Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2834/16.5T8GMR.S1
Nº Convencional: 2ª SECÇÃO
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
CONVENÇÃO DE LUGANO
VALOR DA CAUSA
PEDIDO SUBSIDIÁRIO
CONDENAÇÃO EM QUANTIA A LIQUIDAR
FACTO ILÍCITO
SOCIEDADE ESTRANGEIRA
PLURALIDADE DE PEDIDOS
CAUSA DE PEDIR
RESPONSABILIDADE BANCÁRIA
CONTA BANCÁRIA
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL CIVIL – ACÇÃO, PARTES E TRIBUNAL / TRIBUNAL / COMPETÊNCIA INTERNACIONAL / COMPETÊNCIA INTERNA / COMPETÊNCIA EM RAZÃO DO TERRITÓRIO – PROCESSO EM GERAL / INCIDENTES DA INSTÂNCIA / VERIFICAÇÃO DO VALOR DA CAUSA.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 62.º, ALÍNEAS A) E B), 71.º, N.º 2, ALÍNEA B), 297.º, N.º 3, 299.º, N.º 4 E 306.º, N.º 2.
Legislação Comunitária:
REGULAMENTO (EU) N.º 1215/2012, DO PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, DE 12/12/2012: - ARTIGO 30.º.
Referências Internacionais:
CONVENÇÃO DE LUGANO: - ARTIGOS 5.º, N.º 3 E 6.º, N.º 1.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 09-02-2017, PROCESSO N.º 1387/15.6T8PRT.B.L1. P1-A.
Sumário :
I. A aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da nacionalidade, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontre configurada na petição inicial.

II. A alegação pelo autor da prática de algum facto ilícito, ocorrido em território português, imputado a cidadão português domiciliado em Portugal – o aqui 1.º R. -, que seja integrativo da causa de pedir no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, ainda que a não preencha de todo, é o bastante para conferir aos tribunais portugueses competência em razão da nacionalidade, nos termos concorrentes da alínea a) do artigo 62.º, com referência ao artigo 71.º, n.º 2, e alínea b) daquele artigo, ambos do CPC, não se colocando sequer a eventualidade de aplicação de instrumentos internacionais ou de normas de conflitos.

III. Tratando-se de alegação da prática de algum facto ilícito danoso relevante no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, imputado a sociedade comercial com sede na Suíça – como é, no caso, a 2.ª R. -, aplica-se o disposto nos artigo 5.º., n.º 3, e 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano.

IV. Embora de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Lugano, os tribunais portugueses não sejam, à partida, competentes em razão da nacionalidade para conhecer de pretensões deduzidas contra sociedade comercial com sede na Suíça, em matéria extracontratual fundadas em facto danoso ali ocorrido, segundo o artigo 6.º, n.º 1, da mesma Convenção, aqueles tribunais já terão competência para tal se, havendo vários requeridos, qualquer deles tiver domicílio em Portugal, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente.  

V. Assim, no caso dos autos, em que as pretensões deduzidas pelos A.A. contra a 2.ª R. se estribam numa causa de pedir complexa fundada em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos imputados, em co-autoria, quer ao 1.º R. domiciliado em Portugal, quer à 2.ª R. com sede na Suíça, factos esses alegadamente por eles praticados nos respetivos países, os tribunais portugueses têm competência em razão da nacionalidade para conhecer dessas pretensões, nos termos conjugados dos artigos 5.º, n.º 3, e 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano.

VI. A fixação do valor da causa, em caso de formulação de pedidos subsidiários, é feita com base no valor do pedido principal, nos termos do artigo 297.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC.

VII. Se tal pedido principal for de montante ilíquido, da conjugação do disposto nos indicados artigos 299.º, n.º 4, e 306.º, n.º 2, do CPC, deverá ser mantido o valor inicialmente aceite pelas partes, a ser corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 2.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça:



I – Relatório


1. AA (1.º A.) e BB, S.A. (2.ª A.), intentaram, em 09/05/2016, ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC (1.º R.) e DD, S.A. (2.ª R.), alegando, no essencial, o seguinte:

. O 1.º R. exercia a atividade de consultadoria financeira e de agente da 2.ª R., pelo menos entre o início de 2005 e o fim 2008, nos seus escritórios na Rua …, n.º …, na cidade de Guimarães, gerindo, a partir dali, contas de títulos e de produtos estruturados na 2.ª R., sediadas na Suíça, tituladas por cidadãos portugueses ou residentes em Portugal, recebendo da mesma R. a respetiva comissão ou prémio, em função dos movimentos financeiros ou vendas realizadas;

. Em 25 julho de 2005, o 1.º A., aconselhado pelo 1.º R., dirigiu-se com este a Genebra, na Suíça, onde abriu, junto da 2.ª R. a conta n.º 2…0-5…0, em nome do seu filho menor EE, nela depositando € 720.000,00;

. E, nesse âmbito, o 1.º A. celebrou com o 1.º R., nos referidos escritórios de Guimarães, um contrato de gestão daquela conta, mediante o qual lhe conferiu poderes para, nomeadamente, comprar e vender obrigações e produtos estruturados com a finalidade de que os adquirisse e resgatasse no seu vencimento ou maturidade e os respetivos juros;

. O 1.º R., além das comissões que auferiria da 2.º R. pelas vendas de obrigações ou produtos por esta intermediados, como seu agente, receberia da parte do 1.º A., no final, uma participação de 20% nos lucros resultantes dos investimentos que fossem feitos através da referida conta n.º 2…0-5…0.

. O 1.º A., também a conselho do 1.º R., em 2005, adquiriu o capital social da 2.ª A. BB, S.A., com sede no …, de que é, desde então, Diretor/Presidente, sendo Diretor/Secretário FF e Diretor/Tesoureiro EE, ambos filhos daquele;

. Porém, em finais de maio de 2006, o 1.º R., sem estar habilitado para transferir o saldo da conta n.º 2…0-5…0 nem para comprar o que quer que fosse para a referida BB, S.A., celebrou um contrato nos termos do qual, em representação do 1.º A., transmitiu todos os produtos financeiros daquela conta para a conta da 2.ª A. com o n.º 2…0-5…2 aberta na 2.ª R.;

. A transmissão dos produtos financeiros da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2 foi realizada pelo 1.º R. com recurso a falsificação da assinatura do 1.º A., que não assinou qualquer documento para celebrar contratos em nome da 2.ª A. nem para movimentar qualquer conta ou produtos da referida conta n.º 2…0-5…2, o que foi feito por aquele R. com vista a obter comissões pelas vendas;

. Entre agosto e setembro de 2008, a 2.ª R. fez uma grande pressão junto dos seus agentes para que estes vendessem obrigações ou produtos Lehman Brothers aos seus clientes, sob a promessa de elevadas remune-rações, bem sabendo que a queda do referido banco estava iminente;

. Em 05/09/2008, o 1.º R. foi incentivado pela 2.ª R. a adquirir produtos estruturados Lehman Brothers, numa altura em que já era do conhecimento da maior parte dos agentes do mercado que a Lehman Brothters tinha os seus produtos carregados na base ou na sua maior parte com créditos impagáveis;

. Assim, o 1.º R., persuadido e pressionado pela 2.ª R., que lhe prometeu pessoalmente elevadas comissões, sem qualquer autorização do 1.º A. nem da 2.ª A., em 05/09/2008, adquiriu para a 2.ª A. as seguintes obrigações ou produtos estruturados:

- em 05/09/2008, 62124080 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 203.409,40 USD;

- em 05/09/2008, 62119079 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 204.013,80 USD;

 . Em 15/09/2008, a Lehman Brothers caiu e as obrigações ou produtos estruturados, que o 1.º R. adquiriu para a 2.ª A. pelo preço de 407.423,20 USD, passaram a valer zero;

. Era prática corrente da 2.ª R. financiar os seus clientes, investidores, em valores na ordem do triplo ou mais do valor que investiam, a juros à taxa Euribor, ou menor, para a compra de produtos financeiros, de forma a alavancarem os investimentos, ficando garantidos com as obrigações ou produtos dos clientes.

. Como fruto da gestão ruinosa e não autorizada da carteira da 2.ª A., a conta deixou de dar garantias suficientes de modo a alavancar o investimento em produtos estruturados, pelo que a 2.ª R. deu ordem imediata de venda de todos os produtos ou obrigações que a 2.ª A. tinha na referida conta, de modo a saldar o referido “empréstimo”, o que fez entre o dia 23 e 25 de setembro de 2008;

. Com o remanescente dos produtos vendidos pela 2.ª R., a conta da 2.ª A. foi encerrada, perdendo o 1.º A., no final, a totalidade do seu investimento de € 720.000,00;

. Os comportamentos acima descritos do 1.º R. e da 2.ª R. foram de má fé, com recurso a falsificação de documentos, com uso de engano, sugestão e artifício para obter ganhos elevados ou passar para os A.A. perdas que de outro modo sofreriam, incorrendo assim na prática de crimes de burla, falsificação de documentos e abuso de confiança, agravados em face do elevado montante, superior a € 275.000,00.

. Todas as ordens de movimentação daquelas contas, mormente a ordem de transmissão dos valores da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2, bem como as falsificações de assinaturas e as ordens de movimento na conta n.º 2..0-5…2, nomeadamente da compra dos europaper 7.875 lehman 10, ocorreram a partir do escritório do 1.º R. em Guimarães;

. Por contrato de cessão de créditos de 03/05/2016, EE cedeu ao 1.º A. todos os créditos perante os R.R., acima referidos.

. Neste momento não consegue o 1.º A. precisar o valor do dano sofrido nem quantificar o valor da sua indemnização pelo que deduz pedido ilíquido.

Concluíram os A.A. pedindo que os R.R. fossem:

a) – Em primeira linha, condenados a indemnizar o 1.º A. AA, pelo valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…0 em 01/05/2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, deduzido o valor do empréstimo feito pela UBS e respetivo juro, na data de cada vencimento, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas sobre o saldo positivo, até efetivo pagamento, por nulidade do movimento de transmissão da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2;

b) – Subsidiariamente, condenados a indemnizar a 2.ª A., BB, S.A., no valor disponível, bem como do valor de cada um das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…2 em 31/05/2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta n.º 2…0-5…2;

c) – Ainda subsidiariamente, no caso de improcedência do peticionado na alínea anterior, condenados a indemnizar a 2.ª A., no valor das obrigações e produtos que se encontravam na conta n.º 2…0-5…2 em 01/09/ 2008, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas, até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta n.º 2…0-5…2, na sequência da nulidade da venda das obrigações europaper 7.875 Lehman 10 em 5/9/ 2008.

d) - Em qualquer dos casos das alíneas anteriores, condenados na restituição de valores que tenham sido retirados para contas de terceiros, a titulo de honorários ou não fundadas em contrapartida de preço de obrigações ou produtos contabilizados na primeira parte, por nulidade decorrente de falta de autorização e abuso de confiança, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da retirada até efetivo pagamento.

2. O 1.º R. apresentou contestação, em que, além do mais e no que aqui releva, arguiu a incompetência internacional dos tribunais portugueses, sustentando que:

. Os A.A. configuram a ação como de responsabilidade extracontratual, o que remete para o local onde fica sediada a conta bancária em apreço, isto é, a Suiça em face dos critérios previstos no artigo 62.º do CPC;

. Ainda que, mesmo na hipótese de se considerar competentes os tribunais portugueses quanto ao 1.º A., os tribunais portugueses sempre seriam incompetentes internacionalmente quanto à 2.ª A., atenta a ausência de qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, o que obsta à coligação de A.A. conforme a 2.ª parte do n.º 1 do artigo 37.º do CPC.

3. Também a 2.ª R. UBS contestou, invocando, além do mais, a incompetência internacional dos tribunais portugueses, alocada na cláusula contratual atributiva de foro exclusivo de Genebra que consta dos contratos de abertura de conta que juntou ao processo. Sustentou ainda que, mesmo na hipótese de se considerar competentes os tribunais portugueses quanto ao A., estes sempre seriam incompetentes internacionalmente quanto 2.ª A., dada a ausência de qualquer conexão com a ordem jurídica portuguesa, o que seria obstativo da coligação ativa, conforme a 2.ª parte do n.º 1 do art.º 37.º do CPC.

4. Por sua vez, os A.A. vieram apresentar resposta, impugnando os documentos juntos pela 2.ª R. com a contestação e arguindo a nulidade da cláusula atributiva do foro por falta de comunicação, subscrição ou assinatura e tradução na altura da celebração do contrato e mesmo ulteriormente, sustentando, porém, que a eventual validade daquela cláusula não afasta a jurisdição portuguesa em casos que não emergem da relação contratual, mas que decorrem de crimes de falsificação, abuso de confiança e burla praticados em Portugal, como o dos presentes autos. 

5. Findos os articulados, foi proferida a decisão reproduzida a fls. 200-206/v.º, datada de 30/07/2017, em que, fixado o valor da causa em € 720.000,00, foram apreciadas aquelas exceções dilatórias, decidindo-se declarar o tribunal português internacionalmente incompetente para conhecer do objeto da causa com a consequente absolvição dos R.R. da instância.

6. Inconformados, vieram os A.A., em 02/10/2017, interpor recurso daquela decisão per saltum para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo os R.R. apresentado contra-alegações a sustentar, em primeira linha, a intempestividade do recurso, ao abrigo do disposto no art.º 644.º, n.º 2, alínea b), do CPC.    

7. Tal requerimento de interposição do recurso foi indeferido pelo tribunal a quo com fundamento em extemporaneidade mediante o despacho reproduzido a fls. 236, datado de 10/11/2017, o qual foi objeto de reclamação, por sua vez, julgada procedente no sentido da admissibilidade daquele recurso, conforme decisão deste STJ proferida a fls. 92-101, de 23/ 03/2018, dos autos apensos.

8. Na revista interposta, os Recorrentes formularam as seguintes conclusões:

1.ª - O pedido principal da ação assenta na alegação de que o 1.º A. abriu na 2.ª R. UBS a conta n.º 240-594590 e que sem a sua autorização, falsificando a sua assinatura, em Guimarães, o 1.º R. Bruno da Silva, com a conivência da 2.ª R. UBS, transferiu em junho de 2006 os fundos da referida conta para a conta 2…0-5…2 que abriu em nome da 2.ª A., sem autorização de qualquer dos A.A. nem suporte escrito ou sequer verbal para a abertura desta segunda conta, muito menos para a transferência para a mesma dos saldos da conta n.º 2…0-5…0 para a conta 2…0-5…2.

2.ª - Na altura da abertura das contas e na altura da prática do referido ilícito, a Suíça ainda não tinha assinado a Convenção de Lugano II, que não pode portanto dar à alegada convenção de domicílio um valor que esta não tinha à data da abertura das contas em face do princípio geral da não retroatividade da lei.

3.ª - Mesmo que se considere aplicável a Convenção de Lugano II, o regime específico do artigo 16.º, n.º 1, da Convenção de Lugano II que permite ao consumidor escolher o seu domicilio para demandar a outra parte no seu domicilio, prevalece sobre o regime geral do artigo 23.º da Convenção de Lugano II, como decorre do artigo 17.º da mesma Convenção;

4.ª - A cláusula contratual geral de convenção de foro e lei aplicável refere-se apenas a matéria referente ao cumprimento de todas as obrigações contratuais, portanto a matéria de responsabilidade civil contratual;

5.ª - A responsabilidade civil dos presentes autos é matéria de responsabilidade civil por factos ilícitos, extracontratual, não estando, por isso, abrangida pelo texto da cláusula de competência inserta nas cláusulas contratuais gerais juntas pela ré UBS, como documentos tituladores das contas;

6.ª – A título principal, sendo a esse titulo que, em primeira linha se pode aferir o limite da pretensão do A. e não pelo valor do montante que depositou na conta 2…0-5…0, o que o A. pede é:

Condenação dos RR a indemnizarem o A. AA, no pagamento do valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associado à conta 2…0-5…0 em 1 maio de 2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, deduzido o valor do empréstimo feito pela UBS e respectivo juro, na data de cada vencimento, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas sobre o saldo positivo, até efetivo pagamento.

7.ª - O estado dos autos não permite apurar qual o saldo resultante da diferença entre o valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta 2…0-5…0 em 01/05/2006, na data do vencimento com os respetivos juros ou dividendos e o valor do empréstimo feito pela UBS e respetivo juro, na data de cada vencimento, saldo esse que pode ser inferior ao depósito dos € 720.000,00 iniciais, como superior, como mesmo inferior aos € 275.000,00 que os A.A. atribuíram de valor à ação sem impugnação pelos R.R.;

8.ª - Não há fundamento, pelo menos nesta fase, para o tribunal alterar o valor da ação e muito menos para concluir que o valor da ação é de € 720.000,00, que não corresponde ao valor peticionado.

9.ª - Caso se entenda haver razão para fixar o valor da ação em € 720.000,00 o estado dos autos justifica com o devido respeito, em face de decisão nesta fase, sem julgamento, nem sequer audiência de partes, ou tentativa de conciliação, ainda para mais sem decisão de mérito, a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça do valor acima dos € 275.000,00, nos termos da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, decisão essa que se impunha, em face do referido preceito.

10.ª - Violou a decisão recorrida entre outros o artigo 12.º do CC, artigo 16.º da Convenção de Lugano II, artigo 23º da Convenção de Lugano II, ao estender a cláusula de competência inserta nas cláusulas contratuais gerais juntas pela R. UBS, como documentos tituladores das contas a matéria de responsabilidade civil extracontratual, artigos 62º, n.º 2, 71º, 80.º, 82.º e 297.º do CPC e n.º 7 do artigo 6.º do RCP.

11.ª - Deve ser anulada a decisão recorrida e substituída por outra que julgue improcedente a exceção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, ordene o prosseguimento dos autos e mantenha pelo menos por ora o valor de € 275.000,00, atribuído pelos A.A. à ação não impugnado pelos R.R..


9. A 2.ª R. DD, S.A.., apresentou contra-alegações, a pugnar pela confirmação do julgado, rematando com a seguinte síntese conclusiva:

   1.ª - Os A.A. e a R. celebraram um contrato ao qual, usando da faculdade que lhes foi conferida à luz do princípio da liberdade contratual, inseriram uma cláusula de jurisdição válida, quer à luz do direito interno, quer à luz do direito suíço, que determina que a lei aplicável é a suíça e o foro competente é o Tribunal de Genebra.

   2.ª - Mesmo que se considerasse que esta cláusula era inválida à luz do nosso direito interno, a lei aplicável aos presentes autos sempre teria que ser a lei suíça, de acordo com os critérios que resultam das normas de conflitos de leis do CC, especificamente, o artigo 42.º, n.º 2, que determina, como critério supletivo, no caso de as partes nada terem previsto no contrato, que a lei aplicável deverá ser a lei do lugar da celebração do contrato, ou seja, a Suíça.

   3.ª - Não sendo aplicável a lei portuguesa, não se poderá aplicar o regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais ("LCCG"). Porém, mesmo que se equacionasse esta possibilidade, não está preenchida a previsão normativa do artigo 19.º, alínea g), da LCCG, pelo que a cláusula sempre teria que se considerar válida.

   4.ª - Os próprios Recorrentes alegam que o pacto tem o valor que tinha à data da sua celebração, não se aplicando a Convenção de Lugano II. Se assim for, tendo em conta que o pacto era válido à luz da lei suíça — e, sempre, da lei portuguesa, o pacto é válido e vincula as partes, sendo o tribunal competente o tribunal de Genebra.

   5.ª - Ainda que se considere que a Convenção de Lugano II é aplicável à situação, nem assim a cláusula será inválida, visto os contratos celebrados não integrarem a previsão do artigo 15.º da referida Convenção.

   6.ª - Não só não se enquadra o 2.º A. no conceito de consumidor para efeitos da Convenção, como, em nenhum dos casos, se poderá dizer que a Recorrida exerce qualquer atividade em Portugal, nem mesmo que dirigiu a sua atividade a este Estado, pelo que não se considera preenchida a alínea c) do artigo 15.º da referida Convenção.

   7.ª - Ao contrário do que alegam os Recorrentes, não estamos perante um caso de responsabilidade extracontratual, pois não servem os factos com que decidiram compor a sua causa de pedir e o pedido para fundamentar juridicamente aquela forma de responsabilidade civil - os Recorridos alegam que o seu pedido assenta numa relação contratual que estabeleceram com a UBS. Porém, ainda que tal fosse o caso, nos termos do artigo 45.º do CC a lei aplicável seria a suíça, por ser a lei do Estado onde decorreu a principal atividade causadora do prejuízo.

 8.ª - Também neste caso não seria competente o Tribunal português, por não estar preenchida qualquer das alíneas do artigo 62.º do CPC.

 9.ª - Por fim, ainda que se pudesse considerar aplicável a Convenção de Lugano II, os Tribunais competentes também seriam, por aplicação do critério constante do artigo 5.º n.º 3 da referida Convenção, os Tribunais suíços.

 10. Também o 1.º R. apresentou contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado, com a seguinte resenha conclusiva:

1.ª - O Recurso interposto pelos A.A. sustenta-se numa nova versão dos factos, que constitui mesmo uma verdadeira alteração da causa de pedir, concretamente quando invocam que, além da alegada falta de autorização para a transferência de valores entre contas, a própria abertura de conta em nome da Recorrente BB, S.A., foi realizada à revelia desta, sem a sua autorização ou conhecimento;

2.ª - A alteração da causa de pedir não é admissível nesta concreta fase processual, nem o Recorrido a aceita.

3.ª - A este Tribunal encontra-se vedada a apreciação de novos factos não alegados, nem julgados provados, na instância recorrida.

4.ª - Sem prescindir, caso a alegação destes novos factos foi impropriamente enquadrada como impugnação da matéria de facto, o que só por absurdo se admite, então tal constituiria um facto impeditivo do recurso “per saltum”, porquanto deixam de se verificar os pressupostos cumulativos previstos no n.º 1 do artigo 678.º do CPC, em concreto o requisito previsto na alínea c).

5.ª - A Convenção de Lugano foi assinada pelo Governo da Confederação Suíça em 16/09/1988 e aplica-se aos contratos celebrados em data posterior.

6.ª - Não se coloca, e como tal não merece discussão, a questão da aplicabilidade da Convenção de Lugano II, porquanto não revogou a que lhe antecedeu, antes a atualizou e aperfeiçoou, substituindo-a por uma nova e melhorada versão de si mesma.

7.ª - É à luz desta Convenção que devem ser interpretadas as cláusulas do contrato objeto destes autos, que conduz à conclusão de que os Tribunais Portugueses são incompetentes para dirimir o presente litígio.

8.ª - E assim porquanto, tanto o n.º 1 do art.º 17.º da Convenção de Lugano de 1988, como o n.º 1 do art.º 23.º da Convenção de Lugano II, aplicável ao caso, privilegiam o princípio da autonomia privada, especialmente na vertente da liberdade contratual, concedendo às partes a faculdade de livremente fixarem o conteúdo dos contratos, designadamente o Tribunal competente para dirimir eventuais litígios provenientes do mesmo.

9.ª - Conclusão semelhantes resultaria da aplicação do n.º 3 do artigo 5.º da Convenção de Lugano II, se o caso se enquadrasse no âmbito da responsabilidade civil extracontratual;

10.ª- Porquanto o factos ilícitos imputados aos R.R. sempre teriam ocorrido na sede da Recorrida UBS e assim na Suíça;

11.ª - Também à luz do disposto no art.º 62.º do CPC, os Tribunais Portugueses seriam incompetentes para julgar a causa.

12.ª - Pois que o único elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa é o facto do Recorrente Joaquim Regadas ter o seu domicílio em Portugal, não existindo qualquer conexão entre a ordem jurídica portuguesa e a também Recorrente, BB, que se encontra sediada no Panamá.

13.ª - E que não pode considerar-se consumidor na aceção do art.º 15.º da Convenção de Lugano I1, razão pela qual não é aplicável respetiva secção 4.

14.ª - Da mesma forma, e na perspectiva do Recorrente Joaquim Regadas e face ao disposto na alínea c) do artigo n.º 1 do art.º 15.º, a secção 4 da Convenção é inaplicável, porquanto a Recorrida UBS não exerce nem nunca exerceu qualquer atividade em Portugal, inexistindo qualquer relação contratual entre esta e o ora Recorrido;

15.ª - Conclui-se assim pela aplicação do artigo 23.º da Convenção, que impõe o cumprimento do pacto atributivo de jurisdição convencionado, conferindo competência aos Tribunais Suíços para dirimir litígios entre as partes;

16.ª - Sem prescindir, ao caso concreto jamais se aplicaria a Lei Portuguesa, não sendo aplicável o Regulamento (CE) n.º 593/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17/06/2008 (Roma 1), sobre a lei aplicável às obrigações contratuais, a norma interna de conflitos prevista no n.º 1 do artigo 41.º do CC sempre impunha a aplicação da Lei Suíça.

17.ª - Igual conclusão se obtinha pela aplicação do critério supletivo previsto no n.º 2 do artigo 42.º do CC;

18.ª - E também da norma interna de resolução de conflitos prevista no n.º 1 do artigo 45.º do CC, quanto à responsabilidade civil extracontratual, na medida em que, ao caso, não é aplicável o Regulamento (CE) n.º 864/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11/07/2007 (Roma 11).     

11. Na discussão do projeto de acórdão, foi equacionada a aplicação do disposto no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Lugano com vista a determinar a competência internacional do tribunal da causa para conhecer das pretensões deduzidas pelos A.A. contra a 2.ª R., DD, S.A.., tal como vinha por esta alegado, na perspetiva de se tratar de ação emergente de responsabilidade civil extracontratual, pretensamente fundada em factos imputados à mesma R., ocorridos na Suíça, para cujo conhecimento seria competente o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.  

Todavia, neste âmbito, foi então ponderada a aplicação do disposto no artigo 6.º, n.º 1, da mesma Convenção, tanto na versão Lugano I como na versão de Lugano II, afigurando-se, nessa perspetiva, que a aplicação deste normativo permitirá estender a competência internacional do tribunal da causa ao conhecimento das pretensões deduzidas pelos A.A. contra a 2.ª R., em face do que se ordenou a audição das partes sobre a eventualidade dessa aplicação.

12. Vieram então as partes pronunciar-se, em síntese, nos seguintes termos:

- A 2.ª R. UBS, embora mantendo, em primeira linha, a sua posição de que o litígio se inscreve no âmbito da responsabilidade contratual, sustenta, subsidiariamente, que, na hipótese de se considerar estarmos perante um caso de responsabilidade extracontratual, não obstante existir uma ligação entre as atuações dos Recorridos, estas atuações teriam de ser analisadas separadamente, de forma independente, não se vislumbrando que as decisões que viessem a ser tomadas em relação a cada um daqueles Recorridos pudessem ser contraditórias entre si, o que equivaleria à não verificação dos requisitos de que depende a aplicação do artigo 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano;

- Por sua vez, os A.A. pugnam pela aplicação daquele normativo;

- Por fim, o 1.º R., no que aqui releva, defende que, mesmo a equacionar-se o litígio sob o prisma da responsabilidade extracontratual, se deve adotar o critério da sua conexão mais estreita com os tribunais suíços.        

        

Cumpre apreciar e decidir.


  II – Delimitação do objeto do recurso


   Em face das conclusões dos A.A./Recorrentes, em função das quais se delimita o objeto do recurso, as questões a resolver consistem no seguinte:

i) - A questão da incompetência do tribunal da causa em razão da nacionalidade – conclusões 1.ª a 5.ª, 10.ª e 11.ª dos Recorrentes;

ii) – A questão relativa à impugnação do valor da causa fixado pelo tribunal a quoconclusões 6.ª a 8.ª, 10.ª e 11.ª;

iii) – Subsidiariamente em relação à questão precedente, a questão da dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP – conclusões 9.ª, 10.ª e 11.ª.


III - Fundamentação


1. Quanto à questão da invocada incompetência em razão da nacionalidade


Tendo sido invocada por cada um dos R.R. a exceção dilatória da incompetência do tribunal da causa em razão da nacionalidade, nos termos acima relatados, o tribunal a quo, em sede de despacho saneador, julgou tal exceção procedente, atentos os contornos da pretensão deduzida, tal como vêm configurados na petição inicial, em função dos quais se deve aferir aquele pressuposto processual.

Nessa linha, na decisão recorrida, foi enunciado, em síntese, que os A.A., na petição inicial, alegaram que:  

   - O 1.º R. em conluio com a 2.ª R. fizeram utilização indevida, por meio de fraude e outros instrumentos, de fundos depositados pelo 1.º A., em nome do seu filho, então menor, no valor de € 720.000,00, numa conta aberta na agência da 2.ª R., sediada na Suíça, para cuja gestão fora celebrado um acordo com o 1.º R., nos escritórios deste, em Guimarães; 

   - Na esfera desses poderes de gestão, foram concedidos ao 1.º R. poderes, nomeadamente, para comprar e vender obrigações e produtos estruturados, no âmbito da referida conta, com a finalidade de adquirir obrigações e produtos estruturados e os resgatar no seu vencimento com os respetivos juros;

   - Além disso, o 1.º A. constituiu uma sociedade no Panamá – a 2.ª A. -, que também abriu conta na mesma agência da 2.ª R., na Suíça;

   - Por via do referido conluio, o 1.º R., contra a vontade do 1.º A. e sem autorização para tal, transferiu o valor depositado na sobredita conta da Suíça para a conta da 2.ª A., com o sentido de transferir, através de operações mobiliárias, ativos incobráveis para as contas dos A.A., provocando, desse modo, o prejuízo total invocado;

   - As ordens de tais operações foram dadas a partir dos escritórios do 1.º R. em Guimarães. 

    Todavia, naquela decisão, foi considerado que todas as operações em referência foram efetuadas nas contas bancárias sediadas na Suíça.

     Por outro lado, considerou o tribunal a quo que, em face da autonomia e exclusivismo do normativo inserto no artigo 23.º da Convenção de Lugano II, invocado pelos R.R. e aqui aplicável, ficava prejudicada a abordagem da eventual aplicação do disposto em normas do direito nacional “exauridas nos artigos 94.º do CPC e no artigo 19.º, n.º 1, alínea g), da LCCG.


     Os Recorrentes vêm, no entanto, contrapor, em síntese, que:

   - À data da abertura das contas e na altura da prática dos factos ilícitos imputados aos R.R., a Suíça não tinha ainda assinado a Convenção de Lugano II, pelo que não é aplicável ao caso aquela Convenção;

   - Mas, mesmo que se considere aplicável, o regime específico dos artigo 16.º daquela Convenção, que permite ao consumidor escolher o seu domicílio para demandar a outra parte, prevalece sobre o regime geral do artigo 23.º da mesma Convenção, como decorre do respetivo artigo 17.º;

- A cláusula contratual geral de convenção de foro e a lei aplicável referem-se apenas a matéria respeitante ao cumprimento de todas as obrigações contratuais;  

- Porém, o presente litígio emerge da responsabilidade civil por factos ilícitos, extracontratual, não estando, por isso, abrangida pelo texto da cláusula de competência inserta nas cláusulas contratuais gerais juntas pela R. UBS, como documentos tituladores das contas.


      Por sua vez, a 2.ª R. sustenta que:  

- Ao contrário do que alegam os A.A., não estamos perante um caso de responsabilidade civil extracontratual, porquanto os factos integradores da causa de pedir e o pedido nessa base formulado assentam numa relação contratual que os A.A. estabeleceram com a 2.ª R.;

- Ainda que assim fosse, nos termos do artigo 45.º do CC, a lei aplicável seria a suíça, por ser a lei do Estado onde decorreu a principal atividade causadora do prejuízo, pelo que não seria competente o Tribunal português, por não estar preenchida qualquer das alíneas do artigo 62.º do CPC;

- Todavia, o litígio inscreve-se no âmbito do contrato que os A.A. e a 2.ª R. celebraram, usando da faculdade que lhes foi conferida à luz do princípio da liberdade contratual, para inserirem uma cláusula de jurisdição válida, quer à luz do direito interno, quer à luz do direito suíço, determinando que a lei aplicável é a suíça e o foro competente é o Tribunal de Genebra;

- E ainda que se considerasse tal cláusula inválida à luz do nosso direito interno, a lei aplicável aos presentes autos seria sempre a lei suíça, de acordo com o preceituado no art.º 42.º, n.º 2, do CC, que determina, como critério supletivo, que a lei aplicável deverá ser a lei do lugar da celebração do contrato, ou seja, a Suíça;

- Não sendo, pois, aplicável a lei portuguesa, não se aplica o regime da Lei das Cláusulas Contratuais Gerais;

- Mas, mesmo a equacionar tal possibilidade, não está preenchida a previsão normativa do art.º 19.º, alínea g), da LCCG, pelo que a cláusula sempre teria que se considerar válida;

- Caso não seja aplicável a Convenção de Lugano II, como sustentam os Recorrentes, o pacto de foro é válido à luz da lei suíça aqui aplicável;

- E a considerar-se aplicável a Convenção de Lugano II, nem assim a cláusula de foro será inválida, visto os contratos celebrados não integrarem a previsão do artigo 15.º daquela Convenção;

- Acresce que a 2.ª A. não se se enquadra no conceito de consumidor para efeitos da Convenção, como, em nenhum dos casos, se poderá dizer que ela exerce qualquer atividade em Portugal, nem mesmo que dirigiu a sua atividade a este Estado, pelo que não se considera preenchida a alínea c) do artigo 15.º da referida Convenção.

         Por fim, o 1.º R. sustenta que:

- Os Recorrentes vêm dar uma nova versão dos factos, traduzida numa alteração da causa de pedir, não admissível nesta fase processual, quando invocam que, além da alegada falta de autorização para a transferência de valores entre contas, a própria abertura de conta em nome da 2.ª A. foi realizada à revelia desta, sem a sua autorização ou conhecimento;

- A Convenção de Lugano foi assinada pelo Governo da Confederação Suíça em 16/09/1988, aplicando-se aos contratos celebrados em data posterior, pelo que não se coloca a questão da aplicabilidade da Convenção de Lugano II, porquanto não revogou a que lhe antecedeu, antes a atualizou e aperfeiçoou, substituindo-a por uma nova e melhorada versão de si mesma;

- Assim, tanto o n.º 1 do art.º 17.º como o n.º 1 do art.º 23.º daquela Convenção são aplicáveis ao caso, privilegiando o princípio da autonomia privada, especialmente na vertente da liberdade contratual, concedendo às partes a faculdade de livremente fixarem o conteúdo dos contratos, designadamente o tribunal competente para dirimir eventuais litígios provenientes do mesmo.

- Conclusão semelhantes resultaria da aplicação do n.º 3 do artigo 5.º da Convenção de Lugano II, se o caso se enquadrasse no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, já que os factos ilícitos imputados aos R.R. sempre teriam ocorrido na sede da 2.ª R., na Suíça;

- Também à luz do disposto no art.º 62.º do CPC, os Tribunais Portugueses seriam incompetentes para julgar a causa, visto que o único elemento de conexão com a ordem jurídica portuguesa é o facto de o 1.º A. ter o seu domicílio em Portugal, não existindo qualquer conexão entre a ordem jurídica portuguesa e a 2.ª A., sediada no …;

- O art.º 23.º da Convenção Lugano impõe o cumprimento do pacto atributivo de jurisdição convencionado, conferindo competência aos Tribunais Suíços para dirimir litígios entre as partes;

- Além disso, tanto a norma prevista nos artigos 41.º, n.º 1, e 42.º, n.º 2, do CC impõem a aplicação da Lei Suíça;

- E igualmente o impõe a norma do n.º 1 do art.º 45.º do mesmo Código, quanto à responsabilidade civil extracontratual.


         Vejamos.


     Em primeiro lugar, importa reter que, conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial consolidado, a aferição do pressuposto processual da competência, nomeadamente da competência em razão da nacionalidade, deve ser equacionada em função dos contornos da pretensão deduzida tal como se encontre configurada na petição inicial.


     No caso vertente, os A.A. deduziram pretensões indemnizatórias contra ambos os R.R., em primeira linha, a favor do 1.º A. e, subsidiariamente, a favor da 2.ª A., bem como pretensão restituitória de valores que terão sido retirados por aqueles R.R. para contas de terceiros, a título de honorários ou não fundadas em contrapartida de preço de obrigações ou produtos contabilizados no âmbito das referidas pretensões indemnizatórias. E estribaram tais pretensões conforme o exposto sob o ponto 1 do relatório supra.

Perante essa factualidade alegada, as partes divergem, desde logo, quanto ao seu enquadramento jurídico, mormente quanto ao título de responsabilidade civil imputada aos R.R..

Enquanto que para os A.A. tal factualidade inscreve-se no âmbito da responsabilidade civil por factos ilícitos, para os R.R. trata-se de matéria enquadrável no âmbito da responsabilidade civil emergente do contrato de gestão celebrado entre o 1.º A. e o 1.º R. e os contratos de abertura de conta celebrados entre os A.A. e a 2.ª R., com intermediação do 1.º R., contratos estes em que foi inserida uma cláusula atributiva de foro exclusivo aos Tribunais de Genebra, na Suíça, para dirimir os litígios emergentes desses contratos.

Atentando, porém, em toda a factualidade alegada pelos A.A., nela se descortina um bloco de factos contextuais ou circunstanciais configuradores de uma relação comercial e financeira complexa estabelecida entre os A.A. e os R.R., envolvendo a gestão financeira das duas contas abertas por aqueles A.A. junto da agência da 2.ª R. na Suíça, com intermediação do 1.º R..

         Nesse plano contextual, alegaram os A.A. que:

O 1.º R. exercia atividade de consultadoria financeira e de agente da 2.ª R., nos seus escritórios em Guimarães, gerindo, a partir dali, contas de títulos e de produtos estruturados na 2.ª R., sediadas na Suíça, tituladas por cidadãos portugueses ou residentes em Portugal, recebendo da mesma R. a respetiva comissão ou prémio, em função dos movimentos financeiros ou vendas realizadas;

- Em 25/07/2005, o 1.º A., aconselhado pelo 1.º R., abriu, numa agência da 2.ª R., na Suíça, a conta n.º 2…0-5…0, em nome do seu filho menor EE, nela depositando € 720.000,00;

- Nesse âmbito, o 1.º A. celebrou com o 1.º R., nos referidos escritórios de Guimarães, um contrato de gestão daquela conta mediante o qual lhe conferiu poderes, nomeadamente, para comprar e vender obrigações e produtos estruturados com a finalidade de que os adquirisse e resgatasse no seu vencimento ou maturidade e os respetivos juros;

- O 1.º A., também a conselho do 1.º R., em 2005, adquiriu o capital social da 2.ª A., com sede no …; 

Mas, a par disso, sobrepõe-se um núcleo duro de factos que consubstanciam comportamentos ilícitos imputados a ambos os R.R. lesivos dos valores mobiliários dos A.A. depositados nas referidas contas, comportamentos esses alegadamente praticados fora do âmbito das relações contratuais estabelecidas, ainda que a coberto do seu aproveitamento.

Este núcleo duro factual centra-se basicamente na parte em que os A.A. alegam que: 

   - Em finais de maio de 2006, o 1.º R., sem estar habilitado para transferir o saldo da conta n.º 2…0-5…0 nem para comprar o que quer que fosse para a 2.ª A., celebrou um contrato nos termos do qual, em representação do 1.º A., transmitiu todos os produtos financeiros daquela conta para a conta da 2.ª A. com o n.º 2…0-5…2 aberta também junto da 2.ª R. - artigo 10.º da petição inicial;

   - A transmissão dos produtos financeiros da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2 foi realizada pelo 1.º R. com recurso a falsificação da assinatura do 1.º A., que não assinou qualquer documento para celebrar contratos em nome da 2.ª A. nem para movimentar qualquer conta ou produtos da referida conta n.º 2…0-5…2, o que foi feito por aquele R. com vista a obter comissões pelas vendas – artigos 13.º e 14.º da petição inicial;

   - Assim, o 1.º R. falsificou um contrato de representação da 2.ª A., em relação à qual nunca teve poderes para representar nem gerir, e movimentou a conta desta sem qualquer autorização da mesma para tal – artigos 15.º e 16.º da petição inicial;     

   - Entre agosto e setembro de 2008, a 2.ª R. fez uma grande pressão junto dos seus agentes para que estes vendessem obrigações ou produtos Lehman Brothers aos seus clientes, sob a promessa de elevadas remunerações, bem sabendo que a queda do referido banco estava iminente – artigos 19.º e 20.º da petição inicial;

   - Nessa altura já era do conhecimento da maior parte dos agentes do mercado que a Lehman Brothters tinha os seus produtos carregados na base ou na sua maior parte com créditos impagáveis – artigo 17.º da petição inicial;  

   - O 1.º R., assim persuadido e pressionado pela 2.ª R., que lhe prometeu pessoalmente elevadas comissões, sem qualquer autorização do 1.º A. nem da 2.ª A., em 05/09/2008, adquiriu para a 2.ª A. as seguintes obrigações ou produtos estruturados:

   - em 05/09/2008, 62124080 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 203.409,40 USD;

   - em 05/09/2008, 62119079 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 204.013,80 USD;

–  artigo 21.º  da petição inicial;  

   - Em 15/09/2008, a Lehman Brothers caiu e as obrigações ou produtos estruturados, que o 1.º R. adquiriu para a 2.ª A. pelo preço de 407.423,20 USD, passaram a valer zero – artigo 22.º da petição inicial;

   - Como fruto da gestão ruinosa e não autorizada da carteira da 2.ª A., a conta deixou de dar garantias suficientes de modo a alavancar o investimento em produtos estruturados, pelo que a 2.ª R. deu ordem imediata de venda de todos os produtos ou obrigações que a 2.ª A. tinha na referida conta, de modo a saldar o referido “empréstimo”, o que fez entre o dia 23 e 25 de setembro de 2008 – artigo 25.º da petição inicial;

   - Com o remanescente dos produtos vendidos pela 2.ª R., a conta da 2.ª A. foi encerrada, perdendo o 1.º A., no final, a totalidade do seu investimento de € 720.000,00 – artigo 29.º da petição inicial;  

   - Através dos comportamentos acima descritos o 1.º R. e a 2.ª R. agiram de má fé, com recurso a falsificação de documentos, com uso de engano, sugestão e artifício para obter ganhos elevados ou passar para os A.A. perdas que de outro modo sofreriam, incorrendo assim na prática de crimes de burla, falsificação de documentos e abuso de confiança, agravados em face do elevado montante, superior a € 275.000,00 – artigo 30.º da petição inicial;  

 - Todas as ordens de movimentação daquelas contas, mormente a ordem de transmissão dos valores da conta n.º 2…0-5…0 para a conta n.º 2…0-5…2, bem como as falsificações de assinaturas e as ordens de movimento na conta n.º 2…0-5…2, nomeadamente da compra dos europaper 7.875 lehman 10, ocorreram a partir do escritório do 1.º R. em Guimarães – artigo 31.º da petição inicial.

       De salientar que, diversamente do que sustenta o 1.º R., os A.A. alegaram logo, sob os artigos 15.º e 16.º da petição, que o 1.º R. “falsificou” um contrato de representação da 2.ª A., em relação à qual nunca teve poderes para representar nem gerir, e movimentou a conta desta, a seu bel prazer, de forma arbitrária, sem qualquer autorização da mesma para tal.

Na base deste quadro factológico, pretendem os A.A. demonstrar a prática de atos ilícitos relevantes em sede de responsabilidade civil extracontratual, praticados concertadamente por ambos os R.R., consubstanciados na falsificação de assinaturas e documentos, em representação não autorizada tanto do 1.º A. como da 2.ª A., e na expedição de ordens de movimentação das contas dos A.A. abertas na agência da 2.ª R., na Suíça, aquela e estas, segundo o alegado, praticadas materialmente pelo 1.º R., nos seus escritórios de Guimarães, em conluio com a 2.ª R. com sede na Suíça.


Nesta medida, desde logo, os factos imputados ao 1.º R. são de molde a integrar a causa de pedir respeitante a ilícito civil extracontratual, nos termos da cláusula geral do artigo 483.º, n.º 1, do CC, com ocorrência em Portugal, ainda que uma parte dos factos complementares relevantes, como sejam a efetivação das operações bancárias e financeiras e os prejuízos daí decorrentes para os A.A., tenham ocorrido fora do território nacional, no caso, na Suíça.

Qualificável o litígio nesta base, torna-se irrelevante, relativamente ao 1.º R., convocar a cláusula contratual de atribuição de foro exclusivo aos tribunais de Genebra, que compreende apenas os litígios emergentes dos contratos de abertura de conta em que se encontra inserida.

Ora, o artigo 62.º do CPC, no que aqui releva, prescreve que:

   Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:

   a) – Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras da competência territorial estabelecida na lei portuguesa;

   b) – Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram.

         E segundo o artigo 71.º, n.º 2, do mesmo Código:

   Se a ação se destinar a efetivar a responsabilidade civil baseada em facto ilícito (…), o tribunal competente é o correspondente ao lugar onde o facto ocorreu.      

Assim, a alegação pela parte autora da prática de algum facto ilícito imputado a cidadão português domiciliado em Portugal. – o aqui 1.º R. -, que seja integrativo da causa de pedir no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, ocorrido em território português, ainda que a não preencha de todo, é o bastante para conferir aos tribunais portugueses competência em razão da nacionalidade, nos termos concorrentes da alínea a) do artigo 62.º, com referência ao artigo 71.º, n.º 2, e alínea b) daquele artigo, acima transcritos. Nem se coloca, como foi dito, sequer aqui a eventualidade de aplicação de instrumentos internacionais ou de normas de conflitos.

E, tratando-se de facto ilícito imputado ao 1.º R. ocorrido em Portugal pretensamente lesivo de ativos financeiros quer do 1.º A. quer da 2.ª A., tais normas atributivas de competência internacional são aplicáveis no quadro das pretensões deduzidas por estes A.A., não se verificando, portanto, o obstáculo à coligação ativa subsidiária previsto no artigo 37.º, n.º 1, parte final, do CPC, no concernente à referida competência, como defende o 1.º R..    

Nessa conformidade, o tribunal da causa é internacionalmente competente para conhecer do presente litígio quanto às pretensões deduzidas pelos A.A. contra o 1.º R..


quanto às pretensões deduzidas contra a 2.ª R., a questão mostra-se um pouco complexa.

 Desde logo, estando a 2.ª R., sociedade comercial, sediada na Suíça, há que convocar a aplicação da Convenção de Lugano relativa à competência judiciária e à execução de decisões em matéria civil e comercial, celebrada em 16 de setembro de 1988 (88/592/CEE), em que a República Portuguesa e a Confederação Suíça são Altas Partes Contratantes, a qual prevalece sobre as normas nacionais de competência internacional, como decorre do artigo 59.º do CPC. 

O artigo 2.º daquela Convenção – seja na versão de Lugano I ou de Lugano II – estabelece que:

Sem prejuízo do disposto na presente Convenção, as pessoas domiciliadas no território de um Estado Contratante devem ser demandadas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado.

   Porém, em sede de competências especiais, o artigo 5.º, n.º 3, da mesma Convenção, prescreve, no que aqui releva, que:

O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode ser demandado num outro Estado Contratante:

3. Em matéria extracontratual, perante o tribunal do lugar onde ocorreu o facto danoso.

      E, logo a seguir, o artigo 6.º, n.º 1, daquela Convenção, na versão Lugano I, estabelece que:

O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode também ser demandado:

1. Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer deles.

     Tal normativo foi, no entanto, clarificado, na versão Lugano II, passando a ter a seguinte redação:

O requerido com domicílio no território de um Estado Contratante pode também ser demandado:

1. Se houver vários requeridos, perante o tribunal do domicílio de qualquer deles, desde que os pedidos estejam ligados entre si por um nexo tão estreito que haja interesse em que sejam instruídos e julgados simultaneamente.


     É certo que da matéria alegada na petição inicial não se colhem factos concretos que se traduzam em atos materiais praticados pela 2.ª R. em Portugal.

      Alegam os A.A., no essencial, que a 2.ª R. teria exercido pressão sobre os seus agentes, nomeadamente sobre o 1.º R., para vender obrigações ou produtos financeiros Lehman Brothers junto dos respetivos clientes, sob a promessa de elevadas remunerações, sabendo que a queda do referido banco estava iminente, e que o 1.º R., assim pressionado e persuadido, teria então realizado as duas operações financeiras sobre as contas dos A.A..

     É o que se colhe do alegado sob os artigos 19.º a 22.º da petição inicial, em que se afirma o seguinte:  

«- entre agosto e setembro de 2008, [a 2.ª R.] fez uma grande pressão junto dos seus agentes para que estes vendessem obrigações ou produtos Lehman Brothers, aos seus clientes, prometendo elevadas remunerações aos seus agentes, bem sabendo que a queda do referido banco estava iminente;

- Assim, o primeiro réu, persuadido e pressionado pela segunda ré, que lhe prometeu pessoalmente elevadas comissões, sem qualquer autorização do autor e da co-autora BB, adquiriu em 5 de Setembro de dois mil e oito para a co-autora BB as seguintes obrigações ou produtos estruturados:

   - em 05/09/2008, 62124080 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 203.409,40 USD;

   - em 05/09/2008, 62119079 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 204.013,80 USD;

- Passados 10 dias mais precisamente no dia 15 de Setembro de 2008, a Lehman Brothers caiu e as obrigações ou produtos estruturados que o primeiro réu adquiriu para a co-autora BB, sem o seu consentimento, à custa do saldo desta ou de venda antecipada de outras obrigações, também sem o seu consentimento, pelo preço de 407.423,20 USD, passaram a valer zero.»

     E sustentam ainda, sob os artigos 30.º e 31.º da petição inicial, que:

- Através dos comportamentos acima descritos o 1.º R. e a 2.ª R. agiram de má fé, com recurso a falsificação de documentos, com uso de engano, sugestão e artifício para obter ganhos elevados ou passar para os A.A. perdas que de outro modo sofreriam, incorrendo assim na prática de crimes de burla, falsificação de documentos e abuso de confiança, agravados em face do elevado montante, superior a € 275.000,00;  

- Todas as ordens de movimentação daquelas contas, mormente a ordem de transmissão dos valores da conta n.º 240-594590 para a conta n.º 2…0-5…2, bem como as falsificações de assinaturas e as ordens de movimento na conta n.º 2…0-5…2, nomeadamente da compra dos europaper 7.875 lehman 10, ocorreram a partir do escritório do 1.º R. em Guimarães.

            Acresce que, em face dos documentos juntos pela 2.ª R. com a sua contestação, em especial o documento n.º 5 de fls. 177 a 178/v.º, em desenvolvimento do alegado no artigo 10.º da petição inicial, os A.A. vieram alegar, sob os pontos 1 a 11 da sua resposta àquela contestação, matéria tendente a reforçar a “comparticipação” da 2.ª R. com o 1.º R., ao “aceitar como boa a folha 2” daquele documento n.º 5 “para substituição da assinatura do 1.º A. AA”, suscetível de ser qualificada de ilícito civil, doloso ou negligente.    

Naquela resposta, os A.A. alegaram, mais precisamente, o seguinte:

   «A -Quanto à contestação da ré DD

I - Impõe-se em primeira linha aos autores, para melhor clarificação do litigio e contribuição no esclarecimento do tribunal, no interesse dos autores como demandantes, chamar a atenção nesta primeira parte da resposta para o documento n.º 5 da contestação da ré DD junto pelo requerimento 25…1 de 24/03/2017, pelas 17h47 e precisar o alegado no artigo 10° da petição inicial

1. Assim os autores mantêm na integra o alegado na petição inicial, precisando no entanto agora em face do documento junto pela ré UBS como documento n.° 5 da contestação, para 16 de junho de 2006 a data indicada no artigo 10° da petição, pois é essa data dos faxes e data onde foi manuscrito “transferência ATF+títulos OK DY60 16.6.06”, na primeira página do referido documento, sob a assinatura do Director Adjunto da ré DD próxima da data que consta como data da ordem de transferência a folhas 3 do referido documento, de 19/6/2006

2. Quanto à data aposta como data de assinatura será mais correctamente 09/06/2006 e não 09/05/2006, como consta da tradução respetiva do mesmo documento, que nessa parte impugnamos, pois apesar de não ser percetível por ser manuscrito, só assim fazem sentido as demais datas, designadamente de fax que consta no topo (16/6/2006), assim com da terceira página do mesmo 19/6/2006 como data de realização da ordem de transferência ou remessa.

3 - Requerem por isso desde já e reiteram no final, para confronto, que a ré DD seja notificada para juntar o original do referido documento constante dos seus serviços, com as assinaturas ou rubricas originais do Director Adjunto e do Sr GG, bem como da segunda, terceira e quarta página do mesmo documento, pois,

4 - pela análise dos mesmos vemos que na parte superior da primeira e segunda página foram apagados o numero de fax de origem que é o número de fax do réu CC, portanto de Portugal e sobrepostos números de outro país e,  

5 - por outro lado nota-se que a página 2 do mesmo documento, constitui uma montagem da primeira página, onde foi inserido um “quadro” para modificação da assinatura, por meio de cópia da assinatura original que constava do documento de abertura de conta. de modo a “validar” ou “justificar” internamente a divergência entre a assinatura que o réu CC ou alguém a seu mando apôs no mesmo e a que constava do documento de abertura de conta junto como documento 1.1 da mesma contestação, que foi digitalizada e imprimida sobre urna cópia do original que era a primeira página, pelo menos na parte onde continha as assinaturas do Director Adjunto da DD e do seu funcionário ou agente Sr GG.

6 - As semelhanças no resto do documento são tantas que, apesar do uso de escurecedor para as disfarçar, nota-se à vista desarmada a referida montagem, que a ré DD aceitou de forma no mínimo grave ou grosseiramente negligente, pois com o devido respeito, no mínimo deveria ter recusado a ordem de transferência por divergência de assinaturas e face ao respetivo valor em causa, desconfiado de forma acrescida da mesma, exigindo no mínimo documentos originais para alteração de assinatura, em vez de se contentar com uma montagem sobre o fax anterior, remetido pelo réu CC.

7 - Impugnam assim os AA por falsidade quanto ao documento 5, corno sendo do autor AA a assinatura onde se lê “AA” e negam que o mesmo tenha assinado alguma página do referido documento, que vai nessa parte de assinaturas a imputar ao mesmo autor impugnado daí resultando a ilegalidade da ordem de transferência e consequente execução, por falsificação.

8 - De facto, o réu CC tinha em seu poder, na altura e ainda terá, urna copia de um bilhete de identidade do autor AA de 2003 ou 2004, onde este, por motivo de se encontrar então em Espanha onde o nome T… é mais perceptível que R…, assinou de forma parecida à que consta da primeira página do documento junto como doe 5 da contestação da ré DD onde se lê “AA”, que o réu CC imitou ou mandou imitar, para dar a ordem referida, acabando algum dos seus interlocutores na DD por lhe observar que a assinatura era diferente da que constava da abertura de conta, já depois de assinado pelo SR Director HH e pelo Sr GG, resolvendo aquele o problema através de uma montagem no documento inicial e aceitando a DD de forma negligente aquela montagem grosseira,

9 - Pela análise dos documentos e no mínimo face ao montante envolvido, a DD actuou com negligência grave se não com dolo, comparticipação ou cumplicidade com o réu, ao aceitar como boa a folha 2 do documento numero para substituição da assinatura do autor AA.

10 - Assim em 16/06/2016, o réu CC, sem poderes para tal, nem para comprar o que quer que fosse para a referida BB, SA, e com recurso a falsificação primeiro e de seguida, a falsificação e montagem ou clonagem de assinatura do autor AA, deu à ré DD uma ordem de transferência do saldo da conta 2…0-5…0 com todos os produtos financeiros para a conta da co-autora BB, SA, com o número 2…0-5…2, na segunda ré que executou a referida ordem de transferência, sem exigir os originais, aceitando como válida para a mudança de assinatura e execução da ordem de transferência a folha dois, ou fotocopia da folha dois, do documento n.º 5 da contestação da ré DD, que é uma cópia da folha 1 do mesmo documento - que corresponde ao documento de ordem de transferência primitivo, que continha urna assinatura falsificada do autor AA e divergente da autorizada - com uma “montagem” da assinatura original do autor constante do documento 1.1 da mesma contestação, digitalizada para a referida copia, conforme resulta do documento junto como documento 5 da contestação da ré BB.

11 - Dessa forma em face do referido documento e em sede de resposta vai agora melhor concretizado o alegado no artigo 10° da PI, com a alegação do numero anterior desta resposta, em seu complemento, tendo em vista a melhor clarificação do litígio e contribuição no esclarecimento do tribunal, no interesse dos autores como demandantes.»


De todo este acervo alegatório, por parte dos A.A., resulta a configuração de uma causa de pedir complexa subsumível ao instituto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, no âmbito do qual vem imputada a ambos os R.R. a co-autoria de um facto danoso desencadeado pelo 1.º R., no seu escritório de Guimarães, e prosseguido mediante a alegada atuação dolosa ou negligente da 2.ª R., a culminar na realização das duas operações financeiras – uma, em 05/09/2008, 62…0 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 203.409,40 USD; outra, em 05/09/2008, 62119079 europaper, 7.875 lehman 10, no valor de 204.013,80 USD – sobre as referidas contas dos A.A. abertas na agência da 2.ª R. na Suíça, donde teria resultado o invocado prejuízo dos mesmos A.A., cuja indemnização peticionam.

Por muito que se esforcem os R.R. em reconduzir o litígio ao quadro da responsabilidade civil emergente dos contratos de gestão de conta celebrado com o 1.º R. e dos contratos de abertura de conta celebrados com a 2.ª R., o que se afigura inequívoco é que as pretensões dos A.A. não se inscrevem dentro desse quadro contratual, mas antes no plano da alegada prática ilícita concertada, desse modo imputada àqueles réus, na qual alicerçam os seus pedidos indemnizatórios.


Ora, para os estritos efeitos de determinação da competência internacional em foco, não cabe aqui ajuizar sobre a suficiência nem sobre o mérito das pretensões deduzidas pelos A.A. contra os R.R., bastando, para tanto, aferir os contornos do litígio tal como vêm delineados pelos A.A..

Tais contornos prefiguram, claramente, pretensões alegadamente fundadas no instituto da responsabilidade civil extracontratual, em sede de factos ilícitos, em função do que se impõe determinar a competência do tribunal da causa, em razão da nacionalidade, para conhecer delas.

          

     Posto isto, de acordo com o disposto no artigo 5.º, n.º 3, da Convenção de Lugano, acima transcrito, os tribunais portugueses não seriam competentes em razão da nacionalidade para conhecer das pretensões que os A.A. deduziram contra a 2.ª R. fundadas em facto danoso por ela praticado na Suíça.

Todavia, em face do preceituado no também transcrito artigo 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano, seja na versão mais genérica de Lugano I, seja na versão densificada de Lugano II, importa ter em linha de conta a conexão desses atos com os alegados atos ilícitos praticados pelo 1.º R. em Portugal.

    Nesta perspetiva alegatória, não poderá deixar de se considerar que todo o factualismo em referência retrata uma situação de co-autoria dos R.R., nomeadamente nos termos do artigo 490.º do CC, no sentido de lhes imputar uma atuação conjugada com vista à movimentação das contas dos A.A. abertas na agência da 2.ª R., na Suíça, desencadeada pelo 1.º R., em Portugal, através das alegadas falsificações de documentos e assinaturas e ordens não autorizadas pelos A.A. para tal, em que, segundo o alegado, a 2.ª R. terá “comparticipado”, além do mais, ao aceitar tais documentos, sabendo ou devendo saber que as assinaturas desses documentos não eram fidedignas. Tal situação evidencia, por si só, uma estreita ligação entre as pretensões deduzidas pelos A.A. contra ambos os R.R..

     Nesse conspecto, qualquer ação que fosse instaurada em separado contra cada um dos R.R. não poderia deixar de convocar a tal atuação conjugada, correndo-se o sério risco de chegar, em sede de julgamento, a resultados contraditórios ou inconciliáveis, donde resulta um óbvio interesse em que essas pretensões sejam julgadas simultaneamente, tanto à luz da versão mais genérica do artigo 6.º, n.º 1, de Lugano I, como da fórmula mais densificada de Lugano II.

    Trata-se de uma situação que, salvo o devido respeito, não tem qualquer paralelo ou similitude com o caso apreciado no acórdão deste Supremo Tribunal, de 09/02/2017, proferido no processo n.º 1387/15.6T8PRT.B.L1. P1-A, citado pela 2.ª R..

     Com efeito, o que naquele processo estava em causa era a conexão entre duas ações pendentes em tribunais de diferentes Estados-membros da União Europeia, cada uma delas fundada em contratos distintos – um contrato de empréstimo e um contrato swap -, tendo-se ali entendido, para efeitos do disposto no art.º 30.º da Regulamento (EU) n.º 1215/2012, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012, relativo à competência judiciária e ao reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, que tal situação não era suscetível de conduzir a decisões inconciliáveis, porquanto as respetivas causas de pedir não eram as mesmas nem únicas, nem os pedidos estavam em relação de dependência.

      Porém, nada disso ocorre no caso dos presentes autos, em que, como ficou dito, estamos perante uma causa de pedir complexa fundada em responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos imputados, em co-autoria, a ambos os R.R..

     Nessa conformidade, é conferida competência, em razão da nacionalidade, ao tribunal da causa para conhecer das pretensões deduzidas contra a 2.º R. nos termos conjugados dos artigos 5.º, n.º 3, e 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano, conforme o acima exposto.  

    Termos em que merece provimento o recurso, também nesta parte.


      Em síntese, sobre a questão em apreço, conclui-se que o tribunal da causa é competente em razão da nacionalidade para conhecer:

a) – Quer das pretensões deduzidas pelos A.A. contra o 1.º R., nos termos do artigo 62.º, alíneas a) e b), com referência, quanto à alínea a), ao artigo 71.º, n.º 2, do CPC;

b) – Quer das pretensões deduzidas pelos mesmos A.A. contra a 2.ª R. nos termos conjugados dos artigos 5.º, n.º 3, e 6.º, n.º 1, da Convenção de Lugano. 

    Termos em que improcedem as exceções dilatórias de incompetência internacional deduzidas por ambos os R.R.


2. Quanto à impugnação do valor da causa fixado pelo tribunal a quo


Antes de mais, importa reter que os A.A. atribuíram à causa o valor de € 275.000,00, o qual não foi objeto de impugnação por parte dos R.R..

Por sua vez, o tribunal a quo, em sede de saneador, fixou o valor de € 720.000,00 com base na seguinte fundamentação: 

«Os AA atribuíram à causa o valor de 275.000,00 euros, tendo formulado pedido ilíquido. Decorre todavia do seu articulado inicial que o montante cujo prejuízo reclamam ter sofrido (já liquido) é o de 720.000,00 euros valor este correspondente ao montante depositado na conta bancária na Suiça e perdido. Certo que nada foi oposto a este valor atribuído à causa.

Todavia como já se decidiu no Ac do STJ de 4.03.2004 in nota 6 ao art.º 306.º do CPC anot Abílio Neto 4.a ed “ tem lugar a verificação oficiosa do valor da causa, não obstante o valor atribuído não haver sido impugnado, desde que se verifique pelos elementos existentes no processo que tal valor está em flagrante divergência com os critérios legais de acordo com o art 315° n° 1 (...) (hoje será o art° 306). Neste caso, o tribunal terá em consideração o valor que julgue adequado segundo o critério estabelecido no mesmo preceito” Donde que em face do disposto nos artigos 296 n.º 1, 297.º, n.º 1, 1.ª parte, 299.º e 306.º todos do CPC fixo à causa o valor de 720.000,00 euros.»

Vêm, no entanto, os A.A. Recorrentes sustentar, em síntese, que:

- Pediram, a título principal, a condenação dos R.R. a indemnizar o 1.º A. no pagamento do valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…0 em 01/05, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, deduzido o valor do empréstimo feito pela DD e respetivo juro, na data de cada vencimento, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas sobre o saldo positivo, até efetivo pagamento;

- O estado dos autos não permite apurar qual o saldo resultante da diferença entre o valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta 2…0-5…0 em 01/05/2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos e o valor do empréstimo feito pela DD e respetivo juro, na data de cada vencimento, saldo esse que pode ser inferior ao depósito dos € 720.000,00 iniciais, como superior, como mesmo inferior aos € 275.000,00;

- O valor da causa deve ser fixado em função desse pedido principal, a que os A.A. atribuíram, sem impugnação pelos R.R., o valor de € 275.000,00

- Assim, não existe fundamento, pelo menos nesta fase, para o tribunal alterar o valor da ação e muito menos para concluir que o valor da ação é de € 720.000,00, que não corresponde ao valor peticionado.

         Vejamos.

     Do petitório formulado pelos A.A. na petição inicial acima enunciado resulta a dedução contra ambos os R.R. de:

a) - Um pedido principal de condenação em indemnização ilíquida a favor do 1.º A., a apurar sobre o valor de cada uma das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…0 em 01/05/2006, em que foi inicialmente depositada a quantia de € 720.000,00, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, deduzido o valor de um empréstimo feito pela DD, e respetivo juro, na data de cada vencimento, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas sobre o saldo positivo, até efetivo pagamento, por nulidade do movimento de transmissão da conta 240-594590 para a conta n.º 2…0-5…2;

- b) – Um pedido subsidiário de condenação em indemnização a favor da 2.ª A., no valor disponível, bem como do valor de cada um das obrigações e produtos que se encontravam associados à conta n.º 2…0-5…2 em 31/05/2006, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta n.º 2…0-5…2;

c) – Ainda um pedido subsidiário, para o caso de improcedência daquele pedido a favor da 2.ª A., de condenação indemnizatória também a favor desta A., no valor das obrigações e produtos que se encontravam na conta n.º 2…0-5…2 em 01/09/ 2008, na data do respetivo vencimento com os respetivos juros ou dividendos, acrescido de juros de mora à taxa legal, desde cada uma dessas datas, até efetivo pagamento, por nulidade dos movimentos feitos na conta n.º 2…0-5…2, na sequência da nulidade da venda das obrigações europaper 7.875 Lehman 10 em 5/9/ 2008.

d) - Em qualquer dos casos das alíneas anteriores, a condenação dos R.R. na restituição de valores que tenham sido retirados para contas de terceiros, a titulo de honorários ou não fundadas em contrapartida de preço de obrigações ou produtos contabilizados na primeira parte, por nulidade decorrente de falta de autorização e abuso de confiança, acrescido de juros de mora à taxa legal desde a data da retirada até efetivo pagamento.

    Esquematicamente estamos, em primeira linha, perante dois pedidos principais cumulados: o primeiro, enunciado em a), a favor do 1.º A. e o outro (enunciado em d) a favor de ambos os A.A., os dois em montante ilíquido. Num segundo plano, vêm dois pedidos a favor da 2.ª A., o primeiro deles, enunciado em b), subsidiário em relação ao primeiro pedido formulado a favor do 1.º A. e o outro, enunciado em c), subsidiário em relação àquele primeiro pedido subsidiário a favor da 2.ª A..

     Ocorre assim, na conjugação do primeiro pedido deduzido a favor do 1.º A. e dos pedidos subsidiários formulados a favor da 2.ª A., uma situação de coligação ativa subsidiária.

         Segundo o artigo 296.º, n.º 1, do CPC: 

   A toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido.

     No caso de pedidos subsidiários, o artigo 297.º, n.º 3, 2.ª parte, do CPC determina que se atenda ao pedido formulado em primeiro lugar.

      Na fixação do referido valor, deve atender-se ao momento em que a ação é proposta como se preceitua no artigo 299.º, n.º 1, 1.ª parte, do mesmo Código.

Porém, o n.º 4 do mesmo normativo determina que:

Nos processos de liquidação ou noutros em que, analogamente, a utilidade económica do pedido só se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite é corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.

     Ora, de acordo com os artigo 306.º, n.º 1, e 308.º do CPC, compete ao juiz fixar o valor da causa, mesmo em divergência com o valor aceite pelas partes, em face dos elementos do processo ou de diligências indispensáveis para tal apuramento. Tal fixação deverá ser logo feita no despacho saneador, quando haja lugar a ele, salvo nos processos a que se refere o art.º 299.º, n.º, 4, como decorre do disposto no n.º 2, do indicado artigo 306.º.

     À luz deste quadro normativo, é, pois, lícita a fixação pelo juiz de valor da causa diferente do aceite pelas partes, com a observância dos critérios legais e em função dos dados do processo.

       Assim, nessa fixação importava atentar no valor dos pedidos principais, não relevando, por isso, o valor dos pedidos subsidiários.


      No caso vertente, como já se deixou referido, estamos perante um pedido principal a favor do 1.º A. cumulado com um pedido a favor de ambos os A.A. e de dois pedidos subsidiários a favor da 2.ª A.: o primeiro em relação ao pedido principal a favor do 1.º A. e o segundo em relação ao primeiro pedido subsidiário da 2.ª A..

        Nessa medida, segundo o disposto no artigo 297.º, n.º 2 e 3, parte final, do CPC deverá atender-se à soma dos valores dos pedidos principais.

        Sucede que os referidos pedidos principais, acima enunciados nas alíneas a) e d), apresentam-se em montante ilíquido.

       É certo que os A.A. alegaram o prejuízo que tiveram com as operações financeiras em causa, perdendo afinal a totalidade do investimento de € 720.000,00 correspondente ao montante inicialmente depositado na conta n.º 2…0-5…0 em 01/05/2006. E, sob o art.º 30.º da petição inicial, afirmaram que, com a atuação dos R.R., sofreram perdas de montante elevado superior a € 275.000,00.

Mas também não é menos certo que, quanto ao pedido principal formulado a favor do 1.º A., se concluiu por um pedido indemnizatório que tanto pode ficar aquém como ir para além desse valor. A par disso, nenhum montante é possível, por ora, inferir quanto ao pedido principal enunciado em d).

    Nestas circunstâncias, da conjugação do disposto nos indicados artigos 299.º, n.º 4, e 306.º, n.º 2, do CPC, resulta que deverá ser mantido o valor inicialmente aceite pelas partes - que é de € € 275.000,00 -, a ser corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários.

Nesta conformidade, procedem as razões dos Recorrentes no sentido de que o valor da causa seja mantido em € 275.000,00, inicialmente aceite pelas partes, sem prejuízo de ulterior correção, ficando assim prejudicada a questão respeitante à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ao abrigo do artigo 6.º, n.º 7, do RCP.

        

 IV – Decisão


   Pelo exposto, acorda-se em dar provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e, em sua substituição, decide-se: 

a) – Declarar o tribunal da causa competente, em razão da nacionalidade, para conhecer das pretensões deduzidas pelos A.A. contra ambos os R.R., devendo o processo prosseguir os seus ter-mos para tal fim;    

b) – Manter o valor da causa de € 275.000,00 (duzentos e setenta e cinco mil euros), sem prejuízo de alteração subsequente desse valor, logo que o processo forneça os elementos necessários;

As custas do recurso ficam a cargo dos R.R.

 

Lisboa, 18 de outubro de 2018.


Manuel Tomé Soares Gomes (Relator)

Maria da Graça Trigo

Maria Rosa Tching