Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3424/18.3T8VIS.C1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: RIJO FERREIRA
Descritores: RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA
INTERMEDIÁRIO
BANCO
DEVER DE INFORMAÇÃO
PRESUNÇÃO DE CULPA
NEXO DE CAUSALIDADE
INCUMPRIMENTO
CUMPRIMENTO DEFEITUOSO
ÓNUS DA PROVA
DANO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAR
APLICAÇÃO FINANCEIRA
VALORES MOBILIÁRIOS
ACÓRDÃO UNIFORMIZADOR DE JURISPRUDÊNCIA
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
Em resultado da aplicação ao caso dos autos da decisão uniformizadora proferida pelo Pleno das Secções Cíveis do STJ (AUJ n.º 8/2022), considera-se ilícita a conduta do réu intermediário financeiro por violação dos deveres de informação a que se encontrava adstrito e verificado o nexo de causalidade entre essa violação e o dano da perda do capital investido.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA



NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA


ENTRE

AA

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Autor / Apelado / Recorrido

CONTRA

BANCO BIC PORTUGUÊS, SA

(aqui patrocinado por ..., adv.)

Réu / Apelante / Recorrente



I – Relatório

O Autor intentou a presente acção pedindo a condenação do Réu a restituir-lhe o capital de 300.000,00 acrescido de juros à taxa legal de 4% desde a citação e a pagar-lhe 5.000,00 € a título de dano não patrimonial, alegando, para fundar tal pedido, que era cliente do BPN e que o gerente da agência de ... lhe propôs uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo próprio banco e rentabilidade assegurada. Tendo anuído em tal aplicação, subscreveu então seis obrigações SLNRM2-SLN 2006, no valor nominal de € 50.000,00, totalizando € 300.000,00. Certo é que o autor desconhecia a natureza de tal produto, designadamente que ao mesmo estivesse associado qualquer risco, porquanto o mesmo lhe foi apresentado como se tratasse de um depósito a prazo. Porém, mais tarde, quando reclamou o reembolso do capital, o mesmo foi-lhe negado, o que lhe tem causado um permanente estado de preocupação e ansiedade.

O Réu contestou por impugnação e invocando a prescrição.

A final foi proferida sentença que, considerando que o Réu se constituiu em responsabilidade pré-contratual (por violação de dever de informação) e contratual (por não cumprimento da garantia de restituição do capital) e não ser aplicável o prazo prescricional de 2 anos mas sim o de 20 anos, julgou improcedente a excepção de prescrição e procedente a acção, condenando o Réu a pagara ao Autor a quantia de 300.000,00 €, acrescida de juros à taxa legal de 4% desde 19JUL 2018 até integral pagamento, bem como 5.000,00 € a título de indemnização por dano não patrimonial.

Inconformado, apelou o Réu concluindo, em síntese, por erro na decisão de facto e erro de direito quanto à prestação de garantia de restituição do capital e quanto à existência de nexo causal.

A Relação, mantendo inalterada a matéria de facto e considerando que a conduta do Réu foi ilícita por violação de dever de informação, com culpa grave, ocorrendo nexo causal por ser evidente que se tivesse sido cumprido o dever de informação o Autor não teria investido naquela aplicação, confirmou, unanimemente, a sentença recorrida.

Irresignado veio o Réu interpor recurso de revista excepcional (que foi, entretanto, admitido) concluindo, em síntese, pela inexistência de ilicitude e de nexo causal.

Houve contra-alegação onde se propugnou pela manutenção do decidido.


II – Da admissibilidade e objecto do recurso

O recurso mostra-se-já admitido.

Destarte, merece conhecimento.

Vejamos se merece provimento.

           


-*-


Consabidamente, a delimitação objectiva do recurso emerge do teor das conclusões do recorrente, enquanto constituam corolário lógico-jurídico correspectivo da fundamentação expressa na alegação, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio.

De outra via, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.e., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.

Por outro lado, ainda, o recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do litígio (limitando-se a repetir o que já alegara nas instâncias), mas se lhe imponha o ónus de alegar, de indicar as razões por que entende que a decisão recorrida deve ser revertida ou modificada, de especificar as falhas ou incorrecções de que em seu entender ela padece.

Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras.

Assim, em face do que se acaba de expor e das conclusões apresentadas, a questão a resolver resume-se a verificar se o Réu violou o seu dever de informação e se existe nexo de causalidade entre essa violação e o dano sofrido.


III – Os factos

Das instâncias vêm fixada a seguinte factualidade:

Factos Provados:

1 – O BPN – Banco Português de Negócios, SA, enquanto sociedade incorporante e o Banco BIC Português, SA, como sociedade incorporada, procederam à sua fusão mediante transferência do património do Banco BIC para o BPN (artigo 1º da petição inicial, artigo 43º da contestação);

2 – O BPN, na sequência de tal operação de fusão registada na Conservatória do Registo Comercial tem atualmente a denominação de Banco BIC Português, SA, mantendo na sua titularidade todos os direitos e obrigações daquele (artigo 2º da contestação);

3 – O autor era cliente do BPN, na sua agência de ..., com a conta à ordem nº ...01, onde depositava e movimentava dinheiro, constituía poupanças e efetuava pagamentos (artigo 3º da petição inicial);

4 – Após a fusão supra referida a conta do autor no BPN passou a corresponder no BIC ao número de identificação bancário  ...07, NIB que se mantém (artigo 4º da petição inicial);

5 – No dia 26 de abril de 2006, o gerente do BPN da agência de ..., transmitiu ao autor que tinha uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade semestral garantida, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros (artigos 11º, 12º, 38º da petição inicial);

6 – Nessa ocasião, o gerente da agência do BPN de ... transmitiu ainda ao autor que não obstante tratar-se de uma aplicação a 10 anos, era possível levantar o capital e os juros quando o desejasse, bastando avisar a agência com antecedência de quinze dias, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 13º, 14º, 39º da petição inicial);

7 – À data, o BPN era uma instituição que oferecia total confiança ao investidor (artigo 22º da petição inicia);

8 – Quando lhe transmitiu tal informação, o funcionário do BPN não ignorava que o autor não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnicas ou experiência adquirida que lhe permitissem conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros, avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem (artigo 16º da petição inicial);

9 – À data da subscrição, o autor tinha 55 anos de idade, era agricultor, e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, sempre as aplicara em depósitos a prazo, nunca tendo tido intenção de investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu (artigos 18º e 45º, da petição inicial);

10 – O gerente não informou o autor que se tratava e uma operação não adequada ao seu perfil, que ao adquirir aquelas obrigações perdia o controlo sobre o dinheiro investido, que não o podia movimentar, levantar ou gastar até 9 de maio de 2016, data do termo de maturidade, a não ser que solicitasse o seu resgate antecipado, e que tal aplicação comportava um empréstimo à SLN, como consta do boletim de subscrição cuja cópia consta de fls 13 (artigos 17º, 41º, 42º, 43º, 44º da petição inicial)

11 – Convicto de que estava a aplicar o seu dinheiro numa aplicação segura, com as caraterísticas de um depósito a prazo, de capital garantido pelo BPN e juros remuneratórios convencionados, o autor aceitou então aplicar € 300.000,00, dando instruções nesse sentido e limitando-se a assinar sem qualquer outra explicação o papel comercial de subscrição em papel timbrado do BPN cuja cópia consta de fls 13 destes autos, relativo a seis obrigações no valor nominal de € 50.000,00 cada uma, com a designação de SLNRM2-SLN 2006 (artigos 5º, 19º, 20º, 21º, 45º da petição inicial, artigo 55º da contestação);

12 – Tal papel subscrito pelo autor foi previamente preenchido por funcionário do réu (artigo 22º da petição inicial);

13 – Os produtos “SLNRM2-SLN 2006” subscritos pelo autor constituem seis obrigações ao portador, sob a forma escritural, com o valor nominal de € 50.000,00 cada, com data de liquidação financeira de 6 de maio de 2006, com o prazo de emissão a dez anos (artigo 6º da petição inicial);

14 - A remuneração de tal obrigação envolvia o pagamento de juros semestral e postecipadamente de juros semestral e postecipadamente às seguintes taxas (cupões): a) 1º semestre à taxa nominal bruta de 4,5 %, a que correspondia uma taxa anual efetiva líquida de 3,632%; nove cupões seguintes à taxa Eribor de 6 meses acrescida de 1,14%; c) restantes semestres à taxa Euribor 6 meses, acrescida de 1,50% (artigo 7º da petição inicial);

15 – O autor desconhecia a natureza das obrigações SLNRM2-SLN 2006 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de € 300.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retorno garantido do capital e juros pelo banco BPN, atualmente BIC, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi apresentado, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado (artigos 8º, 9º, 10º, da petição inicial);

16 - O pagamento tempestivo de juros manteve-se até ao semestre terminado em maio de 2015, reforçando a confiança do autor (artigo 23º da petição inicial);

17 – Porém, desde então, o BIC não procedeu ao pagamento de mais nenhuns juros e negou o reembolso do capital, remetendo a responsabilidade para a SLN (artigos 24º e 25º da petição inicial);

18 –No decurso do mês de fevereiro de 2017, o réu, através dos seus funcionários, entregou ao autor, uma minuta de uma reclamação a pedir o reembolso do capital, que aquele apresentou sem que réu lhe tivesse restituído a quantia em causa (artigos 26º e 27º da petição inicial);

19 – Caso o autor tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto em que o capital não era garantido pelo BPN, e se tivesse sido informado dos capítulos “reembolso antecipado” e “garantias e subordinação” da respetiva nota informativa, não autorizaria tal subscrição, dado que nunca foi sua intenção investir em produtos de risco (artigos 29º, 32º, 47º da petição inicial);

20 – Para o autor a denominação SLNRM2-SLN 2006 correspondia a uma conta a prazo, o que era reforçado pelas denominações atribuídas pela ré a qualquer conta a prazo (artigos 30º e 31º da petição inicial);

21 – As orientações e comunicações internas existentes no BPN transmitidas aos seus comerciais e balcões, consistiam em afirmar reiteradamente a segurança, solidez, rentabilidade do produto em causa e de que o banco cobriria sempre a sua solvabilidade, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigos 33º e 34º da petição inicial);

22 – Na execução de tais diretivas, o réu e os seus funcionários empenharam-se na colocação de tais produtos, assegurando a inexistência de qualquer risco quanto ao reembolso do capital e dos juros, como se de um depósito a prazo se tratasse (artigo 35º da petição inicial);

23 - Nunca o gerente ou funcionários do BPN leram ou explicaram ao autor o que eram as obrigações em causa, agindo convencidos de acordo com as orientações e comunicações superiores que receberam, que as referidas obrigações constituíam um produto seguro, sem qualquer risco para os subscritores (artigos 36º e 37º da petição inicial);

24 – Até ao momento, o autor não foi reembolsado de qualquer quantia correspondente ao capital aplicado, reembolso esse que lhe foi negado em carta do réu de 2 de novembro de 2017, em resposta à reclamação por aquele subscrita em fevereiro de 2017 (artigo 48º da petição inicial);

25 – O autor tem vivido com dificuldades financeiras e num estado permanente de preocupação, stress, tristeza e ansiedade por ter sido desapossado das suas economias e perante a indefinição da possibilidade de poder reaver o seu dinheiro (artigos 54º, 55º, 56º da petição inicial);

26 – A operação supra-mencionada (5.11) constituiu um ato em que o réu intermediou a aquisição do produto financeiro em causa (artigo 1º da contestação);

27 – No mês seguinte a tal operação, o autor recebeu por correio o aviso de débito correspondente à operação efetuada, bem como recebeu os avisos de crédito a cada seis meses relativos aos juros, assim como recebia extratos mensais periódicos, onde apareciam discriminadas, num título denominado “Carteira de títulos” e num subtítulo denominado “obrigações” as suas aplicações financeiras, de forma separada em relação aos depósitos a prazo, o que nunca suscitou da sua parte qualquer reclamação (artigos 5º, 6º, 7º, 57º, 58º, 59º, 60º da contestação);

28 – O risco de uma obrigação está indexado à solidez financeira da entidade emitente (artigo 19º da contestação);

29 - As obrigações em causa nos autos foram emitidas pela sociedade titular de 100 % do capital social do banco BPN até 2008, altura em que foi nacionalizado, sendo o banco um garante de solvabilidade de tal sociedade por ser um dos principais ativos do seu património (artigos 20º, 23º e 35º da contestação);

30 - À data da subscrição supra mencionada, o Fundo de Garantia de Depósitos era de € 25.000,00 por conta bancária (artigo 46º da contestação);

31 - À data da subscrição em causa era comum e rápido endossar as Obrigações em causa a terceiros porque tais títulos tinham elevada procura, atenta a sua rentabilidade (artigo 69º da contestação);

32 - A presente ação foi instaurada no dia 11 de julho de 2018, e o réu foi citado no dia 19 de julho de 2018 (artigo 11º da contestação e aviso de receção de fls 21 - factos provados documentalmente nos termos do disposto no artigo 607º, nº 4, CPC).


*

Não resultou provada a factualidade alegada nos artigos:

- 18º(parcialmente), 56º (parcialmente) da petição inicial;

- 4º, 11º (parcialmente), 21º, 22º, 25º a 29º, 32º a 34º, 35º (parcialmente), 36º a 39º, 44º, 45º, 47º a 51º, 54º, 62º a 68º, 70º a 73º, da contestação;


*

Não se responde à matéria alegada nos artigos:

- 49º a 53º 57º a 71º, da petição inicial;

- 2º, 3º, 8º a 10º, 12º a 18º, 24º, 30º, 31º, 40º a 43º, 52º, 53º, 56º, 61º, 74 a 76º, da contestação;

- alegação constante do articulado de resposta às exceções.

Por ser matéria repetida, de direito, conclusiva, inócua para a decisão da causa, reconduzir-se a mera impugnação ou constituir remissão para meios de prova.


IV – O direito

Entenderam as instâncias, e não vem posto em causa, que a intervenção do Banco BPN no processo de subscrição pelo A., em Abril de 2006, do produto financeiro Obrigação SLN 2006, é qualificável como actividade de intermediação financeira, abrangida pelo regime do Código dos Valores Mobiliários, na redacção em vigor à data da subscrição.

Nos termos da fundamentação do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 8/2022, proferido em processo no qual estavam em causa o mesmo produto financeiro e as mesmas entidades financeiras, diferindo apenas a pessoa do investidor, termos que são, por isso, válidos para o caso dos autos:

«Enquanto intermediário financeiro, o Banco tratou da comercialização, aos seus balcões, das Obrigações SLN, executando ordens de subscrição –  que lhe foram transmitidas pelo Autor –  das obrigações emitidas por uma terceira entidade – a SLN-Sociedade Lusa de Negócios, S.A. [artigos 289.°, n.°1, 290.°, n.°1, al. b) e 293.°, n.°1, al. a), todos do Código dos Valores Mobiliários, aprovado pelo Decreto-Lei n.°486/99, de 13 de novembro], donde resulta a qualificação jurídica da intervenção do Banco como um serviço e uma atividade de intermediação financeira e o contrato celebrado entre o Autor e a Ré um contrato de intermediação financeira (...).
Atendendo ao papel dos “denominados intermediários financeiros, cuja função é, precisamente, promover (de forma interessada) a conciliação entre as duas vontades de sentido oposto mas convergente, fazendo com que as poupanças dos (potenciais) investidores sejam eficientemente afetadas à atividade de quem as procura – cabe-lhes, pois relacionar e conciliar a oferta e a procura de valores mobiliários (…) dúvidas não há que a formação de decisões de investimento informadas e a prevenção de lesões dos interesses patrimoniais dos clientes investidores não deixarão de figurar como corolário dos deveres a que os intermediários financeiros estão vinculados.” (...)
Assim, os intermediários financeiros na qualidade de agentes económicos especialmente qualificados que, no mercado de valores mobiliários, prestam, simultaneamente, aos emitentes e aos investidores, contra remuneração, os serviços de realização das transações por sua conta (ou seja, propiciam o encontro entre os investidores/aforradores e os emitentes/captadores de fundos) e estão obrigados a providenciar ao investidor todos os elementos necessários à tomada de decisões esclarecidas de investimento. Daí que, de entre os deveres dos intermediários financeiros previstos especialmente no Código de Valores Imobiliários (CVM), ressaltem, entre outros, os deveres de informação ao cliente.
Enquanto intermediário financeiro [cf. artigos 289.°, n.°1, al. a) e 290.°, n.° 1, al. c) do CVM] o banco estava obrigado ao cumprimento dos princípios ou regras de conduta estabelecidas nos artigos 304.° a 342.° do CVM.».

Entre esses deveres assumem especial relevância os deveres de informação, considerando-se, mais uma vez nos termos da fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que:

«[A] informação a prestar pelo intermediário financeiro ao investidor (cliente) relativa a atividades de intermediação e emitentes, que seja suscetível de influenciar as decisões de investimento, deve ser completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita (artigo 7.º do CVM), devendo o intermediário financeiro prestar todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, sendo que a extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimento e de experiência do cliente, informando dos riscos especiais que as operações envolvem (artigo 312.º do CVM) e orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes, devendo observar os ditames da boa fé, com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, informando-se, previamente, sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência e investimentos (aspetos que o intermediário financeiro tem o dever de conhecer) e sem esquecer que compete ao intermediário financeiro tomar a iniciativa de prestar todas as informações e não aguardar que o investidor (cliente) as solicite.».

O não cumprimento ou o cumprimento defeituoso dos deveres de informação gera responsabilidade civil, conforme enunciado na fundamentação do AUJ n.º 8/2022, que vimos seguindo de perto:

«O artigo 314.º, n.º 1, do CVM, estabelece que “os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação dos deveres respeitantes à organização e ao exercício da sua actividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.”

E, no seu n.º 2, por sua vez, refere que “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito de relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado pela violação de deveres de informação.”

Estabelece-se neste preceito a responsabilidade do intermediário financeiro em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou regulamento emanado de autoridade pública.

No que respeita à regra do n.º 2 do artigo 314.º, estabelece-se a presunção de culpa do intermediário financeiro se o dano for causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja causado pela violação dos deveres de informação (...).

Trata-se de uma presunção de culpa ilidível, suscetível de prova do contrário (artigo 350.º, n.º 2, do Código Civil).».


Temos, assim, que, no que se refere aos pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro – ilicitude, culpa, dano e nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano –, se tem como assente que a culpa se presume, tendo-se, porém, suscitado dúvidas na jurisprudência deste Supremo Tribunal, sobre quem recai o ónus da prova da ilicitude e do nexo de causalidade entre a ilicitude/não cumprimento do dever de informação e o dano.
Estas dúvidas foram resolvidas da seguinte forma pelo Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça, na decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) a que vimos fazendo referência:

«1. No âmbito da responsabilidade civil pré-contratual ou contratual do intermediário financeiro, nos termos dos artigos 7.º, nº 1, 312º nº 1, alínea a), e 314º do Código dos Valores Mobiliários, na redação anterior à introduzida pelo Decreto-Lei n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, e 342.º, nº 1, do Código Civil, incumbe ao investidor, mesmo quando seja não qualificado, o ónus de provar a violação pelo intermediário financeiro dos deveres de informação que a este são legalmente impostos e o nexo de causalidade entre a violação do dever de informação e o dano.».

Tendo-se igualmente gerado, na jurisprudência deste Supremo Tribunal, controvérsia significativa em torno dos parâmetros pelos quais o cumprimento dos deveres de informação deve ser aferido, a mesma decisão uniformizadora (AUJ n.º 8/2022) unificou a jurisprudência no seguinte sentido:

«2. Se o Banco, intermediário financeiro – que sugeriu a subscrição de obrigações subordinadas pelo prazo de maturidade de 10 anos a um cliente que não tinha conhecimentos para avaliar o risco daquele produto financeiro nem pretendia aplicar o seu dinheiro em “produtos de risco” – informou apenas o cliente, relativamente ao risco do produto, que o “reembolso do capital era garantido (porquanto não era produto de risco”), sem outras explicações, nomeadamente, o que eram obrigações subordinadas, não cumpre o dever de informação aludido no artigo 7.º, n.º1, do CVM.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:


5 – No dia 26 de abril de 2006, o gerente do BPN da agência de ..., transmitiu ao autor que tinha uma aplicação igual a um depósito a prazo, com capital garantido pelo BPN, com rentabilidade semestral garantida, sem qualquer risco, por estar garantido o reembolso do capital e dos juros (artigos 11º, 12º, 38º da petição inicial);
8 – Quando lhe transmitiu tal informação, o funcionário do BPN não ignorava que o autor não possuía conhecimentos, formação e qualificação técnicas ou experiência adquirida que lhe permitissem conhecer e diferenciar os diversos tipos de produtos financeiros, avaliar os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem (artigo 16º da petição inicial);
9 – À data da subscrição, o autor tinha 55 anos de idade, era agricultor, e revelava um perfil conservador das suas poupanças, sendo que, até essa data, sempre as aplicara em depósitos a prazo, nunca tendo tido intenção de investir em produtos de risco, o que era do conhecimento do gerente e dos funcionários do réu (artigos 18º e 45º, da petição inicial);
10 – O gerente não informou o autor que se tratava e uma operação não adequada ao seu perfil, que ao adquirir aquelas obrigações perdia o controlo sobre o dinheiro investido, que não o podia movimentar, levantar ou gastar até 9 de maio de 2016, data do termo de maturidade, a não ser que solicitasse o seu resgate antecipado, e que tal aplicação comportava um empréstimo à SLN, como consta do boletim de subscrição cuja cópia consta de fls 13 (artigos 17º, 41º, 42º, 43º, 44º da petição inicial).

Perante a factualidade dada como provada, da aplicação dos parâmetros constantes do ponto 2. do AUJ n.º 8/2022 resulta forçoso concluir-se que, no caso dos autos, e tal como entendeu o tribunal ‘a quo’, o Banco BPN desrespeitou os deveres de informação a que se encontrava adstrito, sendo, pois, ilícita a sua conduta.

Por outro lado, as dúvidas acerca dos parâmetros probatórios pelos quais deve ser aferido o nexo de causalidade no domínio da responsabilidade civil do intermediário financeiro foram resolvidas pelo AUJ n.º 8/2022 da seguinte forma:

«3. O nexo de causalidade deve ser determinado com base na falta ou inexatidão, imputável ao intermediário financeiro, da informação necessária para a decisão de investir.

4. Para estabelecer o nexo de causalidade entre a violação dos deveres de informação, por parte do intermediário financeiro, e o dano decorrente da decisão de investir, incumbe ao investidor provar que a prestação da informação devida o levaria a não tomar a decisão de investir.».

Procuremos aplicar esta orientação ao caso sub judice.

Relevam os seguintes factos provados:


15 – O autor desconhecia a natureza das obrigações SLNRM2-SLN 2006 e estava convicto de que tinha feito uma aplicação do capital de € 300.000,00 cuja liquidez estava assegurada com retorno garantido do capital e juros pelo banco BPN, atualmente BIC, como se tratasse de um depósito a prazo, seguro e sem qualquer risco como lhe foi apresentado, com restituição do capital e juros à data do vencimento ou quando solicitado (artigos 8º, 9º, 10º, da petição inicial);
19 – Caso o autor tivesse percebido que estava a dar uma ordem de compra de obrigações SLN 2006, produto em que o capital não era garantido pelo BPN, e se tivesse sido informado dos capítulos “reembolso antecipado” e “garantias e subordinação” da respetiva nota informativa, não autorizaria tal subscrição, dado que nunca foi sua intenção investir em produtos de risco (artigos 29º, 32º, 47º da petição inicial);

Perante a factualidade dada como provada, da aplicação dos parâmetros constantes do ponto 4. do AUJ n.º 8/2022 resulta forçoso concluir-se que, no caso dos autos, e tal como entendeu o tribunal ‘a quo’, se verifica o nexo de causalidade entre ao acto ilícito e o dano da perda do capital investido.

Assinala-se que a verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil do intermediário financeiro não foi posta em causa no presente recurso de revista, pelo que sobre a mesma não cabe pronunciar-nos.


V – Decisão

Termos em que se nega a revista confirmando a decisão recorrida

Custas pelo Réu.

                                                                                  

Lisboa, 30MAR2023

Rijo Ferreira (Relator)

Cura Mariano

Fernando Baptista