Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
520/13.7PHLSB.L1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: HELENA MONIZ
Descritores: INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
ADMISSIBILIDADE
ASSISTENTE
LEGITIMIDADE
INTERESSE EM AGIR
MEDIDA DA PENA
FINS DAS PENAS
Data do Acordão: 01/22/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO O RECURSO
Área Temática:
DIREITO PENAL - FACTO / FORMAS DO CRIME - CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / PENAS / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA - CRIMES CONTRA AS PESSOAS / CRIMES CONTRA A VIDA.
Doutrina:
- Cláudia Santos, «Assistente, recurso e espécie e medida da pena», RPCC, 2008, pp. 159-160.
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Coimbra: Coimbra Editora, 2009 (2.ª reimpressão), § 314.
- Teresa Serra, Homicídio qualificado: tipo de culpa e medida da pena, Coimbra: Almedina, 1990, pp. 107-109.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGOS 401.º, N.º 1, ALS. B) E C).
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGOS 22.º, 23.º, 40.º, 71.º, N.ºS 1 E 2, 73.º, 132.º, N.º 1 E 2, AL. B).
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGO 32.º, N.º7.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL:
-N.º 205/01.

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ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:
-FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 8/99 (DR, I SÉRIE-A, 10.08.1999, P. 5192 E SS.);
-UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA N.º 5/2011 (DR, I SÉRIE- A, 11.03.2011, P. 1410 E SS.).
Sumário :


I — O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99 (DR, I série-A, 10.08.1999, p. 5192 e ss) veio uniformizar jurisprudência no sentido de admitir que o assistente, autonomamente, tem legitimidade para interpor recurso restrito à medida e espécie da pena, sempre que “demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.
II — Comparando este aresto como um outro posterior — acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2011 (DR, I série- A, 11.03.2011, p. 1410 e ss) — vemos que, embora referindo-se a situação diferente, os argumentos para afirmar a legitimidade do assistente para a interposição de recurso são também diversos, considerando-se, no entanto, relevantes para a questão aqui a decidir: (i) o assistente tem poderes autónomos, e entre eles o de interpor recurso; (ii) a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a um interesse individual, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça; (iii) o assistente tem legitimidade para interpor o recurso quando tem interesse em agir: deste modo, para o assistente poder recorrer, não há que fazer-lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, al. b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constitua assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir)”; (iv) “o assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça” (Cláudia Santos).
III — Entendemos que o assistente, que viu os seus bens jurídicos lesados com a prática do crime, tem também um interesse próprio na resposta punitiva dada pelo Estado: há um interesse concreto do assistente em uma resposta punitiva que entenda como justa tendo em conta os bens jurídicos que foram ofendidos.
IV — Não podemos levar novamente para a determinação da medida concreta da pena os mesmos elementos que estiveram na base da qualificação do comportamento ilícito sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração.
V — Se, por um lado, existem razões de prevenção geral e especial decisivas na determinação da pena, por outro lado, isto não se deve confundir com o medo que a assistente invoca, ou a necessidade de segurança que a assistente alega para que a pena deva ser aumentada. Estas não constituem finalidades das penas de harmonia com o disposto no art. 40.º do CP.
Decisão Texto Integral:



Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça:


I

Relatório


1. Na 6.ª Vara Criminal de Lisboa, foi julgado, em processo comum, com intervenção do tribunal coletivo, no processo n.º 520/13.7PHLSB, o arguido AA, e condenado, por acórdão de 2 de junho de 2014,

pela prática de um  crime de homicídio qualificado, na forma tentada, previsto e punível pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 22.º, 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º, todos do Código Penal (doravante CP), na pena de prisão de 7 (sete) anos.

Foi ainda condenado a pagar ao demandante, Centro Hospitalar ..., E.P.E., a título de indemnização cível, a quantia de € 2.115,45, por danos patrimoniais, acrescida de juros legais vencidos desde a data da notificação feita ao arguido nos termos do artigo 78°, n° 1, do Código de Processo Penal, e vincendos até integral pagamento, e

foi condenado a pagar à demandante/queixosa, BB, a título de indemnização cível, a quantia de e 1.570,60 (mil, quinhentos e setenta euros e sessenta cêntimos) por danos patrimoniais e a quantia de € 25.000,00 (vinte e cinco mil euros) por danos não patrimoniais, acrescidos de juros, à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento.

2. Inconformada, a assistente — BB —, interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça apresentando as seguintes conclusões:

«1 - O Arguido AA em sede de 1ª instância foi condenado pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelos artigos 131º, 132º, nº 1 e nº 2, alínea b), 22º, 23º, nº 1 e nº 2 e 73º, todos do Código Penal, na pena de sete anos de prisão.  

2 - A discordância relativamente ao Douto Acórdão recorrido, cinge-se à medida concreta da pena de prisão aplicada ao Arguido pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, aspectos estes que consideramos mal apreciados e decididos pelo Tribunal “ a quo “, com violação do disposto no artigo 40º, 50º, 70º,  71º e 77º do Código Penal.

3 - Uma vez que a pena aplicada não espelha a culpa do Arguido e não teve em conta as necessidades de prevenção, devendo ser fixada em montante mais elevado, tudo de acordo com o disposto no artigo 71º nº1 Código Penal.

4 - Tendo em conta os critérios estabelecidos no artigo 71º do Código Penal devemos atender às seguintes circunstâncias relativas ao caso sub Júdice; ao elevadíssimo grau de ilicitude dos factos; à especial perversidade demonstrada; às especiais circunstâncias em que os factos se deram; ao elevadíssimo grau de culpa; ao modo de execução; aos sentimentos que o Arguido demonstrou; às graves consequências dos factos; às elevadas exigências de prevenção especial; e às elevadíssimas exigências de prevenção geral.

5 - Tendo em conta a natureza e gravidade dos factos praticados pelo Arguido, bem como a personalidade deste, amplamente demonstrados no Douto Acórdão recorrido, bem como todos os factores e circunstâncias previstos nos artigos 40º e 71º do Código Penal, que influem na medida concreta da pena, entendemos que o tribunal “ a quo “, ao punir o Arguido com a pena de sete anos de prisão, pela prática do crime de homicídio qualificado, na forma tentada, violou o disposto nas supra referidas normas legais, na medida em que não deu satisfação ao que naquelas normas o legislador considerou como sendo, por um lado, os fins das penas e, por outro, as circunstâncias determinantes para a sua medida concreta.

6 - Devidamente ponderados os factos, a culpa, a personalidade do Arguido e as necessidades prementes de prevenção, quer geral, quer especial, de acordo com os artigos 71º nº 1 e 77º nº 1, ambos do Código Penal, e tendo em conta a moldura abstracta da pena em causa nos presentes autos ( o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p.p. pelo artigo 22º, 23º, 73º, 131º e 132º nº 1 e 2, alínea j) do Código Penal, é punível com pena de prisão de 2 anos, 4 meses e 24 dias a 16 anos e 8 meses ), entendemos que será justa e adequada a aplicação de uma pena ao Arguido, que se fixe entre os 11 e os 13 anos de prisão, por só uma pena desta dimensão responder satisfatoriamente às necessidades de prevenção geral e especial, não ultrapassando, por outro lado, a medida da culpa.

7 - O Arguido, com intenção de matar a ofendida desferiu com um “ rolo da massa “ diversas pancadas na cabeça da ofendida, só tendo parado quando a mesma ficou prostrada no chão inconsciente, sendo que o a morte da ofendida só não ocorreu face à imediata intervenção médica.

8 - Existem razões de prevenção geral e especial que têm de se tidas em conta.

9 - Quanto às razões de prevenção geral são elevadíssimas e inscritas na necessidade de imprimir uma relação de confiança entre cidadãos e o respeito pela Lei e pela penalização intensa de uma vulgarização de actos que relativizam a Vida como se esta fosse mais um bem descartável.

10 - Quanto às razões de prevenção especial, o Arguido é uma pessoa com cerca de 30 anos, pelo que as exigências de prevenção, na vertente da socialização, se fazem sentir, aqui, com elevada intensidade, não tendo apoio familiar, nem forma de sustento, expressando desde cedo comportamentos agressivos e de rebeldia, sendo uma pessoa manipuladora, rancorosa e impulsiva, com fraca resistência à frustração quando não vê os seus intentos satisfeitos ou quando é contrariado, existindo risco de recidiva quanto a actos semelhantes, constituindo o Arguido um perigo para a sociedade.

11 - O Arguido demonstra uma total indiferença perante valores fundamentais de vida em sociedade e perante a vida Humana, principalmente com a sua companheira à data dos factos, mãe da sua filha.

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12 - Analisando a personalidade do Arguido, evidenciada nos factos praticados, o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do Arguido é o mais sombrio possível.

13 - Ponderada toda a prova produzida nos autos e os factos dados como provados, o peso das agravantes sobreleva em muito o das atenuantes.

14 - É necessário que a pena aplicada contribua para uma mudança na vida do Arguido no sentido de lhe fazer sentir a obrigação de respeitar o próximo, a Vida, principalmente a Mãe da sua filha.

15 - Com o devido respeito, uma pena de 7 anos de prisão não cumpre esse desiderato, por não ter a virtualidade de poder ser vista pela comunidade como uma séria advertência contra a prática de crimes tão graves como é o de homicídio qualificado, em particular, quando se atenta de uma forma tão séria contra a vida, mostrando-se desajustada face à gravidade dos factos e à personalidade do Arguido.

16 - Assim, deverá ser aplicada ao Arguido pena de prisão efectiva que se fixe entre os 11 e os 13 anos de prisão, dada a enorme gravidade dos factos, a personalidade do Arguido, e a imperiosa e inadiável necessidade de demonstrar à sociedade a validade e vigência das normas violadas.

17 - Ao decidir de modo diverso, o Tribunal violou o disposto nos artigos 40º, 50º, 70º,  71º e 77º do Código Penal.

Nestes termos, contando com o Douto e indispensável suprimento de V.Exas, deverá ser dado provimento ao presente recurso e ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que dê acolhimento ao teor das conclusões supra, condenando o Arguido a uma pena de prisão efectiva que se fixe entre os 11 e os 13 anos de prisão, fazendo-se destarte a mais sã e reta.»

3. Aquando do despacho de admissão do recurso (ao abrigo do disposto no art. 414.º, n.º 1, do CPP), a 14.07.2014, o Senhor Juiz Relator proferiu despacho a admitir o recurso, embora manifestando dúvidas quanto à legitimidade para a assistente recorrer; porém, mandou subir os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa.

4. O Senhor Procurador da República nas Varas Criminais de Lisboa, e sem que se tivesse pronunciado quanto à questão da legitimidade da assistente para interpor o recurso, concluiu que “o douto acórdão recorrido não violou as normas invocadas, ou qualquer outra, e deve ser mantido e, em consequência, deve ser negado provimento ao presente recurso”.

5. Subidos os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta proferiu parecer considerando que uma vez que o recurso versa apenas matéria de direito deverá ser remetido ao Supremo Tribunal de Justiça. Todavia, apresentou alguma jurisprudência referente à admissibilidade do assistente para interpor recurso desde que demonstre interesse em agir (ac. do STJ, DE 18.01.2012, processo n.º 1740/10.1JAPRT), e outra em que se afirma que não se pode considerar como sendo uma decisão contra o assistente aquela relativa à medida concreta da pena (acs. do STJ referidos na anotação de Pereira Madeira, ao art. 401.º, do CPP, no Código de Processo Penal – Comentado).

6. Tendo a assistente sido notificada deste parecer, veio responder alegando que:

«- A Assistente tem legitimidade para apresentar o presente recurso, uma vez que " tem interesse em agir ", tendo um concreto e próprio interesse em agir, desde logo porque é a vítima do crime praticado pelo Ofendido;

- Foi a assistente que sofreu e sofre com a conduta do Arguido, e que teve a sua vida posta em causa pelo mesmo;

- Sendo a principal afectada, com a pena aplicada ao Arguido, que considera diminuta, uma vez que, saindo o Arguido em liberdade, fica posta em causa a segurança da Ofendida, nomeadamente a sua própria vida;

- Uma vez que a Ofendida receia que o Arguido volte a atentar contra a sua vida;

- O interesse da Assistente em agir e a sua legitimidade para intentar o presente recurso estão implícitas na sua qualidade de vítima e ofendida e amplamente demonstradas no recurso intentado.»

7. O Tribunal da Relação de Lisboa, por despacho de 09.09.2014, considerou que

«As als. c) e d) do art. 432.°, vieram restringir o recurso directo para o STJ aos acórdãos proferidos pelo tribunal do júri e pelo tribunal colectivo que apliquem pena de prisão superior a 5 anos, quando anteriormente todas as decisões do júri subiam directamente para o STJ, assim como as decisões do tribunal colectivo que visassem exclusivamente o reexame da matéria de direito.

O que, na linha também deste acórdão, determina que, por que a pena excede 5 anos de prisão, a competência para o recurso caiba ao STJ.

Assim, sempre que a pena aplicada seja superior a 5 anos de prisão, é admissível recurso directo para o STJ E não só é admissível, como é obrigatório o recurso per saltum, por força do n.° 2 do art. 432.° do CPP.

Assim sendo, tendo sido levantada a questão prévia da competência do Supremo Tribunal de Justiça para a matéria dos autos em causa, conhecendo-se da mesma, conclui-se que é competente o Colendo Tribunal para conhecer do recurso na linha defendida no seu parecer pelo Exma. Procuradora-Geral Adjunta, junto deste Tribunal.

Independentemente das considerações que serão feitas pelo Tribunal de Recurso quanto à legitimidade da Assistente, ordenamos a subida do recurso ao Colendo Tribunal por ser este o competente para conhecer do objecto daquele.

Assim sendo, ordena-se que, nos termos do disposto no art° 432.°, n.° I, al. c), do CPP,

Cumpridas as formalidades legais, sejam remetidos os autos ao Colendo Tribunal por ser o competente para conhecer da matéria em causa.»

8. Uma vez subidos os autos, no uso da faculdade concedida pelo art. 416.º, n.º 1, do CPP, a Senhora Procuradora-Geral Adjunto no Supremo Tribunal de Justiça apresentou o seguinte parecer:

«A assistente BB interpôs recurso por questões de direito do douto acórdão proferido e depositado em 2/6/2014 na 6.º Vara Criminal de Lisboa que condenou o arguido AA por autoria do crime de homicídio qualificado e tentado p.p. pelos art.ºs 131.º, 132.º, n.ºs 1 e 2, al. b), 22.°, 23.°, n.ºs 1 e 2, e 73.° do C.P., na pena de 7 anos de prisão c a indemnizações civis ao Centro Hospitalar e à "demandante queixosa".

Embora o recurso tenha sido interposto para o Supremo Tribunal de Justiça e o M.P. também tenha respondido para o Supremo, a la instância por despacho do Mm° Juiz remeteu o recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Após o M.P. ter dado parecer no sentido de ser incompetente o tribunal da relação para apreciar o recurso e ser eventualmente inadmissível por falta de interesse em agir da assistente, o Desembargador Relator, julgou competente para apreciar o recurso sobre a matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça.

A assistente BB no seu recurso sobre matéria de direito só visa impugnar a medida da pena aplicada ao arguido — 7 anos de prisão.

Questões prévias.

1- Além do Mm° juiz da Ia instância ter admitido o recurso com dúvidas, também a Procuradora-Geral Adjunta do tribunal da relação suscitou dúvidas sobre a legitimidade da assistente/recorrente interpor recurso, uma referente à decisão ser ou não contra ela proferida (art° 401°, n° 1 b) do CPP) e o outro sobre "não ter interesse em agir" — assento n° 8/99 de 30/10/97 (DR de 10/8/1998).

No entanto parece-nos que o acórdão condenatório do arguido AA na pena de 7 anos de prisão pela autoria de um crime de homicídio qualificado tentado, poderá ser recorrível apenas pela assistente BB por ter legitimidade e interesse próprio em agir conforme iremos tentar defender.

1.1 A assistente BB (fls 431) aderiu à acusação do Procurador da República nos termos do n° 2 a) do art° 284° do CPP (fls. 380) e interpõe recurso do acórdão que condenou o arguido AA na pena de 7 anos de prisão por autoria de um crime de homicídio qualificado tentado, por discordar da medida da pena aplicada.

O art° 401° dispõe no n° 1 e al. b) que "têm legitimidade para recorrer": ... e o assistente de decisões contra eles proferidas".

E o seu n° 4 que "não pode recorrer quem não tiver interesse em agir".

1.2 O recurso de fixação de jurisprudência 8/99, do DR, Ia série de 10/8/1999 mas proferido em 30/10/2007, estabeleceu a seguinte jurisprudência obrigatória "O assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Ministério Público, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir".

Mas esta jurisprudência obrigatória com a sua parte final — concreto e próprio interesse em agir, tem gerado uma acesa discussão jurisprudência como se conclui nomeadamente da anotação ao art° 401° do CPP do Conselheiro Pereira Madeira (CPP Comentado) e que resultará também não só da doutrina como dos acórdãos também ali citados ou ainda do acórdão de 7/5/2009 p. 579/09. 5' sec.

Deste último acórdão resulta claramente que a pretensão do assistente recorrer desacompanhado do M.P. só será resolvida pela opção de uma das situações previstas no art° 401° do CPP e "no assento" — ter interesse em agir relevante (concreto e pessoal) ou ficar limitado pelo interesse geral da justiça da punição do delinquente (interesse coletivo e não pessoal).

1.3 A decisão mais recente que encontrámos sobre a admissibilidade de recurso do assistente é o acórdão de 18/1/2012, p. 1740/10.1JAPRT.P1.S1 que tem como relator o Conselheiro Henriques Gaspar com muitos princípios relevantes, segundo nos parece, e que também iremos referir.

Sobre o "assento" de 30/10/2007 a sua interpretação é no sentido de «o assistente não fica impedido de recorrer, desacompanhado do M.P., no que respeite à espécie e medida concreta da pena; impõe-se-lhe, no entanto, a obrigação ou o ónus processual de demonstrar um concreto e próprio interesse em agir.

O interesse em agir do assistente, como pressuposto do recurso, significa a necessidade que tenha de usar este meio para reagir contra uma decisão que comporte uma desvantagem para os interesses que defende, ou que fruste uma sua expectativa ou interesse legítimos, que significa que só pode recorrer de uma decisão que determine uma desvantagem; não poderá recorrer quem não tem qualquer interesse juridicamente protegido na correção da decisão.

Seguindo de perto este douto acórdão teremos de o analisar em concreto para o podermos invocar em relação ao recurso agora interposto pela assistente Inês Barreto.

1.4 Enquanto naquele acórdão do STJ o crime é de homicídio e o assistente recorreu desacompanhado do M.P., pretendendo uma alteração da qualificação jurídica (homicídio qualificado) no acórdão agora em recurso a assistente é a própria vitima pois o crime da autoria do arguido é de homicídio qualificado tentado e pretende ver alterada a medida da pena.

E este facto da assistente ser a própria vítima é que poderá dar origem a uma necessidade "de apelo aos tribunais para acautelar um direito ameaçado que necessite de tutela e só por essa via possa obtê-la".

1.4.1 A assistente na motivação do seu recurso considera "o juízo de prognose quanto ao comportamento futuro do arguido é o mais sombrio possível" e na conclusão 14 justifica a aplicação de uma pena mais elevada ... 'para lhe fazer a obrigação de respeitar o próximo, a Vida, principalmente a mãe da sua filha".

Na resposta da assistente ao M.P. no Tribunal da Relação de Lisboa sobre o seu interesse em agir (fls. 608) esclarece nomeadamente que além de ser a vítima "receia que o arguido volte a atentar contra a sua vida".

E o comportamento do arguido enquanto na prisão (telefonemas diários a perturbar a vítima) levou, a pedido desta, a que o Mm° juiz, depois de exercido o contraditório, acrescentasse à medida de coação que já esta aplicada (prisão preventiva), a medida de coação de proibição de contactos (fls. 459).

1.5 Estas circunstâncias parecem-nos ser suficientes para demonstrarem um interesse específico — concreto e próprio da assistente BB, para ser aplicada uma pena mais elevada ao arguido AA, para além das finalidades públicas que cabem ao M.P. defender quanto à medida das penas.

Assim e devido a estes fundamentos poderá vir a ser admitido o recurso da assistente BB que versa a medida da pena da prisão aplicada ao arguido AA.

2 - O acórdão condenatório, tal como o M.P. suscita na sua resposta ao recurso da assistente (fls. 578) contem na fundamentação da medida da pena um parágrafo completamente descontextualizado e que deverá ser expressamente eliminado, nos termos do art.º 380.º, n.ºs 1, al. b) e 2 do CPP.

3 - Se não vier a ser rejeitado o recurso como nos parece, então sobre a medida da pena pronunciar-nos-emos ainda que sucintamente, acompanhando apenas quanto à fundamentação a resposta do sr. Procurador da República da ta instância, pois parece-nos que a pena aplicada poderá ser agravada.

Essa agravação não poderá resultar das circunstâncias que levaram a qualificação do crime de homicídio tentado p. na al. b) do n.º 2 do art.º 132.º do CP, mas especialmente nas finalidades p. no art. 40.º - proteção de bens jurídicos e a reintegração na sociedade, com a culpa porque em caso algum pode ser ultrapassada (art. 18.º da Constituição) e dentro das finalidades da proteção dos bens jurídicos a reinserção social do arguido AA.

Para além da prevenção geral — atendimento do sentimento comunitário, também a prevenção especial terá de ser atendida com a "neutralização — afastamento" do delinquente no cometimento físico de outros crimes, para isso o intimidando a proporcionar a moldar a sua personalidade (neste sentido Ac. do STJ de 27/5/2011, p. 517/08.9).

E sendo as exigências da prevenção geral muito elevadas no tipo de crime que o arguido cometeu voluntariamente, neste caso concreto, atendendo-se à sua personalidade, as exigências da prevenção especial serão ainda mais elevadas para poder ser afastada do cometimento de novos crimes.

Por isso dentro da moldura da pena aplicável a mesma poderia ser fixada mais próxima dos 9 anos de prisão.

Assim parece-nos que o recurso da assistente BB poderá/deverá ser admitido devido ao seu concreto e próprio interesse em agir com legitimidade e então poder obter parcial provimento quanto à medida da pena.»

9. Tendo o arguido sido condenado em uma pena de prisão superior a 5 anos, e uma vez que a assistente apenas questiona a medida  concreta da pena aplicada, o que constitui uma questão de direito, considera-se o Supremo Tribunal de Justiça competente para conhecer do recurso, nos termos do art. 432.º, n.º 1, al. c), do CPP.

10. Colhidos os vistos em simultâneo, e não tendo sido requerida a audiência de discussão e julgamento, o processo foi presente à conferência para decisão.


II

Fundamentação

A. Matéria de facto

Na decisão recorrida, são dados como provados os seguintes factos:

«1. O arguido viveu com a ofendida BB em união de facto, durante cerca de ... anos, tendo residido ambos os últimos dois anos na Rua ..., em Lisboa.

2. Têm uma filha de 8 anos de idade e a casa onde residem é propriedade do pai da ofendida.

3. Até 27/07/2013, o arguido e a ofendida tinham um relacionamento conflituoso, sendo frequentes as discussões entre ambos.

4. Por diversas vezes, em datas não concretamente apuradas, no interior da residência do casal, o arguido disse à ofendida: "Vou meter fogo ao prédio, a ti não te bato, quando te bater é para te matar".

5. A ofendida tinha medo que o arguido concretizasse as ameaças proferidas várias vezes e por esse motivo não o denunciou às autoridades policiais.

6. Em data não concretamente apurada de Julho de 2013, a ofendida disse ao arguido que pretendia separar-se e que ele deveria abandonar a residência, a partir do dia 28/07/2013.

7. No dia 27/07/2013, a ofendida voltou a dizer ao arguido que queria separar-se do mesmo, sendo que por volta das 21 horas, o arguido a questionou se o perdoava, tendo esta respondido negativamente.

8. Após, a ofendida saiu da residência para ir comprar um frango para o jantar.

9. Acto contínuo, quando BB se encontrava no patamar, junto à porta de casa, surgiu o arguido que, munido de um rolo em madeira de amassar, desferiu várias pancadas na cabeça da ofendida.

10. Os Vizinhos que residem no 4.° andar do mesmo prédio ouviram os gritos da ofendida, acorreram ao local e tentaram demover o arguido.

11. O arguido continuou a desferir pancadas com o referido objecto na cabeça da sua companheira e só parou quando ela ficou prostrada no chão, inconsciente.

12. Depois, deixou o rolo da massa no local, saiu para a rua e foi-se entregar à esquadra da P.S.P..

13. A ofendida esteve internada no Hospital de S. José, entre os dias 27/07/2013 e 29/07/2013.

14. Em consequência da conduta do arguido, a ofendida sofreu traumatismo craniano, dos membros superiores e dos membros inferiores e as seguintes lesões:

a) Crânio:

- Couro cabeludo do hemicrânio direito com áreas de sangue aderente, dolorosa à manipulação sendo possível identificar:

1- Ferida contusa, suturada, na região parietal direita com 5 cm de comprimento, oblíqua para baixo e para diante;

2- Três escoriações lineares, com crosta acastanhada, paralelas entre si, na região parietal direita, oblíquas para baixo e para trás, que medem cerca de 3 cm de comprimento cada;

3- Ferida contusa, suturada, na região occipital direita, oblíqua para baixo e para a esquerda, que mede cerca de 2,5 cm. de comprimento;

4- Equimoses arroxeadas na região parieto-occipital direita;

5- Ferida contusa, suturada, na região frontal paramediana direita, oblíqua para baixo e para a direita, que mede cerca de 2 cm comprimento;
6- Áreas de edema epicraniano ao longo de toda a calote á direita.

b) Face:

1- Equimose amarelo esverdeada que acompanha toda a hemiface direita;

2- Duas escoriações, com crosta, no dorso do nariz, a maior das quais medindo cerca de 1 cm. de comprimento;

3- Escoriação com crosta na porção lateral da face vertical do frontal à direita, que mede cerca de 2,8 cm. de comprimento.

c) Tórax: Equimose esverdeada na escapula direita, ovoide, de maior eixo oblíquo para baixo e para a direita, que mede cerca de 7x1,5 cm..

d) Membro superior direito:

1- Quatro equimoses esverdeadas na face posterior e medial, do antebraço, arredondadas, com diâmetros médios compreendidos entre 2,5 cm. e 4,5 cm.;

2- Equimose acastanhada na face posterior do terço inferior do braço, que mede cerca de 1,5 cm. de diâmetro médio;

3- Equimoses acastanhadas sobre as articulações interfalângicas proximais do 3° ao 50 dedo;

4- Equimose verde-acastanhada na superfície palmar da mão castanho.

e) Membro superior esquerdo:

1- Equimose acastanhada no 1/3 inferior da face posterior do braço, ovoide, de eixo maior oblíquo para baixo e para a esquerda, que mede cerca de 7,5x4 cm.;

2- Equimose esverdeada, ocupando a face dorsal dos 4° e 5° metacárpicos e a articulação metacárpico-falângica do 3° ao 5° dedos, as duas falanges proximais do 5° dedo — na sua face dorsal, sendo que na face palmar se estende da porção distal à porção proximal das falanges.

f) O Membro inferior direito:

1- Duas equimoses esverdeadas, ovóides, nas faces anterior e medial do tornozelo, que medem cerca de 2,5x1 cm., cada.

15. Tais lesões determinaram 10 dias de doença, todos eles com afectação da capacidade para o trabalho geral.

16. Atenta a zona atingida (crânio), o meio utilizado (um rolo de amassar de grandes dimensões) e a quantidade de vezes que o arguido atingiu a ofendida, só parando quando a viu inconsciente, revelam que o mesmo quis provocar a sua morte.

17. Tal só não ocorreu devido à intervenção médica imediata, que incluiu tratamento e sutura na ferida incisa profunda frontoparietal direita associada a afundamento craniano e outra escoriação do couro cabeludo parieto occipital à direita, isto é, por razões que em tudo foram estranhas à vontade do arguido.

18. Tinha o arguido perfeita consciência de que a zona do corpo da ofendida AA em que desferiu diversas pancadas com um rolo de amassar albergava órgãos e tecidos vitais.

19. Com a referida conduta, revelou o arguido não possuir qualquer respeito para com a sua companheira e mãe da sua filha, violando os mais elementares princípios e deveres da vida em sociedade.

20. Mais sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

21. Em consequência dos factos praticados pelo arguido, supra dados como provados, foi, pela demandante Centro Hospitalar de ..., E.P.E., prestada assistência hospitalar à ofendida BB, em episódio de internamento de 27 a 29 de Julho de 2013, no valor de € 2.115,45, conforme consta da factura n.° 13020041, emitida em 04/02/2014, junta aos autos a fls. 423, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

22. Com a conduta do Arguido, a Ofendida sentiu medo do Arguido, temendo pela sua integridade física e pela sua própria vida.

23. Com a conduta do Arguido, a Ofendida sentiu dor e sofrimento face às agressões de que foi vítima por parte do Arguido.

24. Os factos praticados pelo Arguido contra a Ofendida foram-no na presença dos vizinhos, inquilinos da ofendida, o que causou vergonha e humilhação à Ofendida.

25. Em virtude da conduta do Arguido, a Ofendida andou muito perturbada, o que a afectou psicologicamente e lhe causou stress, ansiedade, angústia, tendo muita dificuldade em dormir nos meses seguintes à ocorrência dos factos.

26. Tendo ataques de pânico e vivendo com um sentimento de insegurança e medo permanente.

27. Tendo de ter acompanhamento psicológico.

28. Face à conduta do Arguido e às lesões que o mesmo causou na Ofendida, a Ofendida sentiu fortes dores.

29. A Ofendida teve de ter tratamento médico e esteve incapacitada para o trabalho durante cerca de um mês.
30. Tendo um prejuízo de cerca de 1.500,00€ (mil e quinhentos euros).

31. Com despesas hospitalares a Ofendida gastou a quantia de 20,60€ (vinte euros e sessenta cêntimos).

33. Por não se conseguir movimentar a Ofendida teve de ser transportada de ambulância, tendo pago para o efeito a quantia 50,00€ (cinquenta euros).

34. A Ofendida tem medo do Arguido e medo que o mesmo volte a atentar contra a sua vida e que concretize aquilo de que a ameaçou, ou seja, que a mate.

35. Dor, sofrimento, medo e vergonha sentidos pela Ofendida, por culpa do Arguido.

36. O arguido não tem antecedentes criminais.

37. O percurso de desenvolvimento e socialização do arguido decorreu no seio do agregado de origem, composto pelos pais e um irmão, cerca de seis anos mais novo que o arguido, numa dinâmica familiar que o arguido descreve como disfuncional, decorrente de problemas do foro psiquiátrico da mãe e de consumo abusivo de álcool por parte do pai que se expressava, segundo o arguido, com agressividade para consigo e a sua mãe.

38. Em termos económicos o agregado subsistia com alguns condicionalismos não sendo significativos no domínio das necessidades básicas que eram devidamente supridas.

39. O arguido desde cedo expressou comportamentos de rebeldia, alguma agressividade/impulsividade e de retaliação face a eventuais condutas de terceiros interpretadas por si como ofensivas, sendo ainda referenciado no decurso da adolescência o envolvimento com grupos com comportamentos desviantes com os quais terá iniciado o consumo de haxixe.

40. O arguido enquadra esses sentimentos de revolta face às atitudes agressivas e consumo de álcool do pai, sentidos como emocionalmente perturbadores/traumáticos.

41. Completou o 12°, ano com sucesso, sendo considerado como um jovem inteligente e algo dotado para a matemática.

42. Incentivado pelo pai, iniciou por volta dos 18 anos de idade, ocupação laboral como monitor de jovens na "Casa Pia", onde pernoitava, referindo ter sido despedido cerca de 3 meses depois por "implicâncias" de um dos educadores da instituição.

43. De volta ao agregado de origem, refere ter exercido posteriormente algumas actividades indiferenciadas e pontuais em call-centers e na área da construção civil.

44. Veio a inscrever-se no curso superior de Informática na Faculdade de Ciências, por forma a continuar a sua valorização pessoal, formativa e profissional, vindo a registar as primeiras reprovações (por referenciadas dificuldades de aprendizagem), razão pela qual acabou por abandonar os estudos universitários.

45. Com cerca de 26 anos de idade, na sequência da gravidez da ofendida, o casal veio a juntar-se em união de facto e, após temporadas a residir alternadamente nos agregados de origem de ambos, autonomizaram-se na actual morada, onde vivem desde então.

46. A relação intra-familiar do agregado constituído é referenciada como tendo desde cedo sido pautada por comportamentos obsessivos, explosivos e persecutórios por parte do arguido para com a companheira e filha menor, apresentando-se de um modo geral como um indivíduo de humor lábil, manipulador, rancoroso e impulsivo, com fraca resistência à frustração quando não vê os seus intentos satisfeitos ou quando é contrariado.

47. Economicamente, o casal subsistia dos rendimentos auferidos pela companheira, gestora das heranças de família, sendo referenciados trabalhos indiferenciados do arguido, numa padaria e como jardineiro de uma universidade, onde se manteve a exercer funções durante alguns anos tendo abandonado tal actividade.

48. Beneficiando de subsídio de desemprego, o arguido subsistiria nos últimos anos de valores monetários auferidos pela frequência de cursos técnicos (de electrónica e manutenção industrial).

49. De acordo com o arguido, no domínio dos seus tempos livres, o arguido refere apreciar novas experiências, descrevendo-se como um indivíduo sociável e que gosta de se divertir.

50. Terá mantido diversas relações extra-conjugais, homo e heterossexuais, que tiveram na origem da contracção do vírus do HIV de que é portador.

51. Refere manter consumos algo regulares de haxixe, bem como consumos abusivos de álcool, estes últimos essencialmente quando a companheira se encontra a trabalhar no Algarve, para onde viaja com frequência.

52. O arguido encontra-se afecto ao Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL) desde 05-12-2013, após internamento no Hospital Prisional....

53. Transferido para o EPL, esteve primeiramente na enfermaria, passando mais recentemente para uma ala do EP junto da restante população prisional.

54. O arguido encontra-se devidamente medicado e acompanhado pelos serviços de psiquiatria e psicologia do EP, mantendo até ao momento um comportamento consonante com as regras e normas do EPL.

55. Refere a presente situação de reclusão como penosa, sobretudo pelo facto de não ter visitas nem dinheiro para o tabaco.

56. Era visitado pelo pai no Hospital ..., deixando de o visitar por agudização do seu estado clínico, do foro oncológico, vindo a falecer recentemente.

57. Realizado exame psiquiátrico ao arguido, constante a fls. 317 a 320, dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, concluiu-se:

“(...)

Assim, em resposta aos quesitos formulados, com base nos dados disponíveis, é possível extrair as seguintes conclusões:

- Em 27 de Julho de 2013, o doente sofria de doença mental, nomeadamente de perturbação da personalidade do tipo border-line. Não há evidência de sintomas da linha psicótica. Esta doença é crónica, não acidental, mas não determinando alterações do juízo crítico, pelo que o doente, aparentemente, apresentava alguma capacidade para avaliar o carácter proibido dos seus actos, bem como de se determinar de acordo com essa avaliação.

Dado o carácter crónico da sua anomalia, o doente mantém os riscos de recidiva de actos semelhantes, pelo que se preconiza um tratamento competente, especializado e prolongado em consulta de psiquiatria, numa terapêutica mista — farmacológica e psicoterapêutica, procurando também a suspensão do consumo de álcool, prevenindo assim o risco de comportamentos agressivos.

Assim, em conclusão, o observado apresenta imputabilidade, embora se aponte algum grau de atenuação, dada a sua problemática de personalidade.

(...)”.


B. Matéria de direito

1. Sobre a legitimidade da assistente para recorrer

Aquando do despacho de admissibilidade da interposição de recurso, o juiz relator questionou a legitimidade da assistente para o interpor por considerar “ser duvidoso que a parte da decisão sobre que recorre seja «(...) decisão contra eles proferida (...)”.» (cf. fls. 573).

Este ponto não foi objeto de reflexão no parecer elaborado pelo Senhor Procurador da República das Varas Criminais de Lisboa.

Porém,  no Tribunal da Relação de Lisboa, a Senhora Procuradora Geral-Adjunta, sem que tivesse expresso diretamente o seu entendimento, transcreve o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99 (DR, I série-A, 10.08.199, p. 5192 e ss).

Uma vez chegados os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Senhora Procuradora Geral-Adjunta entendeu que a assistente tinha legitimidade e interesse em agir na interposição de recurso, porque aderiu à acusação do MP, porque é a própria vítima do crime, porque receia que o arguido volte a atentar contra a sua vida, e considerando serem estas razões suficientes para que se possa afirmar a legitimidade da assistente para recorrer.

O acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99 (DR, I série-A, 10.08.1999, p. 5192 e ss) veio uniformizar jurisprudência no sentido de admitir que o assistente, autonomamente, tem legitimidade para interpor recurso restrito à medida e espécie da pena, sempre que “demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”. E entendendo que sempre que o assistente não apresente este interesse concreto e próprio “um seu pedido de agravação da pena (...) tem um cunho, ou, pelo menos, apresenta tê-lo, de regresso à vindicta privada” (idem, p. 5194); embora tenha também aduzido como argumento do seu raciocínio o facto de o assistente, naquele processo, para além do recurso em matéria de medida e espécie da pena, ter juntado um recurso referido ao quantum indemnizatório.

Comparando este aresto como um outro posterior — acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 5/2011 (DR, I série- A, 11.03.2011, p. 1410 e ss), onde se fixou que «Em processo por crime público ou semipúblico, o assistente que não deduziu acusação autónoma nem aderiu à acusação pública pode recorrer da decisão de não pronúncia, em instrução requerida pelo arguido, e da sentença absolutória, mesmo não havendo recurso do Ministério Público» — vemos que, embora referindo-se a situação diferente, os argumentos para afirmar a legitimidade do assistente para a interposição de recurso são também diversos, considerando-se, no entanto, relevantes para a questão aqui a decidir:

começou por se considerar que o assistente tem poderes autónomos, e entre eles o de interpor recurso, nos termos do art. 401.º, n.º 1, al. c), do CPP, e no âmbito do processo é colaborador do MP; assim sendo, qualquer interesse do assistente tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que quando atua com base num interesse particular, este (e fazendo suas as palavras de Damião da Cunha, em «A participação dos particulares no exercício da acção penal (alguns aspectos)», RPCC, 1998, p. 638) ”só assume relevância (processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da administração da justiça (ou, no caso concreto, um melhor exercício da ‘acção penal’).»;

por isso se diz naquele acórdão que “o assistente, sendo imediata ou mediatamente atingido com o crime, adquire esse estatuto em função de um interesse próprio, individual ou coletivo; porém, a sua intervenção no processo penal, sendo embora legitimada pela ofensa a esse interesse, que pretende afirmar, contribui ao mesmo tempo para a realização do interesse público da boa administração da justiça, cabendo-lhe, em função da ofensa a esse interesse próprio, o direito de submeter à apreciação do tribunal os seus pontos de vista sobre a justeza da decisão, substituindo o Ministério Público, se entender que não tomou a posição processual mais adequada, ou complementando a sua actividade, com o que, por isso, se não desvirtua o carácter público do processo penal” (idem, p. 1414).

Neste acórdão de fixação de jurisprudência nº 5/2011, considerou-se ainda que o assistente tem legitimidade para interpor o recurso quando tem interesse em agir; ora, “o interesse em agir do assistente, em sede de recurso, remete para a necessidade que ele tem de lançar mão desse meio para reagir contra uma decisão que comporte para si uma desvantagem, que fruste a sua expectativa ou interesses legítimos. (...) O assistente tem interesse em pugnar pela modificação de uma decisão que não seja favorável às suas expectativas” (ob. e loc. cit.). E concluindo:

“Deste modo (...) para o assistente poder recorrer, não há que fazer‑lhe outras exigências para além das que o artigo 401.º, n.º 1, al. b), comporta: que a decisão seja relativa a um crime pelo qual se constitua assistente (legitimidade) e seja contra ele proferida (interesse em agir)” (idem, p. 1415). 

Acresce um último argumento: fazendo suas as palavras de Cláudia Santos (em «Assistente, recurso e espécie e medida da pena», RPCC, 2008, p. 159-160) afirma “«o assistente tem um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça», sendo nessa «coincidência (ainda que apenas relativa e tendencial)» entre o «interesse da comunidade na administração da justiça penal» e o «interesse concreto do assistente em que a justiça penal encontre uma resposta adequada para a ofensa que lhe foi causada» que deve ser encontrado o «fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal».” (p. 1415).

Sabemos assim que o assistente atua no âmbito do processo penal não só defendendo um interesse coletivo como um interesse particular, havendo uma coincidência entre o interesse particular e o interesse coletivo na administração da justiça penal.

Porém, o art. 401.º, n.º 1, al. c), do CPP, impõe que o assistente só possa interpor o recurso relativamente a decisões contra ele proferidas. 

Pelo que temos que perguntar como se pode afirmar que uma certa punição do agente é contra o assistente? O ius puniendi  não é exclusivo do poder estadual?

Poderemos dizer que ainda existe um interesse próprio do assistente quando este questiona apenas a espécie e medida da pena, quando o recurso interposto não é orientado diretamente para um seu interesse particular, mas para um interesse que é o da comunidade no sentido da prevenção do crime?

 Entendemos que o assistente, que viu os seus bens jurídicos lesados com a prática do crime, tem também um interesse próprio na resposta punitiva dada pelo Estado.

Se podemos dizer, por um lado, que há um interesse da coletividade na resposta ao crime, há, por outro lado, um interesse concreto do assistente em uma resposta punitiva que entenda como justa tendo em conta os bens jurídicos que foram ofendidos. Na verdade, “enquanto assistente, ele tem o poder de procurar conformar a resposta à questão penal, que engloba quer a questão da culpa, quer a questão da pena. Logo, se através da operação de determinação da medida da pena em sentido amplo o Tribunal chegar a uma decisão contrária à pretensão manifestada pelo assistente no processo e que ofenda o seu concreto interesse na justeza da punição (...), dessa decisão deverá o assistente ter a faculdade de recorrer de forma autónoma” (Cláudia Santos, ob. cit., p. 165). Considerando-se que existe legitimidade e interesse em agir sempre que a decisão seja contra “pretensões fundadamente manifestadas pelo assistente durante o processo e quando essa resposta [ofenda] de forma não insignificante o seu interesse na determinação de uma sanção para o agente que considere justa” (idem).

E assim devemos entender a exigência imposta pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99 — o assistente deverá demonstrar que tem um interesse concreto e próprio em agir. O que não constitui uma interpretação inconstitucional por limitadora do direito ao recurso pelo assistente, e portanto, uma possível violação do disposto no art. 32.º, n.º 7, da CRP. Na verdade, o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 205/01 veio expressamente afirmar que a exigência imposta pelo acórdão uniformizador apenas veio cominar “um específico ónus de demonstração de um particular interesse” — “desde que mostre que da concreta escolha da medida da pena aplicada ao arguido lhe decorre específica e concreta lesão de interesses pessoais relevantes”.

Assim sendo, o assistente deve apresentar elementos que permitam concluir que aquela pena em que o arguido foi condenado lesa de forma não insignificante o seu interesse na atribuição de uma pena justa ao agente.

Nos presentes autos esse interesse é demonstrado em diversos pontos: começamos por salientar que o assistente aderiu à acusação do MP (cf. fls. 380) assim demonstrando claramente o seu interesse na condenação e punição do arguido; e interveio, através de mandatário, na audiência de discussão e julgamento (cf. fls. 507 e ss); posteriormente, e quando se questionou da sua legitimidade para interpor este recurso, veio invocar que sendo a vítima do crime e tendo sofrido com a sua prática, entende a pena como “diminuta, uma vez que, saindo o Arguido em liberdade, fica posta em causa a segurança da Ofendida, nomeadamente a sua própria vida”, receando que “o Arguido volte a atentar contra a sua vida”; e neste  ponto não podemos ignorar que quando o arguido se encontrava em prisão preventiva, e porque diariamente realizava telefonemas a perturbar a assistente, esta requereu que fosse aplicada, para além daquela medida de coação,  a medida de proibição de contactos, o que veio a acontecer (cf. fls. 459).

Não nos cabe agora avaliar da exatidão ou não destes argumentos, nomeadamente, quanto a saber se a pena será o meio adequado para dar segurança à assistente. Porém, a assistente mostra com eles um interesse próprio e concreto para interpor o recurso. Além de que expôs os motivos para considerar que a pena que foi atribuída é injusta: entende que, tendo em conta o “elevadíssimo grau da ilicitude dos factos”, “a perversidade demonstrada”, o “elevadíssimo grau de culpa”, a atuação do Arguido mostrando uma “olímpica indiferença perante a vida de terceiro”, as “elevadíssimas” exigências de prevenção geral”, um “juízo de prognose quanto ao comportamento futuro (...) sombrio”, o “perigo [que o arguido] constitui para a sociedade”, a pena se mostra “desajustada à gravidade dos factos e à personalidade do Arguido”. Ou seja, não vê na pena a resposta adequada à ofensa de que foi vítima, assim demonstrando um interesse próprio e concreto na interposição do recurso.

Pelo que entendemos ter a assistente BB legitimidade, de harmonia com as exigências imposta pelo acórdão de fixação de jurisprudência n.º 8/99, para interpor o presente recurso.

2. Sobre a medida da pena

A assistente recorre da medida da pena considerando que se mostra desajustada tendo em conta os aspectos referidos em 1, e entendendo que a pena deveria ser fixada entre 11 e 13 anos de prisão efectiva. O arguido foi condenado na pena de prisão (efetiva) de 7 anos, pela tentativa de crime de homicídio qualificado.

A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (de harmonia com o disposto nos art. 71.º, n.º 1 e 40.º do CP), deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os fatores de determinação da pena elencados no art. 71.º, n.º 2, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração).

Assim, fatores como a ilicitude do facto, o modo de execução do crime e a sua gravidade, a intensidade do dolo, e o comportamento anterior e posterior da arguida serão fatores a ter em conta na determinação da medida concreta da pena.

É certo que não podemos levar novamente para a determinação da medida concreta da pena os mesmos elementos que estiveram na base da qualificação do comportamento ilícito sob pena de violação do princípio da proibição da dupla valoração. Na verdade, “não devem ser utilizadas pelo juiz para determinação da medida da pena circunstâncias que o legislador já tomou em consideração ao estabelecer a moldura penal do facto” (Figueiredo Dias, Direito Penal Português (As consequências jurídicas do crime), Coimbra: Coimbra Editora, 2009 (2.ª reimpressão), § 314).

Poderá ser outra a conclusão quando nos referimos às circunstâncias que integram o exemplo-padrão no caso do homicídio qualificado?

A esta pergunta responde-nos Teresa Serra (Homicídio qualificado: tipo de culpa e medida da pena, Coimbra: Almedina, 1990, p. 107-109): “deve ou não valer, no domínio dos exemplos-padrão, o princípio da proibição do duplo aproveitamento? Procedem ou não aqui razões idênticas às que se verificam na formação de molduras penais através de elementos típicos? As respostas não podem deixar de ser afirmativas: a proibição do duplo aproveitamento deve valer igualmente para os exemplos-padrão. E deve ser assim porque procedem aqui razões idênticas às que se verificam na formação da moldura penal com recurso a elementos típicos: se a circunstância fundamenta uma moldura penal modificada, essa mesma circunstância não deverá já concorrer para a graduação da medida da pena. (...) [Assim] a valoração, a que o juiz não pode subtrair-se, deverá efetuar-se numa esfera bastante mais limitada, recorrendo essencialmente às circunstâncias generalizadoras constantes do n.º 2 do artigo 132.º, que depois não deverão ser tomadas em consideração na graduação da pena concreta”.

O arguido vem condenado pela tentativa do crime de homicídio qualificado, pelo que, de acordo com o disposto nos arts. 132.º, n.º 1 e 2, al. b), arts. 22.º e 23.º, e art. 73.º do CP, a moldura abstrata da pena de prisão é entre 2 anos, 4 meses e 24 dias e 16 anos e 8 meses.

Considerou-se provado que o arguido tentou matar a sua mulher e mãe da sua filha. Porém, este aspecto assim como as lesões de que foi vítima a assistente, constituíram elementos que permitiram qualificar a tentativa de homicídio. Agora, na determinação da medida da pena teremos que levar para a sua fundamentação outros elementos, sem que porém esqueçamos o dolo do agente e a ilicitude do  facto cometido (o arguido só parou de realizar a conduta agressiva quando viu a ofendida inconsciente — facto provado 16 —, e a morte da ofendida “só não ocorreu devido à intervenção médica imediata (...) por razões que em tudo foram estranhas à vontade do arguido — facto provado 17 —; as lesões determinaram 10 dias de incapacidade geral para o trabalho — facto provado 15 —, e incapacidade para o trabalho durante 1 mês — facto provado 29).

Assim, a especial relação entre o arguido e a vítima, a fundamentar a culpa agravada e a especial censurabilidade e perversidade do facto, também demonstrada pela forma como foi praticado e pelas lesões que provocou (cf. factos provados 9, 10, 11, 13, 14 e 15), que esteve na base da qualificação do homicídio não deve ser levada em consideração na determinação da medida da pena.

Porém, assume relevo na determinação da pena o facto de o arguido não ter antecedentes criminais e ter confessado parcialmente, pois nunca admitiu, de modo total, a sua culpa. O arguido expressa comportamentos de rebeldia, a agressividade e impulsividade (facto provado 39), mantém consumo regular de haxixe, bem como consumo abusivo de álcool (facto provado 51). No estabelecimento prisional onde se encontra é medicado e acompanhado pelos serviços de psiquiatria (facto provado 51) e sente a reclusão como penosa (facto provado 55). Foi sujeito a exame psiquiátrico, embora não se tenha concluído pela sua incapacidade para avaliar a ilicitude do facto ou incapacidade para se determinar de acordo com a sua avaliação. Conclui-se que tem uma personalidade do tipo border-line, tratando-se de uma doença crónica, não acidental, mas “não determinando alterações do juízo crítico, pelo que o doente, aparentemente, apresentava alguma capacidade para avaliar o carácter proibido dos seus actos, bem como de se determinar de acordo com essa avaliação” (facto provado 57).

E é também de salientar que após o cometimento do crime o arguido “deixou o rolo da massa no local, saiu para a rua e foi-se entregar à esquadra da P.S.P” (facto provado 12). Aquando das declarações prestadas em audiência de discussão e julgamento “confessou os factos constantes da acusação, exceto que quisesse matar a ofendida” (acórdão recorrido, p. 13, fls. 528).

Ora, a partir do limite máximo da moldura abstrata da pena (16 anos e 8 meses de prisão) e estabelecendo um ponto ótimo de proteção do bem jurídico, que atento o bem jurídico em causa se aproxima do limite imposto pela culpa e que andará próximo daquele limite máximo abstrato,  e atentas as necessidades de prevenção especial deverá ser estabelecida a pena concreta para a tentativa do crime de homicídio qualificado.

Se as necessidades de prevenção geral são significativas, não menores são as necessidades de prevenção especial. A ofendida “tem medo do argduido e medo que o mesmo volte a atentar contra a sua vida e que concretize aquilo de que a ameaçou, ou seja, que a mate” (facto provado 34), o que é relevante dado que também ficou provado que “a relação intra-familiar do agregado (...) desde cedo [tem] sido pautada por comportamentos obsessivos, explosivos e persecutórios por parte do arguido para com a companheira e filha menor, apresentando-se de um modo geral como um indivíduo de humor lábil, manipulador, rancoroso e impulsivo, com fraca resistência à frustração quando não vê os seus intentos satisfeitos ou quando é contrariado” (facto provado 46). E note-se que a presente agressão decorreu no seguimento de a ofendida lhe ter comunicado que pretendia a separação e após ter negado o seu perdão (facto provado 7). Porém, e dada a perturbação de personalidade de que padece, sem que, no entanto, lhe tenha limitado as competências para a avaliação do seu comportamento e determinação de acordo com as regras (cf. facto provado 57), deve manter o tratamento, sob pena de haver “riscos de recidiva” (idem). 

Isto porém, não se deve confundir com o medo que a assistente invoca, ou a necessidade de segurança que a assistente alega para que a pena deva ser aumentada. Estas não constituem finalidades das penas de harmonia com o disposto no art. 40.º do CP.

Todos os aspectos referidos, devem ser articulados com uma necessidade de não obstar a uma possível socialização de um delinquente primário e ainda como possibilidade de retomar uma vida longe do crime (o arguido tem 37 anos; nasceu a 23/11/1977).

Assim sendo, e por tudo o exposto afigura-se-nos que a pena em que vem condenado, de 7 anos de prisão efetiva, se mostra adequada.


III

Conclusão


Nos termos expostos acordam em conferência na secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça:

Negar provimento ao recurso interposto pela assistente BB.

Nos termos do disposto no art. 513.º, n.º 1, do CPP, são devidas custas no valor de 6 UC.

Supremo Tribunal de Justiça, 22 de janeiro de 2015

Helena Moniz (Relatora)

Nuno Gomes da Silva