (os termos deste petitório vem referidos no Despacho de 06.12.2017 junto como Doc. 10 à p.i. desta ação).


E esta pretensão das AA. foi aceite e deferida no Despacho de 06.12.2017 proferido nesse processo (este Despacho foi junto como Doc. 10 à p.i. desta ação), como ampliação do pedido e da causa de pedir, tendo aí sido expressamente decidido que na relação entre a nulidade da permuta e a hipoteca, se a nulidade da permuta viesse a ser declarada essa nulidade seria oponível à hipoteca a favor da CGD:


“14. O pedido principal formulado pelas Autoras consiste na nulidade do contrato de permuta celebrado em 06.07.2009 entre as mesmas e a Ré, devido a vícios substantivos que, na sua perspetiva, afetam a validade do negócio jurídico. 15. A declaração de nulidade produz os efeitos previstos no artigo 281.º, do Código Civil (CC), que, por força do artigo 291.º, n.º 2, CC, incluem os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, como se verifica no caso concreto. 16. Isto significa que a hipoteca registada a favor da CGD será afetada pela declaração de nulidade, tal como as Autoras sustentam, na medida em que se trata de um efeito decorrente diretamente da declaração de nulidade do negócio jurídico celebrado entre as Autoras e a Ré, ainda que não esteja expressamente formulado na petição inicial. Ou seja, a sentença que declarar a nulidade do negócio implica, enquanto efeito necessário dessa declaração, a nulidade dos referidos direitos incluídos na previsão do artigo 291.º, n.º 2, do CC” (pp. 3 e 4 do Despacho 06.12.2017).


Assim, porque também no anterior processo se pediu, discutiu e decidiu a oponibilidade da nulidade da permuta à hipoteca constituída a favor da CGD, isto é, porque o pressuposto do Acórdão recorrido não se verifica, importa concluir, por se verificarem todos os pressupostos pela aplicação in casu do regime do art. 279º, nºs. 1 e 2, do CPC e do art. 291º, nº 2, do CC, como se decidiu, e bem, na Sentença da 1ª Instância proferida nesta ação.


Mas a aplicabilidade in casu desses 2 preceitos, para além do que se deixou referido, resulta também de nas 2 ações em causa se ter sempre discutido a mesma relação material controvertida, entre os mesmos sujeitos e partes.


A permuta e a hipoteca que estão em causa nos 2 processos sempre foram os mesmos e a pretensão e tutela das Recorrentes sempre foi a mesma, isto é, a restituição do imóvel que haviam permutado com a C........, Lda., naturalmente livre de ónus ou encargos.


Na verdade, como também se escreveu no referido/citado Despacho de 06.12.2017 proferido nesse prévio processo nº 376/13.0...: “Na presente ação declarativa, instaurada por AA e BB contra a C........ . ..........., Lda., pretende-se, no essencial e a título principal, a restituição às Autoras de um prédio descrito na (…) em consequência da declaração de nulidade ou resolução de um contrato de permuta” (pág. 8).


Assim, nas duas ações sempre esteve em causa (i) o mesmo contrato de Permuta, (ii) a mesma nulidade do Projeto e do Alvará de Licenciamento de Obras de Construção do edifício com 5 pisos que se pretendia construir neste imóvel, (iii) a mesma nulidade dessa Permuta, (iv) o mesmo Contrato de Mútuo e a mesma hipoteca entre a CGD e a C........, Lda., (v) a mesma nulidade dessa mesma hipoteca (vi) e, essencialmente, a destruição dos efeitos que resultam da nulidade da permuta, atendendo aos efeitos retroativos da nulidade judicialmente declarada, designadamente quanto a essa hipoteca, que a torna nula.


Como se decidiu e bem na Sentença da 1ª Instância neste processo, esta ação foi intentada em tempo: “Tal não obsta a que que as Autores não pudessem propor nova acção com o mesmo objecto [e não se diga que o objecto não é o mesmo, já que a nulidade ou inoponibilidade da hipoteca deriva da nulidade do contrato de permuta], deste que o fizessem no prazo de [no prazo de] 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, [Vide artº279º nº2 do CPC] o que foi o caso – o trânsito em julgado ocorreu em 19.11.2020 e a nova ação foi proposta em 06/01/2021” – cfr. 2º parágrafo, pág. 15 da Sentença (com sublinhado nosso).


Deste modo, por ter respeitado o prazo previsto no art. 279º, nº 2, do CPC, tem-se assegurado o prazo de 3 anos estabelecido no art. 291º, nº 2, do CPC: porque se verifica in casu a previsão normativa deste segundo preceito (propositura e registo da ação anterior no prazo de 3 anos após a celebração dos negócios jurídicos em causa – como a própria Recorrente reconhece, por exemplo, na Conclusão P das suas Alegações da apelação), importa respeitar a respetiva estatuição: neste caso, os direitos de terceiro (CGD) não são reconhecidos, ainda que de boa-fé.


3ª QUESTÃO 3 – O ACÓRDÃO RECORRIDO DECIDIU QUE NESTE CASO NÃO OCORRE INEFICÁCIA/NULIDADE DA HIPOTECA POR ONERAÇÃO DE BEM ALHEIO, POIS À DATA EM QUE A GARANTIA FOI PRESTADA À CGD/MUTUANTE, A C........, LDA./MUTUÁRIA TINHA A PROPRIEDADE DO IMÓVEL REGISTADA A SEU FAVOR, NA SEQUÊNCIA DE CONTRATO CELEBRADO COM AS ANTERIORES PROPRIETÁRIAS, DETENDO ASSIM LEGITIMIDADE PARA A CONSTITUIÇÃO DA HIPOTECA, NOS TERMOS RECONHECIDOS PELO ART. 715º DO CC


Com o devido respeito, trata-se de outro equívoco do Acórdão recorrido, que ignora de todo o regime da nulidade da permuta já declarada e os efeitos retroativos dessa nulidade: declarada essa nulidade e retroagindo os efeitos dessa declaração ao tempo da permuta, importa concluir que ao tempo da hipoteca a C......., Lda. não era a proprietária do imóvel.


De facto, em virtude da eficácia retroativa da Sentença que no anterior processo declarou a nulidade da permuta (art. 289º, nº 1, do CC), a onerante C........, Lda. nunca teve, na verdade, legitimidade para essa oneração (aliás, nunca chegou a ser proprietária): nos termos deste art. 715º do CC, só pode hipotecar quem puder alienar e a C........ não podia nem alienar nem, portanto, hipotecar.


Na verdade, declarada a nulidade da permuta pela qual a C........ adquiriu o Imóvel, constata-se que esta C........ nunca adquiriu esse Imóvel (a permuta nula não produz efeitos), pelo que a Hipoteca foi assim constituída por quem não tinha poderes e legitimidade (não era proprietário) sobre o Imóvel


4ª QUESTÃO 4 – O ACÓRDÃO RECORRIDO DECIDIU QUE A NULIDADE DA PERMUTA NÃO DETERMINA A NULIDADE DA HIPOTECA PORQUE O CASO JULGADO FORMADO NA ANTERIOR AÇÃO, ONDE FOI DECLARADA A NULIDADE DA PERMUTA, TEM EFICÁCIA RELATIVA, VINCULANDO AS PARTES NESSE PROCESSO (AS RECORRENTES E A C........, LDA.) NÃO PODENDO AFETAR TERCEIROS, NESTE CASO A CGD


Infelizmente deparamo-nos com um novo equívoco do Acórdão recorrido, pois a CGD foi parte na primeira ação.


Na verdade, como já foi referido, as Recorrentes requereram na primeira ação a intervenção da CGD nesse processo e o Despacho de 06.12.2017 proferido nesse processo (Doc. 10 da p.i. desta ação), deferiu e determinou essa intervenção: a CGD foi parte nessa ação, pois nesse Despacho foi decidido, para além do mais,

a. Que a CGD era parte legítima nessa ação

b. E, consequentemente, admitiu-se a intervenção da CGD nesses autos

E foi já como parte nessa ação que, notificada deste Despacho de 06.12.2017, a CGD interpôs recurso do mesmo, recurso esse que não foi admitido no Despacho de 17.05.2018 proferido nesse processo.


Em qualquer caso, vale também aqui o que se deixou invocado nos nºs. 5 a 8 destas Alegações, designadamente quanto aos efeitos do caso/trânsito em julgado.


Deste modo importa concluir que, como interveniente e como parte dessa primeira ação, naturalmente que os efeitos do caso julgado da Sentença aí proferida que declarou a nulidade da permuta sub judice se projetam na esfera da CGD (art. 619º, do CPC).


A nulidade da permuta não se cinge aos direitos e obrigações constituídos nessa relação jurídica, sendo extensível ao negócio jurídico (hipoteca) celebrado entre a C......... e a CGD. Neste sentido, vale também aqui, de pleno e bem fundamentado, a decisão proferida nas págs. 15 e 16 Sentença proferida na 1ª Instância neste processo.


Por outro lado, apesar de a CGD ser um terceiro de boa-fé (como são as Recorridas), à luz do art. 291º, nº 2, do CC são-lhe oponíveis os efeitos da nulidade da permuta.


A Recorrente não beneficia da proteção dos terceiros de boa-fé a que se refere o art. 291º, nº 1, do CC, porque se verifica in casu a previsão normativa do nº 2 desse preceito.


Trata-se de um entendimento pacífico que a própria Recorrente reconhece na pág. 18 das suas Alegações: “Por último, pode ainda citar-se o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal, em 25.03.2010 (Proc. n.º 983/06.7TBBRG.G1.S1), segundo qual «[n]ão tendo a acção sido proposta e registada nos três anos posteriores aos negócios, a nulidade do negócio dissimulado não prejudica os direitos sobre o mesmo bem por terceiros de boa fé, adquiridos por acto oneroso. Subsiste, assim, a hipoteca constituída a favor de terceiro por contrato com o simulado adquirente» (disponível em www.dgsi.pt sublinhado nosso)” – negrito nosso.


5ª PARA ALÉM DE A HIPOTECA SER NULA PELA NULIDADE JÁ DECLARADA DA PERMUTA, ESSA HIPOTECA É AINDA NULA PELA MESMA RAZÃO QUE FUNDAMENTOU A DECLARAÇÃO DE NULIDADE DA PERMUTA, ISTO É, PELA IMPOSSIBILIDADE/NULIDADE DO PROJETO DE CONSTRUÇÃO DO EDIFÍCIO E DA RESPETIVA APROVAÇÃO CAMARÁRIA E CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE/NULIDADE DO MÚTUO E RESPETIVA HIPOTECA, POIS ESTE MÚTUO E HIPOTECA FORAM CELEBRADOS, PRECISAMENTE, PARA A CONSTRUÇÃO DESSE EDIFÍCIO.”.


7. Em contra alegações a Ré pronuncia-se pela improcedência da revista.


II – APRECIAÇÃO DO RECURSO


De acordo com o teor das conclusões das alegações (que delimitam o âmbito do conhecimento por parte do tribunal, na ausência de questões de conhecimento oficioso – artigos 608.º, n.º2, 635.º, n.4 e 639.º, todos do Código de Processo Civil - CPC) mostram-se submetidas à apreciação deste tribunal as seguintes questões:

Dos efeitos do caso julgado do despacho de 06-12-2017 proferido no Processo n.º 376/13.0... e da existência de decisões contraditórias

Da (in)aplicabilidade do regime do artigo 279.º, n.ºs 1 e 2 do CPC

Da (in)aplicabilidade do regime do artigo 291.º, n.º2, do Código Civil

Dos efeitos da declaração da nulidade da permuta na hipoteca constituída a favor da Ré


1. Os factos


1.1 provados (em realce – bold - a matéria objecto de alteração pelo tribunal a quo)


1. O imóvel sito no gaveto formado pela Avenida ... com a Rua ..., no ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o nº 3552/20050902 e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias do ... e ... sob o artigo 4858, encontrava-se em 24-03-2006 com a aquisição do direito de propriedade, por doação, registada a favor das Autoras AA e BB. [vide certidão permanente de fls. 18 a 21 e caderneta predial de fls. 23 a 24].


2. Em 14-12-2006 foi emitido em nome das Autoras o Alvará de Licenciamento de Obras de Construção nº 226/2006, titulando a aprovação do projecto de construção de um edifício no referido imóvel. [Vide alvará de obras de fls. 60 a 61].


3. Em 06-07-2009, através de escritura pública, as Autoras e a sociedade C........ ........... Lda., celebraram um contrato de permuta, o qual consistia na transmissão do imóvel pelas Autoras à sociedade C........., recebendo depois as Autoras da C......... duas fracções autónomas do edifício a ser construído por esta. [Vide escritura pública de fls. 63 a 66].


4. Em 06-07-2009 a ora Ré Caixa Geral de Depósitos celebrou com a sociedade C........ . ..........., Lda., um contrato de abertura de crédito/mútuo com hipoteca sobre o imóvel e fiança.


5. Este mútuo e respectiva hipoteca destinavam-se à construção de um edifício de 5 pisos licenciado pela Câmara Municipal do ....


6. Na sequência do referido contrato de permuta a sociedade C........ . ..........., Lda., registou, a seu favor, a aquisição do direito de propriedade do referido imóvel, pela Ap. 4120 de 15-07-2009.


7. A hipoteca referida foi registada pela Ap. 4121 de 15-07-2009.


8. Em 07-07-2009 a Câmara Municipal do ... declarou a nulidade da aprovação do projecto de construção de edifício no imóvel, por violação do Plano Director Municipal do ..., o que determinou a cassação do Alvará de Licenciamento de Obras de Construção.


9. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal de ..., foi determinado o embargo das obras de construção do edifício que a C........ tinha iniciado no imóvel.


10. Em 03-05-2011 as Autoras propuseram acção judicial contra a sociedade C........ . .........., Lda., que correu termos sob o n.º 692/11.5..., no Tribunal Judicial do ..., pedindo a nulidade do contrato de permuta, tendo a mesma sido registada pela Apresentação nº 3128 de 17-05-2011.


11. A sociedade C........ . ..........., Lda., foi declarada insolvente em 12-07-2013, tendo a referida acção sido apensa aos autos de insolvência e passado a correr sob o n.º 376/13.0... no Juízo de Comércio de ... – Juiz ....


12. Em 06-12-2017, foi proferido despacho, no referido processo n.º 376/13.0..., contendo o seguinte dispositivo: «a. Reconhece-se a existência de uma nulidade por não cumprimento do disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea a), do CPC, em conjugação com o artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, para efeitos de sanação da excepção de preterição de litisconsórcio necessário passivo quanto à ausência, na acção, da CGD; b. Em consequência e deferindo o requerido pelas Autoras no requerimento datado de 27.04.2017, de fls. 357 a 359, admite-se a intervenção da CGD nos autos, enquanto associada da Ré, nos termos e para os efeitos do artigo 316.º, n.º 1, do CPC, intervenção esta condicionada à autoliquidação pelas Autoras da taxa de justiça devida pelo incidente no prazo de dez dias, sob pena de aplicação do disposto no artigo 642.º, n.º 1, do CPC (aplicável pela analogia) e, em último caso, de absolvição da Ré da instância; c. Após liquidação da taxa de justiça pelas Autoras, determina-se a citação da CGD, na sua própria pessoa, nos termos do artigo 319.º, do CPC, devendo-lhe ser remetida cópia dos articulados e respectivos documentos (incluindo fls. 120 a 126, 267 a 313), cópia do despacho com a ref.ª 74250497, de fls. 348 a 352, cópia do requerimento das Autoras datado de 27.04.2017, de fls. 357 a 359 e cópia do presente despacho (valendo a citação também como notificação do presente despacho)1.


(2)13. Por sentença de 10-04-2019, foi a acção julgada parcialmente procedente nos seguintes termos: «A. Declaro a Caixa Geral de Depósitos, S.A., parte ilegítima na presente acção, sendo, assim, procedente a excepção dilatória suscitada pela mesma instituição. Em consequência, absolvo a Caixa Geral de Depósitos, S.A., da presente instância (…). B. Declaro nulo o Contrato de Permuta outorgado, no dia 06 de Julho de 2009, por AA e por BB com a então sociedade C........ . ..........., Lda., para todos os efeitos (…). Em consequência, as autoras deverão restituir à Massa Insolvente da C........ . ..........., Lda. o montante de € 15.000,00 (quinze mil euros) pagos a 03 de Maio de 2010. C. Condeno AA e BB a pagar à Massa Insolvente da C........ . ..........., Lda., o valor que vier a ser apurado em liquidação da presente Sentença no que respeita a benfeitorias efectuadas no terreno objecto do acima referido Contrato de Permuta (terreno correspondente ao prédio sito no gaveto formado pela Avenida ... com a Rua ..., da freguesia do ..., descrito na Conservatória do Registo Predial do ... sob o n.º 03552/20050902) (…)


14. As Autoras interpuseram recurso de apelação da referida sentença.


15. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26-09-2019, foi concedido parcial provimento ao recurso, «condenando a recorrida Massa Insolvente da C........ . ..........., Lda., a restituir, às recorrentes, o imóvel descrito no n.º 1 da matéria de facto provada. Em tudo o mais, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida


16. As Autoras interpuseram recurso de Revista do referido Acórdão, mas, remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Exm.ª Relatora proferiu, em 14-02-2020, decisão singular de não admissão do recurso.


17. Reclamaram as Autoras para a conferência, mas por Acórdão de 07-09-2020 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir a reclamação e manter a decisão singular da Relatora.


18. Arguiram as Autoras a nulidade e pediram a reforma deste aresto, mas por novo Acórdão de 27-10-2020, o Supremo Tribunal de Justiça também indeferiu esta reclamação.


19. Este Acórdão transitou em julgado a 19-11-2020.


2. O direito


Através da presente acção (intentada em 06-01-2021) as Autoras pretendem a declaração da nulidade da hipoteca (subsidiariamente, a ineficácia da hipoteca relativamente às mesmas) sobre imóvel (constituída a favor da aqui Ré, em 06-07-2009, pela C....................., Lda.), em consequência da nulidade da permuta declarada por sentença proferida e transitada em julgado (em 19-11-2020), no âmbito do Processo n.º 376/13.0....


O acórdão recorrido, revogando a sentença, julgou improcedente a acção por considerar que à Ré, enquanto terceiro de boa fé, não lhe era oponível os efeitos da declaração de nulidade da permuta sobre o imóvel onerado com hipoteca constituída em seu favor, por ter decorrido o prazo de 3 anos aludido no n.º2 do artigo 291.º, do Código Civil, ou seja, por as Autoras não terem interposto a presente acção nos três anos posteriores à conclusão do negócio em causa.


O tribunal a quo sustentou a sua decisão na seguinte ordem de fundamentos:


- não assumir, no caso, aplicação o regime do n.º2 do artigo 279.º do CPC, por a presente acção (segunda, relativamente aos autos n.º 376/13.0...) não incidir sobre o mesmo objecto (entre as duas acções não ocorre identidade de pedido e causa de pedir);


- não consubstanciar a situação dos autos um caso de ineficácia da permuta, mostrando-se inaplicável a pretendida nulidade reflexa do negócio constitutivo da hipoteca;


- não poder a declaração de nulidade da permuta declarada no Processo n.º 376/13.0... vincular a aqui Ré (que foi absolvida da instância por ilegitimidade), sendo que a sua intervenção naquela acção apenas foi requerida em 27-04-2017, mais de três anos após a celebração do contrato de mútuo com hipoteca sobre o imóvel em causa.


Insurgem-se as Autoras, visando a repristinação da sentença3, alicerçadas na seguinte ordem de razões:


- no caso julgado do despacho de 06-12-2017 proferido no âmbito do Processo n.º 376/13.0... (nele incluindo a fundamentação relevante para o proferimento da própria decisão de considerar a Caixa Geral de Depósitos, SA parte legítima);


- no disposto no artigo 625.º, do CPC, nos termos do qual, relativamente à contradição de julgados (do despacho de 06-12-2017 proferido na acção n.º 376/13.0..., com o acórdão da Relação de 26-09-2019, que confirmou a sentença de 10-04-2019, proferidos também naqueles autos e o acórdão objecto da presente revista, quanto à questão da nulidade da permuta ser oponível à hipoteca constituída a favor da aqui Ré), determina o respeito pelo despacho de 06-12-2017;


- na ampliação do objecto da acção (do pedido e da causa de pedir) ocorrida no Processo n.º 376/13.0..., que foi estendida à questão da oponibilidade da nulidade da permuta à hipoteca constituída a favor da CGD, nos termos decididos no despacho de 06-12-20174;


- no disposto no artigo 279.º, n.º2, do CPC, por a decisão proferida na acção 376/13.0... ter transitado em julgado em 19-11-2020 e a presente acção ter sido proposta em 06-01-2021;


- no disposto no n.º2 do artigo 292.º do Código Civil, por a propositura e registo da acção anterior ter sido levada a cabo no prazo de três anos após a celebração da permuta (não podendo, desse modo, o direito da Ré, enquanto terceiro e ainda que de boa fé, ser reconhecido);


- na eficácia retroactiva da nulidade da permuta pela qual a C........ adquiriu o imóvel, declarada por sentença5.


Conforme passaremos a justificar, a pretensão das Autoras/Recorrentes de considerar oponível à Ré (a favor da qual foi constituída hipoteca sobre o imóvel adquirido pela C....................., Lda.) a nulidade da permuta declarada por sentença transitada em julgado (em 19-11-2020) no âmbito do Processo n.º 376/13.0... não pode proceder, uma vez que o raciocínio jurídico em que assenta tem subjacente os seguintes equívocos:


1. quanto à existência de identidade de objecto entre a presente acção e a que correu termos sob o n.º 376/13.0...;


2. quanto ao alcance dos efeitos da declaração da nulidade da permuta (de imóvel) sobre direitos adquiridos, a título oneroso, sobre o mesmo bem por terceiro de boa fé.


Vejamos.


2.1 Da (in)existência de identidade de objecto


Na sequência do referido, as Recorrentes pugnam, nesta sede, pelo afastamento da caducidade do direito de proporem acção contra a Ré invocando o disposto no artigo 279.º, n.º2 do CPC6, defendendo, para o efeito, ocorrer identidade de objecto entre as acções relativamente à questão da oponibilidade da nulidade da permuta à hipoteca. Justificam tal identidade no teor do despacho proferido naquela acção,7 que admitiu a intervenção da CGD nos autos, enquanto associada da Ré, nos termos e para os efeitos do artigo 316.º, n.º 1, do CPC e no qual se refere “(…) a hipoteca registada a favor da CGD será afetada pela declaração de nulidade, tal como as Autoras sustentam, na medida em que se trata de um efeito decorrente diretamente da declaração de nulidade do negócio jurídico celebrado entre as Autoras e a Ré, ainda que não esteja expressamente formulado na petição inicial. Ou seja, a sentença que declarar a nulidade do negócio implica, enquanto efeito necessário dessa declaração, a nulidade dos referidos direitos incluídos na previsão do artigo 291.º, n.º 2, do CC.”.


Se bem se percepciona o entendimento das Recorrentes, consideram as mesmas que o referido despacho consubstancia a admissibilidade da ampliação do pedido e da causa de pedir no que respeita à questão da afectação do direito da CGD com a declaração da nulidade da permuta.


É nesta conjectura que sustentam a identidade que almejam, por forma a que, por força do citado n.º2 do artigo 279.º do CPC, a absolvição da instância decidida na 1.ª acção (Processo n.º 376/13.0...), sejam mantidos os efeitos civis derivados da propositura da referida causa8 e da citação do Ré, no caso, o benefício de a presente acção se considerar proposta em tempo para efeitos do n.º2 do artigo 291.º do Código Civil (oponibilidade da nulidade do negócio à Ré, enquanto terceira, beneficiária de hipoteca sobre o imóvel).


Porém, ainda que se verificasse, no caso, o respeito pelo prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição para interposição da (segunda) acção9, as Recorrentes desvalorizam três aspectos inultrapassáveis:


- a forma pela qual naquela acção requereram a intervenção da Caixa Geral de Depósitos: por requerimento de 21-02-2017, após a prolação do despacho saneador e da identificação do objecto do processo e delimitação dos temas de prova e sem que tenham formulado qualquer ampliação do pedido e da causa de pedir;


- a natureza e os efeitos do caso julgado do despacho de 06-12-2017;


- o trânsito em julgado da sentença proferida naqueles autos que declarou a nulidade da permuta (sem qualquer referência ao contrato de mútuo e à constituição da hipoteca por tal matéria se encontrar arredada do pedido e da causa de pedir) e que, bem ou mal, julgou procedente a excepcção dilatória de ilegitimidade passiva invocada pela Caixa Geral de Depósitos, SA, absolvendo-a da instância.


Neste quadro processual verifica-se que as Recorrentes constroem a sua tese totalmente equivocadas quanto à natureza e alcance do despacho de 06-12-2017, que determinou a intervenção da Caixa Geral de Depósitos, SA no âmbito do processo n.º 376/13.0....


Vejamos.


2.1.1.O despacho de 06-12-2017, consubstancia uma decisão que, ao invés do pretendido, não decidiu da legitimidade processual da Caixa Geral de Depósitos, SA, tendo-se limitado a admitir a intervenção desta entidade nos referidos autos10. Constitui, por isso, uma decisão de forma (incidindo sobre um aspecto processual: a admissibilidade de intervenção de um terceiro) que, transitada, assume valor de caso julgado formal (eficácia obrigatória apenas dentro do processo onde foi proferido), tão só vinculativo inter partes11, mostrando-se, por isso, insusceptível de valer no âmbito dos presentes autos12, que são distintos da acção onde foi proferido.


2.2.2 Por outro lado, no posicionamento que defendem, as Recorrentes apartam-se do sentido e efeitos da decisão que julgou a Caixa Geral de Depósitos parte ilegítima.


Com efeito, residindo o objecto de uma acção na pretensão que o autor quer ver tutelada e identificando-se esta através do direito a ser protegido por esse meio, a individualização do mesmo consubstancia-se não só através do seu próprio conteúdo e objecto (o pedido) como por meio do acto ou facto jurídico que se considere que lhe deu origem (causa de pedir)13. Consequentemente, a sentença a proferir nesses termos, declarando determinado direito, apenas tomará em conta o acto ou facto jurídico donde provenha.


Está em causa a denominada teoria da substanciação que assume assento no nosso ordenamento jurídico e que, ao invés da teoria da individualização, exige sempre a indicação do título em que se fundamenta o direito afirmado pelo autor.


Uma vez que a identificação do direito que se pretende fazer valer em juízo passa, necessariamente, pela sua causa ou a fonte (acto ou facto constitutivo), esta (causa de pedir) tem de ser especificada, concretizada ou determinada e consiste em factos ou circunstâncias concretas e individualizadas, representando na acção o substrato material a que o juiz reconhecerá ou não força jurídica bastante para desencadear as consequências jurídicas adequadas.


Nessa medida, a eficácia de caso julgado encontra-se em estreita conexão com a natureza e definição do direito, sendo essa definição que torna irrefragável, no futuro, a solução concreta dada ao litígio.


Ora, no caso, a procedência da excepção de ilegitimidade passiva da Caixa Geral de Depósitos, SA tem subjacente o facto desta entidade não ser parte na relação material controvertida em causa no referido processo.


Na verdade, resulta da matéria de facto apurada nos presentes autos (cfr. n.º 10 dos factos provados) que as aqui Autoras propuseram, em 03-05-2011, acção contra a sociedade C........ . .........., Lda. (que correu termos sob o n.º 692/11.5..., no Tribunal Judicial do ...14), pedindo a declaração de nulidade do contrato de permuta que haviam celebrado com a Ré (acção que foi registada pela Apresentação nº 3128, em 17-05-2011).


Porém, na referida acção não foi deduzido qualquer pedido relativamente à nulidade da hipoteca, não tendo sido alegada factualidade essencial nesse sentido para a definição do objecto do processo e que necessariamente se teria de reconduzir à incidência, sobre o imóvel, de uma hipoteca a favor da Ré, que foi constituída para garantia do contrato de abertura de crédito/mútuo celebrado em 06-07-2009 entre a aqui Ré e a C........ . ..........., Lda. (hipoteca registada pela Apresentação n.º 4121, em 15-07-2009).


Verifica-se, pois, que a sentença proferida nos autos n.º 376/13.0..., que julgou a Caixa Geral de Depósitos, SA parte ilegítima e declarou a nulidade do contrato de permuta, circunscreveu o respectivo âmbito ao referido negócio (de permuta) alheada do direito da aqui Ré decorrente da hipoteca constituída sobre o imóvel para garantia do contrato de abertura de crédito/mútuo firmado para o efeito.


Assim sendo, claudica a alegada existência de identidade do objecto processual que se imporia para a aplicabilidade do artigo 279.º, do CPC, uma vez que a presente acção (segunda, relativamente aos autos n.º 376/13.0..., em que o efeito jurídico visado é a declaração de nulidade do contrato de abertura de crédito/mútuo com hipoteca celebrado entre a Caixa Geral de Depósitos, SA e a C........ . ..........., Lda.) não incide sobre o mesmo objecto.


2.2 Do alcance dos efeitos da declaração de nulidade da permuta (de imóvel) sobre direitos adquiridos, a título oneroso, sobre o mesmo bem por terceiro de boa fé


Defendem ainda as Recorrentes que em virtude da eficácia retroativa da declaração de nulidade da permuta, a C........, Lda. nunca teve, legitimidade (porque nunca chegou a ser proprietária) para constituir a hipoteca.


Quanto a este aspecto as Recorrentes encontram-se, também, equivocadas porquanto confundem a nulidade com uma figura jurídica distinta, a ineficácia.


De acordo com o artigo 715.º, do Código Civil, só tem legitimidade para hipotecar quem puder alienar os respectivos bens.


Conforme resulta dos autos (cfr. n.ºs 3 a 7 dos factos provados), a sociedade C........ . .........., Lda., para garantia do contrato de abertura de crédito/mútuo que celebrou com a Caixa Geral de Depósitos, SA, constitui hipoteca sobre o imóvel que adquiriu em virtude do contrato de permuta celebrado com as Autoras, por escritura pública em 06-07-2009 (tendo registado a a seu favor a aquisição do direito de propriedade em 15-07-2009 – apresentação 4120).


Por decisão judicial transitada em julgado (em 19-11-2020) no âmbito da acção que as aqui Recorrentes instauraram contra a C........ . .........., Lda. (Processo n.º 376/13.0...) foi declarada a nulidade do contrato daquela permuta.


É, pois, por força da declaração de nulidade deste negócio e do seu efeito retroactivo e com o cancelamento da respectiva inscrição de propriedade (artigo 289.º, n.º1, do Código Civil) que as Recorrentes consideram que a C........ . .........., Lda. não podia ter constituído a hipoteca a favor da Caixa Geral de Depósitos, SA, aqui Ré.


Conforme se encontra assinalado no acórdão recorrido, a declaração de nulidade do negócio não pode ser confundida com o negócio ineficaz:


(…) a situação dos autos não configura um caso de ineficácia por oneração de bem alheio, em que se poderia ponderar a nulidade reflexa do negócio constitutivo da hipoteca.


Na verdade, a sociedade que prestou a garantia havia recebido o imóvel das AA., no âmbito de um contrato de permuta com estas celebrado e para construção de um edifício no lote de terreno, com posterior entrega de fracções. À data em que a garantia foi prestada à aqui Ré, a sociedade mutuária detinha a propriedade do imóvel registada a seu favor, pelo que não estava a efectuar a oneração de um bem de outrem, mas antes a constituir uma hipoteca sobre imóvel registado a seu favor, nos precisos termos que lhe eram reconhecidos pelo art. 715.º do Código Civil.”.


Refere ainda o tribunal recorrido, citando Vaz Serra nas considerações feitas acerca da distinção entre a ineficácia e a nulidade de acto15: «a (alienação de coisa alheia) pode ser anulável, na relação entre o alienante e o adquirente, mas, em relação ao verdadeiro proprietário da coisa alienada, é mais do que nula ou anulável, pois é simplesmente ineficaz, como acto que lhe é totalmente estranho (res inter alios acta), não carecendo ele, portanto, de recorrer a qualquer meio jurídico de impugnação para obter que tal acto lhe não seja oponível. (…) já não se compreenderia que o proprietário de um objecto alienado por terceiro (não representante do proprietário e não provido, a outro título, do poder de disposição) fosse obrigado a fazer anular um negócio em que não interveio e que lhe é de todo estranho. (…) Consequentemente não carecem de anular a alienação efectuada (…): podem, pura e simplesmente desconhecê-la.».


A este propósito pode ler-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 15-03-2012 (Processo n.º 662/05.3TCSNT-A.L1.S1)16 em comentário à referida citação, “Vale isto por dizer que a nulidade reporta-se apenas às relações entre o vendedor e o comprador, e não em relação ao verdadeiro proprietário da coisa relativamente ao qual, sendo “res inter alios”, é tão só ineficaz, podendo este, em consequência, reivindicar a coisa enquanto não se operar a aquisição originária (usucapião) a favor do adquirente.”.


Não sendo a situação dos autos um caso de ineficácia do contrato de permuta, mas de nulidade por impossibilidade originária do negócio (cfr. artigos 280.º, n.º1 e 401.º, n.º1, ambos do Código Civil – n.ºs 8 a 10 dos factos provados), como bem evidenciou o acórdão recorrido, a aqui Ré, porque, como vimos, não se encontra vinculada pela declaração de nulidade da permuta.

Improcedem, assim, na sua totalidade, as conclusões do recurso.

IV. DECISÃO


Nestes termos, acordam os juízes neste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando o acórdão recorrido.


Custas pelas Autoras.

Lisboa, 16 de Janeiro de 2024

Graça Amaral (Relatora)


António Barateiro Martins


Luís Espírito Santo





_________________________________________________

1. Matéria objecto de alteração parcial pelo tribunal a quo, porquanto a sentença havia fixado nos seguintes termos: “Em 06.12.2017, foi proferido despacho, no referido processo nº 376/13.0..., determinando a intervenção da ora Ré Caixa Geral de Depósitos, nos seguintes termos:

1. Na presente ação declarativa, instaurada por AA e BB contra a C.......... . ..........., Lda, pretende-se, no essencial e a título principal, a restituição às Autoras de um prédio descrito na Conservatória do Registo Predial do ... com o número n.º 03552/20050902 em consequência da declaração de nulidade ou resolução de um contrato de permuta, celebrado entre as Autoras e a Ré, no dia 06.07.2009.

2. No decurso da ação, a Ré foi declarada insolvente e os autos foram apensados ao processo de insolvência.

3. Na sequência de uma tentativa de conciliação, a Caixa Geral de Depósitos (CGD), por ser titular de uma hipoteca registada sob o imóvel, foi notificada dos termos da proposta de transação a fim de se pronunciar - cf. ref.ª 73555632, fls. 328 a 330.

4. Por requerimento datado de 23.11.2016, a CGD veio confirmar a titularidade da hipoteca, esclarecendo que a mesma serve de garantia a um crédito concedido à Ré e reconhecido pelo Administrador da Insolvência. Mais advertiu que a transação proposta pelas partes é ilegal, por violação dos artigos 192.º e ss, do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE) e que, por força do artigo 291.º do Código Civil (CC), qualquer decisão que viesse a ser proferida nos presentes autos no sentido da nulidade ou anulação do negócio jurídico celebrado entre as Autoras e a Insolvente sempre lhe seria inoponível – cf. fls. 331 a 346

5. Entretanto, foi proferido o despacho saneador, com identificação do objeto do litígio e dos temas da prova e com a admissão dos meios de prova a produzir – cf. ref.ª 74250497, fls. 348 a 352.

6. Após a prolação do referido despacho, as Autoras vieram, por requerimento datado de 21.02.2017, expor e requer o seguinte: a decisão que venha a ser proferida é oponível à hipoteca registada a favor da CGD; atendendo ao limite temporal do artigo 318.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil (CPC), as Autoras já não poderão chamar a juízo a CGD; no entanto, a CGD tem conhecimento do que se discute na ação; atendendo à sua qualidade e título relativos ao imóvel em causa, entende-se que a CGD deverá poder defender no processo a sua posição, requerendo que se assim se proceda ao abrigo do princípio da adequação processual (artigo 547.º, do CPC) – cf. fls. 353-354.

7. Por despacho datado de 03.04.2017, as Autoras foram convidadas a concretizarem devidamente o requerido e a aperfeiçoarem o requerimento em causa- cf. ref.ª 74951317, fls. 355-356.

8. Por requerimento datado de 27.04.2017, as Autoras vieram esclarecer o seguinte: a sua pretensão é a restituição do imóvel desonerado da hipoteca a favor da CGD; a declaração de nulidade ou anulação do contrato de permuta celebrado pelas partes é oponível à hipoteca; esclarecendo os pedidos formulados na petição inicial ou, se assim se entender, recorrendo ao regime da ampliação do pedido prescrito no artigo 265.º, n.º 2, do CPC, a devolução/restituição do imóvel aí peticionada há-de ser entendida, naturalmente, com o imóvel livre e desonerado de ónus ou encargos, isto é, a decisão que declarar a nulidade ou anular o negócio jurídico celebrado entre as Autoras e a Ré deverá também determinar que essa decisão de nulidade/anulação é oponível à CGD quanto a hipoteca de que a mesma é beneficiária (artigo 291.º, n.ºs 1 e 2, da CGD); para o efeito, a CGD deverá poder defender aqui a sua posição, sendo esta situação que determina a intervenção da CGD nos autos, não tendo a mesma sido referida desde logo na petição inicial porque as Autoras desconheciam essa hipoteca; por conseguinte, o que pretendem é que o Tribunal, ao abrigo dos princípios da celeridade e gestão processuais e dos princípios da adequação formal, do contraditório e do inquisitório, notifique a CGD para esta, querendo, enquanto beneficiária da hipoteca se oponha, nos termos do artigo 333.º e ss do CPC, à pretensão das Autoras – cf. fls. 357 a 359.

9. Por requerimento datado de 04.05.2017, a CGD veio pronunciar-se sobre a pretensão das Autoras nos seguintes termos:

“a CGD não é parte na ação; a hipoteca já se encontrava registada aquando da instauração da ação; se as Autoras queriam obter uma decisão oponível à CGD impunha-se que a tivessem incluído ab initio na presente ação; por conseguinte, o requerido deve ser indeferido – cf. fls. 360 a 366. 10. Em requerimento posterior, datado de 18.05.2017.

10. As Autoras vieram reiterar que desconheciam a existência da hipoteca quando a ação foi proposta e salientam que a posição da CGD viola o princípio da adequação processual pelo que não pode ser aceite – cf. fls. 368 a 373. 11. Vejamos.

12. Para decidir corretamente a questão em debate, importa considerar os seguintes factos, que resultam dos documentos juntos aos autos (não impugnados):

a. O contrato de permuta em discussão foi celebrado em 06.07.2009 (cf. cópia da escritura de fls. 35 e ss.);

b. Pela apresentação 4121 de 15.07.209 foi inscrita, na Conservatória do Registo Predial do ..., sob o imóvel em causa uma hipoteca a favor da CGD (cf. informação do registo predial de fls. 363 a 365);

c. A presente ação foi inscrita no registo predial pela apresentação 3128, de 17.05.2011 (cf. informação do registo predial de fls. 363 a 365).

13. Expostos os factos relevantes importa subsumi-los às normas legais pertinentes.

14. O pedido principal formulado pelas Autoras consiste na nulidade do contrato de permuta celebrado em 06.07.2009 entre as mesmas e a Ré, devido a vícios substantivos que, na sua perspetiva, afetam a validade do negócio jurídico.

15. A declaração de nulidade produz os efeitos previstos no artigo 281.º, do Código Civil (CC), que, por força do artigo 291.º, n.º 2, CC, incluem os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a título oneroso, por terceiro de boa fé, se a ação for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio, como se verifica no caso concreto.

16. Isto significa que a hipoteca registada a favor da CGD será afetada pela declaração de nulidade, tal como as Autoras sustentam, na medida em que se trata de um efeito decorrente diretamente da declaração de nulidade do negócio jurídico celebrado entre as Autoras e a Ré, ainda que não esteja expressamente formulado na petição inicial. Ou seja, a sentença que declarar a nulidade do negócio implica, enquanto efeito necessário dessa declaração, a nulidade dos referidos direitos incluídos na previsão do artigo 291.º, n.º 2, do CC.

17. Isto significa, concomitantemente, que a CGD tem interesse direto em contradizer e, nessa medida, não sendo um terceiro juridicamente indiferente face à relação material controvertida, mas um dos sujeitos diretamente afetados pela mesma, a sentença que viesse a ser proferida, sem a intervenção da CGD na ação, veria tolhido o seu efeito útil, pois não teria qualquer efeito em relação à CGD. Ou seja, devido a uma insuficiência subjetiva processual a sentença não lograria produzir todos os efeitos substantivos que a lei lhe atribui. Dito ainda de outra forma e reiterando: a amplitude de efeitos que a lei substantiva estipula não seria alcançada devido a uma falência do processo, ao nível das partes intervenientes.

18. Ora, é justamente para este tipo de situações que a lei processual prevê, no artigo 33.º, n.º 2, do CPC, o litisconsórcio necessário, no caso litisconsórcio necessário passivo. Neste mesmo sentido se pronunciou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22.06.2004, processo n.º 7203/2003-7, in www.dgsi.pt, a propósito de uma ação em que se pedia a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda, mas que por identidade de razões é aplicável ao pedido de declaração de nulidade de um contrato de permuta, e no qual se exarou o seguinte: “[n]uma acção de condenação em que se pretende a declaração de nulidade de um contrato de compra e venda de um imóvel entretanto registado a favor do comprador, sobre o qual também foi inscrita hipoteca voluntária a favor de terceiro, a falta de demanda do credor hipotecário importa preterição de litisconsórcio necessário passivo”.

19. Esclarecidas estas premissas a conclusão que se alcança é que se verifica, nos autos, a preterição de um litisconsórcio necessário passivo.

20. A preterição de um litisconsórcio necessário passivo é uma exceção dilatória (cf. artigo 577.º, alínea e), do CPC) e uma exceção passível de ser sanada mediante um incidente de intervenção principal provocada – cf. artigo 316.º, do CPC – sendo evidente que a intervenção nos autos da CGD, a título meramente incidental, não se enquadra na figura.

21. A questão que se coloca é se é possível sanar a referida exceção neste momento. Considera-se que sim.

22. Assim, é certo que as Autoras não fizeram alusão à hipoteca na petição inicial. O que, diga-se, é revelador de negligência. Contudo, tendo sido ou não negligentes, a verdade é que a Ré fez referência à mesma nos artigos 23.º e 24.º da contestação. Nesta medida, deveria ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea a),do CPC, em conjugação com o artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma legal. Estas normas têm subjacente um poder-dever do Tribunal, cuja omissão consubstancia uma nulidade nos termos do artigo 195.º, n.º 1, do CPC.

23. Dado o estado dos autos, os mesmos teriam de prosseguir para a realização da audiência de julgamento, sendo certo que, a final, esta diligência revelar-se-ia de todo inútil, porquanto a Ré teria de ser absolvida da instância por preterição de litisconsórcio necessário passivo. É este tipo de inutilidades que a solução plasmada no artigo 199.º, n.º 2, do CPC, visa evitar, atribuindo ao juiz o poder-dever de sanar as irregularidades suscetíveis de afetar atos a que presida, como seria o caso da audiência de julgamento, e que, por maioria de razão, devem ser reparadas antes da prática de qualquer ato inútil.

24. Dito isto, impõe-se, então, aplicar o artigo 195.º, do CPC, que tem subjacente uma lógica de aproveitamento processual. Por conseguinte, considera-se que é necessário, em primeiro lugar, admitir a intervenção da CGD como associada da Ré, nos termos e para os efeitos dos artigos 316.º, n.º 1, do CPC, e 319.º, do mesmo diploma legal.

25. É certo que as Autoras não requereram expressamente a intervenção da CGD nestes termos. Efetivamente, no requerimento datado de 27.04.2017 aludem à figura jurídica da oposição. Contudo, nesse requerimento expõem, de forma suficiente, os fundamentos substantivos da intervenção da CGD, designadamente a existência da hipoteca e os efeitos do pedido de declaração de nulidade do contrato de permuta em relação mesma, sendo certo que o enquadramento jurídico dos termos da intervenção é matéria que cai na alçada da liberdade de qualificação jurídica prevista no artigo 5.º,n.º 3, do CPC. Mais se verifica que a Ré foi notificada para exercer o contraditório (cf. ref.ªs 75223067 e 75350042) e quanto à CGD não tem de ter intervenção antes do chamamento.

26. É certo ainda que as Autoras não liquidaram a taxa de justiça devida pelo incidente. Contudo, nada obsta, por razões de celeridade processual, especialmente justificadas pelo facto da presente ação estar apensada a um processo de insolvência que se encontra em fase de liquidação, que a admissão da CGD fique condicionada ao pagamento da taxa de justiça devida com as consequências previstas no artigo 642.º,ns 1 e 2, do CPC, aplicável por analogia, ou seja, caso não procedam ao pagamento da taxa de justiça, mesmo após o cumprimento do artigo 642.º, n.º 1, do CPC, o requerimento datado de 27.04.2017, que se considera ser o fundamento da intervenção da CGD, será desentranhado e, em consequência, a Ré será absolvida da instância por preterição de litisconsórcio necessário passivo.

27. No que respeita aos atos entretanto praticados após os articulados, não há razões, por ora, para proceder à sua anulação, pois, mesmo em relação aos despachos a que aludem os artigos 595.º e 596.º, ambos do CPC, poderá não ser necessária a introdução de alterações. Só após a intervenção da CGD e em função do que for alegado será possível aferir da necessidade de anulação total ou parcial dos referidos despachos, o que se relega para esse momento.

28. Em face de todo o exposto:

a. Reconhece-se a existência de uma nulidade por não cumprimento do disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea a), do CPC, em conjugação com o artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, para efeitos de sanação da exceção de preterição de litisconsórcio necessário passivo quanto à ausência, na ação, da CGD;

b. Em consequência e deferindo o requerido pelas Autoras no requerimento datado de 27.04.2017, de fls. 357 a 359, admite-se a intervenção da CGD nos autos, enquanto associada da Ré, nos termos e para os efeitos do artigo 316.º, n.º 1, do CPC, intervenção esta condicionada à autoliquidação pelas Autoras da taxa de justiça devida pelo incidente no prazo de dez dias, sob pena de aplicação do disposto no artigo 642.º, n.º 1, do CPC (aplicável pela analogia) e, em último caso, de absolvição da Ré da instância;

c. Após liquidação da taxa de justiça pelas Autoras, determina-se a citação da CGD, na sua própria pessoa, nos termos do artigo 319.º, do CPC, devendo-lhe ser remetida cópia dos articulados e respetivos documentos (incluindo fls. 120 a 126, 267 a 313), cópia do despacho com a ref.ª 74250497, de fls. 348 a 352, cópia do requerimento das Autoras datado de 27.04.2017, de fls. 357 a 359 e cópia do presente despacho (valendo a citação também como notificação do presente despacho);

d. Após intervenção da CGD, decidir-se-á da anulação total ou parcial ou não dos despachos proferidos nos autos ao abrigo dos artigos 595.º e 596.º, ambos do CPC. 29.

Custas do presente incidente pelas Autoras, fixando-se a taxa de justiça em três unidades de conta, tendo em conta a perturbação processual originada – cf. Artigo 539.º, n.º 1, do CPC e tabela II anexa ao Regulamento das Custas Processuais.

30. Valor do incidente: igual ao valor da ação. (…)” [Vide doc. judicial de fls. 75 a 83].”↩︎

2. Redacção do ponto 13 foi alterada pelo tribunal a quo, que procedeu ao aditamento dos pontos 14 a 19.↩︎

3. A sentença considerou que não se encontrava decorrido o prazo de três anos previsto no artigo 291.º, n.º2, do Código Civil, julgando improcedente a excepção de caducidade. Justificou tal entendimento por considerar que tendo a Ré sido declarada parte ilegítima e absolvida da instância na anterior acção, as Autores propuseram nova acção (ao abrigo do n.º2 do artigo 279.º do CPC) com o mesmo objecto no prazo de no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.↩︎

4. Segundo as Recorrentes tal ampliação foi pedida e discutida nos referidos autos pois, embora tal pretensão não tivesse sido expressamente deduzida na petição, a mesma foi objecto de ampliação pelo referido despacho.↩︎

5. Segundo as Recorrentes, a Caixa Geral de Depósitos, SA quando onerou o imóvel com hipoteca não tinha poderes e legitimidade como proprietária sobre o imóvel↩︎

6. De acordo com o artigo 279.º, n.º 1, do CPC, tendo o réu sido absolvido da instância, pode o autor interpor-lhe nova acção, com o mesmo pedido e causa de pedir; nesse caso, “(…) os efeitos civis da propositura da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela centro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância.”.↩︎

7. Cumpre realçar que o referido despacho, proferido após despacho saneador e da identificação do objeto do litígio e dos temas da prova, emana do requerimento das Autoras, datado de 21-02-2017, em que expunham a necessidade de a decisão a proferir nos referidos autos ser oponível à hipoteca registada a favor da CGD, solicitando que, em nome do princípio da adequação processual, pudesse a mesma intervir nos autos para defender a sua posição.↩︎

8. Ainda que, no caso, não constitua questão que se imponha resolver, cabe significar que a doutrina e a jurisprudência não se mostram consentâneas quanto ao sentido interpretativo da ressalva prevista no preceito “sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade” (se relativamente a tais institutos rege em exclusivo o que se dispõe no Código Civil; se o regime processual não prejudica o aludido regime civil, aplicando-se a lei adjectiva sempre que a absolvição da instância na primeira causa decorra de motivo processual imputável ao titular do direito, ainda que num prazo mais curto, sendo aplicada a lei civil quando a absolvição da instância se deva a motivo não imputável ao titular do direito), conforme se encontra explanado no acórdão do tribunal da Relação do Porto de 22-10-2018 (Processo n.º 30/17.3T8VCL-A.P1), bem como no acórdão do tribunal da Relação de Lisboa de 18-06-2019 (Processo n.º 1011/14.4TBALM.L2-1), acessíveis através das Bases Documentais do ITIJ.↩︎

9. Estando em causa um prazo que não tem natureza processual, mas substantiva. Assim, tendo a anterior acção transitado em julgado a 19-11-2020 (cfr. n.º18 dos factos provados), o prazo de 30 dias terminaria a 19-12-2020, que, sendo sábado, transferia-se para o primeiro dia útil (21-12-2020).↩︎

10. Aliás, o acórdão proferido no âmbito daqueles autos é esclarecedor ao considerar: “ (…) é verdade que, subjacente à decisão de admitir a intervenção principal provocada da recorrida CGD, está o entendimento de que esta última tem legitimidade processual passiva. Porém, daí não resulta a inadmissibilidade de decisão posterior que declare a recorrida CGD parte ilegítima, com a consequente absolvição da instância. A questão de natureza processual que o despacho de 06.12.2017 decidiu foi exclusivamente a admissão da intervenção principal provocada da recorrida CGD, sendo o juízo sobre a legitimidade passiva desta um mero pressuposto dessa decisão. Tem de se entender que este juízo tem a sua eficácia circunscrita ao incidente de intervenção principal provocada, não ficando o tribunal impedido de, em momento ulterior do processo, decidir que, na realidade, o chamado carece de legitimidade processual. Entendimento diverso violaria o princípio do contraditório (artigo 3.º do CPC), pois o chamado, que não é ouvido no incidente (o n.°2 do artigo 318."do CPC apenas determina a audição da parte contrária ao requerente), ficaria impedido de se pronunciar sobre a sua própria legitimidade↩︎

11. Cfr. acórdão do STJ de 25-03-2021, Processo n.º 17335/18.9T8PRT.P1.S1↩︎

12. Consequentemente, carece de qualquer cabimento legal a pretendida aplicação do regime 625.º, do CPC, independentemente de ocorrer (ou não) contradição de julgados entre aquele despacho e a sentença que julgou a Caixa Geral de Depósitos, SA parte ilegítima. Os efeitos daquele despacho não são extensíveis à aqui Recorrida, sendo que, relativamente à ela, sob pena de violação do caso julgado (designadamente na vertente de autoridade do caso julgado), não pode deixar de assumir relevância o trânsito em julgado da sentença que apreciou e decidiu quanto à ilegitimidade da CGD naquela acção.↩︎

13. Atento ao preceituado no artigo 581.º, nº. 4, do CPC, é lícito definir causa de pedir como sendo o acto ou facto jurídico de que deriva o direito que se invoca ou no qual assenta o direito invocado pelo autor.↩︎

14. Uma vez que a Ré, C........ . ..........., Lda., foi declarada insolvente em 12-07-2013, a referida acção foi apensa aos autos de insolvência, passando a correr termos sob o n.º 376/13.0..., no Juízo de Comércio de ... – Juiz ... (cfr. n.º 11 dos factos provados).↩︎

15. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, p. 59, em anotação ao acórdão do STJ de 29/07/1966 (BMJ, 97.º, 368).↩︎

16. Onde se refere no respectivo sumário: “I - O regime do art. 291.º do CC – inoponibilidade da nulidade e da anulação – não abrange a hipótese do negócio jurídico ser declarado ineficaz. II - Sendo a nulidade de um negócio jurídico de compra e venda declarada em acção em que não foi interveniente terceiro juridicamente interessado – titular de hipoteca registada sobre o imóvel e constituída por quem tinha legitimidade em face do negócio ulteriormente anulado – aquela decisão não se lhe impõe”.↩︎